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LETRA MORTA

Que tristeza a letra morta.


Como duro v-las pisoteadas como formiguinhas em um papel branco. Ali, alinhadas apenas
para fazer sentido, no sentindo, s sentido, em uma frase igualmente morta. Letras exangues,
plidas, estreis... letras figurativas nos cemitrios dos documentos. Ali elas no falam, s
calam, e caladas, estticas, cedem, inertes, suas exuberncias. Cedem o que poderiam ter sido,
cedem seus corpos, feitos para viverem das encarnaes de mistrios desconhecidos, cedem
sua majestade apenas para fazer sentido. A letra fria, to amada pela burocracia. A letra que
no diz nada, que s aponta, com seu cadver, aonde vai a fria estrada. Letras que no
desabrocham nem voam, sem beleza nem desespero, letras sem gosto, sem tempero! Mmias
cravadas no deserto, sem nenhuma idia por perto. Agrupadas em palavras com esmero
arranjadas, palavras que no se defendem e que j no podem nada. Letra, palavra, frase,
pargrafo, item, inciso, o raio que o parta! No jazigo do documento a letra sinaliza, mas no
fala!
Sua sonoridade no canta!
Sua sinuosidade no encanta!
Dissecadas at o talo, parecem dizer: a partir daqui eu me calo...
Ah, mas no h de ser nada, essa morbidez passa...
Que a metafsica do sentido eterna.
E a letra que no documento jaz morta a dar coeso aos esquemas, h de renascer vitoriosa,
flor de Sol, no jardim dos poemas...

Roberto Axe

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