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PRIVILGIO DO MAR

Neste terrao mediocremente confortvel,


bebemos cerveja e olhamos o mar.
Sabemos que nada nos acontecer.

O edifcio slido e o mundo tambm.

Sabemos que cada edifcio abriga mil corpos
labutando em mil compartimentos iguais.
s vezes, alguns se inserem fatigados no elevador
e vem c em cima respirar a brisa do oceano,
o que privilgio dos edifcios.

O mundo mesmo de cimento armado.

Certamente, se houvesse um cruzador louco,
fundeado na baa em frente da cidade,
a vida seria incerta... improvvel...
Mas nas guas tranquilas s h marinheiros fiis.
Como a esquadra cordial!

Podemos beber honradamente nossa cerveja


INOCENTES DO LEBLON
Os inocentes do Leblon
no viram o navio entrar.
Trouxe bailarinas?
trouxe imigrantes?
trouxe um grama de rdio?
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,
mas a areia quente, e h um leo suave
que eles passam nas costas, e esquecem.






CANO DO BERO

O amor no tem importncia.
No tempo de voc, criana,
uma simples gota de leo
povoar o mundo por inoculao,
e o espasmo
(longo demais para ser feliz)
no mais dissolver as nossas carnes.

Mas tambm a carne no tem importncia.
E doer, gozar, o prprio cntico afinal indiferente.
Quinhentos mil chineses mortos, trezentos corpos
[de namorados sobre a via frrea
e o trem que passa, como um discurso, irreparvel:
tudo acontece, menina,
e no importante, menina,
e nada fica nos teus olhos.

Tambm a vida sem importncia.
Os homens no me repetem
nem me prolongo at eles.
A vida tnue, tnue.
O grito mais alto ainda suspiro,
os oceanos calaram-se h muito.
Em tua boca, menina,
ficou o gosto do leite?
ficar o gosto de lcool?

Os beijos no so importantes.
No teu tempo nem haver beijos.
Os lbios sero metlicos,
civil, e mais nada, ser o amor
dos indivduos perdidos na massa
e s uma estrela
guardar o reflexo
do mundo esvado
(alis sem importncia).

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