CNPQ
FAPERJ
MINISTÉRIO DA CULTURA
AlphagraficsPinheiro/São Paulo
ABF/SBLL/UERJ
Ficha catalográfica
FILHO, Leodegário A. de Azevedo
Brasil 500 anos de Língua Portuguesa / Leodegário
A. de Azevedo Filho (organizador)
372 páginas - Rio de Janeiro, junho de 2000
COMISSÃO EDITORIAL
Álvaro de Sá
Amós Coelho da Silva
Marina Machado Rodrigues
Sumário
PARTE I
CONFERÊNCIAS.......................................................................................13
Língua, poesia e música em Cecília Meireles...................................15
Albano Martins (Universidade Fernando Pessoa, Portugal)
Questões de globalização e lusofonia..................................................21
Anna Hatherly (Universidade de Lisboa, Portugal)
D. Francisco Manuel de Melo no Teatro da Língua Portuguesa.......33
Evelina Verdelho (Universidade de Coimbra, Portugal)
Da construção lingüística da identidade. Um estudo de caso...............61
João Nuno Paixão Corrêa Cardoso (Universidade de Coimbra, Portugal)
Sintaxe camoniana: “Na qual quando imagina.”...................................73
Jorge Morais Barbosa (Universidade de Coimbra, Portugal)
Os estudos vicentinos: balanço e perspectivas......................................81
José Augusto Cardoso Bernardes (Universidade de Coimbra, Portugal)
Em defesa da Língua Portuguesa.........................................................91
Leodegário A. de Azevedo Filho (UERJ e UFRJ)
A Lusitania liberata ou A Restauração portuguesa em imagens .....95
Lilian Pestre de Almeida (Universidade Independente, Lisboa)
A Língua Espanhola e a sua função na obra catequética no Brasil.....111
Nicolás Extremera Tapia (Universidade de Granada)
O primitivismo literário de influência brasileira na poesia de
Angola....................................................................................................133
Salvato Trigo (Universidade Fernando Pessoa)
O léxico arcaico na história da Língua Portuguesa...........................143
Telmo Verdelho (Universidade de Aveiro, Portugal)
Tradução literária e comunicação cultural: o Português do Brasil em
Espanha..................................................................................................149
Xosé Manuel Dasilva Fernández (Universidade de Vigo, Espanha)
4 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
PARTE II
COMUNICAÇÕES ESPECIAIS...................................167
Análise contrastiva da variedade da Língua Portuguesa no Brasil e
em Portugal..........................................................................................169
Alessandra Dias Gervasoni (Universidade de Assis, SP)
José de Alencar e a língua nacional....................................................177
Ana Lúcia de Sousa Henriques (UERJ)
Duarte Nunes do Lião e a saudade do latim.......................................185
Antônio Martins de Araujo (ABF e UFRJ)
Língua e História do Brasil seiscentista em um manuscrito lusitano
.................................................................................................................197
Carla da Penha Bernardo (UFRJ)
Os utensílios de cozinha: português europeu do séc. XVI em confronto
com o português do Brasil no séc. atual..............................................207
Celina Márcia Abbade (UNEB/PPGL - UNBa)
É uma Língua Portuguesa, com certeza............................................217
Claúdio Cezar Henriques (ABF e UERJ)
Qual é a “língua brasileira” a se aprender na escola?.......................221
Darcília Simões (UERJ)
A defesa da fé no púlpito transdisciplinar............................................227
Geysa Silva (UFJF)
A indeterminação do sujeito no falar culto do Rio de Janeiro...........235
Hilma Ranauro (ABF e UFF)
As linguagens de Fernando Pessoa e Manoel de Barros................251
Isaac Newton Almeida Ramos
Edição diplomática de Gregório de Matos Guerra..............................261
José Pereira da Silva (ABF e UERJ)
Os sufixos tupi tyba ou tüba identificados com o sufixo português al...267
Luís César Saraiva Feijó (ABF e UERJ)
A Língua Portuguesa no Brasil: papel dos gramáticos na sua implantação
(participação em mesa-redonda)........................................................271
Manuel Pinto Ribeiro (ABF e UERJ)
Clarice Lispector e Maria Gabriela Ilansol: tentativas de descrever
sutilezas ou como dobrar a língua........................................................281
Maria de Lourdes Soares (UFRJ)
Um olhar sobre O memorial do convento - Saramago, primeiro Prêmio
Nobel da Língua Portuguesa................................................................293
Marina Machado Rodrigues (UERJ e ABF)
Tupinismos, africanismos, asiaticismos e o Dicionário Houaiss de
Língua Portuguesa..............................................................................303
Mauro Vilar (ABF e IAH)
Confrontos entre o Tupi antigo e a Língua Portuguesa....................317
Nataniel dos Santos Gomes (UFRJ e SUAM)
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 5
PARTE III
COMUNICAÇÕES LIVRES (Resumos).........................353
Isoglossas do português.......................................................................355
Afrânio da Silva Garcia (UERJ-FFP)
O contorno semântico-sintático dos adjetivos em “O coruja” de Aluísio
de Azevedo..............................................................................................355
Afrânio da Silva Garcia (UERJ-FFP)
Intertextualidade como característica da língua literária machadiana
.................................................................................................................355
Alexandre Marcelo Matos (UFJF)
A cidade na obra de Lima Barreto e Almada Negreiros.....................356
Ângela Maria Thereza Lopes (UniverCidade – Univers. de Sá)
As figuras femininas em A geração da utopia de Pepetela...............356
Assunção Maria Sousa e Silva (UFRJ)
O ‘sociolingüista’ Mário de Andrade e o problema da língua brasileira
.................................................................................................................357
Carlos Alexandre Victorio Gonçalves (UFRJ)
História externa do português do Brasil............................................357
Castelar de Carvalho (ABF e UFRJ)
Diálogo entre tradições: uma leitura de “A cartomante” de Machado de
Assis.......................................................................................................357
Cecília de Macedo Garcez (UFJF)
O fim de Arsênio Goddard de João do Rio: o destino de um voluntarioso
Cláudio de Sá Capuano (UFRJ e CMRJ)...............................................358
Os caminhos da memória. Esquecer e lembrar. Uma leitura de Baú de
ossos de Pedro Nava...............................................................................358
Cristina Ribeiro Villaça (UFJF)
Texturas da narrativa de Autran Dourado...........................................359
Irene Jeanete L. Gilberto (Univers. Católica de Santos)
Neologismos formados por empréstimos na Língua Portuguesa escrita
contemporânea do Brasil......................................................................359
Isabel Aparecida S. Stamato (PG- FCL – UNESP)
O português do Brasil: a língua de Alencar .......................................359
Jorge Marques (UFRJ e CMRJ)
6 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
PARTE IV
MINICURSOS..........................................................................................367
1 - “Edição crítica da lírica de Camões”, com as participações de Álva-
ro de Sá (ABF); Marina Machado Rodrigues (UERJ) e Xosé Manuel
Dasilva Fernández (Universidade de Vigo, Espanha).....................369
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 7
Apresentação
Realizou-se, no período de 26 a 30 de julho de 1999, o Congres-
so Internacional-Brasil: 500 Anos de Língua Portuguesa, no
Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Minicursos
Parte I
Conferências
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 15
Língua, poesia e
música em Cecília Meireles
Albano Martins
.............................. palavras,
que estranha potência, a vossa!
lo rei ser
co re ( as a as de ( tas )
(∪ - / ∪ ∪ - / ∪ ∪ - /)
O de Pessanha:
(∪∪- / ∪ ∪∪ - / ∪ ∪ - /)
................................. palavras,
que estranha potência a vossa!
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia...
E então pergunto:
1) Não será acaso tarefa do pensamento criador tentar a
exploração do mundo da diferença?
2) A criatividade, a todos os níveis, não será acaso a expres-
são duma procura da secreta relação que existe entre o homem e
o mundo, destinada a promover imaginativamente a compreen-
são do outro?
O exemplo da lusofonia surge, assim, como algo que se atin-
ge através duma compreensão da unidade superior da língua portu-
guesa, que poderá transformar-se em “uma ponte eterna sobre a
corrente dos séculos, como tem sido uma ponte sobre a vastidão
do oceano.”1
Dois exemplos recentes da harmoniosa expressão da lusofonia:
para além da arreigada competência e dedicação com que no
Brasil se estudam os autores portugueses, quero assinalar aqui a
recentíssima edição da Antologia da poesia portuguesa con-
temporânea, organizada por Alberto da Costa e Silva e Alexei
Bueno, que inclui dezenas de poetas.2
Também recentemente, em Maio, mas em Portugal, reali-
zou-se em Sintra a II Festa da Língua Portuguesa, um encontro de
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 25
Homo angolensis
O número quatro
Ser tigre
Cabo Verde:
Arménio Vieira, p.116
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 27
Imerecimento
Adormeço
Na luz
dos teus olhos
vejo Veneza
que não conheço
Ondulo
num círculo
de ondas
de levitação
Confesso:
não mereço
a ternura
da gôndola
acariciando
as águas
onda a onda
O nosso medo
Agora
a memória vasculha
os quatro cantos da cidade
e encasacados os ex-amigos
rastejam emaranhados nas raízes
subterrâneas do seu medo
e ágeis as suas mãos embraiam reluzentes
besoiros que dilaceram as estradas
bebendo sequiosos o sangue dos ventos.
Vasculha
as ruas
de ponta a ponta
a memória
28 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Lá no Água Grande
O sal da língua
Portugal: Eugénio de
Andrade, p. 195
A fala
Estou aqui
Ó Brasil
terra maravilhosa
onde cresce
a fruta mais gostosa
Quero comer
quero beber
água de coco
quero provar
fruta de cajá
caju
capuaçú
goiaba
abacate
abacaxi
aruças
aracás
joá
cambois
mamão
mangava
macujé
mangará
maracujá
mapurunga
mandacarú
pitomba
pitanga
piquiá
ananás
umbu
mandacaru
oitituruba
genipapo
As romãs rubicundas, quando abertas
à vista agrados são; à língua ofertas*
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 31
Ah!
Há um mundo na língua!
Notas
1
Cf. Leodegário A. de Azevedo Filho, A língua, portuguesa e a
unidade do Brasil, Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Filologia,1999,
p.22
2
Esta Antologia foi publicada no Rio do Janeiro, pela Editora Nova
Aguilar, em 1999.
3
Infelizmente não foram incluídos poetas da Ásia nem da Oceania,
onde se destaca Xanana Gusmão, de Timor, cuja poesia é regularmente de
antologias e recitais em Portugal.
4
Organização do Instituto Camões, de Lisboa, Edição da Câmara
Municipal de Sintra, Maio de 1999
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 33
vas e dos comentários que lhe faz D. Gil Cogominho), e, mais de-
senvolvida e explicitamente, na Visita. Nesta obra lê-se: «Pelo mes-
mo caso que os gramáticos de contino desentranham os idiomas e
fazem a varrela, e muitas varrelas, à linguagem, são de contínuo os
que pior falam, escrevem e conversam (…)» (p. 110; cf. também
pp. 109 e 111).
Em relação à Língua Portuguesa realizada na conversação,
são sobremaneira interessantes as observações registadas na Car-
ta e na Visita sobre modos de tratamento, em particular os que se
cumprem através das formas pronominais «tu», «vós», «ele», «ela»,
e de «senhor e «senhora», «dom» (ou) «dona», «mercê», «senhoria
» e «excelência». Na primeira obra, D. Francisco Manuel de Melo
considera o tratamento entre marido e mulher, aconselhando alguns
usos, desaconselhando outros. Veja-se: «O Tu é Castelhano e por
mais que eles o achem carinhoso, como lá dizem, é palavra muito de
praça e que ao mais não deve de quebrar a menagem da câmara
para fora. O Vós é Francês, que com um Vous receberam a mesma
Rainha Sabá, se cá tornara. Tenho-o por demasiado vulgar. O Ele e
Ela, um Ouve Senhor, Que diz Senhora, é termo bem Português,
assaz honesto e bem soante» (Carta, p. 177). E continua, não es-
quecendo certamente a apropriação abusiva – a despeito de dispo-
sições legais que regulavam o seu emprego – das fórmulas que
menciona, por pessoas que não tinham elevado estatuto social: «As
Senhorias e Excelências, a quem pertencem, gravidade induzem;
mas parece um certo modo de esquivança tratar um homem sua
mulher como que se o não fora. Fiquem-se para os Príncipes e Reis
as Altezas e Majestades (…)» (ibidem). Na segunda obra, pela voz
de Apolo, é descrita pormenorizadamente a maneira como, segun-
do os ditames da galanteria, as damas e os seus servidores se trata-
vam em três «pontos» ou circunstâncias (que o autor – no seu jeito
de se deter em certas palavras – explica serem também chamadas
«momentos, partes, ou ocasiões», informando ainda depois que «par-
tes» é usado com outro significado, isto é, ‘inimigos’ (Visita, pp. 122
e 126). Essas circunstâncias são: a conversação «em lugares públi-
cos diante dos Reis»; entre as damas que passeiam em coche e os
galantes que se colocam ao lado; na «cabeça de motes», complexa
composição poética, entretecida de perguntas e respostas. Além
disso, Apolo indica a forma de tratamento entre as damas e os seus
noivos, especialmente segundo a «lei do Paço», quando se acordava
o casamento (Visita, pp. 122-127).
Qualidades e principalmente imperfeições da prática
38 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
entre as obras que elaborara, observa que se acha «agora tão bem
com estilo corriqueiro», e que faz propósitos «de não tornar ao [es-
tilo] majestoso» (p. 99).
Ora, o estilo desse apólogo – «descansado estilo», segundo as
palavras da respectiva dedicatória (p. 87) – distingue-se do das
Epanáforas, em cuja escrita eloquente se empenhou, como se de-
duz de vários passos (cf. por exemplo, pp. 354 e 481; veja-se o
estudo da Prof.ª Maria Lucília Gonçalves Pires, “Epanáfora trágica:
viver e escrever história”, in Xadrez de palavras, Lisboa, 1996, pp.
173-185), e com nenhum deles se identifica o das orações acadé-
micas, espessas de elegâncias e ornatos de linguagem. Encontra-se
também uma paleta variada de estilos, no volume das suas cartas,
em que o familiar se cruza com o solene, o mesmo se podendo dizer
de composições em verso que integram as Musas portuguesas,
ora graves, ora jocosas.
Alguns editores e comentadores da farsa O Fidalgo apren-
diz consideraram que a fala da figura nuclear, D. Gil Cogominho,
integra formas linguísticas populares, e que com elas D. Francisco
Manuel de Melo terá pretendido sublinhar o perfil rústico da figura.
Em rigor, a maior parte das formas que foram distinguidas sob tal
perspectiva pertencem ao fundo comum linguístico português
seiscentista, sendo idênticas a outras que se detectam no próprio
discurso do autor, tal como é documentado pelo manuscrito autó-
grafo de A Visita das fontes, e não são características ou exclusi-
vas da linguagem das pessoas iletradas do povo. Algumas outras,
todavia, podem ser classificadas de populares em tal acepção,
como, por exemplo, - intés - e - home - ( pp. 59 e 86). Em Os
relógios falantes, o Relógio da Cidade apresenta na sua fala -
depois» (p. 11), enquanto na do seu interlocutor aldeão vemos -
despois - (ibidem), e - samos - , em vez de - somos - (p.13).
Perante estes e outros elementos semelhantes poderá admitir-se
que D. Francisco Manuel de Melo teve em vista modalizar a
linguagem das figuras ou personagens que tomam voz nas suas
obras, em consonância com os estatutos sociais e culturais que
lhes atribuiu, mas será necessário, para se avançarem asserções
precisas sobre este ponto, dispor-se de estudos minuciosos da
linguagem do escritor, que colham fundamentação dos raros
autógrafos que dele nos chegaram, onde as formas linguísticas se
mostrem tal como saíram da sua mão, e não eventualmente
alteradas por interferência de copistas, tipógrafos ou editores.
Como quer que seja, pode dizer-se que o Polígrafo, ao pôr em
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 41
Notas bibliográficas
Obras e edições citadas de D. Francisco Manuel de Melo
Diversidade e unidade da
língua na hora da globalização
Fernando Alves Cristóvão,
da Universidade Clássica de Lisboa.
O tema que me foi proposto, relativo à unidade e diversidade
da Língua Portuguesa, aceitei-o de muito bom grado, pois a esta e
outras questões afins tenho dedicado boa parte do meu percurso
académico.
Proponho-me tratá-lo reflectindo sobre a incidência nas lín-
guas, dos fenómenos culturais e sociais que no nosso século
condicionaram e condicionam a Língua Portuguesa, nomeadamente
o moderníssimo fenómeno da globalização.
Todos sabemos como foi necessário no Brasil, desde José de
Alencar e Carlos de Laert, em especial, reivindicarem contra
Castilho, Pinheiro Chagas e Camilo, a existência de uma norma
brasileira, de um estilo próprio.
Felizmente que tudo se esclareceu fazendo-se justiça tanto à
diversidade como à unidade da língua pois não se tratam de duas
dinâmicas alternativas, mas complementares.
Na convergência destas duas realidades se tem vivido e con-
tinua a viver nos nossos dias, porque a Língua Portuguesa não tem
um dono mas vários condóminos que a usam como sua.
Lapidarmente afirmou Celso Cunha, a este propósito: “Che-
ga-se assim à evidência de que para a geração actual de brasilei-
ros, de cabo-verdianos, angolanos, etc, o português é uma língua
tão própria, exactamente tão própria, como para os portugueses.
E em certos pontos, por razões linguísticamente justificáveis,
na Românica nova, a língua se manteve mais estável do que na
antiga Metrópole”1 .
Mas, para se chegar a esta situação de estabilidade tranquila,
largo e difícil caminho foi necessário percorrer.
44 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Notas
1
Celso Cunha, Uma Política do Idioma, Rio, Liv.S.José, 1964, p.34
2
Ignacio Ramonet, Geopolítica do Caos, Rio, Vozes, 1998
3
Fernão de Oliveira, Gramática
4
Virgínia Mattos e silva, “Diversidade e Unidade – A Aventura Lin-
guística do Português, (2ªparte)”, in Revista Icalp, Lisboa, 1988, p.15
5
Barbosa Lima Sobrinho, A Língua Portuguesa e a Unidade do Bra-
sil, , 1958, p.177
6
Paul Teyssier, Histoire de la Langue Portugaise, Paris, PUF, 1980,
p.117
7
Jean-Michell Massa, “La Langue Portugaise en Afrique”, in Lexikan
des Romanistischen Linguistik, Tobugen, 1994, p.575
8
Comissão Nacional para o Aperfeiçoamento do Ensino / Aprendi-
zagem da Língua Nacional – Relatório Conclusivo,Ministério da Educa-
ção, Janeiro de 1986, p.4
9
António Houais, O Português no Brasil, Rio, Unibrade, 1985, p.141
10
Comissão Nacional para o Aperfeiçoamento…, p.5 e 6
11
António Houais, ibidem, p.15
12
Silvio Romero, O Elemento Português, Lisboa, Tipografia da Com-
panhia Nacional Editora, 1902, p.11
13
ibidem, p.33
14
ibidem, pp 32-33
15
ibidem, p. 49
16
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Lisboa, Ática, 1982, p. 17
17
Fernando Pessoa, em textos – fragmentos, publicados in Sobre Por-
tugal, dir. de Joel Serrão, Lisboa, Ática, 1978, p.229
18
Fernando Pessoa, ibidem, p. 121-122
19
Fernando Cristóvão, “Fernando Pessoa e a Lusofonia a haver”, in
Letras, Edição especial dedicada a Fernando Pessoa, Santa Maria, Univer-
sidade Federal de Santa Maria, 1995, p.91
20
Joel Serrão, ibidem, p.237
21
Charles Boxer, Four Centuries of Portuguese Expansion, 1415-
1825, Succint Survey,
22
Fernando Cristóvão, “As literaturas de Língua Portuguesa em áreas
tropicais”, in Notícias e Problemas da Pátria da Língua, Lisboa, Icalp,
1987, p.91
23
Octávio Ianrri, A Era do Globalismo,3ª ed.,Rio,Civilização
Brasileireira,1997,p.12
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 61
Da construção lingüística da
identidade. Um estudo de caso. 1
1. Considerações prévias
3. O.I.L.H. - 97
O Inquérito Linguístico foi aplicado nas Escolas de Harburg
e de Hamburgo, da Missão Católica Portuguesa, pertencentes à
zona consular de Hamburgo, em Maio de 1997, e a fase posterior
de confirmações realizou-se em Maio de 1997, e a fase posterior
de confirmações realizou-se em Fevereiro de 1998. Composto
por três Questionários (A, B e C), permitiu a obtenção de dados
junto quer do corpo docente, quer da população escolar que fre-
quenta, mais ou menos assiduamente, as aulas de língua e de cul-
tura de origem (da 1 geração).
Durante a aplicação do I.LH-97, auscultei igualmente as ori-
entações das vontades políticas e institucionais em matéria educativa
e (socio)linguística - a) da Direcção da Escola da Missão Católica
Portuguesa em Hamburgo e em Harburg, na pessoa do Padre
Dr.Eurico José de Azevedo, b) junto do Dr. José António Fernandes
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 65
4. Apresentação da amostra
9 raparigas
Grupo I 5 classe 11.6
12 rapazes
13 raparigas
Grupo II 7 classe 13.1
11 rapazes
25 raparigas
Grupo III 9 classe 15.3
10 rapazes
6. Epílogo
A aproximação a esta complexa realidade escolar, em tempo
aparente e vivida por uma população não natural, dá-nos a medida
exacta do que ocorre no terreno. Durante a adolescência, as crises
que lhe são inerentes fazem-se acompanhar, de maneira reforçada,
pela instabilidade nos processos pluridimensionais e funcionais das
auto e hetero-identificação linguística (e cultural) uma vez que há
mais do que um modelo orientador colectivo proposto.
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 71
Notas
1
Trata-se do primeiro estudo de um conjunto amplo em que desen-
volverei outros temas a partir dos dados obtidos por intermédio do I.L.H
– 97 ou em que retomarei, para desenvolvimento teórico, pistas que a
análise aqui avançada me tenha sugerido ao longo da elaboração do
presente texto. À Prof. Doutora Maria Manuela Gouveia Delille, do
Instituto de Estudos Alemães da Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra, quero expressar a minha gratidão por me ter proporcionado
ambas as estadias na Alemanha, sem as quais não só o trabalho de
campo teria sido impossível, bem como as subsequentes pesquisa, refle-
xão e sistematização, de que o presente texto é subsidiário.
2
Programa de Língua e cultura portuguesas para 5 e 6 anos de
escolaridade, Ministério dos Negócios Estrangeiros - Secretaria de Es-
tado dos Negócios Estrangeiros e da Emigração.
3
Programa de Língua Portuguesa, Ministério dos Negócios Es-
trangeiros Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Emigra-
ção, p.3.
4
Programa de cultura portuguesa, Ministério dos Negócios Estran-
geiros – Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Emigração,
p.3
5
Cf. a título ilustrativo ANTUNES, M. F., SILVA, M. R, TEIXEIRA,
M., 1994' Programa de língua e cultura portuguesas, Lisboa, Ministério
da Educação
33
- Departamentc da Fducação Básica.
A obtenção de todo o material linguístico só foi possível pela
acção adjuvante de três professoras cujo elevado profissionalismo e
adesão ao projecto me impressionaram ao tornarem possível o meu con-
tacto (imediato e prolongado) com os alunos das suas turmas, como pela
disponibilidade e cuidado que revelaram ao responder ao I.L.H.-97/A
(Questionário 1.). As Dr.as. Maria Isabel M. Dantas de Brito, Regina
Correia e Ana Paula Fonseca Pilzecker deixo lavrado um especial agrade-
cimento.
7
De acordo com as informações prestadas pelas respectivas pro-
72 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Sintaxe camoniana:
“Na qual quando imagina.”
Jorge Morais Barbosa,
da Universidade de Coimbra.
2.
Sustentava contra ele Vénus bela,
Afeiçoada à gente lusitana
Por quantas qualidades via nela
Da antiga, tão amada sua, romana,
Nos fortes corações, na grande estrela
Que mostraram na terra tingitana,
E na língua, na qual quando imagina
Com pouca corrupção crê que é a latina.
Os estudos vicentinos:
balanço e perspectivas
José Augusto Cardoso Bernardes,
da Universidade de Coimbra
Referências bibliográficas
Notas
1
Esta contabilidade exacta figura na Bibliografia vicentina que tem
vindo a ser publicada por Constantine Stathatos e que conta já dois
volumes: A Gil Vicente Bibliography (1940-1975), London, Grant &
Cutler Limited, 1980 e A Gil Vicente Bibliography (1975-1995), With a
Supllement for 1940-1975, Bethlehem: Leigh University Press/London:
Associated University Press,1977.
2
Para uma resenha dos estudos vicentinos do século XIX aos
nossos dias veja-se o meu Sátira e Lirismo, p. 10 e s.
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 91
série, p.161).
Aliás, antes de Álvaro Lins, mas no mesmo sentido, já havia
observado Mário de Andrade: “É quase lapalissada afirmar que
só tem direito de errar quem conhece o certo. Só então o erro
deixa de o ser, pra se tornar um ir além das convenções, tornadas
inúteis pelas exigências novas de uma nova expressão.” (O
empalhador de passarinho, p.215). E daí se conclui que a língua
literária, sem deixar de ser uma modalidade da língua culta ou
exemplar, apresenta liberdade de expressão artística, por vezes
infringindo-se a norma criadoramente. Em poucas palavras,
entende-se por língua literária escrita a língua da literatura, pois
esta se sobrepõe à língua falada, embora dela se alimente, para
melhor espelhar a cultura de um povo. Assim, a penetração de
fatos da língua falada na língua escrita da literatura, com naturais
desvios da norma lingüística gramaticalmente institucionalizada, é
comum a todas as literaturas, não sendo a nossa nenhuma exceção.
Sem conhecimento da norma culta ou exemplar, será sempre
admissível que, por ignorância, se fale ou escreva mal. Mas um
escritor, conhecendo a norma culta da sua língua, dela pode afastar-
se estilística e criadoramente. Até porque todos sabemos que há
diferenças entre a língua escrita, em suas diferentes modalidades
sempre ajustada à norma culta, e a língua falada, em seu curso
mais livre e espontâneo.
Tudo isso facilmente se verifica quando se cotejam as línguas
literárias de Portugal, do Brasil e das Nações Africanas irmanadas
pelo mesmo sistema, nelas logo se depreendendo múltiplos fatores
de convergência e de divergência. Como é evidente, a linguagem
literária brasileira, bem assim a linguagem literária das nações
africanas aqui citadas, regionalmente vão exprimir a própria cultura,
não sendo exatamente a mesma de Portugal. Lá, na antiga Metrópole,
existem falares, como o minhoto, o alentejano ou o algarvio, como
aqui temos falares regionais do Norte, Nordeste, Centro e Sul, o
mesmo ocorrendo em África. A língua, como sistema, é claro que é
a mesma. Mas comporta, tanto em Portugal, como no Brasil e Nações
Africanas, natural diversidade de normas e de usos. Conseqüen-
temente, cai por terra o ideal fantasioso e inútil de uma língua literária
intangível ou desligada da realidade cultural dos povos que a falam.
Na prática, embora persista o sentimento da língua comum, em face
da integridade do sistema com todas as suas estruturas fônicas e
mórficas, temos plena consciência da divergência dos fatores
culturais. Dito de outro modo, Portugal se insere numa cultura
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 93
A Lusitania liberata ou A
Restauração portuguesa em imagens
Análise de algumas das gravuras da obra de António de
Sousa de Macedo sobre a Restauração.
L.A.XVII.0609 1-3
no século XVII.
Consideramos aqui as 13 gravuras na ordem do seu apareci-
mento em confronto com o texto que as acompanham. Assim, em
cada gravura buscamos fazer uma leitura articulada da mensagem
icónica e linguística. A relação do texto com a imagem é, na maioria
das vezes, complementar e ideológica. Diante da polissemia (ou
ambiguidade) da imagem, as inscrições em latim ancoram, no espí-
rito do leitor, um determinado significado que se torna, assim, predo-
minante e privilegiado. As inscrições latinas criam uma teia simbóli-
ca de significados que buscamos destacar.
Observe-se por fim que as gravuras distribuem-se de forma
irregular no volume: há seis gravuras no Livro I; uma no Livro II e
seis no Livro III.
No Livro I, as duas primeiras ligam-se a acontecimentos con-
temporâneos: o retrato do novo Rei e o frontispício alegórico com
a luta dos dois animais simbólicos, o dragão e o leão. Seguem-se
os momentos fortes da evolução do reino português até a crise
dinástica: Afonso Henriques, Ourique, D. João I, a árvore
genealógica de D. Manuel I.
No livro II, a imagem da fénix renascida faz a transição entre
o passado de Portugal e a Restauração.
No livro III, todas as gravuras sem excepção dizem respeito
ao novo rei português.
Ad Lusitanima liberatam
(à Lusitânia liberada)
O conde D. Henrique
Ergueste-a, e fez-se.
CAPUT III
Stemma Lu_itani Scuti declaratur.
3. Conclusão.
Bibliografia:
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VIEGAS, Antonio Pais. Principios del Reyno de portugal. Con vida
y hechos de Don Affonso henriques su primero Rey. Lisboa, Off. Paulo
Craesbeeck, 1641.
110 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Notas
1
Catálogo das obras impressas no século XVII. A Colecção da
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Lisboa, 1994. Apresentação do
Professor Doutor José V. de Pina Martins. Introdução, organização, bibli-
ografia, catalogação e índices por Júlio Caio Velloso. Indicado daqui em
diante por LL.
2
Sobre o assunto veja-se BUESCU, Ana Isabel. O milagre de Ourique
e a História de Portugal de Alexandre Herculano. Lisboa, INIC, 1987.
3
VIEGAS, Antonio Pais. Principios del Reyno de portugal. Con
vida y hechos de Don Affonso henriques su primero Rey. Lisboa, Off.
Paulo Craesbeeck, 1641, f. 2vº e 3.
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 111
a) Composições unilíngües
Em Português 12
Em Espanhol 34
Em Tupi 18
Em Latim 2
_
66
112 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
b) Composições bilíngües
Em Português e Espanhol 1
Em Português e Tupi 2
Em Português e Latim 2
_
5
c) Composições trilíngües
No teatro:
O uso do latim.
Na Poesia
Já furtaram ao Moleyro
Seu Pelote domingueiro
Destino em espanhol
Resumindo:
Todas as canções com destino exclusivo em tupi (4) têm como
modelo também exclusivo canções religiosas ou áulico-religiosas
conhecidas no âmbito da Companhia.
Todas as canções com destino exclusivo em português (2)
são de origem popular dirigidas à comunidade portuguesa onde
deviam ser muito populares música e letra.
A imensa maioria (7) dos contrafacta identificados total ou
parcialmente são em espanhol e de origem e conteúdo cultos.
A conclusão mais evidente que podemos tirar da obra lírica
de Anchieta, seja esta contrafactística ou não, é que as composi-
ções em espanhol predominam em quantidade, em popularidade e
em qualidade tanto na origem como no destino.
A qualidade destas composições em espanhol em relação ao
resto da produção literária de Anchieta seria um elemento distinti-
vo duma finalidade superior no plano didáctico.
Esta actividade situar-se-ia no ponto culminante da instrução
catequética destinada aos filhos dos colonos e aos índios que teri-
am merecido aceder a uma formação conducente ao ingresso nos
124 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
colégios da Companhia.
Deste modo deveremos entender a carta de Nóbrega ao Padre
Mestre Simão datada em 1552:
[...]
Já tenho escripto por vezes a Vossa
Reverendissima como nestas partes
pretendiamos criar meninos de Gentio, por
ser elle muito, e nós poucos, e sabermos-
lhe mal fallar em sua lingua, e elles de tan-
tos mil annos criados e habituados em
perversos costumes, e por este nos parecer
meio tão necessario á conversão do Gentio:
trabalhamos por dar principio a casas, que
fiquem para emquanto o mundo durar,
vendo que na India isso mesmo se pretende,
e em outras partes muitos collegios, em que
se criem soldados para Christo.15
Poemas catequéticos:
DIVINUM PANEM
Notas
1
Serafim Leite, no tomo V, da sua História da Companhia de Jesus
no Brasil, afirma: “A esta Aldeia andam unidas a Gramática e o Catecismo
Kiriri, feitos pelo P. João de Barros, mas que nesta Aldeia estudou e prepa-
rou para a imprensa o P. Mamiani, sob cujo nome correm mundo”. p. 326.
2
Lima, Luiz Soares de - “Anchieta: o Poliglota, o Gramático e o
Escritor nos Nossos Começos”, in VV.AA. - “Estudos universitários de
língua e literatura. Homenagem ao Prof. Dr. Leodegário A. de Azevedo
Filho. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993. 267-289 (pp. 268 y 269)
3
Cioranescu, A. José de Anchieta, escritor. La Laguna, Instituto de
Estudios Canarios, 1987. p. 13.
4
Vid. Meliá, Bartolomeu, S. J. La création d’un langage chrétien
dans les réductions des guarani au Paraguay I Thèse pour le doctorat
en sciences religieuses. Université de Strasbourg. Faculté de Théologie,
1969. p. 118.
5
Marchant, Alexander, 1912- Do escambo à escravidão: as rela-
ções econômicas de portugueses e índios na colonização do Brasil,
1500-1580. Tradução de Carlos Lacerda.- 2. edição.- São Paulo: Ed. Na-
cional; [Brasília]: INL, 1980. p. 82
6
José de Anchieta , S.J. Poesias . Manuscrito do séc XVI, em
português, castelhano, latim e tupi. Transcrição, traduções e notas de
M. de L. de Paula Martins. São Paulo, 1594. p. 583.
7
Ibidem. p. 603.
8
Ibidem. p. 665.
9
Ibidem. p. 681.
10
Cit pelo P. Armando Cardoso, in P. Joseph de Anchieta S.J. Tea-
tro de Anchieta, Obras Completas 3. volume. Originais acompanhados
de tradução versificada, introdução e notas pelo P.....São Paulo, Edições
Loyola, 1977. pp. 98-99
11
Vid. P. Joseph de Anchieta S.J. Teatro de Anchieta, Obras Com-
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 129
I I
Cantemos, Christãos, alegres Dokamara Christãos han y,
A Deos Filho mil louvores, Inhûra túpam diwjli
O qual de Maria Virgem o dsého do quemâplea
Por nòs nasce, & se fez homem. Mo imuddhu Virgem Maria.
23
Sobre Mamiani escreve Inocéncio: “Segundo uma das interes-
santes notas que acompanham a descripção das obras d’este auctor na
Bibliographia da lingua tupi ou guarani, pelo sr. Valle Cabral 9 p. 14), o
padre Luiz Vicencio Mamiani della Rovere pertencia a uma illustre familia
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 131
A masculina é aricobé
Cuja filha Cobé um branco Paí
Dormeu no promontório de Pacé.
séc. XIII. Somos levados a imaginar que seria muito fácil comuni-
carmos nós actualmente com Pero Vaz de Caminha, se ele pudes-
se tornar à Terra de Santa Cruz, passados 500 anos, e falar-nos
nesta assembleia. O mesmo não aconteceria certamente com el
Rei D. Afonso II e com os seu notários, ou com os poetas que
naquele tempo cantavam amores. Provavelmente, o próprio Pero
Vaz de Caminha teria mais dificuldade em entender o português
falado 300 anos antes do que entender esta língua que nós fala-
mos 500 anos depois.
Quer dizer, a degradação arcaizante da memória da língua
parece atenuar-se ao longo dos últimos séculos, estaremos peran-
te um abrandamento do processo de envelhecimento da língua.
A hipótese fundamenta-se sobretudo na observação do ritmo
de sedimentação lexical.
No séc. XVI, os leitores da língua escrita portuguesa encon-
trariam mais arcaísmos no texto patrimonial a que tinham acesso,
do que nós encontramos hoje no texto produzido durante os cinco
séculos subsequentes.
Será necessário distinguir, por um lado, a massa lexical arcai-
ca, constituída por um conjunto de formas que poderemos consi-
derar completamente obliteradas como os verbos “filhar”, “leixar”,
que perderam qualquer ligação com o vocabulário activo, e por
outro lado, as palavras desusadas e todo o conjunto lexical carac-
terizado por conotações arcaizantes mas que mantêm em relação
à língua moderna uma espécie de motivação interna que facilita a
sua interpretação.
São sobretudo as primeiras, as palavras que perderam qual-
quer ressonância no sistema lexical do português contemporâneo,
que podemos designar de arcaísmos profundos e que marcam a
ruptura de intercompreensão no percurso da memória linguística.
Ainda neste âmbito são particularmente determinantes as formas
que foram de uso mais frequente e especialmente as partículas de
ligação ou de significação gramatical como os pronomes, os ad-
vérbios, as preposições e as conjunções.
No séc. XVI pode marcar-se com uma certa precisão o limi-
te entre um dicionário arcaico e um dicionário do português mo-
derno. Todos os estudiosos da periodização da língua assinalam
esta fronteira diacrónica. Logo no século XVII, Jorge Cardoso no
Agiológio Lusitano (1657, t.II) e Frei Manuel do Sepulcro, na
Refeiçam Espiritual anotam (cito deste último): “E naõ ha duvida
que maior mudança fez a lingua Portugueza nos primeiros vinte
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 145
crás, desi, en, ende, dende, por ende, ensembra, i (ibi - y, hi), guisa,
juso / suso, mais (mas), oi, oimais, ormais, ogano, pero, empero, de
pram, ren, samicas, tamalavez, toste, u/hu (ubi).
Deve notar-se que esta instrumentação gramatical tornou-se
muito mais estável ao longo dos últimos quinhentos anos e quase
não se encontram mais formas perdidas.
Há também um conjunto de verbos que sofreram uma forte
obsolescência e, porque muito provavelmente tinham uma eleva-
da frequência no português medieval, a sua presença ou ausência
repercute-se de maneira sensível no horizonte lexical destes dois
momentos da história da língua.
Citarei apenas alguns:
acaecer, apartar, cousir, departir, enader, esguardar, filhar,
gaançar, guarir, guisar, iguaar, leixar, liar, osmar, nembrar/renembrar,
prasmar, quitar, retar, rezoar, saar (sanare), seer, talhar, tolher, traer.
Cada um destes verbos têm a sua história e o seu percurso
diacrónico. Quase todos eles se apagaram da memória lexical
portuguesa activa antes do século XVI.
Destacarei entre eles os verbos filhar, leixar e guisar, que
no século XV eram verbos de ocorrência bastante frequente.
Em Fernão Lopes, na Crónica de D. Fernando, o verbo
“filhar” tem 23 ocorrências; “guisar” tem 8 ocorrências e guisa
têm 290; “leixar” tem 127 ocorrências e a forma moderna “dei-
xar” não tem nenhuma; “Filhar” e “guisar” obliteraram-se mais
cedo e não chegaram a entrar no séc. XVI, mas “leixar” foi subs-
tituído pelo meio desse mesmo século.
Pero Vaz de Caminha, em 1500, traz ao Brasil ainda e ape-
nas a forma “leixar”.
Na primeira edição do Auto da barca do inferno (1518) ocorre
sempre o verbo “leixar”, mas na edição da Compilaçam preparada
por Luís Vicente, ocorre 3 vezes o verbo “deixar” e 2 “leixar”6
Damião de Góis que viveu entre (1502 - 1572) na Crónica
do Príncipe D. João alterna “deixar” e “leixar” com predomínio
de “deixar” (21 oc.) sobre “leixar” (12 oc.).
Garcia de Resende (1470-1536) em Vida e feitos de D. João
II, escrito em 1533 usa “deixar” - 46 vezes e 3 vezes apenas “leixar”.7
André de Resende (1498-1573) que era um fervoroso
latinizante, na Vida de Frei Pedro, publicada em 1570, recusou a
forma “deixar” e usa apena “leixar”, meticulosamente grafada
“lexar”, como quem pretende recuperar o étimo “laxare”.
Finalmente Camões que era pelo menos 20 anos mais novo
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 147
Notas
1
— V.: Avelino de Jesus da Costa, “Os mais antigos documentos
escritos em Português”, in Estudos de cronologia, diplomática e histó-
rico-linguísticos, Sociedade Portuguesa de Estudos Medievais, Porto,
1992, p.169-256.
2
— V. Luís F. Lindley Cintra, “Sobre o mais antigo texto não-literário
português: A Notícia de Torto (Leitura crítica, data, lugar de redacção e
comentário linguístico)”, in Boletim de Filologia, t.XXXI (1986-1987),
Lisboa, 1990, p.21-77; e ainda Susana Maria de Figueiredo Tavares Pedro,
De noticia de torto, Dissertação de Mestrado de Paleografia e Diplomá-
tica, na Faculdade de Letras, Lisboa, 1994.
3
— V. Vocabulário da Carta de Pero Vaz de Caminha (seguido de
fac-símil e leitura diplomática do texto), Rio de Janeiro, Instituto Nacional
148 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Tradução literária e
comunicação cultural: o
português do Brasil em Espanha
Xosé Manuel Dasilva,
da Universidade de Vigo
Notas
1
Vid. Carlos Reis. “José Saramago. Contador dos dias”. Jornal de
Letras, Artes e Ideias, 671, 3 Julho 1996.
2
Rodrigues da Silva e Ricardo de Aráujo Pereira. “Luiz Pacheco. A
velhice do guerrilheiro da escrita”. Jornal de Letras, Artes e Ideias, 703, 24
de setembro de 1997.
3
Cf. Jacques Thiériot. “La traduction du roman portugais”. em VV.AA.,
Cinquièmes Assises de la Traduction Littéraire (Arles 1988). Arles, Actes
Sud, 1989, pp. 202-221.
4
Raul Bopp. Movimentos modernistas no Brasil. Rio de Janeiro, São
José, 1966, pp. 82-83.
5
Vid. Jorge Wanderley. A Tradução do Poema: Notas sobre a expe-
riência da geração de 45 e dos concretos. Rio de Janeiro, PUC, 1985.
6
Sol Fuertes, “La lengua del siglo XXI”. El País, Suplemento Babelia.
4 de Octubre de 1997.
7
Cf. Óscar Lopes. “Guimarães Rosa —intenções de um estilo”, em
VV.AA., Guimarães Rosa. Lisboa, Instituto Luso-Brasileiro, 1969, p. 31.
8
Apud Curt Meyer-Clason. “Guimarães Rosa e a língua alemã”.
Em VV.AA., Guimarães Rosa. Lisboa, Instituto Luso-Brasileiro, 1969,
pp. 51-52.
9
Vid. Leodegário A. de Azevedo Filho. “O discurso de ficção em
Guimarães Rosa”. Colóquio-Letras, 15, 1973, p. 28.
10
Vid. Inês Oseki-Dépré. “A tradução francesa das Primeiras Estóri-
as de João Guimarães Rosa”. Colóquio-Letras, 87, 1985, p. 44.
11
Luciana Stegagno Picchio. “Guimarães Rosa: le sponde
dell’allegria”. Strumenti Critici, IV, 1, 1970, p. 35.
12
Carlos Drummond de Andrade. “Um chamado João”, Correio da
Manhã, 22 de Novembro 1967.
13
Vid. Basilio Losada. “Guimarães Rosa y la experimentación idiomá-
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 163
24
Vid. Vítor Manuel Aguiar e Silva. “Visão do mundo e estilo em
Grande sertão: veredas”, em VV.AA., Guimarães Rosa. Lisboa, Instituto
Luso-Brasileiro, 1969, pp. 76-77.
25
Foi Paz-Andrade, polígrafo galego, quem pôs de relevo essa di-
mensão da linguagem de Guimarães Rosa: “Elementos galegos que perderan
vixencia no portugués, maormente no literario, ou que dentro da mesma
área da comunidade lingüística viñeran a menos, se non ficaban esmoreci-
dos, recobran a súa plenitude ou a súa pristinidade na obra rosiana.
Regroman nos tecidos do idioma con insospeitados valores expresivos,
con beleza reconquerida” (Valentín Paz-Andrade, A galecidade na obra
de Guimarães Rosa, Sada-A Coruña, Ediciós do Castro, 1978, p. 84). Cf.
ainda Salvador Lorenzana, “Un mergullo pasadío na obra de Guimarães
Rosa”, Grial, 98, 1987, pp. 433-443; Eduardo Moreiras, “Vivencias galegas
nas narracións de Guimarães Rosa”, Grial, 48, 1975, pp. 168-174.
26
Vid. Pilar Gómez Debate. “Notas sobre las versiones y traducciones
de Grande sertão: veredas”. Revista de Cultura Brasileña, 21, 1967, pp.
188-208.
27
João Guimarães Rosa. Diadorim. Paris, Editions Albin Michel, 1965.
Trad.: Jean-Jacques Villard.
28
João Guimarães Rosa. The Devil to Pay in the Backlands. New
York, Alfred A. Knopf Publisher, 1963. Trad.: James L. Taylor e Harriet Onis.
29
João Guimarães Rosa. Gran sertón: veredas. Madrid, Alianza
Editorial, 1999. Trad.: Ángel Crespo. A 1ª ed. foi publicada em Barce-
lona, por Editorial Seix Barral, no ano 1965. Vid. também Ángel Cres-
po, “Breve antología de Guimarães Rosa”, Revista de Cultura
Brasileña, 21, 1967, pp. 107-160. Há ainda mais traduções de Guima-
rães Rosa para espanhol: Primeras historias, Barcelona, Seix Barral,
1982. Trad.: Virginia Fagnani Wey. A 1ª ed. foi publicada em 1969;
Manolón y Miguelín, Madrid, Ediciones Alfaguara, 1981. Trad.: Pilar
Gómez Bedate; Noches del sertón, Barcelona, Editorial Seix Barral,
1982. Trad.: Estela dos Santos; Urubuquaquá, Barcelona, Editorial
Seix Barral, 1982. Trad.: Estela dos Santos.
30
Ángel Crespo. “Nota del traductor”, em João Guimarães Rosa, Gran
sertón: veredas. Madrid, Alianza Editorial, 1999, pp. 15-18.
31
Guimarães Rosa. Gran Sertón:..., p. 605.
32
João Guimarães Rosa. Grande sertão. Colonia, Kiepenheur &
Witsch, 1964. Trad.: Curt Meyer-Clason.
33
João Guimarães Rosa. “Prefácio”, em Paulo Rónai, Antologia do
conto húngaro. 3ª ed., Rio de Janeiro, Artenova, 1975.
34
Apud Paulo Rónai. A tradução vivida. Rio de Janeiro, Educom,
1976, p. 114.
35
Cf. Haroldo de Campos. “Da tradução como criação e como crítica”
e “A linguagem do Iauaretê”, em Metalinguagem & Outras Metas. 4ª ed.
revista, São Paulo, Editora Perspectiva, 1992, pp. 31-48 e pp. 57-63.
36
Cf. Levantado do Chão. Lisboa, Editorial Caminho, 1980; São Paulo,
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 165
Parte II
Comunicações especiais
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 169
Análise contrastiva da
variedade da Língua Portuguesa
no Brasil e em Portugal
Alessandra Dias Gervasoni,
da Universidade de Assis, SP
Em homenagem ao magnífico
lingüista Eugenio Coseriu
Introdução
1. Pressupostos Teóricos
Segundo Saussure, a língua é uma instituição social, exterior
ao indivíduo, a este não cabe nem criá-la nem modificá-la, uma
vez que existe como um contrato estabelecido entre os vários
membros de uma mesma comunidade. Somente com o auxílio da
aprendizagem, e, de maneira lenta, a criança vai aprendendo o
170 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
funcionamento da linguagem.
O estudo da linguagem abrange dois aspectos fundamentais:
um, tem por objeto a língua, refere-se àquilo que é essencial e que
apresenta o caráter social da linguagem, sendo de natureza pura-
mente psíquica. O outro aspecto, por sua vez, já tem por objeto a
parte individual, referindo-se à fala, à fonação propriamente dita e
psicofísica. Essas duas modalidades da linguagem, denominadas
língua e fala, são interdependentes.
O lingüista romeno Eugenio Coseriu propôs uma divisão
tripartida segundo o modelo abaixo (1979, p.56), por achar insufi-
ciente a bipartição saussuriana:
Parole uso
langue
(norma intermediária) (sistema funcional)
A divisão de Coseriu vai do mais concreto (parole) ao mais
abstrato (langue), passando por um grau intermediário: a norma.
Com a divisão tripartida, ficam melhor esclarecidos os funda-
mentos dos vários aspectos, tendências e orientações da lingüística.
Assim, esta pode dedicar-se à análise do falar – teoria da lingua-
gem – ou ao estudo das línguas – lingüística histórica. Ao conside-
rar a linguagem, pode estudar e valorizar a originalidade expressi-
va do falante – estética –, pode estudar a norma – história da
cultura –, ou o sistema gramática pura.
Portanto, a única realidade lingüística é o falar concreto (=
linguagem). Nesse falar concreto, nessa atividade lingüística Coseriu
distingue gradualmente três conceitos já citados: Fala (ou falar): atos
de criação inédita por corresponder a intuições inéditas, mas (são)
ao mesmo tempo – dada a condição essencial comunicativa da lin-
guagem – atos de recriação; não são invenções ex novo e totalmen-
te arbitrárias do indivíduo falante, mas estruturam-se sobre modelos
precedentes. Norma: o falante utiliza modelos, formas ideais que
encontra no que chamamos de ‘língua anterior’ (sistema preceden-
te de atos lingüísticos). Ou seja, o indivíduo cria sua expressão numa
língua, fala uma língua, realiza concretamente, na sua fala, moldes,
estruturas da língua da comunidade. Num primeiro grau de
formalização, essas estruturas são simplesmente normais e tradici-
onais na comunidade, constituem o que chamamos de norma. Siste-
ma: mas num plano de abstração superior, derivam-se delas mes-
mas uma série de elementos essenciais e indispensáveis, de oposi-
ções funcionais: o que chamamos de sistema.
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 171
2. Análise contrastiva
Resumindo, o sistema é um conjunto de oposições funcionais;
a norma é a realização “coletiva” do sistema, a qual contém o pró-
prio sistema mais os elementos funcionalmente “não-pertinentes”,
mas normais no falar de uma coletividade; o falar é a realização
concreta da norma que contém a própria norma (conseqüentemen-
te também o sistema) mais a originalidade expressiva dos falantes.
Com respeito especificamente à Língua Portuguesa, o “sis-
tema” é o aspecto de unificação da língua e a “norma”, o aspec-
to de diversificação da mesma. O estabelecimento de uma nor-
ma lingüística parte geralmente da consideração das variedades
literárias e socioculturalmente mais prestigiadas da língua em
causa. Porque não é possível legislar sobre a evolução lingüística,
que se tem de aceitar como um fato com suas conseqüências,
torna-se naturalmente inevitável estabelecer a norma portugue-
sa e a norma brasileira.
Segundo Coseriu, “na linguagem é importante o pólo da vari-
edade, que corresponde à expressão individual, mas também o é o
da unidade, que corresponde à comunicação inter-individual e é
garantia de intercompreensão. A linguagem expressa o indivíduo
por seu caráter de criação, mas expressa também o ambiente
social e nacional, por seu caráter de repetição, de aceitação de
uma norma, que é ao mesmo tempo histórica e sincrônica: existe o
falar, porque existem indivíduos que pensam e sentem, e existem
‘línguas’ como entidades históricas e como sistemas e normas
ideais, porque a linguagem não é só expressão, finalidade em si
mesma, senão também comunicação, finalidade instrumental, ex-
pressão para outro, cultura objetivada historicamente e que trans-
cende ao indivíduo” (La geografía linguística).
Não menos importante é o objetivo prático, ou seja, o de ela-
borar um trabalho útil tanto para o professor como para o aluno,
um trabalho que possa demonstrar – através de alguns exemplos
– as diferenças da Língua Portuguesa de um país para outro, e a
praticidade que a teoria funcionalista permite ao seu estudo.
Através da análise, quando um exemplar particular, uma pala-
vra, uma forma ou uma grafia pertencem exclusivamente a uma
das duas normas, indicamo-lo pelas abreviaturas P ou B, demons-
trando a variedade da Língua Portuguesa na Europa e no Brasil.
3. Conclusão
A norma de Portugal é fácil de definir, pois é objeto de um
vasto consenso e foi estudada muitas vezes. A do Brasil, pelo
contrário, põe um problema específico, pois está longe de ser uni-
versalmente reconhecida pelos próprios brasileiros. Enquanto no Brasil
não se estabeleceu um consenso como em Portugal, o enunciado da
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 175
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neiro, Ao Livro Técnico S/A.
CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley (1985). Nova Gramática do
português contemporâneo. 2ªed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira.
176 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Referências bibliográficas
ALENCAR, José de. Obras completas. Rio de Janeiro: José Aguilar,
1958/1960. 4 v.
BECHARA, Evanildo. José de Alencar e a língua do Brasil. In:
MATTOS, Elsa Savino de et alii, eds. Linguagem. Niterói: Ceuff, n. 1, 1978,
p. 105-22.
CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira: momentos
decisivos. São Paulo: Martins, 1971. v. 2.
CASTELLO, José Aderaldo, org.. Textos que interessam à história
do romantismo. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1961.
COUTINHO, Afrânio. Ainda e sempre a língua brasileira. In:––.
Impertinências. Niterói: EdUFF, 1990, p. 165-205.
JUCÁ (filho), Cândido. A gramática de José de Alencar. Rio de Janeiro:
Colégio Pedro II, 1966.
MELO, Gladstone Chaves de. Alencar e a “língua brasileira”. Rio
de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972.
SILVA NETO, Serafim da. Introdução. In: ––. História da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1970, p. 13-53.
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 185
s i n i fi c a ª o 6 v s i n i fi c a a m 3 v, s i g n i f ic a ª o 4 v s i g n i f ic a ª o 2 2 v
s i n i fi c a ª 3 v
s i n i fi c a Æm 3 v
s i n i fi c a ı e s ( 1 1 2 .9 )
s i n i fi c a d o 6 v s i n i fi c Æd o ( s) 5 v s i g n i f ic a d o (1 7 .1 5 ) s i g n i f ic a d o 4 v
Sem esse <g> latino, que, segundo tudo leva a crer, já não
mais se pronunciava, FO, JB e Camões escreveram aumento e
seus cognatos, e mais reyno, esta última já com a omissão da
implosiva velar e o conseqüente desenvolvimento do yode em
semivogal. FO usa a forma dinos, uma só vez, em 55.12; e Camões
prefere-a sem a implosiva. Usa-a 15 vezes contra apenas 8 com o
<g> etimológico. A coexistência das duas formas em Os Lusíadas
parece apontar para a transição da mudança lingüística em favor
192 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
distitamente distintamenteX.109
114.18
doutos 2 v douto(s) 2 v douto 3 v doctos 6 v
effeito (15.31) effeitos (122.16), effeito 6 v effecto 6 v
mas effectiuo (79.3) efeyto VIII.81
lector 4 v lector(es) 4 v
lectura (19.9)
perfeyta(s) 3 v perfeito(a) 5 v perfeito(s) 7 v perfectos 2 v perfecto 3 v
perfectamente perfectamente perfectamente 3 v
(116.22) (22.14)
pratica 4 v pratica 2 v practica 4 v
respeito 7 v respeito (71.24) respeito(s) 9 v respectos (14.8) respecto 7 v
respeyto 2 v
sancto (6.27) sancto(s) 44 v sancta (3.2) sancto 3 v
santo(a) 4 v
sojeitas (60.2) sogeitar fl. (106.12) sujeito(a) 9 v, sub- subjecto (subst.)2 v
sogeyta(s) 2 v jeito 1 v, sugeitar e
fl. 6 v, sujeitar 1 v
sojυ)tiuo (37.30) suiuntiuo(106.1) subjunctiuo 2 v
suiυ)tiuo (96.12)
tratar e fl. 11 v tratar e fl. 6 v trayto 6 v tratar 3 v tractar e fl. 8 v
tratada 2 v tracto 2 v tractado 3 v
8. Conclusões
Agradecimento
Desejamos expressar nossos agradecimentos ao Prof. Toru
Maruyama por nos haver permitido consultar os Índex Alfabético(s)
do(s) Vocabulário(s) das gramáticas de Fernão de Oliveira e João de
Barros, bem como os dos tratados ortográficos de Pero de Magalhães de
Gândavo e Duarte Nunes do Lião, pertencentes ao acervo da Universi-
dade de Nanzan, da cidade de Nagoya (Japão). Sem tal privilégio, seria
impossível alcançar os objetivos da presente pesquisa.
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 195
Notas
1
KUKENHEIN, Dr. L. Contribuitions à l’histoire de la grammaire
italienne, espagnole et française à l’époque de la Renaissance. Amsterdão,
Noord-Hollandsche Nitgevers-Maatschappij, 1932. p. 22-23.
2
OLIVEYRA, Fernão de. Grammatica da lingoagem portuguesa. Fac-
simile da l.ª ed. (Lisboa, Germão Galharde, 1536). Lisboa, Imprensa Nacio-
nal, 1981.
3
BARROS, João de Barros. Cartinha (1539). Grammatica da lingua por-
tuguesa com os mandamentos da santa madre igreja. Dialogo da viçiosa
vergonha (1540). Repr. facsimilada, leitura, introd. e anot. por Maria Leonor
Carvalhão Buescu. Lisboa, Univ. de Lisboa, 1971.
4
GANDAVO, Pero de Magalhães de. Regras que ensinam a maneira de
escrever a orthographia da lingua Portuguesa, com hum Dialogo que
adiante se segue em defensam da mesma lingua. (Lisboa, Antonio
Gonsalves, 1574) Introd. de Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa, Bibli-
oteca Nacional, 1981.
5
LIÃO, Duarte Nunes de. Orthographia da lingoa portuguesa. Lisboa,
Ioão de Barreira impressor del Rei N. S., 1576.
6
DIAS, Antônio Gonçalves. Poesia completa & prosa escolhida. Org. e
estab. de texto por Antônio Houaiss. Rio de Janeiro, Aguilar, 1959. p. 360.
7
COSERIU, Eugenio. Língua e funcionalidade em Fernão de Oliveira.
Rio de Janeiro, EDUFF, 1991. p. 47.
8
op. laud. p. 50, linhas 2-8.
9
BUESCU, Maria Leonor Carvalhão. Historiografia da Língua Portugue-
sa. Lisboa, Sá da Costa, 1984. p. 32
10
Op. laud., p. 8.
11
Op. laud., p.61 verso.
12
CUNHA, Antônio Geraldo da, et alii. Índice analítico do vocabulário
dos Lusíadas. 3 v. Rio de Janeiro, MEC/ INL, 1966.
13
CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Dispersos. Rio de Janeiro, Fundação
Getúlio Vargas, 1975, p. 83.
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 197
fonemas por se tratar de gente “sem Fé, nem Lei, nem Rei”.
Dessa idéia, não escaparia sequer o lúcido e competente Franco
Barreto em sua Ortografia da lingua portuguesa.
Mas o preconceito lingüístico não se ateve ao século de
Ferreira. Acreditou-se que a pretensa “preguiça natural” dos na-
tivos se devesse também ao calor tropical, que atingiria, inclusive,
sua pronúncia. Em texto de Caldcleugh, de 1825, transcrito em “A
vitória do português no Brasil colonial”, de J. H. Rodrigues, lê-se:
Bibliografia
BARRETO, Ioam Franco. Ortografia da lingua portuguesa. Lis-
boa: Officina de Ioam da Costa, MDCLXXI.
BERNARDO, Carla. Edição do manuscrito Noticiário maranhense,
descrição do Estado do Maranhão, suas contendas e peregrinas cir-
cunstâncias, de 1685, de João de Souza Ferreira. Dissertação de Mestrado
em Filologia Românica apresentada à Faculdade de Letras da UFRJ, 1996.
581 pp.
CÂMARA JR. Joaquim Mattoso. Introdução às línguas indíge-
nas brasileiras. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1965.
FERREIRA, João de Souza. Noticiario maranhense, RIHGB. Rio de
Janeiro, v. 81, 1919, pp. 289-352.
GÂNDAVO, Pêro Magalhães de. Tratado da província do Brasil.
Editado por Emmanuel Pereira Filho. Rio de Janeiro: INL – MEC: 1965.
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de
Janeiro: INL, Lisboa: Portugália, 1943. T. III.
LISBOA, João Francisco. Jornal de Tímon; apontamentos, notíci-
as e observações para servirem à História do Maranhão. Tomo II, 1.o
vol. Brasília: Alhambra, s. d.
MARICHAL, Robert. La critique des textes. In:___. L’ Histoire et
ses méthodes. Dir. de Charles Samaran. Paris: Gallimard, 1961.
MARQUES, César Augusto. Estudo critico sobre o manuscrito
America abreviada, suas noticias e de seus naturaes, e em particular
do Maranhão, titulos, contendas e instrucções á sua conservação e
augmento muito uteis pelo padre João de Souza Ferreira. Rio de Janei-
ro. Ms do IHGB, 1888. 11 p.
MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta a Euclides. Rio de Ja-
neiro: Topbooks, 1996.
PIANZOLA, Maurice. Os papagaios amarelos; os franceses na con-
quista do Brasil/ Les perroquets jaunes; des Français à la conquête du
Brésil – XVIIe siècle. Trad. de Rosa Freire d’ Aguiar. São Luís do Maranhão:
Secretaria da Cultura do Estado do Maranhão: Alhambra, 1992.
RODRIGUES, José Honório. História da História do Brasil. São
Paulo: Cia das Letras, 1979. P. I.
______. A Vitória do Português no Brasil Colonial. Brasília, 1983, v.
I, 1983, v. I, n. 4, pp. 21-41, jul.-set., 1983.
TEYSSIER, Paul. História da Língua Portuguesa. Trad. de Celso
Cunha e Claire de Oliveira. Lisboa: Sá da Costa, 1984.
VARNHAGEN, A. História geral do Brasil; antes de sua separa-
ção e independência de Portugal. Revisão e notas de Rodolfo Garcia.
São Paulo: Melhoramentos, MEC, 1975, T. III.
VERNEY, Luís Antonio. Verdadeiro método de estudar. Valensa:
Oficina de Antonio Balle, MDCCXLVI. T. I. Carta I.
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 205
Nota
1
As páginas citadas dizem respeito à edição do manuscrito feita por
nós e indicada na bibliografia.
1. Apresentação
4. Considerações finais
Referências bibliográficas:
COSTA, P. 1994. A comida baiana de Jorge Amado ou O livro de
cozinha de Pedro Archanjo com as merendas de Dona Flor. São Paulo,
Maltese.
FERRO, J. 1996. Arqueologia dos hábitos alimentares. Lisboa, Dom
Quixote.
GAMA, N. 1976. Breves considerações sobre o vocabulário de
uma variante lingüístico profissional em Maragogipe. In I Encontro
Nacional de Lingüística. Conferências/ PUC-RJ, p.406-433.
MANUPPELLA, G. 1986. Livro de cozinha da Infanta D. Maria de
Portugal. Códice português I.E.33 da Biblioteca Nacional de Nápoles,
Lisboa, Imprensa Nacional / Casa da Moeda.
ROSSI, N. 1965. Atlas prévio dos falares baianos. Salvador, Uni-
versidade Federal da Bahia – Faculdade de Filosofia - Laboratório de
Fonética. Instituto Nacional do Livro: Carta 46.
ROUTH, S. y J. 1996. Notas de cocina de Leonardo da Vinci.
Compilación y edición. Traducción de Marta Heras. Madrid, Temas de
Hoy SA.
Notas
1
Cf. Giacinto MANUPPELLA. Livro de cozinha da Infanta D. Ma-
ria: Códice português I. E. 33. da Biblioteca Nacional de Nápoles. Lis-
boa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1986.
2
Cf. id. ibid., p. XVI.
3
Cf. Domingos RODRIGUES Arte de cozinha.. Lisboa: Imprensa
Nacional / Casa da Moeda,1987. Leitura, apresentação, notas e glossário
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 215
A defesa da fé no
púlpito transdisciplinar
Geysa Silva,
da UFJF.
do que até hoje ouvintes se deliciem com sua beleza. Essa monodia
(segundo alguns) ou monofonia (segundo outros) limita as opções
de representação, todavia permite centrar a atenção no orador e,
por conseguinte, em suas palavras, conforme se constata neste tre-
cho de O Deus desprezado:
Ou ainda:
Bibliografia
MENDES, Murilo. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguila,
1994.
NIETZSCHE, Friederich. O nascimento da tragédia no espírito da
música. In: Nietzsche. São Paulo: Abril Cultural. Coleção. Os pensadores,
1978.
PADRE JÚLIO MARIA. O Deus desprezado. Rio de Janeiro: Livraria
Boa Imprensa, 1905.
Notas
1
Empédocles (1973), p.232
1
Mendes (1994), p.94
1
Padre Júlio Maria (1895), p.102
2
Padre Júlio Maria (1895), p.34
1
Idem, p.26
2
Idem, p.86
1
Padre Júlio Maria (1905), p.91
1
Padre Júlio Maria (1905), p.106-107
2
Idem, p.84
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 235
A indeterminação do sujeito
no falar culto do Rio de Janeiro
Hilma Ranauro
1. Introdução
Inquérito 193:
Inquérito 373:
Inquérito 193:
Inquérito 373:
interlocutor.
Inquérito 193:
3. TABELAS
VOC˚ A N S ELES A(S) ALGU M EU
GENTE PESSOA(S)
Inq. 193 64 3 − − 3 − −
Inq. 373 12 7 10 9 4 1 1
TOTAL 76 10 10 9 7 1 1
4. Conclusão
Referências bibliográficas
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa - Curso mé-
dio - 9ª ed., São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1964.
CUNHA, Celso F. da. Gramática da língua portuguesa - 5ª ed., RJ,
FENAME, 1970.
D’ALBUQUERQUE, Aliar da Cruz C. A perda dos pós-clíticos no
dialeto mineiro - Dissertação de Mestrado, UFRJ, 1982.
MELO, Gladstone Chaves de. Gramática fundamental da língua
portuguesa - 3ª ed., RJ, Ao Livro Técnico S/A Indústria e Comércio, 1980.
OMENA, Nelize Pires de. “A Alternância entre NÓS e A GENTE em
Função do Sujeito”; in XIX Anais do Seminário do GEL, pp. 93/105, Cam-
pinas, 1987.
SAID ALI, Manuel. Gramática secundária da língua portuguesa,
6ª ed., Rio de Janeiro, Edições Melhoramentos, 1965.
Nota
1
Sobre essa correspondência, consulte-se “A Alternância entre NÓS
e A GENTE em função do Sujeito”, de Nelize Pires de Omena - in XIX Anais
do Seminário do GEL, Campinas, 1987, p.93-105.
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 251
As linguagens de Fernando
Pessoa e Manoel de Barros
Isaac Newton Almeida Ramos
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo expor as peculiaridades
semelhantes constatadas, após diversas análises, sobre o discurso
poético de Fernando Pessoa e de Manoel de Barros. Ao compa-
rar as estruturas análogas, foi possível relacionar como expres-
sões comuns: a infância e a metalinguagem. Demonstraremos o
dialogismo poético entre os dois autores.
Enche-se de lágrimas
Meu olhar parado.
que: “Há poetas que são artistas/ E trabalham nos seus versos/
Como uma carpinteiro nas tábuas!” (OP, 241: 22) Isso mostra que
assim como o carpinteiro aparelha a madeira para a obra, sendo um
artífice que trabalha em artes grosseiras de madeira e faz da maté-
ria-prima o que deseja, fazendo dela a sua arte, da mesma forma o
poeta tem como matéria-prima as palavras, e com elas faz o que lhe
convêm, formando então os seus versos. “A poesia é uma arte da
linguagem. A linguagem, contudo, é criação da prática.”14
Caeiro também afirma: “Procuro encostar as palavras à idéia”.
Para Valéry a idéia é suscetível de ser observada, provocada e
manobrada, trata-se de um discurso interno, imagem, intenção, ou
percepção do espírito que, pode ser exprimida em palavras, se for
transformada e posicionar entre o pensamento produtor de idéias, a
atividade de resoluções internas, e depois os versos, que somente
atendem “às necessidades que devem ser criadas por eles mes-
mos”. O ato de encostar as palavras à idéia constitui-se no desejo
do eu-lírico em contrabalançar as palavras às idéias, a fim de que a
primeira venha equivaler, ou melhor, se identificar com a segunda.
Neste mesmo poema o eu-lírico ressalta o seguinte: “Procuro des-
pir-me do que aprendi,” na verdade isto configura-se na ação de
desaprender, tão mencionada por Barros. Um exemplo claro pode
ser apreendido no LI: “Desaprender 8 horas por dia assim ensina os
princípios”. Os princípios aqui empregados valoriza a atividade de
“desaprendizagem”. Pois para Barros: “Ao poeta faz bem/
Desexplicar—” . Penso em Barthes quando afirma que “a literatu-
ra é tão somente uma linguagem, isto é, um sistema de signos:...o
crítico não tem de reconstruir a mensagem da obra, mas somente o
seu sistema...”15 . E Barros parece apostar nessa afirmativa
barthesiana, não só porque ele tem pleno domínio da técnica de
fazer versos de maneira estranhada, mas também porque é a partir
da própria estrutura que a sua poesia se diferencia da de Pessoa.
Enquanto isso, Caeiro manda-nos um recado: “Não tenho
ambições nem desejos/ Ser poeta não é uma ambição minha/ É a
minha maneira de estar sozinho”. (OP, 206: 203) Para o eu-lírico,
ser poeta é um refúgio, uma forma de se isolar, de forma alguma
se refere a uma ambição, mas sim a uma condição. Barros de-
monstra esse mesmo pensamento: “Não tenho pretensões de con-
quistar a inglória perfeita”16 , o qual revela que não há por parte do
eu-lírico o desejo de se glorificar.
Para finalizarmos, vejamos alguns trechos de um dialogismo
entre Pessoa e Barros:
258 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Notas
1 1
Prof. Auxiliar junto ao Departamento de Letras da UNEMAT,
campus de Alto Araguaia, MT, especialista em Letras pela UNESP-As-
sis, coordenador do projeto de pesquisa “AS INFLUÊNCIAS DE
FERNANDO PESSOA NA POESIA DE MANOEL DE BARROS”.
2
BACHELARD, Gaston. A Poética do devaneio. São Paulo:
Martins Fontes, p.122, 1988.
3
BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Trad. Álvaro Cabral.
Rio de Janeiro: Rocco, p.45, 1987.
4
Siglas utilizadas nesta comunicação: LSN (Livro sobre nada); OP
(Obra poética); GEC (Gramática expositiva do chão); RAQC (Retrato de
artista quando coisa); GA (O guardador de águas); ; LPC (Livro de pré-
coisas); LI (Livro das ignorãças).
5
BACHELARD, p,109.
6
Ibid, p.97.
7
PAZ, Octavio. O arco e a lira. Trad. Olga Saravy. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, p.133, 1982.
8
BACHELARD, Ibid., p.113.
9
BLANCHOT, Ibid., p.83.
10
BACHELARD, Ibid., p.106.
11
BACHELARD, Ibid., p.97.
12
BLANCHOT, Ibid. p.11..
13
FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna (da metade do
século XIX a meados do século XX). Trad. Marise M. Curioni.. 2.ed. São
Paulo: Duas Cidades, p.40, l99l.
260 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
14
VALÉRY, Paul. Variedades. Trad. Maiza Martins de Siqueira. São
Paulo: Iluminuras, p.208, 1991.
15
BARTHES, Roland. Crítica e verdade. São Paulo: Perspectiva,
p.162, 1982. (Debates,.24)
16
BARROS, Manoel de. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record,
p.85, 1996.
17
BACHELARD, Gaston. A Poética do devaneio. São Paulo:
Martins Fontes, p.122, 1988.
18
BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Trad. Álvaro Cabral.
Rio de Janeiro: Rocco, p.45, 1987.
19
BACHELARD, p,109.
20
Ibid, p.97.
21
PAZ, Octavio. O arco e a lira. Trad. Olga Saravy. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, p.133, 1982.
22
BACHELARD, Ibid., p.113.
23
BLANCHOT, Ibid., p.83.
24
BACHELARD, Ibid., p.106.
25
BACHELARD, Ibid., p.97.
26
BLANCHOT, Ibid. p.11..
27
FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna (da metade do
século XIX a meados do século XX). Trad. Marise M. Curioni.. 2.ed. São
Paulo: Duas Cidades, p.40, l99l.
28
VALÉRY, Paul. Variedades. Trad. Maiza Martins de Siqueira. São
Paulo: Iluminuras, p.208, 1991.
29
BARTHES, Roland. Crítica e verdade. São Paulo: Perspectiva,
p.162, 1982. (Debates,.24)
30
BARROS, Manoel de. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record,
p.85, 1996.
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 261
Edição diplomática de
Gregório de Matos Guerra
O plano da edição
Concluindo
Notas
1
Sem função distintiva (fonológica), com pronúncia da vogal /y/ sem
arredondamento e da vogal /ü/ com arredondamento dos lábios, segundo
a Profra. Yonne Leite, do Departamento de Antropologia do Museu Naci-
onal, da UFRJ.
2
Cf. DIAS, Gonçalves, Dicionário da língua tupi, chamada língua
geral dos indígenas do Brasil, Rio de Janeiro, Liv. São José, 1970, p.69.
3
Em muitos casos essa preferência foi da nossa cultura, a cultura do
homem branco.
4
Sítios banhados pelo rio Paraná e sítios do altiplano do Estado do
Paraná. Paraná vem do guarani pa’ra e nã, onde pa’ra significa mar e nã,
semelhante. Assim, Paraná = semelhante ao mar; rio grande; parente do
mar, Cf. NASCENTES, DELP, Rio, Vol. 2, p. 233, 1952.
5
Já no século XVI encontramos referência a este pinheiro e a nomes
indígenas do atual Estado do Paraná nos textos de Álvar Nuñes Cabeza de
Vaca, naufrágios & comentários.
6
Do tupi marã’bai, cerco do mar, recife. Nascentes discorda. Recife
é o que não há na Marambaia, o que existe é uma grande língua de areia
separando o mar aberto da baía de Sepetiba. Prefere mba’ra mbai, cerco do
mar. Cf. NASCENTES, Opus cit, p.190.
7
Do tupi kai’sara, estacada de proteção em voltas das aldeias; indi-
víduo natural de região praiana.
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 271
fonológicos e morfológicos.
Hoje, o ensino de gramática está relegado a um plano de ab-
surdo e inexplicável desprestígio. O estudo de Língua Portuguesa
praticamente inexiste, fato que documentamos há vários anos em
nossas turmas, nos primeiros anos da faculdade de Letras. Apesar
da boa qualidade de nosso alunado, observa-se, ao começarmos o
curso, que não lhe foi passado um conteúdo adequado do funciona-
mento da Língua Portuguesa. Além disso, verifica-se também que
até a análise e a interpretação do texto são tratadas com muita
insegurança. O professor universitário tem, praticamente, de iniciar
o aluno em um aprendizado de como se estrutura o sistema lingüístico
do português, na variante formal.
Aqui, pretendemos mostrar o caminho que devemos percorrer
para uma visão adequada da gramática portuguesa. Observe-se
que não estamos propondo uma cega obediência à norma culta rígi-
da, que vem sendo criticada de forma indiscriminada, como se tudo
quanto a gramática normativa prescreve fosse um empecilho para
o aprendizado. De repente, após o notável trabalho do Prof. Eugê-
nio Coseriu, todos descobriram que a língua apresenta variações.
Graças a essa lição, em nosso livro abrimos um capítulo para tratar
do assunto, com o título de registros lingüísticos. Para Evanildo
Bechara, “a norma contém o que é tradicional, comum e cons-
tante, tudo o que se diz assim e não de outra maneira. O siste-
ma contém as oposições funcionais para que uma unidade da
língua não se confunda com outra”.
O que desejamos documentar é que o aluno não é levado a
entender como se estrutura, como funciona uma língua. Não se
trata, portanto, de prescrever regrinhas, mas sim de fazê-lo compre-
ender as várias oposições que existem em nosso sistema, para que
ele possa, então, organizar coerentemente suas mensagens.
Parece-nos que muitos aspectos contribuíram para o desprestígio
do ensino de nossa língua. Em primeiro lugar, a necessidade de uma
revisão da Nomenclatura Gramatical Brasileira. Aqui, temos a hon-
ra de contar com a presença do Prof. Antônio José Chediak, mem-
bro da comissão da nomenclatura organizada em 1957. Já em 1970,
o professor Celso Cunha sugeria que esse trabalho fosse rediscutido.
Por nossa sugestão, a Academia Brasileira de Filologia está inician-
do um reexame da questão, que deverá contar com o envolvimento
de todos os setores interessados no aprimoramento de um estudo
mais consentâneo com os avanços da lingüística.
Não se pode negar, porém, a grande utilidade da nomenclatura
274 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Outro texto
“A metodologia a ser aplicada no encontro prevê a apre-
sentação de vídeos e, depois, abrindo-se para debates entre
docentes e discentes da unidade; assinalando-se que o evento
será considerado como atividade curricular e, portanto, com
presença obrigatória”. O texto deveria ser: “A metodologia a
ser aplicada no encontro prevê a apresentação de vídeos. Ha-
verá, depois, debates entre docentes e discentes da unidade,
assinalando-se que o evento será considerado como atividade
curricular, portanto com presença obrigatória”.
Iung dizia que achava muito estranho que ninguém veja o que
uma educação sem Humanidades está fazendo ao homem. Pensar
que o homem nasceu sem uma história dentro de si mesmo é uma
doença, concluiu o grande psicólogo. Por isso, é lamentável o pen-
samento radical de pessoas que tentam fazer tabula rasa de toda
uma cultura acumulada em séculos de civilização.
Mesmo em cursos de Letras, há os que consideram o estudo
de Lingüística, Latim, Filologia Romântica e até mesmo de Língua
Portuguesa como elementos sem qualquer utilidade para o estudan-
te. Cabe aos que preservam a dignidade da cultura nacional lutar
contra esse tipo de atitude, pois não se pode calar diante de afirma-
ções desprovidas de um mínimo de sensatez.
Referências bibliográficas
Notas
1
Obras de Clarice Lispector referidas neste trabalho e siglas usadas
para as citar: Água Viva. 5.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980 (AV); A
Descoberta do mundo. 3.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992 (DM);
Felicidade Clandestina. 7.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991 (FC).
2
PESSOA, F., 1977, p. 226. “Procuro despir-me do que aprendi, /
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram / e raspar a
tinta com que me pintaram os sentidos”.
3
SÁ, Olga de, 1979, p. 106.
4
CANDIDO, A., 1977.
5
DOUGLASS, E., 1990, p. 77.
6
SANTOS, R. C., 1991, p. 6-7.
7
CAL, E. G., 1969, p. 51. “O estilo literário vai muito além do meramen-
te verbal. Ter um estilo não é possuir uma técnica de linguagem, mas
principalmente ter uma visão própria do mundo e haver encontrado uma
forma adequada para expressar essa paisagem interior”.
8
A expressão foi extraída de Um falcão no punho, de Maria Gabriela
Llansol. (cf. Nota 10)
9
MEIRELES, C., 1968, p. 487-8. Poema “Elegia a uma pequena borbo-
leta”.
10
PERRONE-MOISÉS, L. ,1990, p. 177.
11
Obras de Maria Gabriela Llansol referidas neste trabalho e siglas
usadas para as citar: Depois dos pregos na erva. Porto: Afrontamento,
1973 (DPE); A restante vida. Porto: Afrontamento, 1983 (RV); Causa
amante. Lisboa: A Regra do Jogo, 1984 (CA); Um falcão no punho. Diário
1. Lisboa: Rolim, 1985 (FP); Finita. Diário 2. Lisboa:Rolim, 1987; Da sebe
ao ser. Lisboa: Rolim, 1987 (SS). Amar um cão. Sintra: Colares, 1990; Um
beijo dado mais tarde. Lisboa: Rolim, 1990 (BDT). Lisboaleipzig 1. Lis-
boa: Rolim, 1994 (LL1).
12
ABREU, M. F. , 1993, p. 8.
13
DELEUZE, G., & GUATTARI, F., 1977, p. 28.
14
FOUCAULT, M. 1987, p. 7-8.
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 293
Notas
1
ibidem, p.21
2
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política, p.20
3
Segundo Nietzsche “o senso histórico exagerado levado ao seu extre-
mo lógico erradica o futuro porque destrói as ilusões e priva as coisas
existentes da única atmosfera em que podem viver”. Ao contrário, à
Literatura contemporânea cabe a possibilidade de virar do avesso a
História, como uma forma de engendrar o futuro.
4
SARAMAGO, J. O memorial do convento, p.286
5
Ibidem, p.71/72
6
ibidem, p.283
7
ibidem, p.49/50
8
Ibidem, p.91
9
Em O Memorial do Convento, o ponto de vista da narrativa parece
coincidir em parte com o conceito do historicismo realista, segundo o
qual, de acordo com Hayden White, “a tarefa do historiador era menos
lembrar aos homens suas obrigações com o passado que impor-lhes uma
consciência da maneira como o passado poderia ser utilizado para efetuar
uma transição eticamente responsável do presente para o futuro”, p. 61
10
SARAMAGO, J. O memorial do convento,p.79
11
ibidem,p.27
12
ibidem, p.84
13
ibidem, p.20
14
ibidem, p.189
15
ibidem, p. 190
16
ibidem, p.272
17
ibidem, 217
18
ibidem, 320
19
“A paródia se constrói como desmistificadora do discurso realista que
criou a ilusão de refencialidade, a suposta ligação da narrativa com a
realidade. A ficção contemporânea liberta-se, assim, da pretensão da
verdade e, minando a realidade, torna-se mais próxima dela, afirmando
uma cultura e definindo uma identidade.”
20
Saramago,idem, p.293
21
ibidem, p.161
22
ibidem, p.157
23
ibidem, p.228
24
ibidem, p.44
25
ibidem, p.95
26
ibidem, p.166
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 303
Tupinismos, africanismos,
asiaticismos e o Dicionário
Houaiss de Língua Portuguesa
Mauro de Salles Villar,
do IAH.
Conclusão
A inexistência de estudos mais precisos sobre que fundamen-
tar a proveniência dos vocábulos de origem ameríndia é problema
penoso para a etimologia dos dicionários de Língua Portuguesa. A
falta de informação sobre a origem dos empréstimos e das unidades
léxicas das línguas africanas in natura registradas é igualmente
grave e extensa. Etimologizar e datar tais vocábulos e sintagmas é
tarefa árdua, especialmente em dicionários que pretendam impor
316 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
2. A sintaxe
y o- -pysyk a-itÆ
-potar
A ordem adjetivo-nome
Outra observação interessante do tupinambá tem a ver com a
ordem dos adjetivos e dos nomes nos sintagmas nominais. O adjetivo
vem após o nome, gerando a ordem NA, exatamente como na
Língua Portuguesa, conforme os exemplos abaixo:
A ordem nome-adposição
Há posposições em tupinambá, portanto a ordem é N Po:
Sobre os nomes
No tupi antigo os nomes, chamaremos de nomes os substanti-
vos, não possuem flexão de número, gênero ou grau, mas apresen-
tam flexão de tempo e prefixos possessivos.
Para formar o plural usa-se o sufixo etá, que pode ser traduzi-
do por “muitos”. Na verdade, esse sufixo é o verbo “ter muitos”.
Outra observação curiosa é que os nomes possuem uma mar-
ca para futuro, rama, e outra para passado, pûera.
1 poss.-ro a 2 poss.-pai
Mulher 3- morrer
Sobre os verbos
No tupi antigo o verbo vem sempre acompanhado por um ou
mais elementos pronominais, possuindo um morfema de negação
específico e sem apresentar marcas de tempo, bem diferente da
Língua Portuguesa, que apresenta as marcas de tempo, e não traz
marcas de negação em sua morfologia.
Conclusão
Fizemos a descrição do tupinambá e da Língua Portuguesa,
principalmente na sintaxe. Pudemos perceber inúmeras diferenças
entre as línguas, sobretudo na ordem dos constituintes oracionais.
326 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Bibliografia
Notas
1
Os dados lingüísticos do tupi antigo apresentados neste trabalho
foram tirados de Lemos Barbosa (1956).
2
Os exemplos do tupi antigo também foram utilizados no trabalho
Algumas observações sobre a língua Tupinambá.
3
Temos aqui a tradução interlinear. Os números representam as pes-
soas dos pronomes sujeito ou objeto.
4
Podemos perceber que se o verbo aparece marcado com o pronome
objeto, o sintagma objeto pode aparecer deslocado. A marca de objeto
funciona como um clítico pronominal. Seria o caso do objeto na forma
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 327
A Cavalgada
A lua banha a solitária estrada...
Silêncio... Mas além, confuso e brando,
O som longínquo vem-se aproximando
Do galopar de estranha cavalgada...
Raimundo Correia
Luar na Praia
Nascia a lua. O mar clareava aos poucos. Na crista arrugada
das ondas vagarosas a luz joeirava cisalhas de prata. A praia clara
recurvava-se entre duas finas e avançadas pontas, arenosa, sem
rochas, onde as vagas adormeciam, gemendo, num grande
espreguiçamento branco. Para o poente, vultos de coqueirais, bati-
dos do vento, destacavam-se negros no céu estrelado. Nas dunas
desertas e tristes, apontoavam a brancura da areia mirradas moitas
de pinhão bravo; de quando a quando coleavam salsas rasteiras,
como serpentes enormes. Ao norte, uma das pontas de terra que
longamente enfiava pelo oceano terminava em rochedos escuros,
aqui dispersos, ali quase igualmente intervalados à guisa de gigânteas
alpondras: e por sobre eles, flava, fulgurante, bocejava a
intercadências a lanterna benéfica dum farol. Todos os rumores dos
matos, das águas e dos bichos notívagos diluíam-se na noite enluarada.
Um eflúvio dormente desprendia-se dos cajueiros floridos e errava
na face da terra uma canseira, um quê de sutil que impelia à modor-
ra, ao sono e à preguiça. Depois a lua resplandeceu alta e uma
refulgência prateada, com uns raros tons de azinhavre, derramou-
se por sobre as cousas.
Gustavo Barroso
· · · ·
A Filologia, que, pelo exame fundo das obras de um povo com-
postas em língua literária, procura conhecer-lhe a realidade civilizatória
e o respectivo grau, tem, no caso do Brasil, de conferir-lhe venera
de garbosa classe.
· · · ·
Quanto à formação da língua literária no século, a responsabi-
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 331
PROSA
· Coelho Neto: Noturno, A flauta e o sabiá, A partilha, Luz e
calor, Estio, Outubro, A mata virgem, Na mata, Penegírico de Rui
Barbosa. · Gustavo Barroso: Luar na praia, Paisagem sertaneja,
Incêndio, O cavalo sertanejo, A grandeza do pequenino Portugal. ·
Euclides da Cunha: Manhãs sertanejas, O sertanejo, O estouro
da boiada, Recordações cruéis, O canhoneio, Canudos não se ren-
deu. · Graça Aranha: Os pirilampos, A dança dos colonos ale-
mães, A floresta tropical, Música sertaneja. · Machado de Assis:
Triste mas curto, O delírio, O sineiro da Glória, Quincas Borba, A
Agulha e a linha, O defunto, Olhos de ressaca I e II. · Gastão
Cruls: O templo do sol, Os passarões, A dança dos selvagens. ·
Canto e Melo: A baía de Botafogo. · Domício da Gama: Maria-
sem-Tempo. · Aluísio Azevedo: O acordar do cortiço, O chora-
do. · Amadeu Amaral: Boa fama. · Olavo Bilac: A gruta de
pedra, O velho rei, A pátria, Manifestação Rio Branco, Oração à
Bandeira. · Magalhães de Azeredo: Luar de maio. · Virgílio
Várzea: Manhã na roça, No outeiro. · Joaquim Nabuco: Camões,
Massangana. · Graciliano Ramos: Baleia, Libório, Vida de sururu.
· Brasílio Machado: Carlos Gomes. · Humberto de Campos:
O que fizeres a Teu Pai, Teu Filho te fará, As violetas de Nossa
Senhora. · Raimundo de Morais: O vale amazônico. · Xavier
Marques: Os vagalhões, Dança africana. · Mário Sete: Minha
terra tem palmeiras... · Afonso Celso: A baía do Rio de Janeiro. ·
Plínio Salgado: A minha terra é linda. · Monteiro Lobato: Os
Faroleiros, Negrinha. · José Veríssimo: O despertar dos Campos
na Amazônia. · Salvador de Mendonça: O salto de Itu. · José
Américo de Almeida: Os centauros. · Martins Fontes: A dan-
ça. · Afonso Arinos: Buriti perdido, O mar. · Carlos de Laet: O
frade estrangeiro, A catedral do arcebispo. · Afrânio Peixoto: A
pobre escrava. · Alcides Maia: Paisagem gaúcha. · Raul
Pompéia: O Ateneu, O incêndio do Ateneu. · Aurélio Pinheiro:
332 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
POESIA
· Olavo Bilac: Profissão da fé, Sonata ao crepúsculo, Ouvir
estrelas, Língua portuguesa, A um poeta, O sol, Anoitecer, As
árvores, Pátria, Tercetos, Perfeição, Nel mezzo del camin. · Ma-
chado de Assis: A mosca azul, À Carolina, A flor do Embiruçu,
Última jangada, Círculo vicioso, Soneto de Natal, Versos a Corina,
Fé. · Raimundo Correia: Anoitecer, A cavalgada, O monge, Mal
secreto, Plenilúnio, Banzo, Peregrino, Cítera. · Francisco Karam:
Quando anoitece. · Vinícius de Morais: Soneto da separação,
Poema de Natal. · Augusto dos Anjos: O lamento das coisas,
Monólogo de uma sombra, A idéia. · Pedro Nava: O defunto. ·
Augusto Frederico Schmidt: Paz dos túmulos, Senhor, A noite
Vem descendo, Poema. · Luís Carlos: Chafariz secular, Leão, O
mineiro. · Manuel Bandeira: Desalento, A Camões, Os sinos,
Desencanto, Estrela da manhã, Vou-me embora pra Pasárgada, A
onda, Ao crepúsculo, Renúncia. · Jorge de Lima: O acendedor
de lampiões, Distribuição da poesia, Espírito paráclito. · Alphonsus
de Guimaraens: As mãos da Virgem, Ismália, Lua nova. · Luís
Delfino: As naus. · Raul de Leôni: Melancolia. · Hermes Fon-
tes: Dezembro. · Emílio de Meneses: O Salto do Guaíra, Sone-
to, Anunciação. · Martins Fontes: Religião. · Mário de Andrade:
Poemas da amiga. · Cecília Meireles: Ventania, Anunciação,
Destino. · Guilherme de Almeida: Dor oculta. · Carlos
Drummond de Andrade: A máquina do mundo, Como um pre-
sente. · Jônatas Serrano: Saudade. · Vicente de Carvalho: Cair
das folhas, A felicidade, Velho tema. · Murilo Mendes: Jandira.
· Alberto de Oliveira: O bater da cancela, Ode cívica, A torren-
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 333
A Oração do Filho
Espírito supremo daquele que me ensinou a sentir o direito, e
querer a liberdade; daquele cuja presença íntima respira em mim
nas horas do dever e do perigo; daquele a quem pertence, nas
minhas ações, o merecimento da coerência e da sinceridade; ema-
nação da honra, da veracidade e da justiça, espírito severo de meu
pai...; imagem da bondade e da pureza, que verteste em minha
alma a felicidade do sofrer e do perdoar, que me educaste no
espetáculo divino do sacrifício coroado pelo sacrifício, carícia do
céu na manhã dos meus dias, aceno do céu no horizonte da minha
tarde, anjo da abnegação e da esperança, que me sorris no sorriso
de meus filhos, espírito sideral de minha mãe...; se o bem desabotoa
alguma vez à superfície agreste de minha vida, vós sois a mão do
semeador, que o semeou..., vós, cuja energia me criou o coração e
a consciência, cuja benção derramou a fecundidade sobre as urzes
de minha natureza. Quando, na minha existência, alguma coisa possa
inspirar gratidão, ou simpatia, não me tomem senão como o fruto
em que se mitiga a sede, e que se esquece. Vós, autores benignos
do meu ser, vós sois a árvore dadivosa cujos benefícios sobrevivem
no reconhecimento, que não murcha. Estas flores, magia de um
jardim instantâneo, onda esparsa de uma alvorada balsâmica, estas
flores em que se desentranha, ao contacto da Bahia, o berço, que
me afofastes com a vossa ternura, que me guardastes com as vos-
sas vigílias, que me perfumastes com as vossas virtudes, estas flo-
res são vossas: recebei-as. Que elas envolvam no seu aroma a
vossa memória, reabram, em cada geração de vossos netos, aos
pés da vossa cruz, e deixem cair o refrigério de seu orvalho sobre as
paixões corrosivas, que ulceram a pátria, amofinando-lhe o presen-
te, ameaçando-lhe o futuro.
O Terremoto de Lisboa
Todas as notas da elegia das aflições humanas soluçam no
quadro de suprema angústia, que, num dia inolvidável, apavorou, há
cento e vinte e sete anos, essa gloriosa extrema européia de Os
lusíadas,
“Onde a terra se acaba, e o mar começa”.
Esse largo sorriso, azul como a onda jônia, da Europa ao Oce-
ano, deslizado em curvas graciosas à foz sussurrante do Tejo, anegra-
se e contrai-se numa expressão de inenarrável desespero.
Era a manhã de todos os santos em 1755. Uma convulsão
atroz agita a soberba cidade em violentas contorções.
O solo desloca-se, gemendo, nos espasmos de um fenômeno
assombroso, cujo círculo de oscilações estende-se de Dantzig a
Marrocos, da Inglaterra a Madri, enturgesce as caldas de Poplitz
na Boêmia, turva, na Escócia, as águas do lago Lhomond, revolve
o Mediterrâneo, nas costas da Berbéria, encapela as meigas en-
seadas da Madeira, e, transpondo, numa repercussão espantosa,
o Atlântico, vem, do outro lado, ecoar nas Antilhas o ulular longínquo
da catástrofe.
Dir-se-ia que “essa trombeta de horrendas maldições, em que
fala Shakespeare, estrugindo das colinas desvairadas do glorioso rio
do Gama, convoca os dois continentes ao sagrado horror do inaudi-
to cataclismo.
A cabeça da grande Lusitânia vacila, como se a embriaguez
da misticismo devoto a sacudisse no delírio de uma visão de
Apocalipse. As abóbadas dos templos confundem sob as mesmas
ruínas as imagens e os crentes, a hóstia e os levitas, o sangue dos
fiéis e o da vítima incruenta; as ruas sulcam-se em abismos; os
palácios desabam trovejando; a casaria, esboroando-se numa su-
cessão infinita de fragores indizíveis, desaparece na voragem, na
confusão e no incêndio, que açoita com as asas rutilantes as trevas
desse círculo dantesco.
De um lado, as chamas parecem destinadas a fundir a antiga
capital do Ocidente, como o fogo mecedônio amalgamara outrora
num metal único o oiro, a prata e o bronze das estátuas de Corinto;
do outro, quinze metros acima das mais altas marés, a enchente,
338 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
O idioma nacional
em que indica pela relva como causa, com relva como instru-
mento e na relva como locativo espacial, a visão semântica clara
leva à identificação também clara do adjunto adverbial.
Seu enfoque sobre vozes verbais também semântico é único,
porque é abrangente, não deixando de fora nenhum tipo de verbo. O
enfoque tradicional –ativa, passiva e reflexiva- é ineficaz. Para Pottier,
temos sete tipos de vozes: atributiva (Pedro é bom), equativa (Pedro
344 BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Bibliografia
BARBUDA, Julio - Gramática da Língua Portuguesa, 1926.
BÓSCOLI, José Ventura - Gramatica da Lingua Portuguesa, 1898.
MATTOSO, Câmara - Estrutura da Língua Portuguesa.
POTTIER, Bernard - Lingüística Geral – Teoria e descrição –Trad. e
adaptação de Walmirio Macedo . Presença Editora, Rio.
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 347
Parte III
Resumos de comunicações
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 355
Isoglossas do português
Afrânio da Silva Garcia, da UERJ/FFP.
Parte IV
Minicursos
BRASIL – 500 ANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 369