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AS ARMAS E OS “ASSINALADOS”
Talvez...
Talvez...
Fantasias,
arlequins despedaçados
pela ironia!
ou de ser talvez...
A língua ofegante
o corpo desfeito pela peçonha
o sonho a dilacerar-nos as vísceras...
Assim vivemos
neste pedaço de musgo
de sabor tão salgado
nesta...
terra de outras terras
corpo de outros corpos
sonho de outros sonhos
voamos
em cascas de noz
nadamos
sobre balões
e vamos
à descoberta
talvez...
de naus de noz
de musgo salgado
de vísceras dilaceradas
ou talvez...
II
e a casca de noz
que fez de nós membros orgulhosos do criador.
O ouro foi-se
a essência evaporou-se
a mirra mirrou
a miragem ficou...
Ámen!
III
OS MARES NAVEGADOS
E num discurso
algo breve
e suspeito
o general fala às tropas em parada
do alto do seu varandim de damasco:
Queremos o general
para a glória de Portugal!”
Luisa Lopes / Epopeia dos Celenterados Ibéricos/1980
És tu ditosa Pátria
Rainha dos mares do sul
que serás engolida pelo Gigante Adamastor...
És tu, ditosa Pátria
que todos queremos salvar...”
IV
ORAÇÃO AO ALTÍSSIMO
Luisa Lopes / Epopeia dos Celenterados Ibéricos/1980
Duendes de ninguém
naus naufragadas de que apenas salvámos a madeira
Fadas seduzidas por gigantes
com o corpo amortalhado
a pele já ressequida
o corpo tão doente...
GLÓRIA AO ALTÍSSIMO!
GLÓRIA AO ALTÍSSIMO!
À beira-mar plantados
neste pedaço de musgo salgado
que não conseguimos digerir
mas que engolimos heroicamente...
GLÓRIA AO ALTÍSSIMO!
Amedrontados
dilacerados,
Vagabundos viscerais
nosso espírito sonhador
répteis olheirentos...
criados desmembrados
na corrente do criador
com armas na ocidental praia
desprovidos de gloriosos séculos...
GLÓRIA AO ALTÍSSIMO
PER OMNIA SECULA SECULORUM...
ficaremos....
Fraqueza de espírito
copo desumano
desequilíbrio mental
luta da Pátria
cancerosos famigerados
tumulto progressivo
Ásia ou África
Luisa Lopes / Epopeia dos Celenterados Ibéricos/1980
VI
Ensinamos-lhes a rota
porque temos um dever a cumprir
e descendemos de marinheiros!
Incendiámos as casas
porque somos povos bárbaros
celtas, iberos, celtiberos e saltimbancos
passámos a viver em palhotas,
chafurdas, capoeiras
porque somos impotentemente
descendentes de carpinteiros!
“Glória ao Altíssimo
Luisa Lopes / Epopeia dos Celenterados Ibéricos/1980
VII
TAPROBANA
Taprobana
passaram
indo além...
Os celenterados escorregam
Luisa Lopes / Epopeia dos Celenterados Ibéricos/1980
navegam
decidem
morrem
nos caminhos do desconhecido
fantasia
arlequins despedaçados...
Desespero solitário
a dilacerar-nos o sonho...
Criados desmembrados
nas correntes do criador
com forças desconhecidas cavámos a nossa sepultura!
GLÓRIA AO ALTÍSSIMO
que assim nos fez hereges!
Oficialmente cobardes
Luisa Lopes / Epopeia dos Celenterados Ibéricos/1980
desequilibrados mentais
cancerosos famigerados
abrigados do vento tumultuoso...
VIII
SENTIMENTO DE UM OCIDENTAL...
Sentimento de um Ocidental
È estar deitado na praia
e ver passar um petroleiro
que suja, prolifera, contamina
o ar puro, o mar azul
O céu distante!
Sentimento de um Ocidental
é passar nas nossas ruas ao anoitecer
e ver chineses e japoneses
de blue jeans, ténis, blusões
e na loja da esquina podermos ler
“Loja de Macau - vende produtos orientais”
Luisa Lopes / Epopeia dos Celenterados Ibéricos/1980
Sentimento de um Ocidental
È ouvir em todas as discotecas
o matraquear de rocks e jazzs
distantemente londrinos e americanos
e ouvir a chula do Douro em rock
o corridinho em rock e o fadinho!
Sentimento de um Ocidental
É atravessar o País
e ver em cada lado uma matrícula
de Madrid, de los Angeles, de Marrocos
de Andorra, do C.D. ou da Nato
cruzando-se com carros e carroças de bois!
Sentimento de um Ocidental
é este ar distante de encruzilhada
na península bombardeada
por impérios culturais!
por cinemas culturais!
por agendas culturais!
Sentimento de um Ocidental
é também sobreviver ao espanto...
IX
UM NOVO REINO
Nações
Parque das Nações
multidões disformes
conformes
a um passo do novo século...
a um passo da nova cultura!
X
TUDO O QUE SUBLIMARAM
Que nos resta afinal?
Que memória nos resta de Portugal?
Que temos ainda de país ocidental?
Estádios de Futebol
Campeonatos e awards
e muitos grandes teatros
Que desconhecem Racine, Corneille, Molière, Brecht ou Shakspeare
Mas cantam a grande Amália
E a canção de Lisboa
E recebem prémios
Têm publicidade gratuita!!
É preciso distrair o povo!
É preciso calar o povo!!!
É preciso esquecer...
Que não há hospitais
Luisa Lopes / Epopeia dos Celenterados Ibéricos/1980
Lisboa, 1980