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ISSN 1517-5545

2007, Vol. IX, nº 1, 129-137

Seleção por conseqüências¹’ ²’ ³


B. F. Skinner

Resumo

A seleção por conseqüências é um modo causal encontrado unicamente em coisas vivas ou em máquinas
feitas por elas. Foi primeiramente reconhecida na seleção natural, mas explica, também, a modelagem e a
manutenção do comportamento do indivíduo e a evolução das culturas. Em todos esses três campos,
substitui explicações baseadas nos modos causais da Mecânica Clássica. A substituição é fortemente
resistida. A seleção natural é agora reconhecida, mas atrasos similares no reconhecimento do papel da
seleção nos outros campos poderiam nos privar de um auxílio valioso na solução dos problemas com os
quais somos confrontados.

A história do comportamento hu- O que denominamos comportamen-


mano, caso possamos considerar que tem to evoluiu como um conjunto de funções
início com a origem da vida na Terra, é aprofundando o intercâmbio entre organis-
possivelmente excedida em amplitude ape- mo e ambiente. Em um mundo relativamen-
nas pela história do universo. Assim como o te estável, o comportamento poderia ser
astrônomo e o cosmologista, o historiador parte do patrimônio genético de uma espé-
avança apenas pela reconstrução do que cie assim como a digestão, a respiração ou
pode ter acontecido ao invés de por meio de qualquer outra função biológica. O envolvi-
uma revisão de fatos registrados. A história mento com o ambiente, contudo, impôs li-
presumivelmente iniciou-se, não com um mitações. O comportamento funcionava
big bang, mas com aquele momento extraor- apropriadamente apenas sob condições re-
dinário em que se deu o surgimento de uma lativamente similares àquelas sob as quais
molécula que era capaz de se reproduzir. fora selecionado. A reprodução sob uma
Foi então que a seleção por conseqüências ampla gama de condições tornou-se pos-
surgiu enquanto um modo causal. A repro- sível com a evolução de dois processos por
dução foi, em si mesma, uma primeira com- meio dos quais organismos individuais ad-
seqüência, e ela levou, por meio da seleção quiriam comportamentos apropriados a
natural, à evolução de células, órgãos e or- novos ambientes. Por meio do condiciona-
ganismos que se reproduziam sob condi- mento respondente (pavloviano), respostas
ções cada vez mais diversas. previamente preparadas pela seleção natu-

______________________________________
¹ Artigo originalmente publicado na Revista Science, [Skinner, B.F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504]. A
tradução para a língua portuguesa e a publicação na Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva foram permitidas
pela American Association for the Advancement of Science e pela B.F.Skinner Foundation.
² Esta versão não é uma tradução oficial para a língua portuguesa conduzida pelos membros da Revista Science e, portanto, não é
tomada por ela como fiel. A tradução é inteiramente responsabilidade da Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva.
Em questões centrais, consultar a versão oficial em língua inglesa, originalmente publicada na Revista Science.
³ Tradução de Carlos Renato Xavier Cançado, Paulo Guerra Soares e Sérgio Cirino. Os tradutores agradecem à Faculdade de
Educação da UFMG, pelo financiamento que tornou esse trabalho possível. Agradecem, também, aos Drs. Ernst Vargas e Julie S.
Vargas, da B.F.Skinner Foundation, assim como às representantes desta instituição no Brasil, Dras. Maria Martha Costa Hübner e
Maria Teresa de Araújo Silva pelo incentivo. Igualmente, agradecem aos membros do corpo editorial da Revista Brasileira de Terapia
Comportamental e Cognitiva e aos Drs. Alexandre Dittrich e Roberto Banaco pela colaboração no processo de tradução.

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ral poderiam ficar sob o controle de novos Quando membros de uma espécie comem
estímulos. Por meio do condicionamento certo tipo de alimento simplesmente porque
operante, novas respostas poderiam ser comê-lo teve valor de sobrevivência, o ali-
fortalecidas (“reforçadas”) por eventos que mento não precisa ser, e presumivelmente
imediatamente as seguissem. não é, um reforçador. Da mesma forma,
quando o comportamento sexual é simples-
Um segundo tipo de seleção mente um produto da seleção natural, o
contato sexual não precisa ser, e presumi-
O condicionamento operante é um velmente não é, um reforçador. Mas quan-
segundo tipo de seleção por conseqüências. do, por meio da evolução de suscepti-
Deve ter evoluído em paralelo a dois outros bilidades especiais, alimento e contato se-
produtos das mesmas contingências de xual tornam-se reforçadores, novas formas
seleção natural – a susceptibilidade ao refor- de comportamento podem ser estabelecidas.
çamento por certos tipos de conseqüências e Novas maneiras de coletar, processar e, por
um conjunto de comportamentos menos fim, cultivar alimentos e novas formas de se
especificamente relacionados a estímulos comportar sexualmente, ou de se comportar
eliciadores ou liberadores. (A maior parte de maneiras que apenas eventualmente
dos operantes é selecionada a partir de ocasionem reforçamento sexual podem ser
comportamentos que têm pouca ou nenhu- modeladas e mantidas. O comportamento
ma relação com esses estímulos). assim condicionado não é necessariamente
Quando as conseqüências seleciona- adaptativo; alimentos não saudáveis são
doras são as mesmas, o condicionamento ingeridos e comportamento sexual não
operante e a seleção natural trabalham com- relacionado à procriação é fortalecido.
juntamente, de maneira redundante. Por Muito do comportamento estudado
exemplo, o comportamento de um pato re- por etólogos – a corte, o acasalamento, o
cém-nascido ao seguir sua mãe é apa- cuidado dos filhotes, a agressão intra-
rentemente não apenas o produto de seleção específica, a defesa do território e assim por
natural (patos recém-nascidos tendem a se diante – é social. Está numa faixa próxima
mover em direção a objetos grandes em de ser atingida pela seleção natural, uma
movimento), mas também de uma evoluída vez que os outros membros da mesma
susceptibilidade ao reforçamento pela pro- espécie são uma das características mais
ximidade a esse objeto, como demonstrou estáveis do ambiente de uma espécie.
Peterson4. A conseqüência comum é que o Repertórios sociais inatos são suplemen-
pato permanece próximo de sua mãe. (A tados pela imitação. Ao correr quando
estampagem é um processo diferente, próxi- outros correm, por exemplo, um animal
mo do condicionamento respondente). responde a estímulos liberadores aos quais
Uma vez que uma espécie que rapi- não foi anteriormente exposto. Um tipo
damente adquire comportamentos apropri- diferente de imitação, com uma amplitude
ados a ambientes específicos tem menor ne- muito maior, resulta do fato de que contin-
cessidade de um repertório inato, o condici- gências de reforçamento que induzem um
onamento operante poderia não apenas organismo a se comportar de determinada
suplementar a seleção natural do comporta- maneira afetarão freqüentemente outro or-
mento, mas também substituí-la. Houve ganismo quando ele se comporta da mesma
vantagens que favoreceram esta mudança. forma. Um repertório imitativo que coloca o
imitador sob controle de novas contingên-
4 cias é então adquirido.
Peterson, N., Science, 132, 1395 (1960).

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A espécie humana presumivelmente pessoa pergunta a outra questões como “O


tornou-se muito mais social quando sua que você vai fazer?” ou “Por quê você fez
musculatura vocal ficou sob controle ope- aquilo?”. A invenção do alfabeto propagou
rante. Vocalizações de alarme, chamados de essas vantagens por grandes distâncias e
acasalamento, ameaças de agressão, e ou- períodos de tempo. Há muito tempo, diz-se
tros tipos de comportamento vocal podem que essas características conferem à espécie
ser modificados por condicionamento ope- humana sua posição única, embora seja
rante, mas aparentemente apenas com rela- possível que tal singularidade seja simples-
ção às ocasiões em que ocorrem ou à sua mente a extensão do controle operante à
taxa de ocorrência5. A habilidade da espécie musculatura vocal.
humana para adquirir novas formas por
meio de seleção por conseqüências presumi- Um terceiro tipo de seleção
velmente resultou da evolução de uma
inervação especial da musculatura vocal, O comportamento verbal aumentou
junto com um suprimento de comporta- consideravelmente a importância de um
mento vocal não fortemente sob o controle terceiro tipo de seleção por conseqüências: a
de estímulos ou de liberadores – o balbuciar evolução de ambientes sociais ou culturas.
de crianças a partir do qual são selecionados O processo presumivelmente se inicia no
os operantes verbais. Nenhuma nova sus- nível do indivíduo. Uma melhor maneira de
ceptibilidade ao reforçamento foi necessá- fabricar uma ferramenta, de produzir ali-
ria, uma vez que as conseqüências do com- mentos ou de ensinar a uma criança é
portamento verbal distinguem-se apenas reforçada por suas conseqüências – respecti-
pelo fato de que são mediadas por outras vamente, a ferramenta, os alimentos ou um
pessoas6. ajudante útil. A cultura evolui quando prá-
O desenvolvimento do controle am- ticas que se originam dessa maneira contri-
biental sobre a musculatura vocal aumentou buem para o sucesso de um grupo pratican-
consideravelmente o auxílio que uma pes- te em solucionar os seus problemas. É o
soa recebe de outras. Comportando-se ver- efeito sobre o grupo e não as conseqüências
balmente, as pessoas podem cooperar de reforçadoras para seus membros, o respon-
maneira mais eficiente em atividades sável pela evolução da cultura.
comuns. Ao receberem conselhos, ao aten- Em suma, então, o comportamento
tarem para avisos, ao seguirem instruções, e humano é o produto conjunto de a) contin-
ao observarem regras, as pessoas podem se gências de sobrevivência responsáveis pela
beneficiar do que outros já aprenderam. seleção natural das espécies, e b) contin-
Práticas éticas são fortalecidas ao serem gências de reforçamento responsáveis pelos
codificadas em leis, e técnicas especiais de repertórios adquiridos por seus membros,
autogoverno ético e intelectual são desen- incluindo c) contingências especiais manti-
volvidas e ensinadas. O autoconhecimento das por um ambiente cultural evoluído. (Em
ou consciência emergem quando uma última análise, obviamente, tudo isso é uma
questão de seleção natural, uma vez que o
5 O comportamento imitativo vocal de certos pássaros pode
condicionamento operante é um processo
ser uma exceção, mas se ele tem conseqüências seletivas evoluído, do qual as práticas culturais são
comparáveis àquelas das vocalizações de alarme ou dos aplicações especiais).
chamados de acasalamento, as mesmas são obscuras. O
comportamento vocal do papagaio é modelado, na melhor
das hipóteses, por uma conseqüência trivial, envolvendo a
semelhança entre sons produzidos e sons ouvidos.
6 B.F.Skinner, Verbal Behavior (Appleton, New York, 1957).

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Similaridades e diferenças (b) e (c). Se a seleção natural é um princípio


válido, por que várias espécies permanecem
Cada um dos três níveis de variação não modificadas por milhares ou até
e seleção tem sua própria disciplina – o pri- milhões de anos? Presumivelmente a res-
meiro, a Biologia; o segundo, a Psicologia; e posta é que, ou nenhuma variação ocorreu,
o terceiro a Antropologia. Apenas o segun- ou aquelas que ocorreram não foram
do, o condicionamento operante, ocorre em selecionadas pelas contingências em vigor.
uma velocidade em que pode ser observado Questões similares podem ser feitas em
de momento a momento. Biólogos e antro- relação aos níveis (b) e (c). Por que as
pólogos estudam os processos por meio dos pessoas continuam a fazer as coisas da
quais variações surgem e são selecionadas, mesma maneira por vários anos, e por que
mas eles apenas reconstroem a evolução de grupos de pessoas continuam a observar
uma espécie ou cultura. O condicionamento práticas antigas por séculos? As respostas
operante é a seleção ocorrendo. O processo são, presumivelmente, as mesmas: ou novas
se assemelha a cem milhões de anos de variações (novas formas de comportamento
seleção natural ou a mil anos de evolução ou novas práticas) não surgiram ou aquelas
de uma cultura condensados em um perí- que surgiram não foram selecionadas pelas
odo muito curto de tempo. contingências em vigor (de reforçamento ou
A imediaticidade do condicionamen- de sobrevivência do grupo). Em todos os
to operante tem certas vantagens práticas. três níveis, uma mudança súbita, possivel-
Por exemplo, quando uma característica mente ampla, é explicada como resultado
atualmente adaptativa é presumivelmente da seleção de novas variações pelas contin-
muito complexa para ter ocorrido em sua gências em vigor ou por novas contingên-
forma presente como uma única variação, cias. A competição com outras espécies, pes-
ela é usualmente explicada como sendo o soas ou culturas pode ou não estar envolvi-
produto de uma seqüência de variações da. Limites estruturais também podem ter
mais simples, cada qual tendo seu próprio um papel em todos os três níveis.
valor de sobrevivência. É uma prática Um outro ponto é a definição ou a
comum na teoria da evolução buscar tais identidade de uma espécie, de uma pessoa
seqüências, e antropólogos e historiadores ou de uma cultura. Características numa
têm reconstruído os estágios pelos quais espécie e práticas numa cultura são transmi-
códigos morais e éticos, arte, música, litera- tidas de uma geração para a outra, mas o
tura, ciência, tecnologia, e assim por diante, comportamento reforçado é “transmitido”
têm provavelmente evoluído. Um operante somente no sentido de permanecer como
complexo, contudo, pode, de fato, ser “mo- parte do repertório de um indivíduo. Em-
delado por aproximações sucessivas” arran- quanto espécies e culturas são definidas por
jando-se uma série gradual de contingências restrições impostas sobre a transmissão –
de reforçamento7. por genes e cromossomos e, digamos, isola-
Uma questão atual em relação ao mento geográfico, respectivamente – um
nível (a) tem paralelos em relação aos níveis problema de definição (ou identidade) sur-
ge em relação ao nível (b) somente quando
7 Padrões de comportamento inato muito complexos para contingências de reforçamento diferentes
terem surgido como variações singulares podem ter sido criam repertórios diferentes, como eus ou
modelados por mudanças geológicas resultantes do mo-
vimento de placas tectônicas. [B.F.Skinner, Acta Neuro- pessoas.
biol.Exp., 35, 409, (1975); reimpresso em Reflections on Beha-
viorism and Society (Prentice-Hall, Engelwood Cliffs, N.J.,
1978)].

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Sistemas explicativos tradicionais Certas essências. (a) Uma molécula


que pudesse se reproduzir e evoluir para o
Como um modo causal, a seleção estado de célula, órgão e organismo estava
por conseqüências foi descoberta muito viva assim que teve início a sua existência
tardiamente na História da Ciência – de sem o auxílio de um princípio vital deno-
fato, há menos de um século e meio – e não minado vida. (b) O comportamento operan-
é ainda completamente reconhecida ou te é modelado e colocado sob o controle do
entendida, especialmente em relação aos ambiente sem que haja a intervenção de um
níveis (b) e (c). Os fatos pelos quais é princípio de mente. (Supor que o pensa-
responsável têm sido forçados para dentro mento surgiu como uma variação, assim
do padrão causal da Mecânica Clássica, e como uma característica morfológica na teo-
muitos sistemas explicativos elaborados ria genética, é invocar um saltum desneces-
nesse processo devem ser, agora, abandona- sariamente longo.) (c) Ambientes sociais ge-
dos. Alguns deles têm grande prestígio e ram autoconhecimento (“consciência”) e au-
são fortemente defendidos em todos os três togoverno (“razão”) sem o auxílio de uma
níveis. Consideram-se, aqui, quatro exem- mente grupal ou um Zeitgeist.
plos: Dizer isto não é reduzir a vida, a
Um ato anterior de criação. (a) A mente e o Zeitgeist ao físico; é simplesmente
seleção natural substitui um criador muito reconhecer que essências são desnecessári-
especial e ainda é questionada por causa as. Os fatos são como sempre foram. Dizer
disto. (b) O condicionamento operante ofe- que a seleção por conseqüências é um modo
rece uma análise similarmente controversa causal encontrado apenas em coisas vivas é
do comportamento (“voluntário”) tradicio- unicamente dizer que a seleção (ou a
nalmente atribuído a uma mente criativa. (c) “replicação com erro” que a tornou possí-
A evolução de um ambiente social substitui vel) define o “viver”. (Um computador po-
a suposta origem de uma cultura como um de ser programado para simular a seleção
contrato social, ou de práticas sociais como natural, o condicionamento operante, ou a
mandamentos. evolução de uma cultura, mas unicamente
Propósito ou intenção. Somente conse- quando construído e programado por uma
qüências passadas têm um papel impor- coisa viva). A base física da seleção natural
tante na seleção. (a) Uma espécie particular é, atualmente, razoavelmente clara; as bases
não tem olhos para que seus membros correspondentes relativas ao condiciona-
vejam de maneira mais eficiente; ela os tem mento operante e, conseqüentemente, à evo-
porque certos membros, passando por vari- lução das culturas, estão ainda por ser des-
ação, puderam ver melhor e como conse- cobertas.
qüência tiveram mais chance de transmitir a Algumas definições de bem e de valor.
variação. (b) As conseqüências do compor- (a) O que é bom para a espécie é qualquer
tamento operante não são a finalidade do coisa que promova a sobrevivência de seus
comportamento atual; elas são simplesmen- membros até que sua prole tenha nascido e,
te semelhantes às conseqüências que mode- possivelmente, sido criada. Boas caracterís-
laram e mantiveram o comportamento. (c) ticas são descritas como tendo valor de so-
As pessoas não exercem determinadas brevivência. Dentre elas encontram-se a
práticas para que o grupo tenha maiores susceptibilidade ao reforçamento por mui-
chances de sobreviver; elas as exercem por- tas das coisas que dizemos ter bom sabor,
que grupos que induziram seus membros a gerar boas sensações, e assim por diante. (b)
exercê-las sobreviveram e as transmitiram. O comportamento de uma pessoa é bom se

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é efetivo sob as contingências de reforça- por terem sido modificadas por aquelas
mento em vigor. Nós valorizamos esse com- contingências. As contingências podem, tal-
portamento e, de fato, o reforçamos dizendo vez, ser inferidas a partir das modificações
“Bom!”. O comportamento em relação a ou- que operaram, mas elas não mais existem.
tros indivíduos é bom se é bom para os (c) Um possível uso legítimo para “armaze-
outros nesses sentidos. (c) O que é bom para namento” na evolução das culturas pode ser
uma cultura é qualquer coisa que promova responsável por esses erros. Partes do ambi-
sua sobrevivência última, como manter um ente social mantidas e transmitidas por um
grupo coeso ou transmitir suas práticas. grupo são literalmente armazenadas em
Essas não são, obviamente, definições tradi- documentos, artefatos, e outros produtos
cionais; elas não reconhecem um mundo de daquele comportamento.
valores distinto de um mundo de fatos e, Outras forças causais que serviriam
por outras razões a serem abordadas em como substitutas da seleção têm sido procu-
breve, são questionadas. radas na estrutura de uma espécie, de uma
pessoa ou de uma cultura. A organização é
Alternativas à seleção um exemplo. (a) Até recentemente, a maio-
ria dos biólogos afirmava que a organização
Um exemplo das tentativas de assi- distinguia coisas vivas das não vivas. (b) De
milar a seleção por conseqüências à causa- acordo com psicólogos da Gestalt e outros,
lidade da Mecânica Clássica é o termo percepções e atos ocorreriam de certas ma-
“pressão seletiva”, que parece converter a neiras inevitáveis por causa de sua organi-
seleção em algo que força uma mudança. zação. (c) Muitos antropólogos e lingüistas
Um exemplo mais sério é a metáfora do apelam para a organização de práticas cul-
armazenamento. As contingências de sele- turais e lingüísticas. É verdade que todas as
ção estão necessariamente no passado; elas espécies, pessoas e culturas são altamente
não estão agindo quando seu efeito é obser- organizadas, mas nenhum princípio de
vado. Para que seja proposta uma causa organização explica o fato de o serem. Am-
presente, tem-se assumido que as mesmas bos, organização e os efeitos a ela atribuí-
são armazenadas (comumente como “infor- dos, podem ser retraçados às respectivas
mação”) e, mais tarde, recuperadas. Então, contingências de seleção.
(a) afirma-se que genes e cromossomos Outro exemplo é o crescimento. O
“contêm a informação” necessária para que desenvolvimentismo é o estruturalismo com
o ovo fertilizado se torne um organismo o tempo ou a idade adicionados enquanto
maduro. Mas uma célula não consulta um variável independente. (a) Havia evidência,
depósito de informações para que aprenda a antes de Darwin, que as espécies haviam se
mudar; ela muda em função de caracterís- “desenvolvido”. (b) Psicólogos cognitivistas
ticas que são o produto de uma história de têm afirmado que conceitos se desenvolvem
variação e seleção, um produto que não é na criança em certas ordens fixas, e Freud
propriamente representado pela metáfora disse o mesmo em relação às funções
do armazenamento. (b) Afirma-se que as psicossexuais. (c) Alguns antropólogos têm
pessoas armazenam informações acerca das sugerido que culturas devem evoluir por
contingências de reforçamento e as recupe- uma série prescrita de estágios, e Marx
ram para uso em ocasiões futuras. Mas elas também o fez em sua insistência em relação
não consultam cópias de contingências pré- ao determinismo histórico. Mas em todos os
vias para descobrir como se comportar; elas três níveis, as mudanças podem ser expli-
se comportam de determinadas maneiras cadas pelo “desenvolvimento” de contin-

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gências de seleção. Novas contingências de ficando-se o nível de seleção. O que é bom


seleção natural passam a atuar enquanto para o indivíduo ou para a cultura pode ter
uma espécie evolui; novas contingências de conseqüências prejudiciais para a espécie,
reforçamento começam a operar enquanto o como quando o reforçamento sexual leva à
comportamento torna-se mais complexo; e superpopulação ou às comodidades reforça-
culturas cada vez mais eficientes lidam com doras estabelecidas pela civilização à exaus-
novas contingências de sobrevivência. tão dos recursos; o que é bom para a espécie
ou para a cultura pode ser prejudicial para o
A seleção negligenciada indivíduo, como quando práticas planeja-
das para o controle reprodutivo ou a preser-
A força causal atribuída à estrutura, vação de recursos restringem a liberdade in-
enquanto uma substituta da seleção, ocasio- dividual, e assim por diante. Não há nada
na problemas quando se afirma que uma inconsistente ou contraditório sobre esses
característica em um dos níveis explica uma usos de “bom” ou “prejudicial”, ou sobre
característica similar em outro – a importân- outros julgamentos de valor, desde que o
cia histórica da seleção natural conferindo- nível de seleção seja especificado.
lhe, comumente, um lugar especial. A
Sociobiologia oferece muitos exemplos. O Um agente iniciador
comportamento descrito como defesa do
território pode dever-se a (a) contingências Resiste-se particularmente ao papel da sele-
de sobrevivência durante a evolução das ção por conseqüências porque não há um
espécies, provavelmente envolvendo o su- lugar para um agente iniciador como suge-
primento de alimento ou práticas reprodu- rido pela Mecânica Clássica. Nós tentamos
tivas; (b) contingências de reforçamento pa- identificar tal agente quando dizemos (a)
ra o indivíduo, provavelmente envolvendo que a espécie se adapta a um ambiente, ao
uma fração dos reforçadores disponíveis no invés de dizer que o ambiente seleciona as
território; ou (c) contingências mantidas pe- características adaptativas; (b) que um indi-
las práticas culturais de um grupo, promo- víduo se ajusta à determinada situação, ao
vendo comportamentos que contribuem pa- invés de dizer que a situação modela e man-
ra a sobrevivência do mesmo. Similarmente, tém comportamentos a ela apropriados; e
o comportamento altruístico (a) pode evo- (c) que um grupo de pessoas resolve um
luir por meio, digamos, da seleção de paren- problema criado por certas circunstâncias,
tesco; (b) pode ser modelado e mantido por ao invés de dizer que as circunstâncias sele-
contingências de reforçamento arranjadas cionam as práticas culturais que produzem
por aqueles para quem o comportamento uma solução.
traz algum benefício; ou (c) pode ser gerado A questão sobre um agente iniciador
por culturas que, por exemplo, induzem é levantada em sua forma mais aguda por
indivíduos a sofrer ou a morrer como heróis nosso próprio lugar nessa história. Darwin e
ou mártires. As contingências de seleção nos Spencer pensavam que a seleção levaria
três níveis são consideravelmente diferen- necessariamente à perfeição, mas espécies,
tes, e a similaridade estrutural não confirma pessoas e culturas perecem quando não
um princípio iniciador comum. podem lidar com mudanças rápidas, e
Quando uma força causal é atribuída parece que, atualmente, nossa espécie está
à estrutura, a seleção tende a ser ignorada. ameaçada. Devemos esperar que a seleção
Muitas questões que surgem em relação à resolva os problemas de superpopulação,
moral e à ética podem ser resolvidas especi- exaustão de recursos, poluição do ambiente

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e um holocausto nuclear, ou podemos dar Apesar de agora podermos prever


passos explícitos para tornar nosso futuro muitas das contingências de seleção às
mais seguro? No último caso, não devemos, quais a espécie humana provavelmente será
em algum sentido, transcender à seleção? exposta em todos os três níveis e especificar
Pode-se dizer que intervimos no pro- comportamentos que satisfarão muitas de-
cesso de seleção quando, como geneticistas, las, temos falhado em estabelecer práticas
modificamos as características de uma espé- culturais sob as quais muitos desses com-
cie ou criamos novas espécies, ou como go- portamentos são selecionados e mantidos. É
vernantes, empregadores ou professores, possível que nosso esforço para preservar o
modificamos o comportamento das pessoas; papel do indivíduo como um originador
ou quando planejamos novas práticas cultu- seja o responsável, e que um maior reconhe-
rais. Mas em nenhuma dessas maneiras, cimento do papel da seleção por conseqüên-
escapamos da seleção por conseqüências. cias fará uma importante diferença.
Em primeiro lugar, podemos atuar apenas O cenário atual não é animador. A
por meio de variação e seleção. No nível (a) Psicologia é a disciplina de escolha no nível
podemos modificar genes e cromossomos (b), mas poucos psicólogos prestam muita
ou contingências de sobrevivência, como na atenção à seleção. Os existencialistas, entre
reprodução seletiva. No nível (b) podemos eles, preocupam-se particularmente com o
produzir novas formas de comportamento – aqui e agora, ao invés de com o passado e
por exemplo, mostrando ou dizendo às com o futuro. Os estruturalistas e desenvol-
pessoas o que fazer com respeito às contin- vimentistas tendem a negligenciar contin-
gências relevantes – ou arranjar e manter gências seletivas em sua busca por princí-
novas contingências seletivas. No nível (c) pios causais tais como a organização ou o
podemos introduzir novas práticas culturais crescimento. A convicção de que contin-
ou, raramente, arranjar contingências espe- gências são armazenadas como informação
ciais de sobrevivência – por exemplo, para é apenas uma das razões pelas quais o apelo
preservar uma prática tradicional. Mas a funções cognitivas não é útil. As três
tendo feito essas coisas, temos que esperar personae da teoria psicanalítica são, em muit-
que a seleção ocorra. (Há uma razão espe- os aspectos, próximas aos nossos três níveis
cial pela qual essas limitações são signifi- de seleção; mas o id não representa adequa-
cativas. É comumente dito que a espécie damente a enorme contribuição da história
humana é agora capaz de controlar sua natural da espécie; o superego, mesmo com
própria genética, seu próprio comportamen- o auxílio de um ego ideal, não representa
to e seu próprio destino, mas ela não o faz adequadamente as contribuições de um
no sentido em que o termo controle é em- ambiente social para a linguagem, auto-
pregado na Mecânica Clássica. Não o faz conhecimento e autogoverno intelectual e
pelo simples fato de que coisas vivas não ético; e o ego é apenas vagamente seme-
são máquinas: a seleção por conseqüências lhante ao repertório pessoal adquirido sob
faz a diferença). Em segundo lugar, deve- as contingências práticas da vida diária. O
mos considerar a possibilidade de que nos- campo conhecido como Análise Experimen-
so comportamento de intervir é em si mês- tal do Comportamento tem explorado ex-
mo um produto da seleção. Tendemos a nos tensivamente a seleção por conseqüências,
considerar como agentes iniciadores somen- mas resiste-se à sua concepção do compor-
te porque nós sabemos ou lembramos pou- tamento humano, e muitas de suas aplica-
co das nossas histórias genética e ambiental. ções práticas são rejeitadas, precisamente

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pelo fato de que ela não tem um lugar para


a pessoa enquanto um agente iniciador. As
ciências comportamentais no nível (c) apre-
sentam falhas similares. A Antropologia é
consideravelmente estrutural, e cientistas
políticos e economistas comumente tratam o
indivíduo como um agente iniciador livre.
A Filosofia e as Letras não oferecem pers-
pectivas promissoras.
Um reconhecimento apropriado da
ação seletiva do ambiente significa uma um-
dança em nossa concepção sobre as origens
do comportamento que é possivelmente tão
grande quanto aquela acerca da origem das
espécies. Enquanto nos apegarmos à com-
cepção de que uma pessoa é um executor,
um agente ou um causador inicial do com-
portamento, continuaremos provavelmente
a negligenciar as condições que devem ser
modificadas para que possamos resolver
nossos problemas8.

8 B.F.Skinner, Beyond Freedom and Dignity (Knopf, New York,

1971).

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