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CURSO DE PSICOLOGIA
1
MIRNA COSTA BRAZ SOARES
Maceió, 2009
2
Os componentes da banca de avaliação, abaixo listados,
consideram este trabalho aprovado.
________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
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“Dedico este trabalho a todos os
meus amigos em especial aqueles que me
ajudam em meu processo de
transformação interior.
4
Tudo passa e tudo fica
porém o nosso é passar,
passar fazendo caminhos
caminhos sobre o mar
5
.
SUMÁRIO
Apresentação
............................................................................................................7
Introdução ................................................................................................................ 9
1 A AYAHUASCA COMO PLANTA MESTRA- A NOÇÃO DE ENTEÓGENO ........... 20
2 A UTILIZAÇÃO DA AYAHUASCA EM CONTEXTO URBANO E RITUAL ............ 24
2.1 A IMPORTÂNCIA DO RITUAL PARA CONSAGRAÇAO DA AYAHUASCA ..................... 28
2.1.1 RITUAL DO SANTO DAIME ........................................................................................................ 31
2.1.2 RITUAL DO ESSÊNCIA DIVINA .................................................................................................. 40
3 EXPERIÊNCIAS TRANSPESSOAIS ATRAVÉS DO USO RITUALÍSTICO DA AYA-
HUASCA.................................................................................................................. 46
3.1 AS EXPERIÊNCIAS COM AYAHUASCA E O RETORNO AO SAGRADO NA CONTEMPORANEI-
DADE ................................................................................................................................................... 52
4 POTENCIALIDADES TERAPEUTICAS DO USO RITUALÍSTICO DA AYAHUASCA
................................................................................................................................. 59
4.1 AYAHUASCA E XAMANISMO: A DESCOBERTA DOS POTENCIAIS TERAPÊUTICOS DA BEBIDA
SAGRADA..................................................................................................................................60
4.1.1 FUNÇÃO TERAPÊUTICA DA AYAHUASCA.............................................................................62
4.1.1.1 AYAHUASCA A CAMINHO DO SELF.................................................................................... 76
Considerações finais ............................................................................................. 80
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APRESENTAÇÃO
O que mais me motivou a pesquisar esse tema foram às mudanças que acon-
teceram em mim mesma. Como fardada do Santo Daime, onde faço parte do Núcleo
7
Céu das Águas em Maceió- AL pude compreender como atua a bebida sagrada em
mim mesma. E através da lições que me foram passadas em cada trabalho espiritual,
passei a prestar mais atenção a mim mesma, compreendendo o meu lugar no mun-
do, sentindo fluxo da vida em direção à plenitude do Ser.
8
INTRODUÇÃO
Tavares (2002) nos fala que o campo de pesquisa com Enteógenos vai além
dos limites da experiência racional, a partir de uma revalorização do não-cotidiano e
das experiências não-conceituais. Pretendendo-se com isso, reestruturar o lugar da
produção do conhecimento, habilitando o seu acesso a outros reinos da experiência
humana, como por exemplo, o do indizível, da natureza intrínseca da experiência re-
ligiosa e do sagrado.
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O termo “transpessoal” foi utilizado pela primeira vez na área da psicologia por
Carl Gustav Jung em 1917, quando se referia ao Inconsciente Coletivo. Para Jung,
além do inconsciente individual existe também aquele que seria transpessoal ou co-
letivo por manifestar expressões e reações comuns ao espírito humano. A hipótese
desse inconsciente o leva a estudar a dimensão psíquica do acesso ao simbólico,
incluindo os arquétipos e mitos presentes em toda a humanidade e em nossa psique
(GAILLARD 2003, p. 57).
Psicologia e Psicoterapia
Pesquisa da consciência
Vício e recuperação
11
Pesquisa de psicodélicos e estados alterados de consciência
A conexão mente-corpo
Mitologia e Xamanismo
Experiências culminantes
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das a uma série de fatores como a bebida enteógena, a subjetividade, o contexto ri-
tualístico, o contato com o sagrado e o autoconhecimento implicado na experiência.
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A Ayahuasca também demonstra ser fundamental na resolução e tratamento
de problemas, digamos mais objetivos, como a recuperação de pessoas drogadictas
(SANTOS, 2006; LABATE, 2006), de pessoas com depressão e, inclusive, como foi
relatado num dos depoimentos, na reversão de um quadro de síndrome de West de
uma criança.
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te no mundo exterior, resultando na negligência do desenvolvimento de ha-
bilidades interiores. Essa negligência, casada com uma forte ênfase no ma-
terialismo e reducionismo, tem criado uma dolorosa cisão entre valores
adotados conscientemente e os interesses profundos do ser. (STOLAROFF
1999: 60-80)
17
18
1. A AYAHUASCA COMO PLANTA MESTRA- A NOÇÃO
DE ENTEÓGENO
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formação espiritual e a busca de conexão e unidade (PELAEZ, 2006).
Assim como a Jurema, utilizada pela tribo brasileira Cariri Xocó, ou o Peyo-
te para os grupos das pradarias norte americanas, também a Ayahuasca
está inserida num contexto em que as plantas ocupam um importante papel
simbólico. A utilização dessas substancias com finalidades curativas são
conhecidos desde há mais remota antiguidade, como exemplo temo a So-
ma, utilizada há 3500 anos na Índia; o Peyote tradicionalmente utilizados
por Índios da Meso-América há mais de 2000 anos e atualmente utilizado
em varias parte do México e América do Norte (GROISMAN, 1999).
Enteógeno é uma palavra que tem origem do grego “Entheos” e “Genesthe”, que
significam respectivamente “Deus interior” e “que gera”. O significado literal é algo
como: “Que gera Deus interior”. A palavra “entheos” também é a raiz da palavra “en-
tusiasmo”, cujo sentido original dizia respeito à “inspiração divina”. Assim, enteógeno
também pode ser definido como o “que gera inspiração divina” (Wasson apud Pela-
ez, 2006).
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estado comum e passando os perceber de outra forma a mesma realidade, inclusive
podendo vivenciar aspectos do inconsciente transpessoal ou coletivo. Na medida em
que se toma consciência do material inconsciente, aumenta-se o nível de consciência
através de insights que funcionam como chaves para penetrar nos reinos do incons-
ciente (LERRER, 2009).
O daime é uma dádiva divina, para que os homens aqui da terra se encon-
trem com o corpo do próprio Deus em si mesmos. Isso ai é uma coisa evi-
dentemente espiritual. Uma das minhas experiências mais marcantes foi o
fato de me lembrar de Deus e de me encontrar com Deus. A experiência foi
essa... Essa sensação de sentir que sou filho de Deus, que sou um ser divi-
no... Eterno... Simplesmente tomando consciência de que Deus e que domi-
na e quem tem o poder e que ao mesmo tempo me ama e me dá todas as
possibilidades para a vida, me dá tudo para que eu aprenda a ser seu filho
com o ser divino. [...] A partir do momento que eu estava tomando o daime,
muito obscuramente eu estava sentindo o chamado e sabia que ali tinha al-
go importante e precisei me entregar mesmo para o daime, me entregar pa-
ra Deus. As coisas não são tão rápidas como a gente pretende. Temos que
ter paciência e fazer os trabalhos porque num chegado momento nós vamos
receber o chamado, o nosso coração vai se abrir mesmo completamente
para isso.
21
pessoais através da Ayahuasca). Geralmente as pessoas com sintomas psicopatoló-
gicos de alucinação, possuem muito medo e sofrem com aquilo que vêem.
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De acordo com Malheiro (s/d), existe atualmente uma cultura do enteógeno,
com um saber voltado para ampliação da consciência e para a viagem interior apre-
sentando-se como uma forma se expansão das possibilidades para a construção do
auto-conhecimento.
23
1 A UTILIZAÇÃO DA AYAHUASCA EM CONTEXTO UR-
BANO E RITUAL
24
nião do Vegetal, a Barquinha e o Centro de Cultura Cósmica, além de núcleos e
igrejas dissidentes e outros grupos independentes.
25
mais divulgados. Nota-se, entretanto, que ainda ecoam muitos preconceitos com re-
lação ao tema, tanto no meio acadêmico quanto no senso comum.
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presidente do, Luis Fernando de Almeida, aos representantes de entidades ayahuas-
queiras que utilizam o chá com fins religiosos no Acre. O processo de reconhecimen-
to foi aberto com aval da Gerência de Registros do Iphan, no final de maio de 2008,
durante a visita do então ministro da Cultura, Gilberto Gil, a sede do Alto Santo no
Acre.
Alem dos trabalhos espirituais, o Núcleo Céu das Águas, através da Associa-
ção Comunitária e Ambientalista, fundada no ano de 2007, vem desenvolvendo tra-
balhos educativos, artísticos e recreativos com as crianças da comunidade, com o
objetivo de aliar as práticas espirituais aos cuidados ambientais e comunitários. Pos-
suindo bastante receptividade da comunidade.
Em Alagoas, além do Santo Daime, existem outros grupos que consagram Aya-
huasca em rituais religiosos, como o CHIED Essência Divina (grupo pesquisado), lo-
calizado também na região do Alto do Cruzeiro em Riacho Doce; a UDV (o maior
grupo do estado), localizada no município de Marechal Deodoro e na praia de Ipioca.
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1.1 A IMPORTÂNCIA DO RITUAL PARA CONSAGRAÇAO DA AYA-
HUASCA
Como meios de defesa face a esses poderes, a essas existências mais for-
tes, o homem criou os rituais. Poucos são aqueles capazes de agüentar im-
punemente a experiência do numinoso. As cerimônias religiosas coletivas
originam-se de necessidades de proteção, funcionam como anteparos entre
o divino e o humano, isto é, entre o arquétipo e a imagem de Deus, presen-
te no inconsciente coletivo e o ego (NISE DA SILVEIRA apud DALGAR-
RONDO, 2008: 66,67).
O rito é meio, é instrumento. A bebida vai sempre interagir com o conjunto psi-
cológico de cada indivíduo e a estrutura do local escolhido. Os rituais criam um am-
biente propício para que cada participante tenha a oportunidade de abstrair-se do co-
tidiano, do mundo ordinário no qual vivem, possibilitando a sua entrada em estados
especiais de consciência.
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ou “fator ambiental” corresponde a todos os elementos externos ativos e
capazes de influir a experiência (BARBIER, 2005, s/p).
Uma pessoa que bebe ayahuasca sozinha, por exemplo, terá uma experiência
totalmente diferente daquela que se tomar com alguém ou com um grupo. Na experi-
ência com ayahuasca, não são apenas as propriedade farmacológicas que influenci-
am a experiência, mas todo o contexto ambiental que inclui a forma de direcionamen-
to do ritual, os hinos1 (no caso do Santo Daime), as chamadas2 (No caso da Essên-
cia Divina), o grupo, a liderança.
1
Hinos- Cânticos recebidos por inspiração divina; canalizações de versos musicados que contem ensinamentos doutrinários,
mensagens de sabedoria e os fundamentos espirituais da Doutrina. Inicialmente os hinos eram recebidos pelo fundador do
Santo Daime, Raimundo Irineu Serra, para logo serem recebidos também por outros membros, o que acontece até os dias
atuais.
2
Cânticos de inspiração divina herdados da tradição da União do Vegetal .
29
cê mergulhar no inconsciente e tornar seu material inconsciente, conscien-
te. Não se pode desprezar a harmonização do ambiente que existe para
que se possa se comunicar com o seu ser espiritual, com seu Deus interno
ou seu Deus exterior, com O deus que ta dentro ou com o Deus que está fo-
ra. Do ponto de vista espiritual seria isso também. Também existe uma par-
te social. Não é a mesma coisa tomar o chá em outro contexto ou comun-
gar, entre irmãos.
As regras que integram um ritual devem servir para alcançar o objetivo de en-
trar em contato com o Sagrado, mantendo a atenção dos presentes para um objetivo
comum, para que assim possam vivenciar as transformações possíveis. Importando
a atitude com que se conduz a atenção dos participantes. Portanto cada pessoa en-
tra num universo comum a todos.
Os “perigo” dos rituais é que eles possam se tornar mais importantes do que o
evento que acontece em nossa consciência, ou seja, que nos apeguemos demasia-
damente às formas, ao externo, deixando de captar os ensinamentos que se origi-
nam e são processados em nosso interior.
30
cos tribais, utilizados intencionalmente para produzir algum tipo de transformação
psíquica, onde além da graça, a transformação advém do esforço do iniciado para
alcançar a meta.
De acordo com Maluf (2003), a noção de trabalho é uma das categorias em-
pregadas para descrever e sintetizar o conjunto das atividades rituais realizadas em
31
um dado contexto. Essa noção é largamente utilizada no circuito das espiritualidades
e terapias alternativas ("trabalho de crescimento", "trabalho do Daime", "trabalhar um
padrão emocional") e descreve os diversos processos da experiência espiritual. É a
noção que descreve a situação em si e os seus procedimentos, rituais. Este sentido
pode ser observado também no universo religioso e espiritual do Santo Daime. Se-
gundo MacRae,
Oliveira (2008, p. 50), nos fala que os trabalhos são momentos de preparação
para que o desenvolvimento individual e coletivo do daimista seja mais bem aprovei-
tado. O trabalho seria o veiculo para se atingir uma perfeição material e espiritual,
3
pois é nele que se recebe instruções, correções, “pêias” que servirão para esse
mesmo adiantamento.
3
O medo, a culpa, a desconfiança, a ansiedade, podem ser potencializados durante a sessão,
gerando desconforto físico e psicológico. É a chamada “Pêia” [...] “Pêia” é quando a borracheira vêm
acompanhada de sentimentos desagradáveis como mal estar físico, náuseas e vômitos, dor e des-
conforto psicológico. Essas sensações são atribuídas a alguma desarmonia no corpo e na mente. A
desarmonia do corpo pode ser devido a alguma doença, alguma coisa na alimentação que não se
digeriu, etc. (RICCIARDI, 2008, p. 77-78).
32
junho e dezembro etc, além da realização de trabalhos de cura e, dependendo da
Igreja, trabalhos de Mesa Branca, Trabalho de Cruzes e de São Miguel.
33
sentido da data (São José, São João, Finados etc) extraindo-se a relação
de cada adepto com isso, revivendo-se todos os mitos ligados a origem e a
constituição da Doutrina, como se recapitulam a historia e o sentido trazido
a tona pelo hinário que é cantado (OLIVEIRA, 2008, p. 61).
Nos trabalhos, encontramos uma linguagem que são como lições permanen-
tes para um aluno que busca conhecimentos sagrados (ARAÚJO 2005). Os adeptos
que se comprometem com o serviço e a missão espiritual do Santo Daime, são cha-
mados de “fardados”, pois aos rituais do seu calendário mensal e anual se apresen-
tam com uma indumentária própria, uniformizada. “Ser fardado significa ser um com-
ponente do rito. É uma representação iniciática, que distingue os membros do grupo
(irmandade) dos demais (BOMFIM, 2006).
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O Santo Daime, entendido como um "sacramento religioso", passou então a
ser distribuído para todos os participantes dos rituais. "Mestre Irineu" - como
ficou conhecido - reuniu os neófitos em "igrejas" e os iniciados deveriam
portar uniformes ("fardas") durante as cerimônias: para as mulheres, uma
saia branca e uma blusa branca de mangas compridas, o saiote verde pre-
gueado e sobreposto à saia, uma fita verde larga cruzando o peito e fitas fi-
nas e coloridas pendendo da parte superior esquerda. Do lado direito do
peito, uma estrela de seis pontas com o símbolo de uma águia pousando na
lua crescente e no lado oposto o emblema de uma rosa para as mulheres
casadas e uma palma para meninas e moças. Além disso, uma coroa de
lantejoulas brancas e prateadas compôs o restante da farda feminina. Para
os homens, terno branco com gravatas azuis 7 e a estrela colocada no lado
esquerdo do peito dos rapazes e direito dos homens casados - havendo um
outro tipo de vestimenta, dependendo do ritual (REHEN, 2007, p. 12).
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uma determinada linguagem simbólica que remonta a um tempo sagrado, porque re-
mete ao imaginário profundo, quando atingimos um outro plano de mentalidade. O
ritual do Santo Daime é do tempo sagrado.
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acordo com os ensinamentos baseados no amor, na verdade, na justiça, no
perdão, na humildade, caridade, entre outras qualidades divinas (MENE-
SES, 2005)
Não é raro que os adeptos “recebam” hinos, que são versos musicados captados
espiritualmente do Astral (como é chamada a dimensão espiritual e transpessoal pe-
los adeptos). Rehen (2007) nos fala sobre o que diferencia os hinos de uma musica
comum:
No Núcleo de Instruções Céu das Águas, por exemplo, um dos hinos recebi-
dos por um dos membros do grupo, legitima a existência do Núcleo como um ponto
de luz, que cresceria conforme o desenvolvimento espiritual e a integração dos
membros no trabalho coletivo material e espiritual.
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O ponto ia crescendo
Se cumprindo as palavras
No expandir da Doutrina
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capaz de curar e de transmitir conhecimento. Assim, infere-se que os hiná-
rios constroem uma cosmologia acessível independentemente de evocação,
inscrevendo-se no inconsciente coletivo dos participantes. Entre mythos e
logos, o que se inscreve na cultura e transparece como identidade é o sen-
tido vivido, forjado em sistemas pelas categorias da razão e da sensibilida-
de (ACCIOLY, 2007, p. 4).
Eu aprendi muita coisa. Sei que eu tava com várias aflições e as respostas
foram aparecendo com os hinos. Eu acho que me impressionei mais porque
isso me veio sem uma borracheira forte e uma peia. Mas pelo que eu en-
tendi, o daime vai mostrando aos poucos individualmente, um a um, os hi-
nos ajudam a compreender.
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- organização do espaço e do comportamento ritual. Assim há uma me-
sa/altar central onde uma cruz de Caravaca, o Santo Cruzeiro, e outros
símbolos religiosos realçam a sacralidade da ocasião;
De acordo com Morris (2006), todas as religiões incluem práticas rituais, códi-
gos de ética, corpo de doutrinas, crenças, escrituras ou tradições orais; Assim como
padrões de relações sociais focadas em torno de uma congregação ritual, igreja ou
comunidade moral. Esses direcionamentos e regras de conduta conduzem a um e-
thos que dá vazão à experiência emocional e mística do grupo religioso envolvido.
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Os hinos do Santo Daime, do próprio CHIED e de membros, bem como as
“chamadas” utilizadas nos rituais da UDV, estão presentes nos rituais do Essência
Divina. Entre os hinários do Santo Daime estudados pelo grupo, pudemos acompa-
nhar o do Mestre Irineu, Germano Guilherme e Maria Damião.
Para John Blacking (1973), citado por Rehen (2007), a música não seria sim-
plesmente o reflexo ou "produto" de uma dada realidade social, mas um "sistema cul-
tural" capaz de informar os corpos e modelar os pensamentos. Uma das qualidades
essenciais da música seria a capacidade de criar um "outro mundo" de "tempo virtu-
al".
41
A pessoa de um dirigente em trabalhos com Ayahuasca funciona como um facili-
tador, pois o tipo de liderança e dinâmica dos trabalhos são fatores essenciais capa-
zes de influenciar em grande parte a harmonia e a tranqüilidade da experiência.
Deve existir uma pessoa que dirija, que coordene, que tenha conhecimento
do que é a Ayahuasca para poder ministrar. Ai não pode desprezar o co-
nhecimento, não pode ser qualquer pessoa, tem que ser uma pessoa espe-
cifica responsável. Inclusive responsável, pra responder pela Ayahuasca
em relação ao Estado, ao conselho de entorpecentes, conselho nacional
anti-drogas. Essa pessoa que está à frente respondendo por esse trabalho,
por isso deve conhecer profundamente o que é esse trabalho. O fato de
chamar Mestre é porque é um professor, porque ministra um determinado
ensino.
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mesmo tempo: “Deus que nos guie no caminho da luz, para sempre sempre amém
Jesus”.
Após essa afirmação, todos bebem o chá e se sentam para a parte do traba-
lho que é denominada “concentração”. Nesse momento variadas musicas são colo-
cadas, sons da natureza, sons xamânicos, mantras, hinos, ensinamentos. A concen-
tração não é no silêncio como no Santo Daime. Essas músicas possuem o fator de
serem agente potencializadoras da borracheira. Esteticamente, todas as musicas são
de bastante qualidade.
O xamanismo sempre fez parte de meus interesses. Na primeira visita que fiz
ao Essência Divina em 2007, vivenciei uma experiência muito forte. Num momento
da sessão, que aconteceu um dia depois de meu fardamento no Santo Daime, o
Mestre estava fazendo algo que eu compreendi como um trabalho xamânico, na fo-
43
gueira com os maracás. Nesse momento a força estava muito grande, eu estava co-
mo que me desprendendo de mim mesma, e tudo tremia. Ao mesmo que eu estava
naquele lugar físico tridimensional, estava em outro, e era como se eu relembrasse a
memória de um passado, como uma sensação de dejavu. Senti como se já conhe-
cesse aquele lugar, aquelas pessoas. No momento em que o Mestre estava fazendo
o ritual com os maracás senti algo como um zumbido muito forte, muito alto, tudo
tremia, e era aterrorizante de tão forte. Nessa hora me entreguei a mãe terra, me dei-
tei no chão como que pra buscar um suporte, um conforto. Ao olhar para o Céu, lá
estava lua... Senti que quem governava, era Deus. Aprendi que precisava ter fé em
Deus e tive. Precisei acreditar verdadeiramente em quem poderia me segurar naque-
le momento. Nessas horas, por mais forte, desconfortável e amedrontadora que seja
a situação, só nos resta ter calma e fé no Poder Superior que nos segura. Com a fé
veio a cura. Nesse momento me senti como me desprendendo do meu corpo, eu via
meu corpo lá em baixo e via meu corpo em cima. Eu era uma observadora e via o
que se passava nos dois planos. E doía muito, meu corpo doía muito. E eu me en-
xerguei no plano astral, com varias índias, velhas xamãs, com seus maracás sobre
mim, chacoalhavam os maracás e me mandavam segurar a dor, pois eu estava re-
cebendo a minha cura: “segura fia, segura que essa é a tua cura” foi o que ouvi niti-
damente. E varias cobras saiam de dentro de mim, do meu corpo etérico. A medida
que o Mestre terminava o ritual com os maracás no plano físico, aquela força foi se
acalmando e eu fui retornado a um estado mais comum e me acalmando, as dores
passaram e eu voltei novamente a terra. Recebi uma importante cura, aprendi a ter
fé em Deus, a acreditar no Poder Superior e a agradecer a essas entidades curado-
ras. Acredito que elas fazem parte de minhas raízes ancestrais. A experiência foi for-
tíssima e posso considerar como uma das mais fortes que já tive, no pouco tempo
que estou no caminho da Ayahuasca.
Há apenas seis anos comungo a bebida, apenas há dois anos me fardei no San-
to Daime, ou seja, ainda tenho muito caminho a percorrer, muito a compreender num
caminho que se faz com muita calma, amor, paciência e tranqüilidade.
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2 EXPERIÊNCIAS TRANSPESSOAIS ATRAVÉS DO USO
RITUALÍSTICO DA AYAHUASCA
46
individuo a uma experiência sagrada da existência. O psicólogo Tripichio observa
que:
47
Brandão (1994), citado por Tavares (2004) destaca que através da Ayahuas-
ca,
48
é tirado de si mesmo, que faz você sentir-se um com a vida, ou com a natureza, ou
com Deus. Dá a sensação de ser parte do infinito e do eterno. Essas experiências
tendem a deixar marcas profundas na vida da pessoa, mudá-la para melhor, e muitas
pessoas procuram essa experiência ativamente. São também chamadas de experi-
ências místicas, e são conhecidas em muitas tradições religiosas e filosóficas.
49
Vânia, fardada do Essência Divina nos fala sobre a questão da religiosidade
com Ayahuasca e os conteúdos que podem ser vivenciados:
Essas experiências podem ser descritas por outras pessoas, inclusive falando
do encontro com seres arquetípicos, como divindades, deuses, anjos, santos, budas,
orixás. Os arquétipos são manifestações de uma energia Universal, personificada,
transformada em imagem e símbolo nas diversas culturas. O símbolo é uma imagem
carregada de energia, despertado nas diversas praticas religiosas. “O psiquismo hu-
mano produz, de forma espontânea, os conteúdos religiosos, pois dessa natureza é o
ser humano, um ser intrinsecamente religioso (DALGARRONDO, 2008, p. 65)”.
50
mente diferente da qual estamos acostumados a lidar, o que não retira seu status de
verdadeira.
51
Esse sentimento profundo e tocante, revelado pela bebida e pelo contexto re-
ligioso foi expresso em um dos depoimentos:
Conheci o Daime, eu tinha 24 anos de idade e foi ai que eu senti meu coração fer-
ver, minha alma vibrar, compreendi que eu era o veiculo para encontrar Deus e foi o
Daime que me mostrou. Assim percebi que era me conhecendo, me lapidando e me
descobrindo, que eu seria capaz de ser que Eu Sou (depoimento de Ana fardada do
Santo Daime).
52
a religião, obedecendo à sua "professora", a "Rainha da Floresta" (ou "Vir-
gem da Conceição"), com quem afirmava manter contatos espirituais . Foi
assim que ele "recebeu" os hinos, apresentando os principais elementos do
ethos religioso daimista na orientação dos adeptos em suas "viagens as-
trais" e no cotidiano. Para os seguidores, esses cânticos são mensagens
dos "seres" da floresta e do "astral" (região celestial), apresentando também
os valores e normas de conduta idealizadas pelo grupo. O próprio "mito de
origem" da doutrina do Santo Daime, com o Mestre Irineu recebendo ensi-
namentos da lua, já apresenta a noção de sacralidade daquilo que vem do
alto. (REHEN 2007, p. 5)
53
Maria Alice é também uma das membros do Conselho Internacional das 13
avós Xamãs, representantes femininas das diversas tradições espirituais do Planeta
Terra. Criado em outubro de 2004 reúne 13 Avós Indígenas de todo o mundo: do A-
lasca, América do Norte, América do Sul e América Central, África e Ásia.
Abaixo a declaração de Aliança elaborada pelo Conselho das 13 avós, que le-
gitima o papel das mulheres na preservação da natureza, através da tradições sa-
gradas de seus povos.
54
Alguns estudiosos do xamanismo como (CHAMALU, 1999), falam que esta-
mos numa era onde o Matriarcado está retornando, onde as características femininas
estão sendo mais solicitadas em diversas áreas da vida. Estamos saindo de uma era
onde predominou o princípio masculino, onde imperou as guerras, a dominação, a
competitividade, a racionalidade. E estamos entrando em uma nova fase, onde pre-
valecerá as características femininas, do amor, da receptividade, do acolhimento, do
cuidado, da intuição. Os cuidados com a natureza, com a mãe terra podem ser sinais
dessa mudança.
O daime abre as portas para que esse contato aconteça e que cada um possa
comprovar ou pelo menos intuir a veracidade do mito. O tempo do Santo Daime é o
tempo do Sagrado, vivenciado pelo fundador no momento do Encontro com a Divin-
dade e vivenciado também pelos seus seguidores.
55
.
De acordo com Goulart (2003, p. 03) Para os seguidores dos cultos religiosos
aqui considerados a ayahuasca é uma bebida sagrada, cujos significados se relacio-
nam à constituição de todo um conjunto simbólico, ritualístico, cosmológico, associ-
ando-se, de certa forma, à noção de sacramento.
Para Crippa (1975, p.104), “A realidade de tudo o que existe está ontologica-
mente fundada na manifestação do sagrado. O real, o profundamente real é o sagra-
do. O sagrado tem consistência em si mesmo e garante a realidade de tudo o que
vem a ser no mundo natural e no mundo histórico.
56
As religiões ayahuasqueiras encontram-se inseridas no fenômeno da “nova
consciência religiosa que se caracteriza como um movimento de reencontro com o
sagrado, que se aproxima e dialoga com o movimento filosófico-psicológico do auto-
conhecimento, um caminho para o conhecimento espiritual e seu desenvolvimento
(BOMFIM, 2002). O homem contemporâneo conserva em si traços arcaicos oriundos
do inconsciente coletivo, e com isso sentimentos de uma valorização sagrada do
mundo. Por isso, hoje esses movimentos da nova consciência religiosa estão em al-
ta.
57
do Santo Daime (CEFLURIS). Lugar onde tem-se oportunidade de viver o sagrado
com muito mais intensidade do que nas cidades. “En el centro del culto, o Céu do
Mapiá, se vive en un estado numinoso que tiende a ser constante (LAVAZZA,
2007)”.
58
3 POTENCIALIDADES TERAPEUTICAS DO USO RITUA-
LÍSTICO DA AYAHUASCA
59
3.1 AYAHUASCA E XAMANISMO: A DESCOBERTA DOS POTENCI-
AIS TERAPÊUTICOS DA BEBIDA SAGRADA
O fato de, através da história humana, tantas culturas distintas terem achado
as técnicas xamânicas úteis e relevantes sugere que a prática da indução de estados
holotrópicos envolve, o que os antropólogos chamam de mente primal, um aspecto
básico e primordial da psique humana que transcende a raça, sexo, cultura e tempo
histórico. As técnicas e procedimentos xamânicos sobreviveram até hoje (op. cit.),
Quando nas culturas tradicionais estes agentes eram empregados com fins
terapêuticos, não se pretendia meramente uma melhoria dos sintomas,
mas, e talvez com uma visão mais holística do homem, se buscava atingir
experiências de transcendência que restaurariam o equilíbrio entre o ho-
mem doente e seu cosmos simbólico. Como o transtorno orgânico coloca-
va-se num segundo plano, a remissão sintomática não era necessariamente
um indicador da cura, nem a morte do paciente marcava o fracasso do tra-
tamento (PELAEZ, 2006, s/p).
60
O tratamento xamânico engloba o ser humano de uma forma holística. Por e-
xemplo, entre os xamãs Quichua, índios sul-americanos, conhecidos como ayahuas-
queros, não se faz uma distinção clara entre a cura do físico, do psicológico ou do
espiritual, pois tudo engloba o mesmo ser em contato e todas essas categorias são
interdependentes (WALKER, s/d)
61
píritos e o inconsciente possuem fenomenologia semelhante. No entanto, o psicólogo
abordará o trabalho com o inconsciente de um ponto de vista diferente do xamã, mas
ambos os conhecimentos são complementares.
62
Os condicionamentos, os sentimentos reprimidos e traumas podem natural-
mente emergir no trabalho espiritual para se tornarem conscientes. Entrar em contato
com esses conteúdos pode produzir sentimentos desconfortáveis. Porém, ao focar
diretamente nos sentimentos negados, mantendo-se sem apego ou aversão, abre-se
uma possibilidade de eles irem aos poucos se dissipando (STORALOFF, 1999).
Assim, o homem renasce com uma nova vida e uma nova forma de perceber a
si próprio e a vida, adequando o ego para ficar apto de atuar cada vez mais integrado
com níveis mais elevados de consciência; - a diluição dos padrões egóicos é funda-
mental para a evolução do Indivíduo rumo a uma consciência maior de si e de sua
natureza (CHAVES, 2000). Maluf destaca também que:
63
Quem cura para mim é a fé da pessoa e o auto-conhecimento. Então claro
que já me curei de muita coisa tomando daime. Para mim o Santo Daime é
um trabalho espiritual de auto-conhecimento, de a pessoa poder curar ela
de suas coisas. (Depoimento de M. B fardado do Santo Daime, AVAL);
Cada história de cura é única nas suas características, com situações pecu-
liares e tempos diferentes para cada um. Porém, nos diversos relatos dos
daimistas descreveram-se mudanças similares reconhecidas por eles como
indicadores concretos e visíveis das suas curas espirituais. A principal
transformação na vida dos daimistas, e da qual decorreriam todas as ou-
tras, seria o sentimento de ter acordado, que lhes possibilitaria reconhecer
a existência de um mundo invisível que daria um “verdadeiro” sentido à rea-
lidade aparente. A partir desta convicção, expressam ter maior “consciên-
cia” nos seus atos de vida, sentem também aumentada a capacidade de au-
tocrítica e a disposição para modificar pensamentos e condutas vistos como
errados (PELAEZ, 2006).
O depoimento de Lourdes, fardada do Essência Divina, nos deu uma boa con-
tribuição do processo de mudança de valores:
O estilo de vida também muda, mas não porque estão dizendo o que você
vai fazer, nem o grupo está forçando. Mas você vai ter a compreensão do
que é melhor. Você começa a despertar. Pois como vai transformando o
que inconsciente em consciente, vai se conscientizando. A sua autoconsci-
ência vai aumentando cada vez mais. Na medida em que aumenta você vai
e percebendo o que é melhor pra você. Por exemplo, se é melhor pra você
não comer carne, você não come. Mas não tem ninguém que diga: você não
64
vai comer carne! Todas as culturas e estilos de vida são respeitados. Por
exemplo, você é protestante e chega lá “seja bem vinda”.
A Ayahuasca desperta para essa voz que existe em cada um de nós e tam-
bém nos serve de espelho que nos faz reconhecer nossos mecanismos de defesa,
nossas máscaras, além de nos proporcionar insights transformadores.
65
produtivo dessa reavaliação, a reorganização psíquica, implica um grau suficiente
de equilíbrio e bom senso e a e dissolução dos conflitos internos (BARBIER, 2003 p.
3).
Receber uma luz não é igual a aplicar essa luz no dia a dia. Não há cone-
xão inerente entre uma experiência mística de unidade e a expressão ou
manifestação daquela unidade na vida cotidiana. Este ponto é talvez óbvio,
contudo freqüentemente esquecido por aqueles que debatem se, em princí-
pio, um agente psicoativo pode ou não ter valor no âmbito da busca espiri-
tual. Qualquer que seja a fonte ou a origem da iluminação, as revelações só
poderão ter efeitos práticos com a permissão e dedicação do individuo
(BARBIER, 2003).
66
ponsáveis nos tornamos por todos os nossos atos e pensamentos, então a
cada trabalho temos uma lição e com isso uma aprendizagem e a vida é a
prova. Essa mundão é muito cheio de coisas e temos que saber bem direi-
tinho o que vamos escolher para dar a prova. Hoje eu sei que sou uma pes-
soa melhor, uma mãe melhor, uma filha melhor, uma neta melhor, uma ami-
ga melhor, essa melhora é a cada dia, não estou aqui dizendo que me tor-
nei santa não, nem que o daime me fez santa, me faz melhor a cada dia,
todo dia um pouquinho conforme eu vou merecendo, conforme minhas no-
tas. Além de ter na minha vida um ser em forma de liquido que cura a maté-
ria e a alma. Eu digo que o daime vem curando minha alma e minha mente.
Como maestro que rege uma orquestra, Ele vem me mostrando em cada
nota de cada hino, em cada miração, que é pra ver se eu chego lá um dia,
na condição de ser humano, uma pessoa saudável, feliz, vencedora, cari-
dosa, humana, enfim, um ser virtuoso e de bem com a vida e com a morte
da matéria.
Mais uma vez, ressaltamos que não é a Ayahuasca por si mesma que propor-
ciona as diversas transformações. É necessário um trabalho árduo de mudança de
atitudes, valores e comportamento, um processo que é facilitado efetivamente pela
intenção aprofundada e o comportamento retrabalhado na vida cotidiana. Demons-
trando assim que o resultado positivo advém do esforço para fazer as mudanças de
comportamento que foram indicadas, uma vez que é preciso se reavaliar para se
transformar, e conhecer-se para resgatar a si mesmo. Segundo Pelaez,
Cris, fardada do Santo Daime, nos relata uma importante vivencia de cura físi-
ca, inclusive narrando o seu encontro com uma entidade espiritual, bastante conhe-
cida no cenário do Espiritismo Kardecista:
Eu fui pro trabalho com muita dor de cabeça, onde só eu estava cantando o
hinário. Tinha varias pessoas, mas o único violeiro era o meu companheiro
e a única que cantava era eu. Era trabalho de concentração. Minha cabeça
doía muito. Em um momento do trabalho vi por traz de mim Dr. Fritz mexen-
do na minha cabeça. Meus cabelos arrepiava todinho, fechei o olho conti-
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nuei cantando e deixei acontecer. [e como você sabia que era o Dr. Fritz?]
Ele falou pra mim: eu sou Dr. Fritz e vim te curar. Ele tava todo de branco
com aquele negocio que os médicos usavam na testa, tipo uma lanterna. [e
como era a sensação e o que você via?]. Só via ele atrás de mim, a mão na
minha cabeça. Não senti medo, nem dor. [Você sabe do que ele te curou?]
Não exatamente , mas a minha dor de cabeça, que estava me incomodando
há muitos dias passou. .
Meu filho nasceu bem a priori, mas aos 10 meses, começou a manifestar
umas crises convulsivas muito fortes. E mais tarde depois de muita agonia,
busca por médicos, foi diagnosticado como síndrome de West que ataca
principalmente nos meninos e a principal característica são as convulsões e
também retardo mental. Ele passou por esses estágios todos inclusive ten-
do 23 convulsões diárias. Esse processo durou nove anos e era controlado
à custa de fortes medicamentos. Aos nove anos de idade tava tendo crises
neurológicas tão grandes que quando atacava ele chegava a pular 1 metro
e meio de distancia. Estávamos cogitando a possibilidade de começar a
usar capacete nele. Ele tinha dificuldade de relacionamento e também na
educação. Tinha necessidade de uma educação especial, mas os professo-
res não estavam capacitados para atendê-lo... enfim... Já tínhamos percor-
ridos muitos neurologistas sem sucesso.
Com a grave doença do seu filho, ela decide encarar a possibilidade de usar A-
yahuasca,
68
filho. E me apareceu muito consciente no trabalho a vontade de tirar a me-
dicação dele. Eu me lembro de estar querendo saber se eu deveria fazer
isso. Mas essa resposta não me veio claramente do tipo tire ou não tire. A
minha resposta veio na forma de outra pergunta:” você confia? Se confiar...”
Daí eu fiz uma opção arriscada na época. E resolvi tirar a medicação dele.
O meu filho também já tomava uma quantidade muito pequena do chá nes-
ses trabalhos e eu já havia percebido melhoras e mudanças no quadro da
doença... as melhoras foram imensas, não no sentido das crise, mas princi-
palmente no aprendizado e nos relacionamentos com outras pessoas. Ele
tinha muita dificuldade de aprendizado na época, melhorou muito. Foi nes-
sa época que ele começou a se alfabetizar. Eu tirei a medicação contra to-
da orientação medica. Em outra época tiramos a medicação para ver se ele
sustentava sem crises e ele não sustentou. Precisando passar uma época
pra controlar as crises ele teve que passar por um estagio de coma induzi-
do. A fase que eu fui para a Ayahuasca foi justamente no período pós esse
coma. E quando tirei a medicação para surpresa dos outros e não a minha,
ele não teve mais nada. Esperei três meses e fiz outros exames novamente,
depois de um ano que meu filho estava na ayahuasca, foi o único exame
que deu normal. Novamente fiz outros exames que também deram normal.
A eletricidade do cérebro dele está estabilizada. Inclusive a medica comen-
tou que a fase que o meu filho está é a pior e ficou muito surpresa quando
viu que ele.
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pensava: “se tiver cura pro meu filho, eu vou achar” eu e meu filho sempre
tivemos uma ligação muito forte. Devido ao seu retardo mental, ele possuía
uma dificuldade muito grande de comunicação com todos, menos comigo.
Ele possuía um comportamento autista e eu pensava “se ele não vem pra o
meu mundo, eu vou para o dele. Então tudo o que ele fazia, eu imitava para
ver se eu estabelecia uma linguagem e funcionou. E começamos nos falar,
interpretava os gestos e o nosso vinculo aumentou.
De acordo com pesquisas atuais, a ayahuasca também pode ser eficaz no tra-
tamento de dependência química e outros sintomas psicopatológicos, como a de-
pressão. Ricciardi nos fala sobre esse contexto:
70
Não só os grupos terapêuticos, mas também as religiões que fazem uso de
enteógenos apresentam considerável sucesso com adeptos em dificuldades
com dependência de álcool e drogas. Muitos adeptos da UDV, Santo Dai-
me e Barquinha, dizem que melhoraram seus problemas com álcool e dro-
gas fazendo o uso da Ayahuasca em rituais religiosos. Em uma investiga-
ção sobre usuários da Ayahuasca no Brasil, o psiquiatra C. Grob (1996),
concluiu que 73% dos participantes haviam sofrido de toxicomanias no pas-
sado, e que em todos os casos haviam sido completamente curados ao par-
ticipar regularmente de cerimônias com a Ayahuasca. A partir daí se torna
evidente que existe uma relação entre o uso de enteógenos, (no caso estu-
dado a Ayahuasca) e a sua eficiência como facilitadora para o tratamento e
cura de dependência de drogas em diferentes contextos: rituais e terapêuti-
cos (RICCIARDI, 2008, p.113).
71
abuso da pasta-base de cocaína, conhecida como mescla, consumida em larga es-
cala na região. O modelo do Takiwasi segue mais o de uma clínica de tratamento de
dependentes, com forte isolamento, disciplina rígida e espírito contrito
72
ritas, curandeiros, rezadores) foram operados espiritualmente e alcançaram
a cura depois de beberem o Santo Daime com o Mestre Irineu (OLIVEIRA
2008, p. 24)
Cris, fardada do Santo Daime, nos relata uma importante experiência de cura
num ritual do Santo Daime. Ela era fumante compulsiva e tinha enfisema pulmonar.
Após um trabalho em que vivenciou uma cirurgia espiritual, pôde se livrar do vicio, e
se curar da doença:
Essa experiência foi muito forte, até hoje está na minha mente. Aconteceu
num trabalho de cura, onde tomamos um daime bem apurado. Nessa época
eu fumava igual uma “caipora”, duas carteiras de cigarro por dia. No traba-
lho, o dirigente me deu meio copinho de café (aqueles copinhos de plástico
pequeno). Quando chegou naquele hino: "Os espíritos estão chegando pela
linha devagar..." [ela faz referência a um dos hinos cantado no trabalho de
cura do Santo Daime]...Ai eu fui pro chão... [Caiu mesmo? Tombou? ]...Me
deitei normal. Quer dizer nem tanto normal. Assim que me deitei eu senti o
cheiro do daime empreguinando no salão e uma nevoa. Quando fechei os
olhos vi vários seres operando meu pulmão, escutei ate o barulho de ins-
trumentos cirúrgicos. Eu vi uma panela de ferro queimando toda preta e sa-
indo muita fumaça e o fogo em baixo dessa panela. Ai eles tiravam uma coi-
sa preta do meu pulmão. Eu sentir muita falta de ar e vomitava. No vomito
eu via varia baganas de cigarro. Parecia que eu ia morrer, fiquei um pouco
assustada, mas estava consciente que era uma cura. Eu ainda fiquei uns
três meses em trabalho, sentindo as conseqüências daquela experiência.
Eu tomava daime e não ficava nem em pé de tanta fraqueza. Eu tinha enfi-
sema pulmonar e o daime me curou.[Foi curada de enfisema no daime?]
Sim esta cirurgia foi isso. Nem precisei ir pra medico. [depois você fez al-
gum exame para comprovar?] Os médicos do astral me garantiram... Tu já vi
pobre ir pra medico?[risos] Pobre tem que ter fé mana. Eu acredito muito no
poder do daime como remédio. Ate hoje eu não suporto cigarro.
Outras das importantes pesquisas realizadas atualmente foi uma sobre o tra-
tamento da depressão com Ayahuasca, da USP de Ribeirão Preto-SP. O contexto
73
da pesquisa é totalmente desvinculado do contexto ritual, da sacralidade, realizado
num contexto biomédico de laboratório.
Será que a bebida é apenas uma substância com propriedade químicas, que
serviria como mais um medicamento? Será que vale a pena descartar a sacralidade
inerente a bebida e desvincula-la de seu contexto espiritual e divino?
Uma abordagem desse tipo é no mínimo simplista visto que, como já foi dito,
os processos a que a Ayahuasca conduz são principalmente espirituais, ao invés de
materiais e orgânicos e conduzem principalmente a experiências transpessoais, de
onde se origina as curas.
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A importância desses estudos não pode ser descartada, pois eles contribuem
para legitimidade cientifica do potencial terapêutico da ayahuasca, nos moldes da ci-
ência ocidental. O que não se pode é reduzir a ayahuasca as suas propriedades psi-
cofarmacológicas e neuroquímicas apenas.
- Autonomia e autodeterminação
75
tos alimentares, o desprezo aos vícios, ou seja, a elaboração de uma nova forma de
ser e estar no mundo, que consequentemente acarretam a uma mudança na relação
com o outro.
No caminho espiritual, temos que estar preparados para entrar em contato co-
nosco, nos conhecer verdadeiramente, com nossos defeitos e virtudes, temos que
resgatar os nossos erros e buscar uma forma mais correta de viver, buscar a perfei-
ção, a ética.
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No geral, o homem foge do encontro consigo mesmo. Muitos têm medo de se
descobrir em suas facetas, tem medo do espelho que mostra a si mesmo e também
do desconhecido.
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As experiências do Self tem uma função prospectiva, transcendente, criati-
va, transformadora por isso pode trazer profundas revelações e ampliar a
capacidade de perceber e sentir a si mesmo e a vida, aumentando a capa-
cidade de auto-realização Os estados de consciência superiores” constitu-
em experiências humanas mais evoluídas, realizadoras, complexas ou cós-
micas. A experiência transpessoal, de fato representa uma modalidade su-
perior de estado de consciência, pois trata-se da experiência de centro de si
mesmo (Self), ao mesmo tempo em que Centro e fonte de toda a Vida. Nes-
sa dimensão, todas as divisões são abolidas, não há mais separação entre
sujeito e objeto, eu e outro. A vivencia dessa posição superior de consciên-
cia, mesmo por breves momentos, é altamente curativa e amplia a capaci-
dade de realização do sujeito em todos os sentidos (Bertolucci, 1991, p.
20,21).
A dimensão aberta pela Ayahuasca surpreende. É para aqueles que têm cora-
gem de penetrar numa realidade diferente e não tem medo da autotransformação
que isso implica, onde a pessoa naturalmente é levada a experienciar a si mesmo,
com seus defeitos e virtudes.
Empreender este caminho não é para muitos, é para aqueles que tiverem a co-
ragem de olhar para si mesmos em todas as suas dimensões, olhando do todo para
a pequena parte que se é e, através de uma identificação cósmica, poder limpar as
identificações limitantes, entrando num novo eixo de pensamento e possibilidades
(CHAVES, 2000).
Isso não significa que as mudanças sejam alcançadas rapidamente e com facili-
dade, o caminho é árduo. Mas sem duvida a Ayahuasca catalisa o processo, sendo
um bom atalho no caminho da renovação.
78
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
80
O ambiente, o ritual e a cultura no qual estão inseridas as pessoas adeptas
dos grupos ayahuasqueiros são responsáveis por desencadear, ou ao contrário, limi-
tar o potencial terapêutico da bebida. A vivencia da dimensão transpessoal da exis-
tência, proporcionada pela Ayahuasca, é altamente curativa e amplia a capacidade
de realização do sujeito em todos os sentidos.
81
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
82
BLANC, M. F. Estudos sobre o Ser. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2001.
COISSI, Juliana. USP testa chá do Santo Daime contra depressão. Jornal Folha
On line Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ > Acesso em: jun
2009.
83
GROISMAN, A. Eu venho da floresta. Um estudo sobre o contexto simbóli-
co do uso do Santo Daime. Florianópolis: Editora da UFSC, 1999.
84
a Câmara de Assessoramento Técnico-Científico do Conselho Nacional Antidrogas
(CONAD), Brasília, 2004.
OLIVEIRA, José Erivan Bezerra de. Santo Daime o Professor dos Professo-
res [manuscrito]: a transmissão do conhecimento através dos hinos. Tese de
doutorado, Universidade Federal do Ceará, Centro de humanidades, programa de
pós graduação em sociologia Fortaleza, Ceará (2008)
85
ca da União, Ano 2 - Número 6 - Setembro de 2006. Disponível em <
www.arcadauniao.org> Acesso em: nov. 2008.
86
WALKER. Uma visão detalhada sobre a bebida dos xamãs. Disponível em
<http://afamiliajuramidam.org/comunidade/textos/bebida_dos_xamans.html> Acesso
em: mar. de 2009
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ANEXOS
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