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Prefiro Rosas....

Ricardo Reis

Prefiro rosas, meu amor, à pátria,


E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude

Logo que a vida me não canse, deixo


Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo

Que importa àquele a quem já nada importa


Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre

Se cada ano com a primavera


As folhas aparecem
E com o Outono cessam

E o resto, as outras coisas que os humanos


Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?

Nada, salvo o desejo de indiferença


E a confiança mole
Na hora fugitiva.

"Prefiro rosas, meu amor, à pátria, / E antes magnólias amo / Que a glória
e a virtude." - Reis demite-se da vida, e prefere as flores à realidade. Não é
em vão que Reis clama pelas rosas ao iniciar este poema. As rosas, para
os Gregos representam um ideal estético por excelência e opõe-se
eficazmente à realidade crua e dolorosa da vida imposta. Estas flores,
sobretudo as rosas, são um símbolo da contraposição entre o ideal estético
nobre do poeta face à obrigação de viver. Efémeras e belas, as flores não
prolongam a dor. Reis prefere as rosas (símbolo do amor), mas ama as
magnólias (símbolo da nobreza).
"Logo que a vida me não canse, deixo / Que a vida por mim passe / Logo
que eu fique o mesmo." - Marcada indiferença pela vida, um leit motif de
Reis ao longo de todas as suas odes. A vida ao passar, deixa-o na margem
do rio, do mesmo rio onde ele se senta com Lídia, apenas a observar. Ser
alheio, ser estrangeiro é a forma de Reis se proteger da dor, mesmo que
assim tenha de se proteger da vida. De notar também aqui os traços
clássicos ("Logo que a vida" e "Que a vida").
"Que importa àquele a quem já nada importa / Que um perca e outro
vença, /
Se a aurora raia sempre," - o ritmo morto do poema sugere isto mesmo,
que Reis está indiferente à vida, às tribulações e movimento, em favor de
um "quietismo" assustador, mas ao mesmo tempo mágico e infinito. Para
além do homem e das suas preocupações, afinal está o destino e a
natureza. Tudo se move e acontece mesmo sem as nossas acções e o
egoísmo (de quem vence ou perde) dilui-se no momento.
"Se cada ano com a primavera / As folhas aparecem / E com o Outono
cessam?" - eis o reforço do que dizíamos antes. Os ritmos incessantes da
natureza. Da primavera (símbolo da renovação) e do Outono (símbolo da
negatividade e do fluir do tempo).
"E o resto, as outras coisas que os humanos / Acrescentam à vida, /
Que me aumentam na alma?" - o que os homens acrescentam à vida opõe-
se ao que é natural, às flores de gosto clássico. O passar pela vida sem a
modificar opõe-se também à mudança, ao que os homens acrescentam à
vida.
A interrogação retórica de Reis fica no ar e leva-nos de novo à pátria (em
minúsculas, diminuída), à glória e à virtude - "as outras coisas".
"Nada, salvo o desejo de indiferença / E a confiança mole / Na hora
fugitiva." - Responde Reis à sua própria interrogação. As coisas da vida
trazem-lhe apenas indiferença. Reis espera apenas pela "hora fugitiva",
pelo passar do tempo, e fica sereno, sempre igual.
Veja-se agora como é curioso todo o poema. Reis dirige-se a alguém (ao
seu amor), mas fala como a um confidente, de maneira calma e solitária.
Como se quem o ouvisse não existisse, senão na sua concepção ideal. Até
a maneira como o vocativo está intercalado no verso 1 é clássica, fria,
formal. Reis fala, mas é como se falasse consigo mesmo, não conseguindo
quebrar a barreira que o impede de se encarar o exterior. Esta
contemplação, sinal do seu epicurismo, não permite comunicação sincera,
nem laços emocionais.
Estilisticamente o poema é constituído por 6 estrofes isomórficas, com um
verso decassilábico e dois hexassílabos cada. Os versos são brancos, sem
rima, uma marca também de Reis, que lhe advém da influência
Horaciana."

"O poema "Prefiro rosas..." de Ricardo Reis, como outros deste heterónimo
de Fernando Pessoa, é marcado por temas fortes e constantes da sua
obra. Nomeadamente observamos, quase de imediato, a atitude
expectante perante a vida, a resignação e a nobreza de espectador
perante a realidade que se desenrola perante os seus olhos.
Heterónimo clássico por definição, Reis tem de Pessoa toda a sua
disciplina mental, incorporando quase em ícone um classicismo perfeito,
quer na forma quer no conteúdo dos seus poemas. Terá surgido a Pessoa
como contraposição ao futurismo, representando em teoria uma perfeita
imagem do passado no presente - um verdadeiro poeta neoclássico.
Por ser clássico Reis traz uma atitude contemplativa da vida, mas que já
não é ingénua como a de Caeiro. Reis é um homem perturbado e a sua
aceitação, a sua ataraxia é uma aceitação muito menos pacífica. Por isso
podemos dizer que Reis vê na sua atitude perante a vida uma decisão
nobre e não apenas uma inevitabilidade, embora esta última perspectiva
seja também essencial para o compreender.
Reis sabe que é diferente da Natureza e está revoltado com isso, em vez
de, como Caeiro, procurar a proximidade com as coisas. Afasta-se para
dentro e encontra nesse afastamento a razão de viver. Austero e contido,
ele é - usando palavras de Jacinto do Prado Coelho - civilizado, na beleza
do artifício e na prática constante e perfeccionista da Ode.
Esta indiferença, aceitação da vida, recusa do esforço ou do compromisso -
tudo isto se encontra nesta Ode.

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