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ANGÚSTIA, ANSIEDADE E RELAÇÃO PRECOCE

© Celeste Duque, Psicóloga Clínica (celeste.duque@gmail.com)

INTRODUÇÃO

O presente artigo nasceu da reflexão sobre a forma de relacionamento


adoptada pelos bebés para com os seus primeiros objectos de afecto (as
mães ou substitutos que prestam os primeiros cuidados indispensáveis
para a sobrevivência do ser recém-nascido) e como, a partir, dessa ligação afectiva primordial, se
estruturam enquanto seres humanos... Pode-se afirmar, precisamente por isso, aqui, irá ser
abordada, nada mais, nada menos que a esperança: grande força motriz do ser humano!

Esperança, que uma nova vida, inicialmente um feto protegido do meio exterior por intermédio
do útero materno, e posteriormente, no momento imediato ao pós-parto, um recém-nascido que
possui desde logo uma série de competências (um vasto reportório de comportamentos) que lhe
facilitam a adaptação a um meio, bem mais hostil, porque repleto de estímulos, alguns deles
demasiado complexos (ou mesmo violentos, dada a excessiva intensidade) para poderem ser
desde logo interpretados/processados pelo bebé... mesmo assim, com as suas capacidades inatas
e com a ajuda de uma mãe minimamente organizada afectiva e psicologicamente
(suficientemente contentora, seguindo a nomenclatura de Wilfred Bion), este novo ser irá passo a
passo, gradualmente aperfeiçoar as suas competências de comportamento (que, num primeiro
momento, constituem o único meio de comunicação com o adulto, dos seus estados de
conforto/desconforto).

Neste contexto a angústia e a ansiedade surgem, então, como estruturadoras/organizadoras da


vida mental, é, assim, fundamental analisar estes dois conceitos e relacioná-los com outros
conceitos, igualmente importantes e que irão ganhando importância crescente, à medida, que se
evolui na definição e compreensão da temática aqui abordada, já que se inter-cruzam e inter-
relacionam e cuja importância é incontestável dado que o objectivo último é alcançar uma
síntese que se quer, tanto quanto possível abrangente mas explícita.

Resta agradecer a todos aqueles que, mais ou menos interessados (ou pelo menos curiosos) se
mostram dispostos a dispensar alguns minutos da sua vida à leitura do presente texto: “Bem
vindos a bordo”. Um último conselho antes, se largarem amarras, nesta nova viagem através do
pensamento, mantenha-se alerta!

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OPTAR E DECIDIR: EIS A QUESTÃO!

É sabido que a angústia nasce perante sinais ou representações internas premonitórias de que
algo que desejamos pode vir a não acontecer ou que uma punição pode ser a consequência de
determinada atitude ou comportamento, mesmo tratando-se de situações novas.

O homem é, desde a mais tenra idade, confrontado com a permanente necessidade de a todo o
momento ter que tomar opções, a decidir o que é melhor para si. E a decisão, seja ela a que nível
for, tem que ter em atenção que se deve optar tendo em consideração o que se considera mais
vantajoso, naquele preciso momento, obviamente que isso implica, que ao optar por uma
perspectiva se vão perder todas as outras oportunidades, igualmente disponíveis, e isso pode vir a
ser vivido como uma punição ou não gratificação.

De acordo com esta perspectiva, o ser humano, para ganhar está sempre a perder. A angústia é,
então, uma vivência constantemente provocada pelas experiências do homem em situação, i.e.,
em acção.

É permanentemente, e a todo o momento, “obrigado” a optar para ganhar o que se pensa ser
“melhor” para si e perde todas as outras alternativas, ou seja, é-se “levado”, por “força das
circunstâncias”, a renunciar a todas as outras alternativas.

Facilmente se percebe agora que a angústia é, de facto, uma vivência permanente na experiência
do homem. O sujeito vê-se, constantemente, confrontado com novos problemas, frequentes
vezes, completamente imprevisíveis, outras vezes fruto de acções passadas (estes últimos,
podem, de algum modo, tornar-se previsíveis: já que o sujeito tem consciência que toda a acção
implica uma consequência). Apesar disso, que têm algo em comum, é que quer sejam previsíveis
ou não a verdade é que são, momentaneamente, vivenciados como:
- Uma ameaça (à integridade física ou psicológica, não descurando a vertente social);
- Uma punição ou não gratificação; ou, ainda,
- Suscitando dúvidas ou dilemas e que, invariavelmente, implicam um sentimento de perda – “algo se
perdeu irremediavelmente”, no sentido psicológico do termo.

Facilmente se percebe que, de facto, a “liberdade de escolha” não é gratuita para quem escolhe.
Optar surge, então, como uma qualidade humana que implica tomar em consideração todo um
conjunto de informações internas e/ou externas e escolher aquela que se sente (ou pensa)
acarretar ou evitar mais sofrimento, ou que pode provocar maior satisfação ou, ainda, que pode
preparar o caminho para uma maior satisfação, evitando-se, deste modo, o sofrimento futuro.

A experiência passada transforma-se numa fonte de aprendizagem, na qual se enquadram as


decisões que perspectivam o futuro. Pelo que, a antecipação inteligente do futuro como cenário
mental indica as metas a que se devem submeter as actuais opções.

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Em Psicanálise, a tónica é colocada no conflito, como sendo parte integrante e indissociável, da
condição da experiência humana: conflito entre pulsão e defesa, conflito de pulsões, conflito de
pulsões e instâncias psíquicas, conflito de instâncias, e também, de realidades interna e externa.

Sociedade, Demografia e Angústia


Tomando como exemplo, uma das grandes preocupações de François Ramade (1987), a que
quase todos os seres humanos são, hoje em dia, igualmente sensíveis, ao considerar-se o risco de
uma “explosão demográfica”, com todas as consequências que daí advém, fica-se face a um
difícil dilema e este é, considerado por este autor, mas também por muitos outros seres humanos,
como sendo, à excepção de uma guerra nuclear, “o problema de meio ambiente mais grave com
que jamais se confrontou a civilização humana”.

Então o que fazer?


- Por um lado, se o homem não se reproduzir a espécie morre e, por outro, se continuar a reproduzir-se
corre o risco de criar um excessivo crescimento demográfico!
- Mas, ”não são as crianças, os seres mais belos?”

Respostas sócio-culturais
Algumas das respostas a este importante dilema surgiram ligadas à vertente sócio-cultural da
dimensão humana.

Ao reflectir sobre a importância da relação precoce, no consequente desenvolvimento saudável e


harmonioso, do indivíduo nomeadamente ao nível psicológico (personalidade e estabilidade
afectiva e emocional) e social. O homem criou a necessidade de se estabelecerem novas
condições para acolher e educar esses novos seres – as crianças!

Verificou-se que o desenvolvimento económico, o aumento da escolaridade e o reconhecimento


dos direitos da mulher (formalmente reconhecidos a partir da década de 70, do século XX, altura
em que se dá a emancipação da mulher) provocaram, por todo o mundo, uma importante
modificação ao nível da representação de Gravidez e Maternidade e em consequência, uma
quebra no índice de natalidade.

Presentemente, sabe-se que a pobreza gera altos níveis de crescimento da população, pelo que as
políticas de controlo de natalidade deverão ser contempladas ao nível das negociações Norte-Sul,
para além da necessidade destas políticas se inter-relacionarem (associarem) com as políticas que
visam o desenvolvimento económico e sócio-cultural dos casais e das famílias, só assim
integradas se poderão atingir os objectivos propostos.

Os serviços de planeamento deverão ganhar maior destaque e tornar-se mais intervenientes e,


para além disso, devem igualmente, inserir-se numa perspectiva de desenvolvimento integrado,
virado para os cuidados primários de saúde, alimentação, desenvolvimento rural e ensino.
Alcançando-se, deste modo, o tão almejado êxito.
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Receio, Medo, Pânico, Ansiedade e Angústia: que relações
Ninguém duvida que, quando confrontados com situações de incerteza, os homens entram em
ansiedade, angústia ou são reactivados medos muito primitivos e, precisamente por isso, há
muito “esquecidos” ou recalcados.

O conceito de medo tem sido definido como a vivência de receio que surge como resposta ao
aparecimento de sinais identificados ou percepcionados (em termos psicológicos) como estando,
ligados a um sentimento de ameaça ou perigo eminentes, ou, ainda, a existência real dessa
ameaça ou perigo.

Na angústia e ansiedade existiriam apenas sinais premonitórios aprendidos. Estes sinais estariam,
então, ligados a uma ameaça de punição ou de não gratificação; de uma expectativa desejada
podendo, inclusive, desencadear receio fundado ou infundado.

Deste modo, o pânico seria um estado de ansiedade insuportável.

No passado, separou-se a ansiedade, da angústia. Segundo Pierre Janet (1928), “o medo sem
objecto” ou sem sinal desencadeante – a angústia – e a “expectativa ansiosa”, são consequência
de sentimentos de fracasso. Ao encarar a questão, do ponto de vista do afecto, esta separação
torna-se extremamente difícil se não mesmo desnecessária.

De referir ainda as consequências somáticas da angústia, o que remete para a importância dos
aspectos psicossomáticos dos estados de angústia. O organismo adulto reage a estímulos que
exigem uma actividade voluntária mediante reacções vegetativas, características da criança. A
criança de tenra idade, incapaz de uma reacção adequada a certas excitações externas, responde a
essas emoções com uma crescente actividade gastrointestinal.

No trabalho de 1926, Sigmund Freud vai atribuir ao Eu a sede da angústia e define-a, enquanto
sintoma, como “sinal de alarme”, ao mesmo tempo que o Eu se organiza de forma mais
defensiva (i.e., organiza as suas defesas de forma mais eficaz). Isto é, quando um doente relata,
por exemplo, uma experiência de crise, de angústia, já o está a fazer de uma forma defensiva, o
que faz com que quase não se exprima o conteúdo mágico.

Por exemplo, o mal-estar sentido, na neurose de angústia, é sempre atribuído a um factor


exógeno, quer seja explicado por um veneno, uma perturbação vascular ou uma prática mágica
derivada de uma acção de bruxaria ou feitiço.

Embora o âmago deste artigo não seja a vertente Psicopatológica da ansiedade/angústia convém
referir que, o mais importante é compreender que os indivíduos predispostos a desenvolver
formas patológicas de angústia, nomeadamente, a neurose de angústia, são indivíduos que
apresentam uma estrutura de Eu, específica, e uma organização, particular, do aparelho psíquico.
E que, é, em última instância, esta organização que os faz estabelecer um certo tipo de relação
amorosa e genital com o seu parceiro, onde surge o equívoco dos factores etiológicos (coitus
interruptus, coitus reservatus), o que, obviamente, não equivale a dizer que se observa, no
indivíduo, insatisfação sexual.
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Mas a verdade é que se pode colocar a questão: “Qual é o neurótico sexualmente satisfeito?”

Para João dos Santos (1988), não faz sentido falar-se em estados crónicos de angústia, já que
estes evoluem rapidamente para a “neurose do órgão”:
- Hipocondria; ou
- Fobia. E, em alguns casos, a longo prazo,
- Estados fóbico/obsessivos.

Pelo que a angústia, segundo este autor, “é sempre um fenómeno psíquico com maior ou menor
participação somática” (p. 22).

Eurico de Figueiredo (1993) considera, e bem, que o conceito de ansiedade se ampliou e abrange
hoje “uma extensão bem mais lata do que a do mero afecto na sua expressão vivencial” (p. 35).
De facto, a ansiedade inclui toda uma panóplia de manifestações relacionadas com a vivência,
como por exemplo:
- Palpitações;
- Taquicardia;
- Sedurese;
- Dispneia; e uma grande
- Diversidade e tipo de dores:
• como cefaleias,
• dores musculares,
• dores abdominais, etc.

Na sequência desta variedade de manifestações surge o conceito de síndroma ansioso. Mas, este
último, relaciona-se muito mais com a ansiedade (res)sentida como uma vivência excessiva
provocada por uma enorme pressão do exterior, dificuldade em lidar com situações de ameaça ou
perturbações cognitivas, atribuindo um significado distorcido a sinais externos ou representações
internas.

O conceito de estado de pânico, à semelhança do síndrome ansioso, caracteriza-se não apenas


pela sua intensidade vivencial, como também pela sua tendência para se repetir.

Por analogia, no caso da tristeza e do síndrome depressivo, a primeira diz respeito ao afecto
característico do segundo, então é necessário que se verifique uma separação entre angústia e
síndroma ansioso.

Angústia corresponde, assim, à vivência que vai do receio vago ao mais violento estado de
pânico. E a ansiedade corresponde a um conjunto de manifestações constitutivas do síndrome
ansioso.

Começando pelo início, indo aos primórdios do indivíduo, enquanto ser humano, o sofrimento, é,
primeiramente, vivenciado num aparelho psíquico ainda embrionário, como uma experiência de

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mal-estar, que se padece, mas que não se pode localizar, nem controlar, nem evitar, nem atribuir
a qualquer causa, dado que estas categorias ainda não adquiriram significado mental.

Há medida que o indivíduo vai crescendo, e que vai fazendo a sua aprendizagem, verifica-se,
igualmente, uma crescente maturação do Sistema Nervoso, levando o sujeito, progressivamente,
a diferenciar o sofrimento (e a atribuir-lhe significados).

Assim, a fome, a dor, o incómodo corporal, são o sofrimento que marca os primeiros tempos de
vida de qualquer ser humano, pelo que se pode afirmar que o homem, neste estádio, se encontra
imerso num estado emocional de mal-estar, não específico (vago, inespecífico).

Esta é uma experiência global que a aprendizagem vai, gradualmente, diversificar e que se pode,
igualmente, exprimir através de sinais que permitem o diálogo – pela agitação e pelo grito.

A interacção com as pessoas disponíveis (aqui, genericamente, designadas de “mãe”) inicia um


processo de socialização e aprendizagem que permite a diferenciação das componentes e modos
deste estado inicial, e a ligação a factores externos. São-lhes atribuídas responsabilidades
causais, tanto ao nível do aparecimento do sofrimento, como do seu desaparecimento.

A angústia perfila-se, assim, no início da vida, associada ao sofrimento. As manifestações


comportamentais de sofrimento são a agitação e, sobretudo, o grito. Vão incomodar a mãe. Estes
comportamentos de espécie, que visam a comunicação, irão provocar no interlocutor, respostas
altamente diferenciadas, também elas de espécie.

Bowlby (1969) considera que o incómodo, induzido no interlocutor, pelo sofrimento, é


particularmente marcado quando se trata de crianças e tanto mais urgente a intervenção quando
este se revela através do grito.

A mãe vai tentar “adivinhar” as razões subjacentes ao mal-estar do seu bebé, para o satisfazer
(erradicando o sofrimento, mal-estar). Por seu lado, a angústia da mãe, é o sinal que a leva a
procurar acalmar o sofrimento do seu filho.

Somos aqui, uma vez mais, confrontados com os conceitos de angústia/ansiedade em


“interlocutores diferentes” e com “vivências” associadas, também elas diferentes!

O sofrimento infantil, a preocupação da mãe, a diminuição do sofrimento, a satisfação do bebé, o


prazer que daí resulta, e a estimulação mútua provocada pelo bem-estar reencontrado, constituem
um processo interactivo fundamental para a sobrevivência e maturação do bebé e, claro está,
para a socialização humana.

Aos poucos, o bebé aprende que, emitindo certos sinais, encontra uma resposta apaziguadora.
Pelo que, a procura desta resposta se transforma num processo activo e o reconhecimento (pelo
bebé) da origem da resposta apaziguadora reforça os “laços sociais”.

A par deste processo de aprendizagem outro se vai constituir. O bebé consegue,


progressivamente, ligar certos estímulos à experiência do sofrimento porque lhes atribui um

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valor causal. Um obstáculo que magoa e deverá ser evitado. Um objecto que fere, no qual não se
deve mexer, ou, com o qual se deve ter muito cuidado, quando manuseado.

Numa interacção socializada a criança irá reconhecer os perigos externos que provocam
sofrimento e aprenderá, progressiva e activamente, a dominá-los ou controlá-los, sozinho ou com
ajuda. Mas, irá, igualmente, reconhecer o sinal interno, a angústia, o medo, que antecipam o
aparecimento do sofrimento. Irá desenvolver competências, que lhe permitem, autonomamente,
procurar evitá-lo, desde que se aperceba dos sinais premonitórios do mesmo.

A angústia vai, progressivamente, separar-se da “magma” inicial do sofrimento, antecipando-se-


lhe. Pela discriminação de sinais, a ele associados, pelo reconhecimento da vivência interna,
angústia, que o antecede, irá aperceber-se da iminência do desconforto antes que este aconteça.

Estes sinais, aos quais a criança poderá ter atribuído um sentido (ou nexo) causal, vão ligar-se a
uma cadeia de estímulos que irão ser interpretados como indicadores de ameaça (perigo) de
sofrimento.

Já, em adulto, a doença de entes queridos pressagiará a ameaça de perda, tal como a perda de
amor por morte e a separação por hospitalização.

Quando se marca a data para a realização de um exame ou de um concurso isso estimula


(reaviva) a dúvida quanto ao sucesso. Por outro lado, o risco de insucesso é, para o indivíduo,
uma ameaça de que os outros podem depreciá-lo ou considerá-lo menos, se não for bem
sucedido, o que remete para a questão da auto-estima e do amor-próprio.

A perda de amor-próprio faz com que o sujeito se sinta diminuído, aos seus próprios olhos. E o
sentir que “desceu” na consideração dos outros, leva a que se verifique uma diminuição na auto-
estima, pois o indivíduo necessita da consideração dos outros para manter os seus níveis
“adequados” de auto-estima1. A angústia irá aumentar. E com ela o investimento que o indivíduo
faz na preparação para o concurso. Há uma cadeia de sinais que desencadeiam angústia pela
ameaça, que transmitem o sentimento, que se pode vir a ser punido, ou não obter gratificação em
relação a um desejo ou aspiração primordial, o que é, igualmente, uma forma de punição.

Punidos pela dor física, pela perda de amor, pela sentimento de culpa, pela não realização das
aspirações de competência parental, filial, conjugal profissional, social... e perda de amor-
próprio. Todos estes sinais, numa sequência sem fim, de associações conscientes e inconscientes,
funcionam como alarme, desencadeando preocupação e angústia.

A ansiedade é, deste modo, um estado biopsicológico constituído por uma vivência – a angústia
– e, em certas circunstâncias ou situações, por manifestações corporais perceptíveis (cefaleias,
taquicardia, dispneia, etc.), assim, como por modificações de parâmetros biológicos.

1
Remete-se o leitor interessado em aprofundar mais esta questão a consultar autores como Abraham
Maslow (1908-1970) e Carl Rogers (1902-1987).

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A vivência psíquica da angústia vai desde a mera inquietação até aos estados insuportáveis de
pânico.

Independentemente de factores genéticos ou aprendidos, propiciando variações nas respostas


individuais, a ansiedade é uma resposta biopsicológica, a sinais que são vivenciados, de uma ou
de outra forma, como uma ameaça para o indivíduo. Em que, a modificação de parâmetros
biológicos, representa uma mobilização, por parte do indivíduo, para dar resposta ao perigo.

Pode-se então afirmar que o conjunto das manifestações biológicas, desencadeadas pelo
organismo, significam que, ao se sentir ameaçado, este se prepara para reagir.

J. A. Gray (1988) considera que a ansiedade é uma resposta a estímulos, podendo significar
ameaça de punição ou não gratificação. A suceder a ameaça, esta irá provocar sofrimento, tanto
físico como o mais diferenciado e subtil mal-estar psíquico.

O organismo, através da ansiedade, na sua componente vivencial, a angústia, detecta o perigo.


Pela sua componente biológica prepara o organismo para o evitar: pela fuga ou luta, como
respostas mais primitivas, na filogénese.

Mas a requintada socialização do homem proporciona-lhe um sem-fim de situações de ameaça os


processos mentais humanos são extremamente complexos e autonomizam-se dos estímulos
externos. Daí que os sinais, a que se refere a teoria neurofisiológica da ansiedade, não sejam
apenas externos, mas talvez, muito mais, internos. A estrutura psicológica do homem interioriza
as proibições e as aspirações. Produz ininterruptamente representações mentais que significam
ameaça de punição e de não gratificação.

As estratégias para evitar a ansiedade passam também por sofisticadíssimas produções mentais.
Têm uma profunda e constante interferência na vida socializado do homem. Mesmo quando a
origem da ansiedade tem que ver com a doença e a morte. Nas mais diversas situações, o homem
procurará combatê-la através de formas extremamente diversificadas de comportamento no
quadro da vida social e cultural humana: pelo trabalho, criatividade, função parental,
disponibilidade amorosa, solidariedade de grupo, actividade cívica, etc.

Imortalidade simbólica
O desejo de imortalidade radica na ansiedade provocada pela perspectiva da morte. O homem
tem conhecimento antecipado do seu desaparecimento, do seu aniquilamento físico e individual.

A morte, como expectativa de desaparecimento individual total e para sempre, surge assim,
como o destino mais radicalmente angustiante, dado que coincide com a total ameaça de punição
e a total ameaça de não gratificação. A expectativa da morte tem, deste modo, o valor de perigo
infinito, devendo corresponder a sua representação antecipada a uma ansiedade ilimitada. Por
exemplo, nas crises de pânico, o tema da morte é extremamente frequente. Só a capacidade
psicológica de denegação do carácter inelutável da morte dá ao homem a possibilidade de
sobreviver mentalmente à expectativa de tão horroroso destino.

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A crença na imortalidade da alma e a imortalidade simbólica surgem como respostas que se
edificam como uma forma de “negação” e de “consertar” a inevitabilidade da morte e o
consequente terror, que o ser humano experiencia, face à realidade do total e definitivo
aniquilamento individual. O terror em face da perspectiva de destruição do corpo e
desaparecimento da vida psíquica, na qual radica a noção de identidade pessoal de continuidade
do mesmo no tempo, encontra um bálsamo na crença da imortalidade da alma e no renascimento
do corpo.

Estas crenças exprimem-se da mais variadas formas (nomeadamente nas crenças populares,
misticismos), nas diversas manifestações religiosas.

A vivência transcendental surge como uma vivência extremamente inespecífica. E apenas


encontra expressão na expectativa da morte na medida em que procura, pura e simplesmente
evitá-la, mas sem tradução simbólica, apenas como vivência pura.

A defesa contra a angústia perante a morte poderá ser de natureza mais vivencial ou racional
indo da experiência de fusão com a Natureza até à ideia panteísta de difusão de Deus no cosmos,
ao qual pertencemos e do qual partilhamos a imortalidade. É certo que são defesas contra a
angústia da morte que radicam no mesmo medo, mas diferentes, como resposta da imortalidade
simbólica.

É inegável, que as manifestações de imortalidade simbólica, tendo origem no temor, revelam-se


de natureza exclusivamente psicológica. A reprodução biológica e os laços de parentesco que,
deste modo, se podem ou não criar, só são imortalidade simbólica quando entram no domínio do
desejo e a partir daí se transformam em sentido como simbolismo social. A reprodução genética,
dando aos genes um tempo de sobrevivência superior ao da vida individual dos membros da
espécie que os propaga pode contribuir para a imortalidade biológica. Mas só o será como
manifestação do desejo de reprodução institucionalizada na espécie humana em relações de
parentesco. O que explica a sua enorme actualidade numa época em que o controle de natalidade
se tornou regra na espécie humana.

Pela parte do homem, no passado, o desejo sexual era o principal motor, da sua capacidade
reprodutiva, dada a sua dificuldade em efectuar um eficaz controlo de natalidade, na actualidade,
a capacidade técnica para o realizar é uma realidade. O desejo de se reproduzir, onde o de
imortalidade simbólica tem um papel importante, tornou-se o mais decisivo regulador da
capacidade reprodutiva do homem nas regiões mais desenvolvidas da Terra, com tendência a
generalizar-se a toda a humanidade.

Deste modo, a angústia ecológica, mais não é que a expressão da preocupação do homem em
relação à preservação da espécie, ameaçada pela acção destruidora do próprio homem. Actuaria,
assim, como sinal revelador do temor provocado pela expectativa da inviabilização das
manifestações da imortalidade simbólica.

A imortalidade simbólica veicula o desejo do homem se perpetuar, durante o maior espaço de


tempo possível, através dos grupos sociais a que sente pertencer. A preservação dos referidos
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grupos sociais é condição necessária para tornar viável tal ensejo. Não é, então, surpresa para
ninguém que, a consciência da própria morte individual, seja atormentada pela expectativa da
destruição e do desaparecimento dos grupos sociais nos quais cada um reconhece a sua
continuidade. De facto, estes funcionam como suporte das manifestações de imortalidade
simbólica.

Os grupos sociais aos quais cada um se considera pertencer são grupos de pertença, família,
grupos profissionais, tribo, classe social, movimentos políticos, grupos desportivos, pátria,
nação, civilização, humanidade. São grupos cada vez mais amplos e receptáculos do desejo de
imortalidade através das manifestações de imortalidade simbólica. Para tal necessitam de que
cada qual se reconheça como pertencendo-lhes. Precisam de se reproduzir no seu capital
humano, o que implica a obrigatoriedade da reprodução biológica. A existência de gerações
futuras numa sequência que se deseja a mais longa possível, implica a reprodução biológica e
psico-cultural desses mesmos grupos.

A consciência de morte individual e o desejo de imortalidade simbólica vão adquirir a função de


impulsionadores da angústia ecológica; desde que cognitivamente esteja adquirida a noção do
risco de destruição da espécie. Em que o desaparecimento da espécie ganha, aqui, o significado
de uma segunda morte (de todos) pela destruição dos suportes das diferentes manifestações de
imortalidade simbólica.

Socialização e identificação por delegação


Para que o desejo de imortalidade simbólica se manifeste o homem necessita adquirir a
consciência da sua existência individual. E isso apenas sucede por volta dos 24 meses de vida. É,
igualmente, preciso ter um “cabal” conhecimento do conceito de morte, o que implica a
aquisição da noção de separação entre a vida e a morte, em que esta significa o parar do
funcionamento do corpo físico, a percepção da irreversibilidade da morte, a ideia de que é algo
universal e inevitável. A aquisição destes conceitos sucede, regra geral, entre os 6 e os 9 anos de
idade.

A Psicologia do Desenvolvimento preconiza que os processos que propiciam os primórdios da


vida psicológica baseiam-se nas relações precoces, mãe/bebé e nas respectivas competências, da
mãe e do filho.

Estudos feitos sobre a relação precoce demonstraram a existência de comportamentos


programados, em ambos os elementos da díade mãe/bebé, os quais favorecem a inter-relação e
estimulam a comunicação.

A criança, de acordo com estas teorias, durante a vida intra-uterina, reage a diversos estímulos,
primeiro estímulos tácteis e, por volta, do 4º mês estímulos acústicos. A partir do 8º mês de vida
intra-uterina já demonstra surpreendentes capacidades de condicionamento, podendo associar
estímulos acústicos e visuais.

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Após o nascimento apresentaria insuspeitas capacidades perceptivas, de reconhecimento e de
organização do espaço e motoras.

A existência de competências biopsicológicas que propiciam os processos interactivos básicos à


socialização humana, é, de facto, surpreendente. O recém-nascido apresenta flutuações do estado
de consciência com enorme apetência interactiva nos momentos de vigília. A capacidade de
comunicação do bebé com a mãe revela a pré-existência de uma sofisticada organização
neurofisiológica, que facilita a interacção.

O aparelho visual do bebé foca espontaneamente a face da mãe aquando da amamentação. E


diversos estudos concluíram que o bebé tem tendência para seguir preferencialmente o rosto
humano em movimento. E que, por volta dos 12 meses demonstra uma clara preferência por
seguir o rosto materno. Privilegiando, também, determinadas bandas ou frequências sonoras e a
voz feminina. De referir ainda a capacidade “inata” da mãe em se adaptar, espontânea, às
preferências do bebé.

O recém-nascido diferencia o cheiro do leite, prefere uma mulher que esteja a amamentar a uma
sem filhos. Com alguns dias de vida o bebé identifica a mãe pelo cheiro. É capaz, muito
precocemente, de dar respostas motoras e tónicas em sincronia com o comportamento verbal do
adulto. A capacidade de imitação surge igualmente logo nos primeiros dias de vida: abrir a boca,
mostrar a língua, etc.

Os processos interactivos mãe/bebé desenvolvem-se a diversos níveis sensoriais. Os


comportamentos são complementares e favorecem a aproximação, num sistema de comunicação
em que a troca de mensagens se regula reciprocamente.

CONCLUSÕES

Muito mais se poderia referir relativamente a toda esta temática, profundamente (inter)cruzada e
constitutiva da saúde mental do indivíduo. Mas à semelhança do ser humano, numa permanente
fase de incompletude e de (re)construção optou-se por uma abordagem cujo objectivo visa
esclarecer algumas questões colocadas por profissionais das mais diversas áreas da saúde,
fornecendo-lhes, quem sabe, hipóteses explicativas para a sintomatologia presente nos seus
utentes.

Fica, no entanto, aqui expressa, a promessa de uma permanente pesquisa, até que este se possa
considerar “completo”, e que, como tal possa “morrer em paz”, já que nesse momento, poder-se-
á afirmar que atingiu a sua maturidade e desenvolvimento máximo, logo está preparado para
atingir o seu fim (morte).

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Lisboa: Moraes Editores.

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© Celeste Duque, revisto em 2008-04-04

CD/cd 12

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