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é [| SUSTENTAVEL EA GOVERNANGCA DOS RECURSOS HIDRICOS — PAULO LOPES VARELLA NETO DDestor da Aginesa Nacional de Aguas No tual contexto intemacional, de crescente integrago geopolitica © inlordependéncia econémica entre as rages, no é mais possivel a busca pelo desenvolvimento, ignorando-se a visio integradiora oferecida pela gestio des aguas, consiruida em boa medida, pelos organismos de bacia © rebatimento dessa conjuntura intemacional na gestéo das aguas ndo se limita apenas & questo das éguas transtronterigas © as relagdes binacionais entre paises \zinnos. Hoje, multas das questdes do gerenciamento dos recursos hidricos, sob responsabilidad dos governos nacionais tom repercussdo sobre problemas de ordem global, afetando nagdes apartadas por oceanos. E 0 caso do suprimonta de défcits hidricos via comércio inleracional, © conhecide concotto da “agua virtual’. tambem 0 ¢aso do dllema da produgao de alimentos frente ‘a expanséo da matriz energetica com biscombustivels, nia busca por energias limpas e renovavels. Na mao inversa, problemas que em muito perpassam as {ronteiras nacionats tém rebatimentos sobre os processos ‘do governanga das aguas em ambita regional ¢ local, a ‘oxomplo dos efeitos das mudangas climaticas nos regimes de chuva e na acorréncia de eventos hidrolégices eriticos, Feizmente, o Brasi vive alualmente um momento bastante ‘especial em sua hisiéria. Hoje, em que pesem os grandes dosafios internos © externas existentes para o aleance ‘do um patamar de desenvolvimento plano, 0 pais esta Cconflante em sua trajtéria ¢ tem plena consciéncia de sua dostacada posigo geopolitica na consertacéio das nacées. © cenario de establlidade politica e de prosperidade ‘econtmica vivenciada nos utimas anos tem permitido ‘que 0 pais avance na consirugao de uma sociedace mais ‘e0esa, menos desigual e mais sustentavel Eniretanto, semethantemente ao que ocorte no aprendizado individual, quando © ganho de conhecimento acaba por indicar @ necessidade de ainda mais conhecimento, no processo de desenvolvimento de uma sociedade, 0 pragresso no suprime as anselos por novas avangas. ‘Ao contrno, se consideradas as diferentes cimensoes do dosenvotvimento ~ de ordom social, econdmica © ambiontal ~ 0 que se observa 6 que 08 avancos alcengados em uma frente ndo aplacam as caréncias e lacunas existentes nas demais, mas sim, as evidenciam com cores ainda mais fortes. essa forma, os sucessos obiides na condugo da politica macroecondémica @ a trajotéria virtuosa que o pais tem trihado na redugdo de seus passives sociais no desobrigam a sociedade brasileira de refletir sobre seu alual modelo de desenvolvimento. ‘Ao expandir sua atividade econémica e ampliar Consideravelmente sua inser¢éo ne economia globalzada, aumentam também as exoectativas com relagéo ao papel ‘que 0 pais desempenhard no enfrentamento de problemas de ordem global, inclusive os de expresso ambiental E o momento para reflexao nao poderia ser mais oportuno, ‘Afinal, falta menos de um ano da realzagao da 3* edica0 da Conferéncia das Nacoes Unidas sobre Desenvolvimento ‘Sustontavel — a chamada "Rio+20" - que esti organizada fem torno de duas grandes tematicas: “economia verde no coontexto do desenvolvimento sustentavel @ ertadicagso da pobreza’ @ “marco institucional para desenvolvimento sustentavel Espera-se que, nessa oportunidade, sejam_revisitadas questdes-chave desenvolvimento sustentdvel, renovando-se os compromissos polticos para seu alcance. relacionadas a0 NNesse sentido, as insituigdes e profissionais dedicados & {gestdo dos recursos hidricos tém muito a contribuir,haja Vista que a relagdo “agua ¢ sociedade” & fator comum & todos os temas de interesse da "Rio*20" e permite conecti- los sob diferentes perspectivas: crescimento econdmico, ppreservagdo ambionial, saneamento bdsico, erradicago de pobreza, salide piblica, entre outros. 23 24 Ha de se reconhecer que a questio do gerenciamento dos recursos hidricos apresenta-se como um “flo condutor” para todo 0 dilogo pretencido pelas Nacdes Unidas. ‘Afinal, como € possivel falar em “economia verde © orradicagaio da pobreza” sem que se trate dos confitos existentes no aproveitamento hidrico por distintos setores dda economia, ou da necessidade de redugao do deficit de senvicas de gua e de saneamento, especialmente junto & ppopulagao de menor renda? © govemo brasileiro mosira-se atenlo a essas quesibas fe © pais tem conseguido avancar na implementagao de politcas publicas de protegéo ambiental, som abrir m0 do ‘sua agenda de deservolviment. ‘A Prosidente Dima Roussel defini como meta principal do sou govemo a erradicagao da pobreza no pals ©, para tanto, a garantia de acesso & dqua om quantidade © qualidade adequada sera uma questo crucial. E fato que muito tem sido felto. Os niveis de investimento com infra-estrutura sanitéria aumentaram signficativamente importantes obras hicricas estéo sendo realizadas nos Litimos anos; talvez, a mals notdvel delas, a do projeto de Integragao das aguas do Rio Sao Francisco e com 0 Nordaste Setentrional Mas esses investimenios em infra-estrutura, apesar de imprescindlveis, néo s80, por si sé, garanlias de acesso @ ullizagao sustentavel das recursos hidkicos. |es0 porque as obras hidticas somente iréo produzir beneticios esperados & sociedade so tivermos sistemas de gerenciamento bem desenhados ¢ insituigbes bem aparethadas para desempenhar suas atribuigées, em especial no que conceme as allvidades regulatrias. ‘Sao igualmente importantes as chamadas medidas nao- festruturais, enviclando-se esforgos para construgao da governanga dos recursos hidricos. Dai a importéncia da outra tematica da “Rio#20", dlirecionada ao debate das estrulures © processos da ‘gesido dos recursos naturais, 2 qual, se compreendida fem sua integraidade, remete ao concelto mals amplo de governanga e as poliicas publicas de desenvolvimento de protegtio ambiental Recursos naturals escassos exigem recursos. humanos abundantes, nao necessariamente em quantidade, mas fem qualidade. E essa exigéncia por recursos humanos nao se limita &s demandas do aparato estalal. Trata-se de uma preccupagie concemente a0 conjunto das agentes economicos @ socials que, cada vez mais, clamam por ‘espagos de representaeao no proceso decisério. No Brasil, importantes passos foram dados nessa direcao. Particularmente na gesto dos recursos hidricos, muito se lavangou na construgso de um modelo de gerenclamento doscentralizado, participative e integrado, Hoje, apés duas décadas de esforcos de organizacae legal e institucional do setor agua, ja conseguimas visualizar com claraza resultados postives dossos esforgos. Atuaimente, 10 comitésinterestaduais emais de 160 comités jestaduals {4 foram instalados, com areas de atuag3o que ‘abrangem boa parcela do teritrio nacional, Multos esses Ccomités ja aprovaram sous respectives planos de bacia ©, em alguns casos, foram capazes de lovar a cabo suas iniciatvas de cobranga pelo uso da agua e de constivigso de Agéncias de Agua, Ressalta-se, ainda, que todo esse process so dou paralelamente & dofinigao das polices estaduais de recursos hidicos que. por sua vez, esiéo em perfeta harmonia com os fundamentos, principios e diretizes da politica nacional, instituida em 1907, Todos esses avangos em nivel nacional © regional ‘certamente morecem aplauso, mas ainda ha multe que se fazer. Os desalios futuros para a gestéo sustentavel dos recursos hidricos no Brasil revelam-se ainda maiores ‘que 0 jé enfrentados até aqui e sua superacio passard, necessariamente, pelo fortalecimento dos organismos de bacia ‘A atuago em um espago geagrético delimitado por fatores fisicos unificado pelo compatihamento de uma rede hhidrogratica comum, confere aos organismos de bacia uma visdo diferenciada do processo de desenvalvimento, uusuaimente no alcancada quando resiita aos limites politico-administratives dos entes federados. E preciso, contuco, dar voz@ musculatura a essa visa que, por vezes, em razio da inexisténcia de recursos materials (ou humanos suficientes, ou mesmo por resisténcias & integragao dos planejamentos selorials © das poliicas ppiblicas, acaba ficando relida nos instrumentos de planejamento. Isso significa, primeiramonte, resolver em definitive © problema do financiamento das sistemas de gestéo, em especial, das suas instancias descentralizadas, conferindo- thes condigaes minimas para execupao de seus programas de investimento @ manutoncao de suas agves de natureza continuada Equacionado o financiamento dos sistemas de gestéo - 0 ue no implica necessariamente em acréscimo de gastos pabiicos, mas em sua insergio na definigao das orcamentos ppabiicos, com rebatimento nos orgamentos setorials ~ a ‘quesiao da “governanca da agua” no pals certamente _ganhara nove impulso, semelhantemente a0 ocorrido com ‘a promulgagao da Let das Aguas (Le! Federal 9.433/1997) A garantia de fontes de recursos financeitos permitra qua 's0 avance em silmo mais acelerado na implementaglio de uma agenda positva para o gerenciamento de recursos hidicos no Brasil Esperam-se, entre outras coisas, maiores investimentos na formacao de quadros técnicos permanentes para os érgiios estores esteduais; implantacao de recursos tecnolégicos ede sistemas de informag0 adlequados a0 monitoramento de variavels de interesse © @ difusao das informagées: 'bem como maior apoio aos processos descentralizados do {gestéo, conduzidos no ambito dos conselhos estaduais © Ccomités de bacia, Enfim, pode-se afirmar que a almejada transigao de lum modelo econémico puramente desenvolvimentista ara outro mais sustentével, que realmente faga jus & ‘denominagao “economia verde", somente serd alcancada ‘se incorporades 0s elementos de decisao oferecidos pela visio integradora da gestéo das aguas por bacia hicrogratica E essa iso, por sua vez, no poder ser construida ‘som a efetive participagae do conjunto da sociedade brasileira, utlizando-se canals insttucionais apropriados de representacao politica, como os oferecides pelos ‘organisinos de bacia, 26

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