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4 Transformacdo e Armazenamento de Energia Roteiro ‘¢ Para realizar suas atividades, as eélulas utilizam a energia acumulada nas ligagées quimicas dos alimentos # Ascélulas que contém clorofila (vegetais, alguns protistas, raras bacté- rias) captam a energia da luz ¢ a transferem para as moléculas de nutrientes (fotossintese) ‘# As moléculas de adenosina-rifosfato (ATP) possuem ligagdes quimicas ‘muito ricas em energia © Acnzima ATPase é abundante nas células. Esta enzima rompe a molé- cula de ATP, liberando energia © ATP €a principal fonte imediata de energia nas células # A formagdo de ATP pode ser feita pela fermentacao (anacrdbia), mas este processo retira apenas pequena parte da energia dos nutrientes As mitocondrias possuem a maquinaria para a fosforilagso oxidativa (aerébia), muito eficiente na transferéncia de energia dos nutrientes para ATP +» Acenergia dos nutrientes € utilizada para gerar um gradiente de protons (H+) entre as duas membranas mitocondriais; este gradiente produz lum fluxo de protons cuja energia forma ATP a partir de ADP (teoria quimiosmstica) ‘¢ As mitocdndrias contém filamentos circulares de DNA em hélice dupla, ‘que codificam algumas proteinas mitocondriais ¢ Os ribosomas e os filamentos de DNA das mitocdndrias séo semelhantes ‘aos das bactérias 1 Admite-se que as mitocbndrias se originaram, durante a evolugdo das cétulas, a partir de bactérias simbiontes 64 BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR AAs células eucariontes revelam uma série de caracteris- ticas funcionais comuns a todas elas, como, por exemplo, capacidade de multiplicacao, de movimentacao, iritabilidade, conducio de impulsose secrecio. Todas as céluias apresentam estas atividades com maior ou menor intensidade, de acordo ‘com suas caracteristicas especiais, As células musculares, por excmplo, tém capacidade de contragéo altamente desenvol- vida, grande capacidade de condugio do impiilso, mas fraca ou nenhuma capacidade secretora. Jé as eélulas glandulares apresentam intensa atividade secretora, mas quase nenhuma atividade motora. Quaisquer que sejam as suas atividades, porém, as eélulas precisam de energia para realizar os traba. thos para os quais se especializaram Neste capitulo se verd como as células obtém e acumulam cnergia necesséria para a sua atividade. Sabe-se que a energia utilizada pelas células eucariontes, tanto animais como vegeta, provém da lenta decomposigao «de compostos orgénicosricosem energia, os alimentos, através da ruptura das ligagdes covalestes de suas moléculas. Na célula vegetal, esses compostos séo sintetizados com a energiaresul- tante da transformagdo de energia solar em energia quimica durante 0 processo de fotossintese (photon, luz, e sintesis, sintese). De fato, na fotossintese, gracisao pigmento lorofila, processa-se a acumulacéo da energia solar sob a forma de Jigagoes quimicas nos hidratos de carbono, gorduras e protet- nas, Portanto, estes alimentos, principalmente os dois primei tos, so verdadeiros depOsitos de energia concentrada, dos 4quais as edulas vlo-se utilizando conforme suas necessidades As células, porém, em geral no usam diretamente a energia liberada dos alimentos, mas se utilizam de uma série de com- postos intermedidrios, que servem de depésitos provisérios de energia. Esses compostos apresentam,ligagées quimicas que, quando desfeitas, iberam mais de 5 quilocalorias ‘por rmolécula-grama Da andlise da Tabela 4.1, observa-se que existem nas «élulas varios compostos ricos em energia. Um deles, a adeno- sina-tifosfato (ATP), € 0 mais abundante e o mais utilizado na eélula, sendo geraimente produzido gracas a energia con. tida nas moléeulas de glicose e dcidos graxos Os dcidos graxos so, do ponto de vista quantitativo, tuma fonte energética muito mais importante que os carbo dratos, pois, peso 2 peso, rendem muito mais energia que ‘oglicogénio dos tecidos. Assim é que enquanto uma molécula- grama de glicose gera 38 moléculas-grama de ATP, uma de ‘cido palmitico gera 126 moléeuls-grama de ATP. Um ho- mem adulto tem energia depositada em glicogénio suficiente para apenas uma dia, mas suficiente gordura para um més. O.ATP, cuja formula esté representada na Fig. 4.1, tem das ligagde’ ricas em energia (representadas pelo sinal ~) quando uma delas se rompe, ibera aproximadamente 10 quilo- 6CO, + 6H,O + energia Membrana ritoconerat interna Cela tansportadora de oltrons (cadoia de enaimas © pamantos oocromes) Fig. 4.3 Desenho ilustrando os principais processos que ocorrem na respiragéo,aersbia da célula, A linha cinza indiea os limites de wma mitoeéndria. Inicialmente ocorre a produgdo de acetileoenzima A, que entra no ciclo do Acido cittico, do qual resulta produgio de létrons, protons, CO, e pequena quantidade de ATP. Os elétrons percorrem a cadeia transportadora de elétrons e produzem muito ATP. Os protons combinam-se com 0 oxigénio ativado pelo sistema citocromo-oxidase, produzindo gua, Verifica-se pois que na mitocindria 0 consumo de oxigé rio esta relacionado A fosforilacdo de ADP, razio pela qual este processo recebeu 0 nome de oxidagdo fosforilativa Do ponto de vista de rendimento energético, a mito- cOndria apresenta-se como uma maquina altamente eficiente, ecalcula-se que aproximadamente 50% da energia nela libera: da séo aproveitados pela célula, via ATP. Os outros 50% ‘sto dissipados sob forma de calor, calor este utilizado nos seres homeotérmicos, para manter Constante a temperatura cor poral. © processo de respiracio é regulado. por varios meca- nismos, entre os quais citaremos o teor de ATP. Sabemos que a producio excessiva de ATP inibe a glicdlise € o ciclo do dcido citrico, enquanto a caréncia desse composto estimula 6 cielo do fcida eitrico e o transporte de elétrons, Em conclusio, o processo de oxidacio fosforilativa é de alto rendimento energético quando comparado a glicdlise Certos indicios fazem supor que a glicdlise seja 0 proceso que filogeneticamente apareceu primeiro e que a oxidacao {osforilativa se desenvolveu depois como um aperfeigoamento do processo de respiracao. A glicdlise, ciclo do dcido eittico € 0 processo de fosfori- lacdo oxidativa eitados anteriormente sdo trés vias metabdli- cas-chave na funao celular, embora néo sejam as tinicas, havendo vérias outras também importantes. Entre elas ¢ inte- ressante lembrar aqui a chamada via das pentoses ¢ a glicoge- nossintese ‘A via das pentoses € uma via metabolica constituida por uma seqiiéncia enzimatica com vérias etapas, comegando na licose 6-fosfato, presente no inicio da glicdlise, e levando 4 produgao do acicar ribose, que é uma pentose. Este acicar importante, poisé utilizado na sintese da molécula dos écidos nueléicos indispensiveis para a sintese das proteinas, ‘Ao longo dessa via ocorre também a redugdo da coenzima NADP para NADPH. Em etapa posterior, o hidrogénio que reduziu 0 NADP é cedido ¢ utilizado na sintese intracelular de lipidios, sendo, portanto, a via das pentoses também impor- tante para este processois” A glicogenossintese é 0 provesso pelo qual a glicose € polimerizada a glicogénio, que € acumulado na célula em quantidades variaveis de acordo com 0 tipo celular, funcio- nando ai como depdsito de energia acessivel & célula, Em determinadas células, como nas do figado © misculo, este processo pode ser infenso e ocorrem extensos dep6sitos de slicogénio. O glicogénio hepatic que chega a 150 ¢ & degra- dado no intervalo das refeigdes mantendo constante o nivel de glicose no sangue ao mesmo tempo que fornece este meta- bolito as outras células do organismo. O glicogénio muscular, ao contrério, s6 forma glivose para a contragéo muscular. ‘As vias’ metabolicas acima referidas ocorrem de modo geral na maioria das eélulas, havendo, porém, maior énfase fem determinadas vias, de acordo com’a fungao de cada tipo celular. E 0 caso dos eritr6citos, que nao possuindo mitocén- drias nao podem realizar nem 0 ciclo do acido citrico nem 1 oxidagio fosforilativa. Consequentemente, dependem apenas da glicdlise para satisfazer as suas modestas necessi- dades energéticas. Sendo produtores de ATP, as mitocindrias se localizam préximo ‘ans locais que necessitam de energia As mitocéndrias (mitos, filamento e condria, particula) so organelas de forma arredondada ou alongada, presentes ‘TRANSFORMACAO E ARMAZENAMENTO DE ENERGIA 67 no citoplasma das células eucariontes aersbias, € que exercem importante funciona respiracio aerdbia ‘Oestudo das mitocéndrias adquiriu grande impulso quan- do essas particulas foram isoladas por centeifugagao fracio- nada, permitindo a andlise de sua constituicao quimica e fun- bes bioldgicas. ‘A morfologia destas organelas é varidvel: possuem um diametto aproximado de 0,5 a 1,0 zm, variando 0 compri- mento desde 0,5 um até 8'ou 10 um. A forma e a posigéo das mitocOndrias néo so fixas, pois foi observado, por meio de cinefotomicrografia, que as organelas se movem constan- temente €, a0 mesmo tempo, que mitovondrias filamentosas se fragmentam em esferas, que, posteriormente, podem se fundir, reconstituindo organelas filamentosas. Esta movimer tacio mitocondrial € possivel devido & presenca ¢ interacio da actina € miosina citoplasmaticas. A posicao intracelular ddas mitocOndrias € influenciada pela disposicao do citoesque- leto. Apesar de variarem a quantidade e a distribuicdo das ‘mitocdndrias, de modo geral observa-se estreita relagdo entre cessas organelas ¢ as necessidades energéticas da célula. Células ‘que consomem muita energia, como as musculares € as células sensitivas da retina, tém muitas mitocéndrias. J4 0s fibro- blastosee linfdcitos t8m poucas mitocdndirias, coincidindo com ‘uma respiragio de baixa intensidade. Esta relacdo € tio acen- tuada que se pode estabelecer uma correlacdo entre 0 consumo de O; por unidade de peso de um tecido (chamado de QO,) € a quantidade de mitocdndrias que as suas células contém, ‘As mitocOndrias geralmente se localizam dentro da célula, proximo aos locais onde existe grande consumo de energia, Nos epitélios ciliados, as mitocéndrias se acumulam perto dos cilios (v. Cap. 7) nos espermatozsides, ao redor da porgéo inicial do flagelo. Nos miisculos estriados, elas se dispdem paralelamente entre os feixes de mioibrilas (Fig. 4.4). Outros cexemplos so 0s actimulos destas organelas encontrados nas células sensitivas da retina (Fig, 4.5) e nas células que transpor- tam fons, como por exemplo as dos tibulos contomneados cdo rim e Células parietais do estémago. 'AS mitocOndrias apresentam uma composigéo quimica e estrutura varidvel de acordo com o tecido e a espécie animal estudados. Sa0 de consttuigdo lipoprotéica, sendo em média trés quartos do seu peso seco constituidos por proteinas € lum quarto por lipidios, presentes nas suas membranas e con- tendo também pequena quantidade de DNA e das trés varie- dades de RNA (mRNA, tRNA € tRNA), ‘A maior parte dos lipidios é formada por fosfolipidios, sendo 0 restante constituido por triglicerideos ¢ colesterol. ras io, em maior parte, enzimas, das quais se conhe- todas as do ciclo do écido cittico eas da f-oxidagao dos lipidios. Além disso, as mitocondrias contém enzimas relacionadas com a sfntese de protefnas, tran- ‘saminagao de aminoacidos © outros processos metabdlicos Ultra-estrutura e organizacao funcional das mitocndrias ‘As mitocéndrias apresentam-se envoltas pot duas mem branas contendo.no seu interiora matrizamorfa, A membrana externa € lisa e muito permeavel a diversos tipos de moléculas. ‘A interna-é rica em enzimas, funcionalmente muito ativa © seleciona, de modo eficiente, as moléculase fons que aatraves- sam, facilitando a penetragio de certas substancias e impe- indo a penetragio de outras.\Esta membrana apresenta inva- iginagdes em forma de prateleiras, formando as chamadas eris- fas que aumentam grandemente a sua superficie (Figs. 4.6 © 4.7), Em certos protozosirios e em eélulas que sintetizam esterdides, essas invaginacbes assumem a forma de dedos de luva, 0 que leva ao aparecimento de estruturas circulares no interior das mitocéndrias, quando observadas em corte (Fig 4.8). As invaginagdes tubutares também podem ocorrer simul- 68 BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR Fig. 4.4 Eletromicrogratia de musculo cardfaco de macaco. Observe-se a disposigfo das mifocdndrias formando um trajeto paralelo as miofibrilas. Observem se também a riqueza om cristas ¢ a matrz bastante densa. 30,040% Fig. 4.5 Eletromicrografia de célula da retina de macaco cm zona na qual ocorre um actimulo de mitocdndrias, Observar que as mitocdndrias contém muitas enstase apresentam matriz densa, 50.000. ‘TRANSFORMAGAO E ARMAZENAMENTO DE ENERGIA. 69 Fig. 46 Eletromicrografia de mitocondris de eelula renal de camundongo. Notar a dupla membrana ¢ as eistas, numerosas mas menos freqientes do que no misculo (ver Fig. 4.4). A matriz & densa ¢ preenche os espacos entre as cristas. 8404 DNA mitoconetial Espago intermembranoso ‘Uma ou mais cadeias ‘Contem enzimas varias. es iniios a dicos araxos. ‘plas contonco ‘Acumula protons Permaavel a molecules co feseasso nme ‘wansportados ‘alé 10.000 datons ‘Se genes samatnz (Gaeta mtoeondrat Matrz mitocondi ibosomes mitecbndtiale Soe Fazem pate a membrana CConiem enzima CContim RNA nbosémico._inlerna que aumentan injorna conte ‘oscomponenies da melabolzam pruvaioe Pafiopa da sintese Saas te) ompleso protaico com eadeude {eid graxo prosuzindo _protéca Glade de ATP sintelase Fansporte de eletrons. aceticoonzima A, Transports {ontém enzimas do ‘ransmembrana ‘Seb do aieo cto, e protons TRNA rRNA 4.7 Desenho esquematico. Os principais eomponentes mitocondriais e suas fungies. 70 BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR Fig. 4.8 Eletromicrografia de célula da camada cortical da adrenal. Observe mitocéndrias contend, em ver de estas, invaginagdestubuloses de sua membrana interna. Esta disposigdo & frequente em células que sintetizam estersides,60,000%. tancamente com as cristas. Nasuperficie intema da membrana interna aparecem pequenas particulas em forma de raqueta ‘€ que se inserem pelos seus cabos na membrana das cristas ‘a0 05 corpuisculos elementares, que tém 10 nm de diémetco, € calcula-se que uma mitocéndria de coragio de boi possa ter de 10.000 a 100,000 dessas particulas. No interior das mitocdndrias encontra-se uma substéncia finamente granulosa ¢ eletrodensa chamada matriz, E fre- gitente observarem-se grirnulos eletrodensos (granulos densos) no seio da matriz com didmetro de 30 a S0-nm de estrutura «funcdo pouco conhecida. Além destes componentes, distin- ‘aue-se com certa dificuldade, no interior da matriz, uma ou mais regides filamentosas constituidas por filamento de DNA. Na matriz mitocondrial, em sua maioria presos membrana interna, existem ribosomas medindo 15 nm de d¥imetro (me- nores do que 0s citoplasméticos), denominados mizorriboso- Embora a estrutura bésica das mitocondrias seja a des- crita acima, existe grande variabilidade quanto a proporcao dos seus componentes. De um modo geral, a quantidade de cristas € proporcional & atividade respiratoria da célula; a densidade da matriz também segue esta relago. Nas célu- las do tecido muscular, por exemplo, encontramos mitocén- rias extremamente ricas em cristas e cuja matriz € muito densa (Fig. 4.4) ‘A analise da localizagdo das enzimas nos componentes das mitocéndrias foi facilitada pela técnica de ruptura dessas organelas e possibilidade de isolamento das membranas inter- nas, externas e matriz (Fig. 4.9). O estudo dessas fragdes demonstrou que as enzimas rela- cionadas com 0 ciclo do dcido citrico, com a B-oxidagéo de fcidos graxos © responsdveis pela replicacéo, transcrigio {tadugéo do DNA mitocondrial encontram-se na matriz mito- condrial. Na membrana externa estdo localizadas as enzimas ue intervém no metabolismo de lipidios. Na membrana inter- na encontram-se mais de 60 proteinas com as seguintes fungdes principais: 1 — enzimas ¢ proteinas que constituem a cadeia de transporte de elétrons. 2 —as proteinas que formam os corptisculos elementares ‘com atividade de ATP sintetase 3 — protefnas que fazem parte dos miltiplos sistemas de transporte ativo © especifico presentes na membrana in- tera. Estudos realizados em corpisculos elementares isolados sugerem que estes corpisculos, constituidos por varios compo- rnentes protéicos, tém atividade de ATP sinterase, sem a qual ‘a membrana nao teria a capacidade de acoplar 0 transporte de elétrons a sintese de ATP. 'Nos organismos procariontes nao existem mitocéndrias, ‘mas sabe-se que a cadeia transportadora de elétrons encon- ‘ra-se na membrana plasmtica. Esta relagao entre fluxo de elétrons, oxidacao fosforilativa e membrana parece ser um prinefpio geral de organizacao funcional em todos os seres vivos, sejam eles constituidos por células eucariontes ou proca- riontes. ‘TRANSFORMACAO E ARMAZENAMENTO DE ENERGIA 71 laa Mocéncristeolass or homogeneizago da ‘ella @contiugacso emgadente ‘externa por agdo detergent da digtonina Espage intermombranose Mombrana externa ragmentada Membrara interna CConteuco do expago ‘siermemoranoso Membrana externa ‘Contaide do espaco intermemeranoso Tratamento por detergente eamarsiceoo) omeriaoo 9) a ae eae : ° ee Qooo —— 00-00 = 6° 6 = O00 a ‘Membrana externa ae Ta es eee Fig. 4.9 Esquemailustrando um dos métodos uilizados para fracionar as mitocdndriss, 72 BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR A transferéncia de energia para ADP, transformando-o em ATP, deve-se a um processo quimiosmético A teoria mais aceita para explicar 0 acoplamento do pro- ‘cesso oxidativo mitocondrial com a sintese de ATP a partit de ADP é a teoria quimiosmética, segundo a qual os fons LH? (protons) produzidos no ciclo do acido citrico na matriz mitocondrial so transportados ativamente através da mem- brana interna e acumulados no espaco intermembranoso gra- sas & cnergia liberada pelos elétrons durante a sua passagem pela cadeia transportadora de elétrons, Este mecanismo & iustrado na Fig. 4.10. Em um tipo especializado de tecido adiposo (tecido adipo- so multiocilar) as células apresentam-se ricas em mitocon- drias e imimeras goticulas de lipidios. Estas células sdo especia- lizadas na produgio de calor, de importancia na defesa dos animais contra o frio e no acordar dos animais hibernantes. Esta produgio de calor ocorre 2 nivel de suas mitocéndrias que contém uma proteina especifica, a termogenina (termo, calor e gen, gerar). Esta proteina permite que os prétons acumulados no espaco intermembranoso fluam livremente de volta para a matriz sem passar pelos corptisculos elementares. Conseqiientemente néo ocorre sintese de ATP e a energia derivada do fluxo de protons € totalmente dissipada sob a forma de calor. A termogenina provavelmente tem um papel importante na obe sidade, ¢ a sua presenca explicaria aqueles easos de pessoas que ‘comem muito sem engordar. E sugestivao fato de que animais obesos apresentam menos termogenina nas suas mitocdndtias do que animais ormais, a0 passo que animais de clima frio ow submetidos ao {rio (€ que se defendem dele produzindo mais calor) apresentam teor mais alto desta proteina nos seus tecidos (Fig, 4.10) Transportes de ions e mitocindrias 0 grande acdmulo de mitocondrias em células que trans- portam fons, como é 0 caso das células dos tibulos contor- eados renaise das células parictais do estomago, sugere forte- ‘mente uma rela¢éo entre mitocOndrias e esse transporte, Este aciimulo de mitocondrias esti, nas células transportadoras de ions, sempre associado a abundantes invaginagoes da mem- brana plasmatica, o que aumenta consideravelmente a super- ficie celular. Nestas regides verifica-se estreito contato entre {as mitocdndrias (produtoras de energia sob a forma de ATP) as membranas ricas em ATPase, enzima que libera energia {que seré localmente utilizada pelas bombas iGnicas ai presentes cem alta concentracéo. Trata-se, pois, de uma disposigio de alta eficiéncia energética, ‘As mitocéndrias apresentam um genoma proprio que é reduzido, orém funcionante A anilise de células de cultivo de tecido por cinefotom crografia mostra que as mitocéndrias possuem a capacidade de se dividir in vitro, De outro lado, 0 estudo bioquimico destas organelas demonstrou que elas contém DNA, os trés tipos clissicos de RNA (RNA, mRNA e tRNA) ¢ RNA-poli merase, enfim todo o sistema quimico necessério para a sintese de proteinas, independente do citoplasma, De fato, mitocén ADP. ATP. ‘SORPDSGULO ELEMENTAR nde core um no reared de prone cup ene 6 patslmerte scum (20%) “Go dempececonscr™ ee ram 8Ettoon Bee ae fe een Sa tee areas moun arson, be comamoae de ‘rendu gra ner aves da. al on Fig. 4.10 Esquema ilustrando os mecanismos pelos quais a mitocéndria utiliza parte da energia derivada Jos alimentos acumolando-a sob a forma de enersia quimica facimente disponivel no ATP ou entio dissipa-a sab a forma de calor. A termogenina pode fundonat como uma espécie de vilvula de seguranca dissipando a energia em excesso derivada de alimentagio.cxagerada. O dinitrofenol, droga Que inibe a oxidagéo fosforilativa, age por ser um composto anfipatico (prende-se por uma extremidade a uma regido hidrofabicne pela outra a uma regido hidrofiica) que desorganiza a estrutura da membrana interna promovendo um fluxo rettOgrado de prStons sem, sintese de ATP. ig. 4.11 Eletromicrografia de DNA circular isolado de mitocondria de fibroblasto de camundongo, Em cima, 50.00% e, embaixo. 40.000%. (Cortesia de M.M.K- Nass.) drias isoladas in vitro contém sibosomas, sintetizam proteinas ‘eso consideradas, devido as caracteristicas mencionadas aci- ma, unidades auto-reprodutivas da eélula cuja replicagdo é independente da replicagio nuclear. © DNA das mitocOndrias {i visualizado, isolado e fotografado. O mapeamento ¢ locali- zagao dos genes mitocondriais jf € conhecido. Sabe-se que esse DNA se apresenta sob a forma de an¢is de cadeia dupla com uma circunferéncia de 5 a 6 am (Fig. 4.11). 0 DNA mitocondrial replica-se dentro da mitocéndria independen- temente do DNA nuclear ¢ da diviséo das mitocéndrias; de fato, varias eépias do DNA mitocondrial podem coexistir na mesma mitocndria. A fungio deste DNA é especificar a seqléncia de aminodcidos de algumas — mas no todas — proteinas mitocondriais, além de produzir os trés tipos de RNA (Fig. 4.12). De fato, sabe-se que a maior parte das proteinas mitocondriais € sintetizada no citoplasma em polirr- bosomas livres e da transferidas para as mitocOndrias. Este transporte implica 0 gasto de ATP, sugerindo que existe um mecanismo de transporte ativo destas proteinas parao interior ddas mitocéndrias. Calcula-se que 0 DNA mitocondrial ndo tem informacao suficiente para sintetizar, alm dos RNAs, mais do que 13 proteinas de peso molecular médio. Entre as proteinas sintetizadas nas mitocOndrias, citam-se subun- dades da ATP sintetase, do complexo citocromo be, e 2 cito- cromo oxidase. Origem das mitocondrias Dados acumvlados na literatura sugerem fortemente que ‘as mitocdndrias se originam na célula por auto-reproducéo, €enio por fusio de membranas oriundas de outras organelas. ‘A presenca de DNA e virios tipos de RNA e de um secanismo de auto-reprodugao prdprio nas mitocéndrias revi- vvew a hipdtese aventada hi muito de que estas organelas se teriam originado de seres procariontes aersbios (bactériss) ue estabeleceram relacao simbidtica com células cucariontes ‘Inaerdbias nos primérdios da vida neste planeta (v. Cap. 1). ‘TRANSFORMACAO E ARMAZENAMENTO DE ENERGIA 73 Fig. 4.12 Hustragio mostrando que as mitocOndrias tém um sistema genético proprio, porém modesto que gera proteinas relacionadas ‘com a replicasio do seu DNA e algumas proteinas da sua membrana interna, A maioria das outras proteinas (das membranas, da matriz ‘e dos ribosomas) tém origem nos poliribosomas citoplasmaticos © ‘migram dat para as mitocdndias. ‘Admite-se que desde 0 aparecimento dos seres eucarion- tes (hd aproximadamente 1 bilhdo de anos) as mitocdndrias tenham gradualmente perdido a maior parte do seu genoma tornando-se altamente dependentes de proteinas codificadas zno genoma nuclear. ‘© genoma das mitocdndrias humanas, por ser relativa- mente pequeno (quando comparado com o genoma dos cloro- plastos), ji foi completamente seqiienciado.. Ele fem 16.569 nucleotides formando 2 genes para RNA, 22 de {RNA e 13 genes que codificam para proteinas num total de 37 genes, dos quais 24 codificam para RNA. E interessante observar que se realmente 0 genoma das mito- céndrias originou-se de um ser procarionte, elas preser- varam principalmente aqueles genes necessérios para a sua autonamia, ‘Chama a atengiioo fato de que 0 cédigo genético mitocon- drial apresenta-se alterado, de modo que 4 dos 64 cédons apresentam significado diferente. Como durante a fecundagio apenas a cabeca dos espermato- z6ides penetra no Svulo,o ovo recsbe genes mitocondrisis originados ‘apenas da mie, caracterizando portanto uma heranca mitocondrial 74 BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR Fig. 4.13 Eietromicrografia de células HeLa cultivadas in vitro. Em A, de eélula-controle e, em 2, apds adigo ce 50 ugim de cloranfenicol Esta substincia inibe a sintese protéica nos ribosomas de animais procariontes e nas mitocéndrias. Observe que esta droga provacod ‘uma visivel diminuigdo na quantidade de cristas das mitocdndriss. B. A — 15.000. 8 — 22,000%. (Cortesia de R Lank, e 8. Penman. J. Call. Biol, 49541, 1971, Reprodugéo autorizada.) Um dos argumentos utilizados a favor da origem bacte- riana das mitocbndrias & baseado na observagio de que anti- bi6ticos que inibem a sintese protéica bacteriana também agem sobre as mitocéndrias (Fig. 4.13) Por que inibidores de sintese protéica mitocondrial podem ser utilicados como antibisticos sem prejuizo para os doentes? ‘A observagio de que alguns inibidores de sintese protéica mito- ‘ondtial iv vtro(testados em preparagoes mitacondriis previamente puriticadas) podem ser utilizados na prtiea médica como antibisticos _ pparece um paradoxo. Isto porém pode ser explicado devido a0 fato de que as circunsténeias in vivo (nos pacientes) sio diferentes das ‘Assim & que, de maneira geral,enquanto as bactérias se reprodu- zem rapidamente (em menos de I hora), as mitocOndrias se renovam lentamente (mais de 5 dias), permitindo que os antibisticos ajam nas bactérias antes de afetar sensivelmente a fungao mitocondrial ‘Alguns aatibisticos tém caracterstcas prdprias que explicam a sua possvel uilizagao clinica. Eo caso da eritromicina, que alravessa ‘a membrana bacteriana mas nao penetra na membrana mitocondrial interna (agindo s6 em fragbes mitocondriais). De outro lado, a tetraciclina se acopla 20 eilcio na medulla dssea, néo agindo eficiente- ‘mente nas suas edlulas que, devido a sun répida proliferaséo, si0 108 antibisticos, ‘A energia produzida e acumulada pela clas utilizada por elas na manutengio e no desempenho de sas fungoes O cicio geal esta esquematizado na Fig. 4.14, ‘As eélulas dos sores heterotaficos (heteros, outro € tro= phe, nutrigio) utilizam a energia dos alimentos. Nos vegetais auotréfcos (autos, proprio etrophe, nuttgao), gragas 20 pro- cesso de fotossintese, criam-se condigées que permitem pré- pra célula a sintese’de seus alimentos. Estes, por sua vez, so utilizados pelas células vegetais da mesma maneira que pelas eélulas animais (Pig. 4.15) Existem doencas por deficiéneia mitocondrial Existem varias doengas devido a disfungSesmitocondriais, dese tas na literatura. Seréo citados dois exemplos. O primeira é a daenga de Luft caracterizada por aumento quantitativo das mitocOndrias mus- culares em pacientes com metabolismo basal elevado simulando um hipertiroidismo, Nestes doentesaandlise bioquimica de suas mitocdn- dias mostrou que a oxidaséo fosforilativa esté parcialmente desaco- plada,expiicando a smtomatologia observada. 14 a miopatia mitocon- “drial infana, doenga fatal e acompanhada de lesio museular¢ disfun- {40 renal (as cllas renais e musculares sio ricas em mitocdndrits), £ resultante da diminuigéo acentuada ou auséncia de enzimas da (adeia transportadora de eletrons. Para a realizagdo de suas atividades, as células usam a energia obtida através da ruptura das ligagées covalentes das moléculas dos alimentos. As células das plantas e de raras bactérias sto autotréticas, sintetizando moléculas alimentares complexas, a partir de moléculas inorginicas e da energia solar. As demais células sao heterotr6ficas. Estas ndo sao capazes de converter em ligacdes quimicas a energia do sol, ndo sinteti- zam moléculas alimentares e, portanto, dependem inteiramente do alimento sintetizado pelas eélulas autotroficas para sua so brevivencia, ‘TRANSFORMAGAO E ARMAZENAMENTO DE ENERGIA. 75 Gloroplasto Degradagao do alimento ‘com liberacao de energia CO, @ HO ae ares seme a Fig. 414 Desenho ilustrando a captagéo de energia pela fotossintese, seu acimulo nos alimentos © « utilizago pelas eélulas a fim de realizar as suas funges (ciclo de energia na natureza) ORGANISMOS QAGANISMOS AUTOTROFICOS HETEROTROFICOS CCaptam a energa solar geranco Ccaptam enegia quimica resutante da cegradagso dos alimentos geranco terons com aia eneroia que sod ulzad pars transporter protons avaves de membrana ‘Semipermadvel eiando Um acimulo de protons, A ‘nergia grad por este gradient sor uilizada ee tamer page oe incktamenie va ATP pa Sivas claaros ‘tofetosemeteas nos or io epetertstoos Sitese de simon Proto do ses sores auorotens onor ‘eects es ra ‘coulares ‘son, as Bouminescénca ent igumas Provessce Sosenss Monmento Ge siiose ‘gourds teens Transpore a Fig. 4.15 Visio panorimica dos processos energéticos relacionados com os diversos tipos de células. A energia utlizada tem origem dirctamente da luz solar ou inditetamente, através da decomposigdo dos nutrientes. E interessante observar que em ambos os casos [gera-se um floxo de protons que cria um gradiente. A energia do refluxo destes protons pode ser ullizada imedintamente ou ser armazenada Sob a forma de ATP, composto que contem ligagses fosfato muito ricas em energia facilmente mobilizével pela enzima ATPase, abundante nas clas. 76 BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR Nas células, a energia dos alimentos € liberada gradativa- ‘mente e parcialmente transferida para as moléculas de ATP (adenosinatrifosfato), que contém ligacdes ricas em energia, As moléculas energéticas mais usadas pelas células so aglicose e dcidos graxos. Degradada na maiz citoplasmética, sem participacdo de oxigénio, pelo processo de glicslise anaets- bia, cada mol de glicose produz 2 moles de ATP e deixa como residuo 2 moles de piruvato, que ainda contém muita energia, Moléculas de piruvato e de ADP passam para a matriz. mito- condrial, onde também chega oxigénio da respiracio, ¢ 0 processo continua, formando-se acetilcoenzima A, que entra nno ciclo do acido citrico e no sistema transportador de clé- ‘rons. para produzir-mais 36,moles de ATP. Do ponto de vista do aproveitamento de energia, a vantagem da mitocdn- dria é enorme. Sem ela, a célula obteria apenas 2 moles de ATP por mol de glicose, Coma mitocdndria, o rendimento & muito maior. 4 ‘As mitocdndrias sao organelas arredondadas ou alongadas localizadas geralmente préximo as regiées do citoplasma que necessitam muita energia. Sdo constituidas por duas membra- nas, A externa é lisa e muito permedvel. A membrana interna éseletiva, controla melhor o transito molecular nos dois sentidos e se dobra formando pregas para o interior da mitocéndria, Estas dobras aumentam muito a superficie da membrana inter- nna, criando mais drea para o sistema transportador de elétrons que ai se localiza, O interior da organela, limitado pela mem- brana interna, contém a matriz mitocondrial, onde estdo as enzimas do ciclo do dcido crico A energia liberada a nivel da cadeia de transporte de elé- trons éuilizada transportando prétons da matris para oespaco intermemibranoso, onde se acumulam. Estes protons do espaco intermembranoso fluem de volta & mats através dos corpus. culos elementares,fluxo este cuja energia é convertida mo cor- prisculo elementar em energia quimica facilmente acessvel sragas @sintese do ATP a parr do ADP. ‘As mitocandrias possuem DNA e os trés tips de RNA, sintetizando algumas proteinas prépria, mas a maior parte delas é sintetizada no citoplasma e sob o controle do cbdigo genético do micleo cellar, senda, depois, ransportadas para @ mitocondria Bibliografia ALBERTS, B. etal. Molecular Biology ofthe Cell. 2nd ed, Garland ress; Now York, 1989. HINCKLE, P. C. and MCCARTY, R.E. How cells make ATP. Sei. Arm. 283-104, 1978 HATEFI, Y. The mitochondrial electron transport oxidative phos- phorylation system. Annu, Rev. Biochem, 541015, 1985, TZAGOLOFE, A. Mitochondria. Plenum Press, New York, 1982.

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