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7 Responder as necessidades A capacidade de cuidado pelo outro Curdae o Futures: Ur progeeic RCedical gate vier wiallron” GnurtsseS Tuctepeuckute Tywtloce’ © Qurclicdade de vide ,presicida pon He de Luados Mutessilge lisboe Ed. Teiuore, 319% D, Sideroy, Rissa Audicio Publica da Europa de Leste Onde encontrar o cuidado pelo outro? alidade 134. cUINAR O FUTURO ‘Tao pouco basta o peso das ideias ¢ propastas de peritos inter nacionais, de estudos ¢ publicagdes de toda a espécie, ou mes- mo das declaragies politica dos dirigentes mundiais. Para a politica si 1m sistema de va Nao se pode deixer & generosidade iniermi preocupagio de atingir uma melhoria sustentavel para toclos ~ elevar mil milhées de pessoas acima do nivel de sobrevivéncia — e preparar o lerreno para uma vida sustentvel nas préximas cinco décadas. A estabilidade durvel do ambiente ndo pode ser deixada a mercé da Iucide: e da boa vontade dos outros. Uma nova raofonalidada econémica, baseada no respeito pelo Natureza, e novos esforgos para estabelecer a equidade nao po- Gero ser deixados as raras pessoas que estio vitalmente empe- nhadas na mudanga. Todas estas acgdes devem ser prossegui- as, tanto individnalmente como colectivamente. O mundo pre- cisa do elgo mais do que de voluntarismo. Salientémos os porigos da erosdo da capacidade le carga do planeta, Vamos agora concentrar-nos sobre a eroso do cuidado pelo outro, uma dimenséo bésica da vida, sem a qual néo sere mos capazes de responder aos desafios que nos esperam. Ultrapassanda 0 con ido de uma sobrevivéncia apenas material, a Comissio acredita que tamos de estimular, nos planos psicolégico, espiri . a capacidade de cuidado pelos outros ¢ tomar essa capacidacle um tlos determi- nantes essencials do progresso e da sobrevivéncla, A aptidao para cuidarmos dos outros, que nos define como seres huma- nos, 60 cimento da sociedade, Precisamos agora de examinar se @ como as nossas «roservas» de cuidarlo palos outros podem ajudar-nos. Nenhuma viséo se torna real, nem pode genhar momentum, se nao houver um fio condutor ligando entre si as, ‘oxporiéncias de relacio a todos os nfveis, inte dos ricos & e ‘Mas, enquanto ética, © cuidado pelos outros requer uma mu: nga dréstica de paradigma. O dominio crescente da econo- mia de mercado tem lugar a expensas desse cuidado. £ certo que o desenvolvimento ecaném co nunca steve completamente RESPONDER AS NECESSIDADES 135 Isolado do desenvolvimento social, amas 0 objective principal lem sido 0 melhoramento des condigées materiais de existén- cia. Na prética, foi o aumento da produgao que ocupou o hugar central. Quando ha escassez dos recurscs, ¢ yvelmente 0 s. Os limites dos modelos de desenvolvimento tes na situagéo crit.ca de centenas de m hoes do pessoas excluidas e nas desigualdades socials que ge- ram sofrimento e provocam a ruptura de coesio social. A escassez. de recursos acebou por significar que a procura vos econémicas astreitos se to>nava prioritiria sabre a qualidade de vida, a seguranca, a equidade e a propria comu- nidade humana. A escassex. | }ém favoreciclo uma ex cessiva concentragdo sobre o weun, visivel nas aspicagbes indi- viduais e na luta pelo sucesso, iia busca do lucro, da riqueza, € do prestigio, © dos simbolos de estatuto social que dai 7 lam, A escassez despojou os mail jposicao simb de privilégio que algumas civilizagoes Ihes atribuiam, colo- cando em vez disso o poder no centro de muitas relagées. Es- {es factos tornaram ainda mais compleeas as perspectivas de resolver pacilicamente as dificuldades 2 0s conflitos que sur in naturalmente na soctedade. Contuco, sabemos que a ética do cuicado com o outro trans- conde a racionalidade econémica; & capex de se opor & influén- via do puro individualismo e da cupidez. Q cnidado por nds préprins, pelos outros ¢ pelo ambiente é a base necesséria duma mglhoria sustentével da qualidade de vida. Estamos hoje paralisados pelo paradoxo de que, por um ledo, parece que temas a capacidade para resolver virlualmente to- dos 0s problemas mas, por outro Indo, somos incapazes de o fazer, Por outras palavras, temos 0 co ¢ muitos dos meios necessérios (tecnologia, opcdes politicas, recursos finen- ¢eiros), mas néo temos nem o empe: vontade para agin. 14, ser mento nem a forga de fivida, muitos obstéculos ~ entre 0 ‘manos demiopia, ongulho e inér- # urgente e necessério um novo estado de espirita, a rejei- géo do|egoceritrismo.)Precisamos de uma ética envolvente de ‘aidado pelos nossos companbeiros de Lumanidade e pela nos- / sa casa comun, a Terra, 136 CUIDAR O FUTURO. Redescoberta do cuidado pelo outro 0 cuidado pelo outro, ume expresso comum, reflocte pensa- mentos e emocées simples: torna os humanos capazes de volar pela Natureze, de se interessarem activamente uns pelos on- tos, e de manterem a sociedade coesa. fo cuidado pelos outros que motiva atitudes © acgées que mostram a sua déncla, assim como a das suas comunidades @ nagbes; nin- guém esté isolado, mas sim consciente de uma fundamental altoridede., «Cuidar de» significa também apreciar e amar; ocupar-se dos outros, seguir de perto, alimentar. «Cuidar de» implica um com promisso que transcende a emocao e so traduz numa acgao que uultrapassa o dominio médico ou humanitério (lugares onde o tormo «cuidado» é usado desde ha muito), O cuidada pelos ou- los acrescenta-se a racionalidade para definir os comportamen- 'o, Cuidar é 0 oposto da indiferenca: implica comunicagio ¢ uma situagao de parceria ea que hd dar e rocaber. Como valor social, 0 cuidado pelos outros tem sido uma com Ponente clo comportamenta em todos os estédios da evolugio do ser humano. Os cuidados das maes pelos filhos; a atengéo prestada aos vulnerdveis, acs doentes e aos velhos. As grandos religides que suxgiram com as civilizagies agrérias deram wm Jugar especial aos valores centrais do cuidado, da caridade, até das esmolas, com espectal atengao para com os pobres @ dosti tufdas, os doentes, as vitivas- os drfdas. O cuidado pelos outros generalizou a compaixéo e a partilha, e algumas das religises estonderam estes sentimentos para além dos bumanos até toda @ Natureza, E, apesar disso, verificemos que, de cerlo modo, as activida- des resultantes do cuidado pelo outro tendem a ser menos res- peitadas e menos recompensadas do que a actividade produtiva da humnanidede. Pior, sio muitas vezes invisiveis (talvez por ‘que esldo mais intimamonte associadas as mulheres}, « A Comissao pensou que o euidado necer escondido. Mesmo quando nen associado ao cuidado pelo astro, a 0 ‘outro nao deve perma- alor monetario eslé dade deve estar cionte RESPONDER AS NECESSIDADES 137 do custo que teria de suportar se cada manifestago concreta desse cuidado tivesse que ser comprada. A necessidade de tor nar visivel o cuidado pelo outra ndoé apenas um imperative de justiga para com aqueles que ajudam os outros a viver e assim absorvem algumas das pressdes que se exercem no tecido soci- al. Se 0 cuidado pelos outros néo 6 considerado como uma di- nsfo da condigéo humana, seré mais dificil o roajustamento ‘0s nossos diferentes papéis na sociedade ~ na familia, na pro- {isso e nas responsabilidades civices. Continuarao as desiguel- dades entre homens & mulheres se os rapazes e os homens néo se empenharem nos cuidados pelcs outros como o fazem as sulheres. ‘A ética do cuidado pelo outro tem que manifestarse tanto publica como privadamente. Acabar com a pobrezo, restringir o ddesperdicio dos recursos, promover a qualidade de vida dos ou- tros: estes trés pontos sao a essénce do cuidado. E cuidar do ambiente é fundamental para a qualidade de vida e para a so- hrevivéncia, tanto para as outras esoScies como para a propria humanidade. For isso, podemos dizer que a capacidade de carga da Terra depende da capacidade do cuidado da Humanidade A importincia da atengaio ao outro ~~ @ sociedade que encarasse 0 cuidado do outro seria- mente empenhar-se-ia na discussao dos problemas da tir de uma viszo no de actores racio- , autonomos @ iguais, prosseguindo cada um 0 seu ‘ objectivo, mas sim de urra visdo de actores inter- dependentes, cada um dos quais cuida e € cuidado de 'muitas maneiras, prosseguind ivos que existem para do dominio do cuida- Joan Tionton, «Moral Bondariess Bolas consideragdes tém implicagies importantes para a demo- eracia © para a sua ovolugdo, Os sares humanos passam por poriodas em que sao dependentes, nio aulénomos, com os seus , 138. cuIDAR © FUTURO ireitos aparentomen idos. Nestas situagdes, seja como ividuos seja como grupos necessitam de recorrer a mais do que um sentido de justiga, @ mais do que um respeito form: pelos direitos humanos. O que é preciso é um novo hum: ‘mo, promovendo os direitos néo apenas em termos de garantias legais mas em termos da dignidade humana plena e inteira. 0 cuidade do outro pode ser, na verdade, a base para tel humanis- mo ~ porque todos nds sabemos que as leis nfo séo suficientes para a salvaguarda e promogio dos direitos humanos. As consequéncias para a democracia vio mais além. Gomoo cutidado se base’ nslante interacgao entre as pessoas, te nele proprio a capacidade de reforcar atitudes e préticas igual larias, e situa-se no oposto das relagbes de forga e do exercicio da autoridade, A nivel do Estado, cuidado significa promogio e proteccao da qualidade de vida, providenciando uma estrutira juste para a vida, Um Estado que nao respeita os direitos ¢, ipso facto, wm Estado desprovido de cuidado an outro e da atengéo ‘a0 humano. o lado do outro, elemento da moral Nao ha muito tempo, o ideal de cuidado como um principio guia da ética podia ter sido visto como brando e sentimental Mas quando observamos que a falta do cuidado nas sociedades gera inseguranga econémica, ia, © enfraquecimento da familia, da comunidade e at do ambiente, a iceia de cuidado ganha importancia de novol", Ha varias razies para isto, desde oalargamento da actividade humanitéria, dentzo e fora das fron- teiras nacionais, alé 8 exploracao filoséfica dos moralistas poli ticos. Um acontecimento que torna o conceito de cuidado mais actual ainda 4 0 debate académico no seio do movimento das uulheres desde os anos 80, sxacerbaclo pelo livro de Carol Gi- Hligan «in a Different Voices. O debate desenvolveu-se a partir da tomada de consciéncia ce que so as mulheres que esléo confinadas ao dominio do cuidado, como se a Natureza Livesse confiado sé a elas tal -arefa. Nao s6 6a mulher me as tarefas de aleng&o ao outro de que tralamos a d RESPONDER AS NECESSIDADES 139 também 6s mulheres que a sociodade atribui com mais fre- quéncia es responsabilidades de profissées como enfermeira, professora, ajuda ao domicitio, etc... © cuidado do outro emergiu também como um factor em los aspectos da tomada de decisio ¢ de governagio. Além do trabalho feito pelo Clube de Roma, dois relatérios recentes vieram realgar a importéncia do cuidado e de cuidar: “Our Global Neighbourhood», publicado pela Gomisséo para uma Governacao Global, refere nao apenas 0 cuidado como um das evalores centrais» que a ehumanidade res mente com o respeito pela vida, liberdade, justica, e respeito miituo e integridade), mas vai mais longe, afirmando que «A tarefa de governagéo & encorajer um sentido da cuidado do outro» = Uina Gomtissao Real clo Canacé, nos seus estudos sobre as questoes éticas e politicas nascidas das novas tecnologias de reproducao, escolheu a «ética do cuidado» como a sua orienta- ao de fundo, «A ética do cuidado», declare a Comissao, «garan- te que 0 argumento moral nao 6 somente, nem mesmo princi- palmente, 0 enunciado de regras para arbitrar conflitos de inte- resses», acrescentando que «a prioricade(...) € ajudar o floresci- mento das relagdes humanas, procurando prateger a dignidade do individuo ¢ o bem estar da comuaidaden, Quando o cuidado est ausente A auséncia do cuidado pelos outros nanifesta-se através da in- diferenca, da visio a curio prazo, da negligéncia. A negligéncia 6 uma falta de interesse pela quallidade de vida, que demonstra baixa prioridade para a saxide preventive e para a seguran- a humana. Treduz-se no facto de, quando hé economias orca- mentais a fazer, as despesas com os servigos de culdados de saiide e eclucagao serem as primetras a serem reduzidas. Negli- séncia equivale a fechar os olhos e os ouvidos aos problemas sociais, deixando crescer a pressdo rocial até que esta explode nna desordem, na violéncia, no crime sta alilude encontra-se geralmente em regimes autoritéri- 0s, mas as democracias néo the estdo imunes. A prossecugéo de 9 140 cUIDAR © FUTURO objec! -econdin.cos precisos (combate a inflacéo, equi- brio orgamental) com pouca atengao is repercussdes noutros objectivos fundamentais, pode ser interpretado como uma ma nifestacdo de indiferenga nas politicas priblicas. O horizonte a curto prazo 6 uma fraquoza das democracias: raramente se olha para além das proximas eleicées. As medidas governamentais desagradsveis sao geralmente tomadas nos pri meiros anos do mandato do governo, enquanto que o poriodo 6 devolado a wadogar» os votantes para as eleigdes seguin- tes. Na verdade, a conjugagao de horizontes de longo prazo com anos de ciclos eleitorais ¢ um problema que colvido palas democracies. No que diz respeito ao ambiente, a negligéncia tom sido a regra na maior parte das saciedades modernas; consentiu-se que os problemas croscessem alé um e, uma ver. alcanga- do, jé nio pode ser ignorado; permitiu-se, por exemplo, que al gumas espécies biologicas ti ficado reduzidas a pequenas bolsas de sobrevivéncia antes de soram tomadas medidas para a sua salvaguarda, ey ‘A antitese da atengao ao ontro é a relago de poder e de auto- ridade, que pode também levar ao abuso ¢ & agresso, Quan- do esta se inslala na familia, a v em vez de uma edu- cagio pacificadora, ameaga a seguranga das criangas (muitas vez0s até as stias vidas). Ein vez de satisfazer as necessidades da crianca, a agressao & repressiva. O abuso e a violéncia per- petuam-se; sabemos que os filhos de pais abusivos ou vio- lentos muitas vezes usam 0 mesmo tratamento na sua pré- pria descendéncia ou contra os sous esposos ou outras pes- s0as. E ao nivel femiliar, portanto, que a negligéncia toma o seu aspecto mais visivel: a ausés cuidado pelo outro, nascida da indiferenga que se substitu ao amor. Nesta situacao, a negli- agéncia dos pais conduz aum minimo de educagio, dando uma fraca proteccéo as criancas e exponclo-as & riscos desnecesséri 03, A negligéncia ¢ a violéncie @m os seus equivalentes na soci- edade. O Estado violento, por exemplo, ignora ou abusa dos direitos dos cidadaos, En vex de fazer concessoes, 0 Estado RESPONDER AS NECESSIDADES 141 ‘enfrenta os protestos com a repressio. As vitimas procuram, ganga ¢ a violéncia gora ainda mais violé ‘Vemos & nossa volta as consequéncias da negligéncia na so- ciedade; os jornais ¢ a televiséo relatam imente abusos, abusos que estao a dividir a sociedade, acentuando a criminal dade, alarmando as pessoas com a inseguranga, Nao é s6.a fami lia que enfraquece, 6 também toda a comunidade, os individu 08 fechando-se cada vez mais «na esfera privada». Num tal con- texto, nfo admira que o ambiente sofra, até aa ponto dle reduzir as reservas biolégicas, A escala mundial, a negligéncia sustenta sténcia da pobreza absoluta, a mé-nutrigéo, a doenga, 0 analfabetismo, o desequilibrio dos ecossistemes @ a crescente ameaga da alteragao do clirna Podia-se alongar a lista dos aci‘lentes que, no entanto, nao s € praticével, se houver governos que alarguem. as pers- uo se situam as stias decis6es e que estejam dis- postos a mnedir o tempo em décadas. Hoje, mais do que os gover 10s, slo membros da sociedade civil que trabalham para incul- cat a nogao ea prética do cuidado pelo outro. 0 cuidado dentro da sociedade, especialmente dentro da familia Annogiio de cuidado que se revela em todas as comunidades vivas, particularmente na familia, aparece idealmente como uma parceria entre iguais, uma relagao da dignidade que caracteriza lads os seres humanos, qualquer que seja a sua idade ou sexo lo implice igualdade, partilha de Fung6es, mesmo nos mais, diversos papéis sociais. O cuidado do outro é um ciclo sem fim que alimenta valores humanos tais como a auto-realizagao, a construgéo da auto-estima, a ajuda miitua material e esprit 4 proteccao de cada um contra o abuso e o medo, Nas famnslias onde prevalece a opressao sexual, temos visto & ironia daquelas que tradicionalmente proporcionam cuidado ~ tuulheres ¢ rapariges ~ sorem as iillimas @ receberem-no, Elas s%o também os habituais objectos ce violéncia ¢ cujo desenvol- vimento fica assim travado. E nas familias que nao beneficiam 142 cUIDAR O FUTURO de uma igualdade confiante sntre as garaydas, os velhos & os muito velhos estio muitas vezes @ mercé dos que delém der, na familia ou no Estado. O restebelocimento do equi social envolve uma re-ligacéo de Lodo o ciclo que une as crian- ‘cas aos mais velhos, permitirdo que as criangas compreendam que um dia sorio elas a proporcionar cuidado aqueles que ago- uidam delas. Tudo isto significa empenamento: o compromisso de esfor- go tempo, de recursos materiais, de boa vontade. © modelo exemplar 6 0 cuidado amoraso do pai ou da mie para com 0s filhos. A experiéncia e @ ciéacia ém mostrado a que ponto 0 crescimento da crianca depende do cuidado. O amor e a empe- tia asseguram o desenvolvimento da crianga até & tnaturidado airavés da prevencao contra os riscos de doenga e de ferimen- tos, ¢ tratando-os quando é recessério, Estes actos nao séo me- cénicos mas respostas as axpectativas da criangal © cuidado tlos pais entre os humanos 6 um longo processo ‘com miiltiplos aspectos: desde a dificil tuta do dia-a-dia dos pobres para a sobrevivéncia da crianga até aos néo pobres que {ém de proteger a sua descendéncia durante uns bons dezasseis a vinte anos. Além isso, 2 ainda muitas femflias que sto forgadas a olhar pelas suas oriancas tendo em vista a sua pré- pria seguranga na vellice, O cuidado do outro no seio da sociedade 0 cuidado que as familias podem proporcionar pode ser forte- mente afectado polo cuidads que a sociedade oferece. Nao se trata de paternalismo, mas d2 uma dependéncia doentia em re- lacéo ao Estado quo so encarrega de tudo, por vezes sem qual quer esforgo da parte do individuo, O nosso verdadeiro object vo 6, antes, uma sociedade jue tenha 0 cuidado suficienle de modo a que os seus membros cuidem uns dos outros ~ 0 que nos leva a uma sociedade que farilita as potencialidades e as iniciativas individuais. Cada aspecto do cuidado no scio da familia tem 0 seu anélo- g0 ao nivel social. A societade oferece 0 contexto dentro do qual a familia pode criar os seus membros; alimentanda-os, > RESPONDER AS NECESSIDADES 143 abrigando-os, garantindo-Ihes a seguranga; cultivando a igual- dade entre os dois sexos € a estabilidade da famflia, encorajan- doa educagio on « formacao, preparando o futuro, ¢ asseguran- doa melhoria da qualidade de vida no seu todo, A protecgao abrange servigos de satide ¢ outras formas do bom estar social, assim como a seguranga da lel e da ordem. Q. Estado em que hé cuidado pelo outro dé relevo A prevencao, como jf vimos nos casos da égua potével ¢ da sanidade pablica, combatendo a poluigio e impedindo o erime, dando importén- cia e ajuda ao planeamento femiliar Uma grande atengio do Estado 6 muito importante em termos de liberdade de reunigo e de expresso, de uma imprensa livre, Uma sociedade civil for- com organizagées néo governomentais de lodas as espécies & swalmenle importante pare 0 proceso democrético. 0 cuidado do outro trachuz-se tanrbém num verdadeiro em- penhamento, bem para além das declarages verbais, implican: do amobilizagao dos recursos de vérias espécies através do tem- po. Ja vimos como es metas bem definidas e a sua calendariza- gfo so titels na realizarao de abjectivos concretos, ligando « meta a alingir num tempo dado a uma acgéo que pode ser medi- dae avaliada, Do que muites soctedades precisam actualmente de ostruturas claramonte construfdes para tornar possivets tals acg6es, de modo a que cada um possa tomar parte directamente nas decisoes que mais o afectam: reparando as Tuas, construin- do uma nova escola, garantindo o funcionamento normal dos, servigos dade e boas condigies de trabalho e de la- zat, Podemos alé encontrar formas tctalmente novas para fazer nascer na sociedade o cuidada pelo outro. « A ampla aceitagdo internacional do plano de acco da Cimeira Social de Copenhaga traz uma mudanga radical de perspecti- :a politica e os objectivos econémicos nao sao jé tratados em exclusive, Em vez disso, invocando um «ambiente econémico favorével», 2 economia 6 vista agora coma um meio de prosse- outros objectivos mais abrangertes. ‘de Copenhage encontramos a expresso cla- jade agora concedida as pessoas, & pol jento sociel, ¢ ds condi¢des aconémi- rae frequente da a0 desenvol 9 144 cUDAR O FUTURO cas que fardo com que estes otjactivos possam sor atingidos. Os locar as pes- em consequéncia, «diti- no centro do desenvolvimento» ‘mento social sustentavel é necessério uma politica econémica saudével ¢ de longo alcance»*; «para permilir que as pessoas alcancem 0 desenvolvimento social», os governos empenham- se na «ctiagéo de u texto final de Copenhaga representou um recuo em relacao és declaragses verbais e mesmo até a compromissos que tinhar sido considerados como atingidos durante a ‘Apesar de todas as daclaragies, 08 p. clinados a subordinar o desenvolvimento soci econémicos. No fim do século XIX e princi as medidas soc aos objectives do século XX, foram introduzidas como comecgées as con as do processo econ ra os individu- agao se desen- uns anos mais jas socialmente volvia, as medidas larde como comy je ainda uma etitude similar ~ que consiste em como um :emédio tardio aos obje n6micos dominantes ~ nos recentes documentos ini relatives ao desenvolvimento. A anélise das estratégias das qua- tro Décadas do Desenvol 9 IDFR AS NECESSIDADES 145 fas para dar lugar ao desenvol- ‘mas ostes pasos, muitas vazes, seguiram medi- das muito detalhadas de politica econémica ~ com cléusules tais como so objentivo final do desenvolvimento é proporcionar idades crescentes a todas as pessoas para uma vida orn", A estratégia para a Tercsira Décadla do Desenvol ‘mento (1981-90) destacava, na sua ill dada uma énfase p: de satide», eis wpoliticas da populacioy. Mas tais politicas eam colocadas, jexto Uo remoto que no podia deixar de ios daf resultantes» sugere que se 1a dependéncia do desen- volvimento econémico, atribuindo- baseada mais na copgde reaparece através do texto da estratégia de desenvol mento global, revelando que a comunidade soube dar as pol reconheceu, implicando mudancas io proceso econdmico ~ mais do que dependendo ce um 146. cuIDAR oO FUTURO contrério, sabendo bem que os direitos sociais devem ser defen- didos © promovidos em pé de fgualdade com os direitos civicos ¢ politicos, os Estados europeus procuram rever os mecanismos que permilam ao Estado cumprir as sues obrigagoes. f necessé- rio um novo pensamento para quo 0s vérios passos que deram origem ao Estado-Providéncia possam conduzir a novas bases para o Estado caracterizado pela atengao ¢ pelo cuidado social. ‘A Comissio est convicta de que o conceito de cuidado do outro, com toda 2 atengao que requer para as necessidades reais, dos individuos e grupos, com. a resposta que implica a essas, necessidades, 8 com a coeréncia face ao compromisso a que ele conduz, constitui uma base adequada para este modelo de ac- Go social no futuro. Pode dizer-se que o cuidado pelo outro vence a eficacia econémica camo tinica factor em jogo. Os paises industriais e os pafses em desenvolvimento de- vem estar juntos neste esforgo, que ajudaré a confirmar que 0 Estado é, do ponto de vista sccial, um Estado do cuidado pelo outro. Politica social como politica publica As politicas sociais sfo a expressao visfvel e politica do Estado que exprime o cuidado na solicitude para com todos, Antes da industrializagao, a politica social estava ausente das fungoes do Estado. A educagio ere assegcrada por uma combinagéo de far- as culturais, religiosas ¢ filantrépicas, Os cuidados de saitde pram o campo de actividade de associagdes humanitérias ¢ de Com a Revalugao Industrial, o Estado liberal deixou as me- didas vagamente identificaveis como «sociais» nas mios de vé- ios (muilas vezes opostos) grupos de interesses ou de pessoas mizava ou simplesmente ignorava os desafios s0- |, como érbitro supremo na sociedad, que compe- tia garantir a igualdade entre os seres humanos, embora se man- tivesse sempre @ um nivel abstracto No decorrer do século XX, as pol 28 socials so intogradas » RESPONDER AS NECESSIDADES 147 nes politicas piblicas. A reconstrugio que se seguiu a Primeira e Segunda Guerras Mundiais propoicionou novos contextos fa- vordveis para a introduce de politices sociais. A instituciona- lizagéo de polftica social surgi, de facto, do um esforgo conti- nuado para minimizar os custos humanos da industrializagio: olhorando as condigbes de vida ¢ 1e trabalho, dando um me canismo de compensacao para os riscos que corriam os opes 08, Pouico @ pouco, o Estado entrou no campo das bene! sociais (por oxomplo, o subsidio de Jesomprogo), sob a presséo constante dos grupos dle interesses, nomeadamente os sindica- tos, Ai surgiram também os acordos colectivos entre o patrona- to ¢ os sindicatos, ‘As «politicas sociais» de hoje eam a principio considera- das como respostas & «questo social», io., a problemas soci ais concretos. Longe de serem um conjunto de medidas com vista a resolverem um problema especifico, es novas p ‘cas foram decididas e prosseguidas em resposta a causas que provocavam desordem e mesmo confrontos; eram o reflexo de uma tensdo permanente nas relacées de poder. A m zacao social parece, na verdade, mais efective em tempos de pressao socio-politica, quando 0 Estado e a sociedade so obrigados a reunir esforcos para (como nas recorda Boaven- ture Sousa Santos num recente trabalho na Revista Critica de Ciencias Sociais} responderem as novas exigéncias fundadas num principio de eredistribuigdo de recursos-como-igualda- des. Os benoficios que este proceso essegura surgiram na esteira de uma mobilizagéo de actores que se sontiam deixados para trés enquanto o resto da nagao progredia economicamente. O sistema de polition social que resulta desta relacao entre o Esta- do, a sociedade civil ¢ o cidadéo ¢ 0 que designamos hoje por Estado-Providéncia, Apareceu, de modo geral, em consequén- cia das caracteristicas das diférentes sociedades die cada nagao. procasso esté longe de ser completo: na maior parte dos paises 05 benelicios sociais resultam de uma conquista a que se chega por uma acgao social forte, Em alguns paises a propria educagéo nfo é ainda gratuita; nontros, embora tenham sido votadas as leis adequadas, no hé fnanciamento para servicos tais como os cuidados primérios de saitde » 148 CLiaR G FUTURO waradloxal que a transi¢ao experimentada na Europa Cet tral o de Leste tonha trazido uma inversao da evolucao da poli- tica social no passado, mantfestada no recuo no plano social e no empobrecimento da populagio. O que parece ainda mais desconcertante, é que o mundo de hoje nao seja capaz de en- contrar uma perspectiva global que permita fazer face & pobre- 7a, 90 desemprego € &s outras necessidades urgentes que vao nascer do aumento previsivel da populagio. Como um niimero crescente de paises se empenham em vas- tos programas de desenvolvimento econémico através da in- dustrializagao, a Comissao sugere que prossigam 0 modelo do Estado movido pelo cuidada do outro — pelo menos como um ponto de partida para o desenvalvimento das politicas necessé- rias para enfrentar a privagao social, a seguranga social e a equi- dade. No entender da Comissao, 0 modelo do Estado-Providén- cia nao se identifica hoje com os primetros periodos da indus- trializagao. Lim verdadeiro Estado-Providéncia é, antes, um Es- tado do «cuidado do outro» que confere a mais alta prioridade a politica social e mobiliza os meios materials para a pOr em pri- tice, © compromisso do Estado na politica social Vimnos ja que 0 aparecimento do Estado-nacio ‘mais antigas poltticas sociais adoptadas pelos freniaram as lens6es sociais trazidas pela industrializagao, As- sim 6 facil compreonder por que é que tais politicas nao foram formuladas em paises onde o 3stado-nagéo ainda osté a tomar forma, ou onde a industrializacao est& nos seus comecos. Além disso, tondom a aparocor outras formas de tenséo social ~ tais como conflitos 6tnicos ou religiosos ~ @ estes nem sempre so favordveis & promogao dos direitos sociais pelo Estado. es com que muitos paises se confron- flicas sociais destinadas a promover {educacao, satide, trabalho, etc.) onde as con- dices so completemente diferentes daquelas que deram ori- protecgio social jd familiar para muitos de nds? Devers a incidiu com as tados para en- » RESPONDER AS NECESSIOADES 149 iva a este respeito? Naa ser es- lade civil forte? Ou poderemos as- sumir a hip6tese de que o Bstado nac 6 incitado a agir e menos que surjam tensées sociais fortes? 0 Bslado-Providéncia 6, por definigio, um Estado atento ao cuidado por todos. Dé as families ¢ as comunidades as condi- goes necessarias para que tenham a capacidade de cuidar de si proprias e do ambiente. Assim, ajudy na prevengao e na prepa- ragio das pessoas a ajudarem-se a si proprias. Deve permanecer sempre atento quaisquer que sejam zs dificuldades quanto aos recursos disponiveis e as exigéncias da gestao piblica. Estedo-Providencia colocou no centro das sues politicas, om resposta as varias necessidades sosiais, a ideia da oferta «pra- tuilay com 0 objectivo de nio-comercializagao de cerios bens & servigos. Para o conseguir, 0 Estado criou muito cedo grandes administracbes ¢ instituigdes que se presumia que iriemn orga~ nizer, gerire distribuir esses bens ¢ servigos. A lendéncia inver- teu-se durante os anos 80 om alguns paises europeus e na Amé- rica do Norte, pois alguns servigos até af sob o dominio pablico foram privatizados em nome da oficisncia ¢ da economia, Ho} reconhece-se, cada vex mais, que o Estado ndo tem necessida de fornecer os servigos directamente; em vez. disso, 0 Estado pode actuar como facilitador @ cata.izadior, som abandonar os sous deveres normativos e reguladores, nem as responsabilida- des de cujo exercicio deve prestar contas. ‘As alteragdes na composicio demogrifica tém pacto na politica social. Menores texas de fert esperanga de vida nos pafses industrializados esto a avolumar o grupo etario de mais de 65 anos, Este facto aponta para a ne- cessidade de estruturas de distribuicao de cuidados intensivos (ecaros) ¢ de ajuda doméstica, permitindo um novo significado para a vida depois da reforma. A mudanga do «ratloy entre as pessoas que trabalham e as que estao fora do mercado do traba- Iho poe em risco, além disso, a viabi dade futura de muitas das realizagées da Estado-Providéncia. ‘As ligdes da Europa de Leste mos.ram que a retirada do Esta- do de alguns aspectos da politica social e o desmantelamento de instituigdes encarregadas de administrar a polftica social vi- eram cedo demais, foram demasiado abruptas e desordenadas. 4 150 CUIDAR © FUTURO Como resultado, o sistema dz proteccio social fragmentou-se, dissolveu-se e, am alguns casos, foi destrutdo. os A Comiisséo mantém que a politica social reside no centro da responsabilidade do Estado. ssa responsabilidade pode tradu- zir-se, segundo as circunsténcias, por programas sociais pro- activos levados a cabo por verias instituigGes da Estado ou por acordos com a inicietiva privada, no quadro de uma estratura reguladora que assegura a eqnidade, Se um governo central néo assegura o financiamento de compromissos do Estado, as res- ponsabilidades deverdo entio ser atribufdas aos nivets mais baixos do poder governativo, de harmonia com o principio da subsidariedade (devolugao da trabalho aos niveis mais baixos ¢ préximos da zona de aplicagio da politica seguida) jurgem novamente aqui cuestées incémodas. Como atribuir a1 recursos para erradicar a maldicao da pobreza? Que incitagies permite mobilizar os recursos necessérios as medi- das de saiide e educacio qu2 sao essenciais durante as transi goes demogréficas? Como encontrar o justo equilfbrio entre a privagao e 0 consumo supérluo? Como desperlar 0 bom senso para evitar 0 desperdicio, impedindo a degradacao ambiental? Para conseguir a mothoria sustentavel da qualidede de vida, « investimento social deve estar no topo da lista das priorida- des governamentais. Na vercade, fot esta a principal mensagem da Cimeira Mundial para o Desenvalvimento Social. ‘Tam sido aliamente proclamado 0 empenho em eliminar o desemprego, ‘em assegurar 0 pleno emprego ¢ a integracao social, em respei- tar a igualdade e @ equidade entre os sexos, em aumentar os recursos atribuidos ao desenvolvimento social, em gorantir 0 acesso universal (¢ equitativo) a educacdo ¢ os cuidados pri mérios de satide, em acelerar o desenvolvimento de Africa 6 dos paises menos desenvolviqos, e em fortelecer a cooperagio internacional no desenvolvimento social. A implementagéo de todos estes compromissos 6a tarefa essencial da governagao de hoje. ‘Nem todas as politicas sociais teréo 0 mesmo Impacto nos processos do transicio demogralica. Na educagao, na satide ¢ ‘no emprego, uma-accao urgente e crialiva terd resultarlos direc- ) RESPONDER AS NECESSIDADES 151 los, Ea velocidada a que tudo isto pode ser feito determinaré o proprio cardcter da transigdo. A Cimeira de Copenhaga proporcionow um sélido comego, para sor seguide muito a sério. A Comissao incita a esforgos, intansivos, para que sojam alteradas prioridades orgamentais ¢ para que se prossigam novos objectivos de modo « combater a exclusao social ~ uma situagéo oclicsa em Lodas as suas dimen- ses ¢ a qualquer nivel. ‘A Comis ibém considera imperativo que o Acordo de Copenhaga soja implomentado sen. demora. Por este Acordo, ladas os paises se comprometeram a delinear estralégias para reduzir a pobreza, ¢ a inchuir medidas para remover as barrei- ras estrulurais que impedom as pessoas de esceparem & pobre- 2a, danto dos Fiites de tempo epropriados a cada contoxto mal ida pafs deve produzir, com a participagéo da sociedade {inico plano nacional de dasenvolvimento social; este deverd cobrir todos os principais aspectos da qualidade de vida ngas, pobreza, trabalho, alimentaco, habitagao, acho, satide e direitos reprodutives), ex ido as estra- \égias a serem usadas a favor dos mais pobres @ dos grupos mais marginalizados. Deverdo ser inclufdos metas e calend: 98 @ uma especificagio dos indicadores a tisar para avi progresso. Deveriam ser delineadas pelas autoridades locais ver- também com uma forte participagio popula dade internacional dove facilitar este esforgo. De- veré ajudar a remover obstéculos, tals como uma divida dema- siado pesada ¢ fornecer recursos-c1ave para ajucar os paises vidos a agir eficazmente, Assim, poderd ser criada uma nada para tornar compativels @ economia glo- bal o 0 uso sustentavel dos bens comuns globais (por exemplo, 5 oceanos e a almosfera). it regio ao é maivr do rf. Veto @ povo era engznado por coisas nows, izes brithantes. As luzes eram eolocads para fins comerciais. Por que os « povo? Oh! As escolhas as escolhas ie fizemos, para melhor e para pior. O capital veio para a nossa terrae alguns nde antes 152 imbabwe "ob Bhonyamn Group, Zimbabwe ice Austra ‘Audigio Péblica da Vishnevsky, Moscavo ‘Audigfo Pablica da Buropa de Leste i995), ‘a Lifferent Voice (Cambridge, Mass., Har Terceira parte De uma nova visao a politicas concretas

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