Você está na página 1de 1

A vida vista da cela

Por ser rara, a sada de um "pioio"( nome dado queles detentos que,
sentenciados a penas superiores a 20 anos, passam a maior parte da vida na cadeia. Ali
casam, tm filhos, netos, s vezes bisnetos) acaba despertando o interesse "sociolgico"
de gente habituada rotina do sistema carcerrio. "Quando o detento passa pelo quinto e
ltimo porto, a expresso dele muda completamente; alguns agem como se o mundo
ameaasse engoli-los", descreve Jesus Ross Martins, 38, diretor da Casa de Deteno.
Martins conta que costuma interromper o trabalho para acompanhar essas raras
libertaes da janela de sua sala, no primeiro andar. "Ele olha para trs, para os lados,
para cima, mas no sabe ao certo aonde ir. Se no tiver ningum esperando por ele, fica
ali, esttico, por 10, 15 minutos, como se o tempo fosse dar-lhe uma direo."
Para o especialista em criminologia Roberto da Silva, 42, esses homens perdem
mesmo o senso de orientao geogrfica e, depois de dcadas cercados pelos mesmos
muros, no tm a mnima noo dos pontos cardeais.
"Na rua, no sabem tomar nibus para lugar nenhum. Perderam os referenciais:
onde antes vivia um velho conhecido, h tempos foi erguido um shopping", conta Silva,
que entrevistou 240 detentos entre 30 e 59 anos para escrever a tese "A Eficcia
Sociopedaggica da Pena de Privao da Liberdade", defendida em agosto, na USP.
Silva diz que, quando perguntados sobre o que perderam na vida encarcerada, 57
cravaram "noo de tempo". "Perder a noo do tempo", no caso, como definem o
sentimento de se sentirem ultrapassados, desatualizados. O tempo passou, mas ele s
viu da janela ou pela TV.
(Roberto de Oliveira. Revista da Folha. Folha de So Paulo. Setembro/ 2001.)

Você também pode gostar