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pesquisa e planejamen economico volume 13 @ abril 1983 © numero 1 Confissdes de um dissidente: a estratégia do desenvolvimento reconsiderada * Aunert Hinscuncan ** Bite arigo representa uma reevalagto evita, por porte do autor, do significado do conjunta de sua propria obra, bem como ma reflesdo sobre especios cruciis de sue trejetéria intelectual av longo dos slimes 40 anor. Enfate especial € conferida a fproblemérica da desenvoluimento, & reconsidera, por parte autor, do que permanece de valida em sua pioneira contibuisao « a quesiéa dos uses — devidos ¢ indevides — que foram dadoe @ seus conctitos sobre © proceso de desenvolvimento econdmico. Oniginariamente pensades para foises * Ext trabatho, em sua versio original em ingls, ver’ publicada em Gerald Meier © Ducley Seer. els, Pioneers of economic development, Oxford University Pres, para o Banco Mundial. A Filioria de PPE agradece 20 Diretor de Publi ‘axties do Banco Mundial, James Feether, pela autorizagie para a edigio deste trabalho em portugués, A iradugio nfo foi revista pelo autor. (N- do E) ** Do Institute for Advanced Study, Princeton, Estados Unidos, Beem oes ee eeC se erect Peg, Plan, Boon, Rio de Jonci, —49() «da gB abr 18S ais etrsais, maitas das idan do auior to hoje surpreendente relevéncia ‘para os termos en que estd colocada a discusséo sobve ejuste extratural € politica ccondmice nos pales mois avangados Ah! © que acontecen a vocds, escritos € pincelados pen samentos meus? Hi nio muito tempo eram tio coloridos, jovens © malicioses, to plenos de farpas € temperos, a tal onto que me faziim espirrar © rir... F agora? Uma vee ja espalhadas suas novidades, alguns destes pensamentos, reccio, esto a ponto de se tornarem verdades! Tao imortais ja aparentam ser, vio tristemente honoraveis, tio tediosost Nucrzscu 1 — Introdugio A primeira reaglo que tive ao receber 0 convite para participar deste simpésio, na qualidade de um dos “pioneizos” originais, a0 Jado de eminentes figuras da economia do desenvolvimento, tais como Raw) Prebisch, Gunnar Myrdal, Arthur Lewis © outros, foi de surpresa. Nao que ew duvidasse da minha qualidade de emi- néncia, mas pelo fato de que ainda me via, no meu intimo, como tum dissidente de segunda geraro quanto as proposigdes que, en hora novas © heterodoxas, moldavam-se ao longo dos anos 50 como uma nova forma de ottodoxia em toro dos problemas do desen- volvimento, ‘Teriam minhas idéias, outrora ousadas € rebeldes, se tornado classicas, respeitaveis, isto é, “wistemente honoriv diosas", no sentido evocado pelo lamento de Nietsche? Talver. De qualquer maneira, fazse necessirio que eu reveja a imagem que tinha de mim mesmo, Vista em perspectiva, minha dissidéncia, ainda que forte, enquadravase na categoria de uma interpelacio, feita no Ambito de um movimento geral de idéias que se eslorgava por estabelecer a economia do desenvolvimento como um novo 2 esq, Phan, Econ. 13(1) abr. 1983 ‘campo de estutlos ¢ conhecimentos.* Minhas propostas eram pelo menos vio distanies da velha ortedoxia (posteriormente designada ‘como economia neoclissica) como 0 exam das novas. Em retrospecto. @ apenas natural que meu trabalho seja identificado com os mesmos escritos que eu escolheta como meus alvos originais No ensaio anterior? eu expusera, da maneita mais objetiva que ca puile estruturar, acerca do desenvolvimento de nossa disciplina, Repetindome vio pouco quanto possivel, farei nesta conferencia exatamente © contrétio: ela seri completamente subjetiva ¢ cen- trada sobre sii mesma, Tentarel em primeiro Tugar apresentar 0 background pessoal ¢ 08 principais motivos que levaram as posicées que tome no Strategy (1958). Apreciarci, a seguir, os prineipais temas abordados naquele livro sob a luz dos desenvolvimentos subseqiientes € da relevncia atual. — Desenvolvendo um ponto de vista 2.1 — A experiéneia do Plano Marshall ¢ outros antecedentes. pessoais, ‘Nada como uma boa est6ria a fim de emprestar autoridade a uma meiaverdade. Por muito tempo, quando me perguntavam acerca © Exisem outros “interpeladores". Um notivel exemplo de convergtecia com 6 mow pensamento encontra-se no attigo de Paul Strecten, “Unbalanced growth”, Oxford Economie Papers (New Sevies), 1167-9, jun. 1954, Exte artigo ¢ mew livo feujo titulo a0 ser escrito fora, por muito tempo, "The economies (of unbalanced growth") foram crits independentemente. Soube por Paul Strecten que a impresio de seu artigo atvaura-se por vivion meses, devido # ‘uma greve dos gritices. No fox sto, a defesa do creacimento desequilibrade teria sido publiads antet da-mivha 2 "The rie and decline of development economics", publicado em £iseye in trespassing: economics to. polities and beyond, Cambridge © New York, Cambridge University Press, 1881, Cap. 1. Varias sero as referencias feitas aqui este lito, assim como a0 Sirazegy of economic development © também 30 4 bias for hope: essays on development and Latin America, New Haven, Yale University Pres, 1981, Ax abrevingies serdo. Trespauing, Sivetegy © Bias, A Gstraégia do desenvolvimento reconsiderada 3 da maneira pela qual viera a defender as opiniées propostas no Strategy, minha pronta resposta era: “Ful para a Colémbia em principios de 1952, sem que tivesse qualquer conhecimento prévio = ou alguma leitura — sobre desenvolvimento econdmico. Isto se tormaria uma verdadeira vantagem, j& que me permitivia observar ‘a ‘realidade’ sem preconceitos tebricos de qualquer espécie. Quando retornei aos Estados Unidos, aps quatro anos e meio de experiéncia intensiva como assessor governamental ¢ consultor privado, comecei a ler a literatura pertinente e descobri que havia chegado 2 um porto de vista proprio e que era bem discordante das doutrinas correntes”. Esta € uma agradivel explanagio dos fatos, ¢ nao inteirameme Isa, Hoje, contudo, gostaria de contar uma estéria mais complexa. De fato, a0 vir para a Colmbia eu ndo havia lide muito da literatura sobre desenvolvimento, entdo existente.® Contudo, ett cstivera justamente trabalhando até ento, com intensidade © entu- siasmo ocasionais, sobre problemas do posguerra quanto & reestru turagio econémica e 4 cooperagio na Europa Ocidental, como economista do Federal Reserve Board, de 1946 a 1952, Lidava em particular com a reconstrugio econdmica da Franca ¢ da Tilia ¢ com varios esquemas para a integragio econdmica européia, tais como 2 European Payments Union, que eram centrais a0 conceito do Plano Marshall, Sai desta experiéncia com as seguintes impresses ou conviegées: a) As preserigdes ortodoxas de politica econdmica para as estranguladas economias da Europa Ocidental — controle da in 8. Ew havin partcipado de oma conferéncla sobre desenvolvimento, que se realizow em Chicago, em 1851, € que foi panicularmente importante pelo fato dle que ela participaram alivamente alguns eminentes antropélogos, asim camo pelo fato de que foi nesta ocmiso que Alexander Gerschenkron revelou x sun obra-prima: Economie backwardness in historical perspective, Os Anais to Congreso foram publicades ob 0 teulo The progress of underdeveloped freas, editado por Bert Hoseltz, Chicago, Chicago University Press, 1952, ¢ sa publicaglo eu maeamo contribuiria com wm ensaio inttulado "Effect of fndustrislcation on the markets of industrial countries", isto é sobre um tema bem distante da economia do desenvolvimento como tal, O Congreso cimularia men interese em torno dos problemas do desenvolvimento, 4 Peag. Plan, Beon, 13(1) abr. 1983 flagio, correcio da taxa de cambio — eram, a longo prazo, freqiien: temente ingénuas do ponto de vista politico, socialmente explosivas ¢ contraproducentes economicamente. Os advogados da ortodoxia pareciam “niio haver esquecide e nem aprendido nada” desde a Grande Depressio. b) Quanto aos inovadores, que merecem aédito permanente pela ctiatividade do receitwario proposto incorporado no Plano Marshall, ¢ que para justifici-lo propuseram novas doutrinas, tais| como a “escassez estrutural do délar", logo tornaram-se inde mente doutrinarios. Estes inovadores exibiam uma tendéncia, talver imevitivel, que cera a de levarem suas idéias e a si mesmos demasiadamente a sério, Isto era particularmente compreensivel € verdadeiro no que dizi: respelto As. suas projecies dos balangos de pagamentos, j& que a ajuda era dada em proporgio aos deficits previstos, de tal forma que 05 exercicios de projegio assumiam crucial importincia politica fe econdmica. A fim de sermos efetives advogados frente 20 Exe. cutivo € a0 Congreso, tinhamos que exibir uma confianca naquelas cestimativas estatisticas muito maior do que aquela que era_per- mitida pelo curto alcance de nossos conhecimentos e previsoes, gerando uma situagio “incongruente” ¢ que levava alguns ao char- Iatanismo, enquanto outros adotavam uma atitude ativa de desa- grado em relagio a todo © procedimento, com 0 conscgiiente afas- tamento. Além disto, a fim de serem desmentidos tio pouco quanto possivel pela realidade emergente, os administradores do Plano Marshall tentaram fazer com que suas estimativas se materializassem, caltivando com tal finatidade um interesse todo particular pelos planos e politicas internas que determinavam a situagie das contas externas dos paises recebedores de ajuda Durante os seis anos que estive em Washington alinheime, de forma geral, com os inovadores, mas nao sem algumas reservas. Das experiéncias francesa € italiana que eu vivenciara nos anos 30, permanecera um saudivel respeito (baseado nas desventuras da cia do sistema de pregos, par- icularmente em relagio ao eftito das mudangas da taxa de cimbio economia francesa) quanto & efici A estratégia do deservokimento reconsiderada 5 sobre © balango de pagamentos; * ficara, por outro lado, uma des confianca (haseacla na observacio da politica econdmica fascista na segunda metade dos anos 30) dos controles em tempos de par ¢ dos planos grandilogiientes, Tendo também estudado a expansio da influéneia da Alemanha navista sobre a Europa do Leste e Sudeste, que servitia de base para meu primeira Livro, National power au the structure of foreign ade (1945), eu adquitira uma sensibili- dade especial em relagio & propensio de paises grandes e poderosos dominarem os paises mais fracos através de transagSes econdmicas. Sentia, por conseguinte, uma natural aversio quando os administra. dores do Plano Marshall. pressionavam agressivamente no sentido de imporem seus pontos de vista em torno dos planos ¢ programas julgados apropriades para os paises beneficiados pela ajuda, tais como a [tilia, Eles assim agiam com a melhor das motivagoes — procuravam sinceramente no apenas os deficits “cortetos” para 0 balango de pagamentos, mas também uma economia mais prospera ¢ tama sociedade mais justa. Contudo, talver justamente porque se sentissem isentos de interesses imperialistas, os administradores da ajuda sentiamse também justificados quando perseguiam seus objetivos de forma imperativa, Por sorte, esta fase durow apenas uum curto periodo de tempo, até 0 término da ajuda do Plano Marshall 4 Furopa, surpreendentemente dentro do. prazo estabe- lecido pelo cronogtama, isto 6, cinco anos, pondo também um fim a muito da “influéncia” americana. 2.2 — Indignagio contra uma missio na Colémbia Desta forma, jd vim na verdade para 2 Colémbia com alguns preconceitos. Durante os meus primeiros dois anos (20 todo per- maneci mais de quatro anos, de prineipios de 1952 a fins de 1956) exerci o cargo de assessor econdmico e financeiro do entio recen. temente instalado Conselho Nacional de Planejamento. O Banco Mundial recomendarame para este cargo junto ao governo colom- iano, embora cu tenha sido diretamente contratado por este. O 4 CL men artigo "Devaluation and ude balance: a note", Review of Eco: nomies and Statistics, fev. 1989, que foi um resultado tardio daguels experiénca 6 Peog, Plan. Eson. 1341) abr, 1983 resultado disto foi uma certa ambigiiidade administrativa, que me proporcionava uma certa liberdade de agio; eu era contratado do governo colombiano, mas mantinha wna relagio “especial” com 0 Banco Mundial, 9 qual tivera participagio ativa na criagio do Con. selho de Planejmento e em minha posterior contratagio. Minha indinagio natural, quando assumi © cargo, era a de me cenvolver em vérios problemas concretos de politica econdmica, com fa intengio de aprender tamto quanto possivel acerca da economia colombiana, ¢ na esperanga de contribuir marginalmente para o aprimoramento da polttica econdmica. Mas logo viria uma instrucio do comando do Banco Mundial no sentido de me esclarecer que 0 que esperavam de mim era basicamente a iniciativa de formular, Togo quanto possivel, um ambicioso Plano de Desenvolvimento Econdmico que especificasse as metas de investimento, poupange interna, erescimento e ajuda externa para a economia colombiana nos préximos cinco anos. Alegavase que tudo isto seria bastante simples para especialistas com dominio das novas téenicas de prov gramagio: existia agora aparentemente um conhecimento adequado, mesmo sem um estudo mais detido das circunsti as locais, sobre mites provaveis da taxa de poupanga e da relacio capital/pro- duto, sendo que tais estimativas, confrontadas com as contas na. cionais mais recentes, gerariam todas as informagiies quantitativas basicas, Eu resisti em sor relegado a este tipo de atividade. Havendo entio ji me aprofundado em alguns dos verdadeitos problemas nacionais, pareceume que uma das coisas que a Colombia menos precisava cra justamente de um plano sintético de desenvolvimento, elaborado com base em estimativas herdicas. Tratavase de uma repeticio, sob circunstincias muito menos favoraveis (a qualidade dos dados cra muito inferior) daquilo que mais me desagradara no trabalho feito no Ambito do Plano Mars Havia um aspecto deste caso que particularmente me incomodava. Tratavase aqui de uma tarefa que era supostamente crucial para © desenvolvimento da Colombia e, no entanto, nio havia nenhum colombiano disponivel com alguma idéia sobre como atacat o problema, Tal conhecimento era exclusividade de alguns. espe- cialistas estrangeiros que tiveram acesso & nova economia do exes cimento. Isto me parecia uma afronta aos colombianos, que esta- A esiratégia do desenvohinento reconsiderada 7 vam, afinal de contas, lutando com seus problemas em vi adotando uma grande vari governo. Meu instinto conduzia.me a tentar compreender melhor a maneira pela qual eles tomavam suas decisées, em ver de pressupor desde 0 inicio que cles s6 poderiam se “desenvolver” através da im- portagio de um conjunto de téonicas das quais nada sabiam a respeito. £ verdade que esta forma paternalista de operagio era encorajada pelos préprios colombianos, que, pelo menos inicial- ‘mente, tratavam os conselheiros estrangeiros como uma nova gera ‘gio de magicos e gostavam de se autodepreciar, dizendo: “Aqul en el trépico, hacemos todo al revés” (aqui nos tépicos fazemos tudo 20 contratio). Mas 03 conselheiros © especialistas estrangeitos.to- mavam tal declaragio literalmente demais. Muitos colombianos nio se achavam assim tio ineptos: através daquela alirmacio, alguns eles tentavam dizer que, sob as circunstincias especificas em que operavam, teriam claborado, por tentativas © erros, alguns enge nhosos principios de ago, sobre os quais eles mesos poderiam no estar conscientes, que pareceriam perversos para os esttan- geitos mas que na pritica tinham se revelado bastante efetivos 2.3 — A procura de racionalidades ocultas Isto era exatamente 0 que me parecia digno de ser explorado, Comecei a procurar os elementos € processos da realidade colom. biana que de fato funcionavam, ainda que de forma indircta e desa- percebida. Esta busca de possiveis racionalidades ocultas, de forma bem mais fundamental do que a idéia do crescimento deseq Drado, gerou a unidade subjacente a meu trabalho, mas ao mesmo tempo gerou sua yulnerabilidade. Desvendar a racionalidade oculta de um compertamento social aparentemente estranho, irracional e condendvel tem sido um pas. satempo importante ¢ bastante respeitével dos cientistas sociais desle os tempos de Mandeville ¢ Adam Smith,® Uma ver bemsuce- © No campo das humanidsdes, a tradigfo secua hem mais 20 tempo, pelo menos até Erasmus € seu Presie of folly 8 esq. Plan, Boon, 13(3) abr. 1983 dida, a pesquisa tomase uma daquelas descobertas “tipicamente contra‘intuitivas, chocantey”, que fazem florescer as ciéncias sociais. © Minhas descobertas principais neste campo referemse & possivel ‘ionalidade (“usos") de: a) escasser, estrangulamentos € outras seqiténcias de crescimento desequilibrado no préprio curso do desen. volvimento (Strategy, Caps. $7); b) processos industriais inten sivos em capital (Cap. 8); e 6) presses sobre os homens em cargos decisérios causadas pela inflacio e pelos deficits do balango de pagamentos (Cap. 9). Retornarci a estes temaschave do meu livro mais adiante, Enmtretanto, devo imediatamente dizer alguma coisa a rexpeito da vulnerabilidade que advém de tais descobertas. Uma vez realizadas ¢ orgulhosamente exibidas tais descobertas, surge, inevitivel e embaragosamente, a seguinte questio: vocé real- mente defenderia o crescimento desequilibrado, 0 investimento intensivo em capital, a inflagio, etc? Uma resposta honesta, ainda que um pouco insatisfatéria, seria “sim, mas naturalmente dentro de Himites bem determinados". Nao ha diwvidas de que a estrotégia do crescimento desequilibradlo pode ser adotada com exageros, resul- tando em terriveis conseqiiéncias. Continuo sustentando, no entanto, com ©. E {ndblom, onde procurivamos apresentar a similaridade de nossas abordagens em diferentes campos: © parigrafo final de um artigo que escrevi em parcer 4 limites para 0 “desequilfbrio” no desenvolvimento econdmico, para a “auséncia de integra desenvolvimento, para a “fragmentagio”, na definigio da politica econémica que seria perigoso ultrapassar. E'é cla Famente impossivel especificar previamente as doses étimas estas varias politicas sob circunstincias diferentes, A atte de promover 0 desenvolvimento econémico, a pesquisa & desenvolvimento, assim como a definigio de politicas cria- tivas, comsiste, em geral, na aquisicio de wma sensibilidade fem relagio as doses adequadas. Esta arte... serd bem me- hor dominada quando falsos ideais de “‘equilibrio", “coor. ® Vor “Morality and the socialsciences: a durable tension”, em Trespossing. Cap. 14, p. 298 A eatratégia do derenvoluimento reconsiderada ° denagio” ¢ “visio geral” perderem nossa total © inquestio navel submissio intelectual. * Ha um ontto problema que surge em conexio com aquela emba. ragosa questiio acerca da defesa de uma posigio, O cientista social ‘que descobre a raciomalidade oculta de uma pritiea social deveria estar consciente de que ele freqilentemente age como uma espécie de “estraga prazcres”: uma ver que haja descoberto ¢ exposto os usos do crescimento desequilibrade ou da inflacto, as tentativas de cons. Gientemente “aplicar” estas noges & repetir os sucessos anteriores estarfio fadudas a0 fracasso. Por um lado, as autotidades governa. mentais, que até entio haviam aceito tais expedientes, tenderio agora a exagerar € mesmo abusar do novo conhecimento descoberto. * Alem disto, wirias partes afetadas neutralizario muito da estratégia politica, agindo com antecipacdo quando esta estiver por ser aciow nada, em concordincia com uma maneira de pensar tornada familiar pelo argumento das expectativas racionai Assim sendo, a descaberta de racionalidades ocultas da dara mente acesso a um “conhecimento perigoso”. Mas, como & bem sabido, 0 conhecimento € intrinseeamente perigoso, Festa simples observacio me di + opertunidade de revidar meus criticos. Enquanto fas descobertas que eu realizara fossem perigosas, havia pelo menos falguaa chance de que constituissem verdadeiramente um conheci- mento novo, Isto € mais do que se poderia dizer sobre as nic poucas banalidades que tém freqiicniemente sido proferidas, seja sob a bandeira dos “prineipios do planejamento do desenvolvimento”, o sob aquela da “eficiente alacagio de recursos” © desvendar de racionalidades ocultas permitiv-me lutar contra aquilo que eu entendia como sendo dois males diferentes ¢ conto inter-relacionados. Por um lado, como j4 observado, reagi contra 3 sindrome do cconomista visitante, isto é contra 0 habito de dar 1 Reonomic development, research and development, policy-making: some converging views, 1952, reditado em Hias, pp. 88-4 5 a observara isto previamente no tocante & combinasio de inflagio spervaloriaagio, que permitia o financiamento da industriaicagho substituidora {a Smporasso sm visio paises nos anos 50. Ver Trespaning, p. 10. 0 esq, Plan. Keon. 130) abr, 1989 conselhos peremptdrios ¢ formulas prontas invocande principios econdmicos universalmente vilidos, assim como solugées, novas ou velhas, logo apés um conhecimento minimo de “paciente”. Con. tudo, com o passar do tempo, um outro objetivo assumia impot- tincia cada yer maior em minha mente: desestimular a tendénci de muitos colombianos ¢ Iatinoamericanos em geral a tratarem os economistas visitantes com Iuvas de pelica, em lara atirude de auto- depreciacio, Ou, como eu colocara a questo em um outro artigo escrito logo apds a publicagio da Strategy: Algunnes de ininhas afirmativas poderian servic pata recomiliar os Tatinosamericanos com ss realidad, ase fardhes que alguns dos fentmenos tals constanies, ais como. estrangwlamentor © dexeqnilfoion, nos qunis cles dem a prova constantemente renovada de su inapti Inferior, sto, pelo contriti, caracersics inevita do desenvolvimento, podendo, eventwalmente, estima, * Em virtude de 08 latino-americanos estarem habituados a condenar fortemente stias realidades, eles tornaramse incaparcs de aprender ‘com suas proprias experitncias; era assim que eu entdo via as coisas Mais tarde, em estudos detalliados sobre a elaboracio de estratégias de politica econémica, cheguei mesmo a cunhar um termo para aquela catacteristica: fracassomania.** A esta altura, entretanto, minha dedieagio ao estudo das racio- nialidades ocultas parecia esconder um outro perigo. Nao estaria tal dedicagio levandome a ficar cego diante da necessidade impe- rativa de modificagdes sociais, justamente naquelas sociedades onde © crescimento econdmico frustrava-se 2 cada momento em virtude de antiquadas instituigdes © atitudes, assim como pelos priviléyi exorbitantes? 2 “Tdeologis of economic development in Latin Ametica", publicado pela primeira ver em 1961 © reimpresto cm dias, pp. 810-1 20 CL. meus Journeys toward progres studies of economic policy making in Latin America, New York, Twentieth Century Fund, 1963, ¢ “Policy making and policy analysis in Latin America ~ a return journey", 1974, republicade com Trespassing como Cap. 6. Em arnbos estes trabulhos, especiatmente no ultimo, sugeri que aquela mania de fracaso poderla levat a fracasos vais, A estratégia do desenvoleimento reconsiderada 4 Estaria entio minha empreitada fadada a acabar como wm ‘enorme exercicio de defese da ordem (ou desordem) vigente? Este perigo nunca me preocupara de fato muito, pela simples razio de ‘que as racionatidades ocultas que eu procurava identificar eram principalmente os processos de crescimento ¢ mudangn que jé estavam em marcha nas sociedales que eu estudava, processos estes freqiientemente no observados pelos atores imediatamente envolvi dlos neles, bem como pelos especialistas e conselheios estrangeiros Eu nfo procurava razbes para justfiear 0 que existia, mas sim razbes para pensar que a vetha ordem ja estava se motificande. Desta mancira, procurei identiticar forcas econdmicas ¢ politicas progres sistas dignas de reconhecimento € apoio. Tal posicionamento colo: coume em conilito com aqueles que julgavam que a atual sociedade esti “corrompida de ponta a ponta” € que nada poderia ser feito, a menos que tudo fosse mudado a0 mesmo tempo. Mas este sonho ut6pico do “Visitante revolucionirio” pareciame idéntico aos esquemas de crescimento integrado e equilibrade dos economistas visitantes. 2.4 — Um paradigma meu? Minha preocupacio bisica com a descoberta das racionalidades cocultas surge j4 no mew primeito ensaio sobre o desenvol escrito em 1954, apés dois anos de permanéncia na ColOmbia, Ele fora escrito para uma conferéncia sobre “Critérios de Investimentos € Crescimento Econdmico”, realizada no MIT. Nele apresentava, lém de uma critica daquilo que eu chamava de “o mito do pla- nejamento do investimento integrado', duas observagées empiricas, que poderiam servir como critérios de investimento: uma dizia respeito & superioridade de desempenho dos aviges em relagio as rodovias na Colémbia (a compulsio para uma manutencio ade quala eum desempenho satisfatério € bem maior no caso dos vides}, ponto que posteriormente me conduziria a uma hipétese de mento, M1 Para maior claboracio, cf. Journeys, pp. 52 Relmpreno cm Bias, Cap. 1 2 Peng. Plan, Boom, 13(2) abr, 1983 cardter_geral sobre a vantagem comparativa que os paises menos desenvolvidos tém em certos tipes de atividades; a outra observacio dizia respeito ao que eu entio descrevia como “o impacto da pro: dugio secundaria sobre a primitia”, posteriormente designado como backward linkage. Ambas 2s observagdes serviam para justificar investimentos (no caso das Tinhas aéreas) ou seqiiéneias de inves- timentos (no caso o backward linkage) que pareciam questionaveis, ow at revés, com base numa visio de bom senso. Estas eram observagées isoladas em 1954, Mas elas permaneceram elementoschave na estratura conceitual que desenvolvi cerca de trés anos mais tarde no Strategy. Eu procurava agora um principio econdmico geral que as ligasse (assim como a virias outras pro- posigdes relacionadas), © para este fim sugeri que os paises subde. senvolvides precisavam de “mecanismos de presio” especiais ou de “expediemtes estimulantes” a fim de realizarem seus pocenciais, Ou, em minha formulagio mais geral: © desenvolvimento no depende tanto di descoberta de combinagdes étimas dos recursos ¢ fatores de produc quanto depende do levantamento e utilizagio dos recursos € das habilidades que se encontram esparsos, ocultos, ou mal utilizados (p. 5) Eu apresentei este ponto como uma caracteristica especial dos paises subdesenvolvidos, admitindo implicitamente que os paises avangados continuavam a se orientar pelos. principios tradicionais de maximizagio € otimizagio de recursos ¢ fatores de produgio. Na verdade, estes principios seriam em breve contestades, ou jd 0 estavam sendo, precisamente nos paises avangados, através de virias contribuigées importantes de outros economistas. Richard Cyert James March documentaram, em relagio & firma, a importincia daquilo que eles designaram como “folga organizacional”, tendo como base o trabalho pioneiro de Herbert Simon sobre "satisfacio € “maximizagio”, Adotando 0 conceito de "mecanismo de indugio", Nathan Rosenberg demonstrou que o modelo de inovagdes e in- vengdes nos paises avangados no segue a expansio gradual das oportunidades que o crescimento dos mercados e do conhecimento permitem, sendo porém fortemente influenciado por aconcecimentos cespeciais, \dugio", tais como greves e guerras, A estratégia do desenvokimente reconsidered 8 Finalmente, Harvey Leibensiein construiu a sua “ceoria da ef ncia X" com base na nogio de que a “Volga” € generalizada, a0 passo que 0 esforco ¢ esporidico © no confidvel, na auséncia de situacdes especiais de pressio. * Parece, portanto, que as proprias caracteristicas em que me br seava para tentar montar uma teoria econdmica especialmente adequada para os paises subdesenvolvides tinham um Ambito bem maior, talvez mesmo universal, ¢ definiam nio uma estratégin especial para um grupo bem definide de paises, mas sim a aborda- gem muito mais genericamente vilida para a compreensio dos fendmenos de mudanga e crescimento, Em outras palavras, eu par- tira para aprender sobre os outros ¢ acabara por aprender sobre 6s mesmos. Conforme varios antropiilogos ja descobriram e nos ensinaram, esta no € uma trajetéria incomum no campo do pensamento social Nem sinto tampouco como uma decepgio o fato de ter de abandonar a pretensio de haver descoberto a caracteristica distintiva das socie ades subdesenvolvidas, Houve sempre certa ironia, para niio dizer inconsisténeia, no ceminho intelectual que eu havia seguido. Em primeiro lugar, eu rejeitara os velhos € 05 novos paradigmas, acen- tuando a importinela de que s penetrasse na realidade colombiana = da qual eu sairia com a idéia de tentar constr infante parsdigma meu! Assim, sintome agora feliz por hayer renunciado Aquela tentativa, “especialmente na medida em que algumas de minhas descobertas © sugestes mais especificas (freqiientemente vom tr 18 HLA. Simon, “A hchavioral model of rational choice”, Quarterly Journal of Feonomics, OUSH-118, 1952; Richard M. Cyest © J. G Match, Behavioral theory of the fires, Englewood Cliffs, New Jersey, Prentice-Hall Tne, 1968: Nathan Rosenberg, “The direction of teehnological change: inducement mechanisms and focusing devices", Economic Development and Cultural Change, p18, out, 1969; H, Leibcnstein, “Allociive eficeney versus X-efficieney”, dmericon Economic Review, 95:32-415, jun. 1966; H. Leibeastein, Beyond conomic. man, Caunbridge, MA, Hatvatd University Pres, 1976, 34 Para que eu nfo aja mal entendido, devo vepetir que néo renuncio minha ideia bisca (Gobre a necesidade de “expedientes estimulantes", ete). mat apenas i afirmativa de que com ela ew tinha ehegado a caracterisica distin ‘de tom grupo de paites menos dosenvolidos 4 esq, Plon. zon. 13(I) abr, 1983 derivadas apenas de meu esquema conceitual geral) continuem a ter uma vida prépria ativa, Mostrarei a seguir que, de fato, isto acontece 3 — A vida de algumas proposigdes especifieas 3.1 — Linkages Caso se realizasse um concusso sobre a popularidade das proposigdes que apresentei no Strategy, & certo que o primeiro prémio seria ganho pela idéia de se favorecerem as industrias com fortes linkages {para frente e para tris). O conecito de linkage alcancou sucesso maximo: ele € atualmente parte co integrante da linguagem da economia do desenvolvimento que 0 nome de seu criador & comu- mente esquecido quando se utiliza 0 conceito. A principal batalha que tavei no Strategy foi contra a ampla. mente defendida idéia da necessidade de um esforca de industriali- zagio “equilibrado” ou a partir de um big push, ou seja, lutava contra a idéia de que a o x6 poderia ser bem-sucedida se fosse conduzida como um esforco em larga escala, cuidadosamente planejado para atuar, simultaneamente, sobre varias trentes. A fim de combater tal idéia, apontei para o processo de industrializacio que ocorria na Colombia e em outros paises em desenvolvimento. Os empresizios, natives e cstrangeiras, haviam aparcntemente des coberio um mimero ravoivel de solugses. seqiienci a0 invés de simultdneas — para 9 problema da industrializagio; no entanto, as seqiiénciay mais tipicas eram freqientemente incomuns pelos pa- drdes seguidas nos paises mais avancades. Precisimente por esta razio, tais sequiéncias ndo eram facilmente perceptiveis, ou, quando 0 cram, eram também julyadas come caract dustrial eas de um processo de industrializagio inferior, ineficiente ou termo tornouse moda na década de 60). lependente” (este iltimo Minha abordagem era exatamente a oposta. Seguinda Gerschen- kron, eu via originalidade ¢ criatividade nos caminhos que diver A estretigin da devenootvimento reconsiderade 1 giam daqueles seguidos pelos paises industrializacos, no fato de queimar etapas e nu invengio de sequiéncias que pareciam al reves, Foi certamente esta atitude que permitiu desvendar a dinimica do linkage (para frente e para tris) ¢ descrever aquilo que mais tarde seria designado, com conotagio depreciativa, ® de industrializacio por substituigio de importagdes como sendo uma faganha rara de Gialética paradoxal: um pais deveria adquirir vantagem compa rativa naqueles bens que importasse, j4 que, quanto mais “gordas” fossem as importagoes de um bem de consumo, maior seria a pro- babilidade, como em “Jofozinho e Maria", de que elas fossem “devoradas” ow “engolidas” pela industria doméstica recém-estabe. lecida (Cap. 7). Minha intengio era sublinhar sempre a originali- dade destas varias dindmicas, assim como a viabilidade, entio posta em diivida, da abordagem seqitencial, Da mesma forma como ocortia com o crescimento desequilibrado, havia o perigo de que as dind- micas que eu defendia levassem a exageros, a ponto de gerar uma estrucura industrial altamente ineficiente, Mas nio seria ped mais do inventor da maquina de combustao interna que tivesse a0 no tempo um modelo para a solucio do problema da polui Seja como for, os linkages tiveram vida ativa como categoria amalitica yo longo dos ditimos 25 anos, Dada a sua proxi midade conceitual com a tabela de insumo-produto, tém sido feitas varias tentativas de operacionalizar 0 eritério de linkage para sele- cionar investimentos (investir naquelas indistrias com os maiores efeitos de encadeamento) . Estas tentativas complicaramse pelo fato de que a anilise de insume-produto ¢, por natureza, sincrénica, enquanto que os linkages levam tempo para se desdobrarem.10 por esta razio que alguns dos usos mais reveladores do conceito encontrados em varios estudos de orientacio histérica acerca das economnias em desenvolvimento. dee Posteriormente, © uso do conceito de linkage adquiriria novas aplicacées, Uma tentativa interessante esté sendo feita por econo- Ct, Trespassing, p. 127 (rodapé #8). MCE Quarterly Journal of Economier, 99, malo. 1976, que reproduz um simpésio sobre a mediagto do linkage effec, HCE Trespessing, p. 6 (solape 8) 6 Peg, Plan. Exon, 134) aby, 1985, mistas que wabalham em um projeto de pesquisa para a América Latina, da Organizagio Internacional do Trabalho (PREALO), no sentido de utilizar conceito para a elaboragia de uma estratégia de industrializagio que maximizaria 0 nivel de emprego, Conse guise algum progresso, durante © processo, com © problema da mensuraco, Além disso, acontece — com interessantes implicagoes de politica — que, uma vez que os efeitos indiretos do investimento industrial sobre © emprego (através dos encadeamentos pata frente € para tris) so levados em consideragio, concluise que tal inves timento é bem anais intensive em miode-obra do que se imaginava iniciaimente. © conceito de linkage foi concebide para uma melhor compreen. Ho do procesto de industrializagio ¢, no inicio, a maioria de suas aplicagées foi nesta area. Contudo, 0 conceito logo passaria cada ver mais a ser usado nas andilises dos modelos de crescimento dos paises em desenvolvimento, durante uma fase em que 0 principal “motor do crescimento” destes era (ou ainda & a exportagio de (@ foram tilhados por paises que exportavam cobte, ¢ no café, e tais di rengas cram dificeis de setem explicadas pelas varidveis macroeco- nomicas tradicionais. Os linkages permit detalhada, ainda que ficassem aquém da descrigko completa que havia sido feita por Harold Innis e outros com a chamada “cese dos produtos bisicos” (staple thesis) produtos primarios.” Diferentes caminhos de crescimes am uma avaliagio mais A proliferacio do conceito de linkage continuou ocorrendo. Ana- logamemte ao linkage (para frente e para tris), 0 linkage do con- suine foi definido como 0 processo pelo qual as novas rendas dos produtores de primérios levam a importagdes dos bens de consumo ‘sum primeiro momento © entio ~ em concordincia com a dina mica do “engolir” — & sua substituigio pela produgio doméstica Gindustrial ow agricola). Da mesma forma, dizse que o linkage 18 CEN. E Garcia © M, Martin, Incidencia indivecta de ta industriaticacién ‘atinoamericana sobre el empleo {enimeo), PREALG, jun, 1981. 19 Para um ratamtento mais estenso deste tépice, ch. Trespassing, Cap. 4, A generalized approach to development, with special seference to staples" A wstratégia do desenvolvimento reconsiderada " fiscal ocorre quando © Estado taxa as rendas que cresceram recen- temente, com o propisito de financiar investimentos em outros setores da economit tais linkages podem ser diretos, como, por exemplo, quando 0 Estado € capaz de sugar uma porcio dos Iueros dos exportadores, através da taxagio, Fles podem também ser indi- retos, como o seriam no caso de a receita das exportagdes no ser toxada ¢ transformada em importagdes, que, por sua vez, gerario tuma receita fiscal pela imposigio de tarifas, Uma ver conhecidos os varios caminhos através dos quais as exportagoes de produtos primérios podem induzir novas atividades econdmicas, tornouse caro que alguns dos linkages 96 sto obtidos 20 custo da exclustio de outros. Desta maneira, constelagdes tipicas de linkages poderiam ser identificadas para diferentes tipos de bens primétios; esta identificagio permitiria diferenciar aquilo que du. rante longo tempo havia sido designado como “crescimento induzido pels exportagdes", como se este fosse um processo unificado € trans. parente. Eo que é mais importante, esta abordagem quase que nos compele a considerar a interaglo entre a estrutura social € 0 Estado, por um lado, ¢ 08 fatores mais estritamente econdmicos, por outro. 3.2 — Margem de tolerancia com resultados mediocres Enguanto os linkages, em suas variagdes cada vez mais mumerosas, ajudam.nos a entender “como uma coisa condwz a outra” no desen volvimente econémico, uma indagagio ainda mais fundamental trata da seguimte questio: como, antes de tudo, pode uma firma ow operagio produtiva resistir como uma unidade de desemper ficiente do sistema econdmico? A resposta a esta questi propor cionou aquilo que em minha opiniio — c, de novo, em qualquer tee de popularidade — constituiu a outra maior “descoberta” que realizei na Colombia. Tal descoberta teve origem numa observacio, j& mencionada, acerca da eficiéncia comparativa (¢ manutencio) de avides ¢ rodovias, ¢ foi desenvolvida no meu trabalho Strategy (Cap. 8) em algo bem mais geral, por vezes chamada “a hipdtese re Pexy. Plan, Bean. 134) abr. 1985 de Hirschman”,?° que consistia em contrastar a operagio manual do equipamento com a automitica, por um lado, © as atividades industriais centradas no processo € centradas no produto, por outro. Uma implicagio dai resultante er a de que certo tipo de tecnologia avangada, intensiva em capital, poderia ser mais apropriada em um pais com pouca tradigio industrial do que uma tecnologia intensiva em mioceobra, contrariamemte ao insistente, freqiiente ¢ auto- mitico conselho dado pelos especialistas estrangeiros Havia varias razdes pelas quais eu me tornara fascinado por este ponto, Fm primeiro lugs naturalmente, cle me permitia indicar uma outra racionalidade oculta: a preferéncia, amplamente notada, dos paises em desenvolvimento pela tecnologia avangada e pela indstria intensiva em capital com um processo continuo talvez no fose, afinal de comtas, um vies maléfico, baseado exclusivamente na procura errénea de prestigio, Em segundo lugar, eu chegara a uum coneeito, ou aitério, que exa titi] na compresnsio de um certo rmimero de processos sociais e econdmicos: este referese a maior ‘ou menor extensio da latide (ou tolerimcia) para com os resul- tados mediocres como uma earacteristiea inerente a todas as tarefas de produgio. Quando esta tolerincia € pequena, a tarela corres pondente deve ser realizads de mancira totalmente correta; caso contririo, ela mio poderd ser realizada, a menos que se exponha 4 tum nivel inaceitivel de risco (por exemple, alta probabilidade de acidente no caso de ies operadas ou mantides precariamente) . A auséncia de tolerdncia, por conseguinte, acaneta fortes pressdes fem relagio & eficiéncia, & qualidade do desempenho, aos bons hébi tos de manutengio, etc, Assim sendo, a falta de tolerdncia substitui a 20 A hip6tese poderia ser testada empiricamente; se ela fosse vexdadelrs, fs diferencais de produtividade entre paises dosenvolvidos ¢ sulbdesenvolvidos seriam maiores em alguns setores do que em outros. Numerosis tentativas de ‘estar a hipétece foram felts; uma reseaha dels apatewe em S. Teitel, “Pro- Alactivity, mechaniation, and bill: a test of the Hirschman hypothesis for Latin American industry”, World Development, 9(4): 855-71, 1981. Ouuo estado, referente a0 Paquistie, oth para salt em Beonamie Development and Cultural Change; tratase do artigo de M.S. Alam, “Hirschman’s taxonomy of indusites: some hypothesis and evidence” A cestvatégia do desenvolvimento reconsiderada 9 falta de motivaglo © a adocio de atitudes adequadas, que agora setdo induzidas e geradas por aqueta norn Ocorre, entio, uma outra promissora seqiiéncia al reves. Desde Max Weber, muitos foram os cientistas sociais que analisaram as atitudes © crengas culturais “corretas" como condigées. (pré-requi- sito) para o progress econdmico, da mesmi forma que teorins antetiores davam Enfase & raca, ao clima e & existéncia de recursos naturais. Nos anos 50, novas teorias culturais do descnvelvimento, fem voga, competiam fortemente com 2s evondmicas (que davam énfase a formagao de capital), com a tcoria weberiana da Etica Protestante sendo modernizada ¢ adaptada sob a forma da “motiva: gio para a realizagio” de McClelland como condigio prévia para © progresso, ou ainda sob a forma do “familismo amoral” de Benfield como um obsticulo para © progresso. De acorda com a minha maneira de pensar, as atitudes mencionadas como sendo pre- condiges dai lustrializagio poderiam ser geradas “no. proprio rocesso” por certas caracteristicas da industrializagio, tais como a austncia de tolerdncia em relagio aos resultados mediocres. sta ‘mensagem de esperang foi confirmada posteriormente pelos resul- tados de uma pesquisa socioligica do processo de modernizagio. *! A énfase na tolerancia para com resultados mediocres como uma variével que influencia a eficiéncia relacionase também com as abordagens sobre certas instituigses econémicas necessivias ao desen. volvimento. Para muitos economistas, a competigio € a instituigko social poderosa que pressiona em diregio a eficiéncia. De forma estranha © algo inconsistente, alguns destes economistas parecem pretender conferir & competigdo um monopélio neste sentido, Entretanto, como a competi¢io & freqiientemente bem fraca ¢ a batalha conira a ineficiéncia e a decadéncia & em geral to dificil, por que nfo procurar, e sentirse grato, por mecanismos adicionais que, parafraseando Rousseau, forcem os homens a que sejam efi ciemtes? No Strategy, a auséncia de tolerincia pareceume portar ‘uma promessa considerdvel a este respeito. Eu daria @nfase, 12 anos Aloe Inkeles ¢ Dovel Smith, Becoming modern, Cambridge, MA, Harvard University Pros, 1974 »” Peig, Plan. Feon. 1341) abr, 1989 mais tarde, a outro destes mecanismos: protestos, reclamacdes € criticas dos consumidores, além das crfticas dos membros das orga- nnizagdes, quando a qualidade dos produtos se deteriora. A isto chamei de “voz", ¢ a interagio da voz com a competigio denominei “saida” para uma maior gencralidade, envolvendo-me entio na ela. boragio de um outro livro. Um aspecto que apenas agora estou percebende, com surpresa, sobre a unidade subjacente a meu pensamento: parece existir ‘grande afinidade entre aqueles dois snecanismos, os quais desenvolvi de formas totalmente independentes. As tarefas executadas sob a vigia do prinefpio da pequena tolerincia gerardo, quando os resul- tados forem medioctes, fortes protestos pitblicos, ou seja, levario a manilestagio da "voz". Isto € Sbvio mos casos de desastres aéreos, tendo sido especificamente mencionado no Strategy em relacio 2 outro exemplo concreto de pequena tolerancia, qual seja, 0 da construgio dle estradas com a adoglo de certa tecnologia. Gite entio opinigo de um engenheiro que era a favor de se utilizar uma cobertura de asfalto inferior nas estradas pouco movimentadas, 80 invés de usar pedras e cascalho, wma vez que haveria fortes pressdes locais sobre o Ministério das Obras Péblieas quando surgisser grandes buracos mo Ieito da estrada de qualidade inferior; esta presZo seria maior do que a que ocorreria no caso de 2 cobertura com pedras ¢ cascalho apenas s¢ deteriorar. [A manutencio de coberturas asfalticas inferiores seria, envio, um tarofa a ser executada com pequena tolerdncia, uma vee que negli sgenciéla levaria rapidamente a fortes manifestagaes da vor (ow sejo serlam af intolerdveis os resultados mediocres) Poderseia argumentar que, neste caso € no dos aviées, a vor 2 © nico mecanismo disponivel, em virtude de estarmos aqui lidando com certos aspectos de monopélios naturais ou insti- tucionais (no caso do transporte aéreo 36 existe uma compan! Exit, voice and loyalty, Cambridge, MA, Harvard University Pres, 1970. 29 CE Strategy, p. 143. Esta passagem € parte de oma carta que rootbi de ‘um engenheiro que esava entGo araalhando ma Col’mbia como consalter do Banco Mundi A estratégia do. desenvolvimento reconsiderada a nacional), Tal argumento, contudo, nao seria procedente: mesmo quando existe concorréncia acirrada para produtos sujeitos a pequena tolerincia, como, por exemplo, os farmactuticos, « regu- lagio governamental geralmente é exercicla, demonstrandi a exis éncia do intcresse piblico eo sentimenio de que, devido & possibi- lidade de conseqiéncias desastrosas, nivel adequado de qualidade no pode ser definido pelas forgas de mercado. Eu tinha sugerido antes que a vor provavelmente ocupe um lugar de destaque quando est4 envolvido um grande interesse piiblico, seja por motivos de satide, ou de seguranga.™ O eritério da pequena tolerincia leva & mesma conclusio. Caso exista forte afinidade entre a pequena tolerdincia e a vor, deverseia esperar uma associagio correspondent entre “saida” {isto é, concorréncia) e bens ¢ servigas passiveis de grande tole- rAncia, Estes altimos sio itens produzides e comercializados a dle. rentes niveis de qualidade, sem que a baixa qualidade tenha efeitos desastrosos. E de fato correto admitir em relagio a taiy bens uma comp! das condigbes de aquisi¢io, tendo a concorréncia um papel proprio a desempenhar neste contexto, A atracio da proposta de Milton Friedman — introduzir a concorréneia na educagio pri miria © secundaria — deve derivar precisamente do faco de 2 educaglo caracterizarse como um servigo de grande tolerincia. A qualidade da educagio, de fato, varia amplamente, ¢ tl vaviago € a0 mesmo tempo inevitivel (em virinde da qualidade varidvel dos professores, ete.) ¢ tolerada pelo piblico, embora os efeitos individuais ¢ sociais de uma educacio inferior possam ser exiticos. Neste particular, portanto, devo concordar que a educacio parece ser uma tarefa cuja execugio deveria ser melhiorada pela concor- réncia, Por motives que discuti em outro traballio,® contudo, a manutengio ¢ a melhoria da qualidade do ensino parecem, afinal, requerer uma forte dose de vor. Mesmo antes de eu eserever sobre saitla € vor, © conceito de auséncia de tolerdncia com resultados mediocres continuava ren. 2 Ct Trespassing, p. 217. 23 CE, Trespassing, pp. 21922. 2 esq, Plan. Beon, 1342) abr, 1983 dendo dividendos. Em outro wabalho meu, ** um importante capi talo, intitulado “Latitudes and disciplines”, discute uma grande variedade de pressdes sobre a qualidade dos resultados referentes a diversas caracteristicas dos projetos: localizagio, cronograma, pos ilidade de corupgio, possibilidade de substituir qualidade por quantidade, ete, Essas categorias revelaram-se bastante teis no entendimento das dificuldades ¢ realizagies especiticas aos distintos projetos, Descobri mais tarde que eu nao era de forma nenhuma 0 inventor dos conceitos de tolerincia e disciplina e de seus usos, © que eu tinha predecessores ilustres, tais como Montesquicu e Sir James Stewart! Estes pensadores ndo estavam, evidentemente, preocupados com 0 funcionamento de projetos de investimento ou com a clicién: cia da indistria: eles inham assuntos mais grandiosos em suas cabegas — a preocupaglo bisica deles era o desempenho do Fstado, que podia ser mais (ou menos) tolerivel. Mas ai 0 raciocinio deles cra mnito préximo do meu: eles procuravam formas de restringir o campo de acio do Estado ¢ de reptimir as "paixdes” do soberano; eles acreditaram ter encontrado a solugao através da expansio dos interesses” e do cado, Nio quero contar de novo essa historia aqui, mas mostrar resumidamente que existe uma relagio direta fentre meu interesse na comparagio entre desempenhos de meios de ansporte (aéreo ¢ rodeviirio) na Coldmbia ¢ o principal tema de The passions and the interests (1977); neste caso também eu me surgi contes os limites do conceito de tolerdncia, mas esta € uma outra histéria, 3.3 Pontos de vista sobre a inflacio ¢ os problemas de halanco de pagamentos Uma das experincias agradiveis que se tem a0 escrever um Livro = a0 invés de escrever um artigo — é © fato de que as idias das quais se parte tm espaco suficiente pars serem desdobradas € = Development projects observed, Washington, D. C., Brooking, 1967 A estratégia do desenvolvimento reconsiderada % expandidas, eventualmente em diregdes imprevistas inicialmente. Foi isto o que aconteceu com o Strategy. As teses bisicas desse livro, sobre o crescimento desequilibrado ¢ a solucdo seqtiencial de pro- blemas, geraram opinides minhas sobre a inflagio, 0 desequiltbrio do balango de pagamentos © as presses populacionais (Cap. 9), bem como sobre desenvolvimento regional (Cap. 10). Nas proximas subsegdes limitarme-ei a dois destes tépicos. 7 3.3.1 — Inilagio A tajetéria de desenvolvimento desequitibrade que ew descrevera — caracterizada por escassez © estrangulamentos — come mais tipica ‘contém uma sensagio quase fisica dos choques inflacionérios so- fridos pela economia” (p. 158). A mudanga de precos relativos, argumentava eu, desempenha um papel importante, levandose em conta a resposta de ofertas mais (ou menos) elisticas, na superacto dos desequilibrios; 20 longo do processo, no entanto, “com qual- quer nivel de capacidade © determinacio dos responsiveispelas politicas monetiria e fiscal” (p. 158), o indice geral de precos seri pressionado para cima, especialmente quando a resposta ds of de certos itens bisicos — alimentos, reservas internacionais - ¢ lenta ou insuficiente (pp. 1623). Desta forma, Jancei uma teoria da inflagio que estava sendo claborada pela CEPAL, designada “estru. turalista”” (em oposigéo & abordagem “monetarista”). Aquela teoria passou a voga no “Norte”, sem qualquer referencia & sua versio Gesenvolvida no Sul; recebeu a nova designagio de “inflagio de Quando meu liveo foi publiado, minha opinido mals “esandalosa™ era a que cu expressara sobre a¢ presSee populacionsis: eu sustentava que, sob ‘eras circanstancias, cas proses poderiam ser consideradas estimulantes — nfo sedativas — do crescimento, Néo pretendo volter a esta diseussio aqui, ‘exceto para mencionar 0 fato de gue minha opinido recebeu considerivel apoio, ‘ais tant, através dos impottantes trabathes de Ester Moserup, que deu tnfase tos efeitos do cescimento populacionat sobre a aogio de nevat tenets agtcolas CEE. Boserup, The conditions of agricultural growth, New York, Aldine, 1963, & mais recentemente, Population and technological change, Chicago, Chicago University Pres, 1981, a esq, Plan. Econ. 13(2) abr. 1989 chogues de oferta” durante a crise do petréleo da década de 70 ~ ¢ suas repercussdes monetérias, * Ao apresentar 2 inflago como efeito colateral — indesejado, embora previsivel — de um certo tipo de crescimento econdmico, eu tinha em mente as taxas de inflagio moderadas — da ordem de 20 a 30% ao ano — que prevaleciam na Colémbia e no Brasil na década de 50, Eu implicitamente defendia uma atitude mais com preensiva por parte dos paises desenvolvides e das instituigies finan. ceiras internacionais (FMI ¢ BIRD), que naquele tempo conside- ravam qualquer inflagio de dois digitos como prova de prodigali, dade das politicas monetiria ¢ fiscal, que devia ser sanada antes que qualquer novo financiamento fosse concedido. Tal posigio parecia.me particularmente inadequada para o Brasil do Governo Kubitschek, e ainda acredito que ela tenha alguma responsabilidade pelos tragicos “descaminhos" da politica brasileira, de 1958 até 4 tomada do poder pelos militares em 1964, 3.3.2 — Problemas do balanco de pagamentos © que foi dito me conduz aos problemas dos balangos de page mentos dos paises subslesenvolvidos. As pressdes sobre as contas externas de um pais foram por mim consideradas, mais uma ver, como “parte do processo de crescimento desequilibrado” (p. 167), ag invés de traté-la como reflex do desequilibrio macroecondmico ‘entre poupanga ¢ investimento (domésticos). Nesta perspectiva, a necessidade de ajuda financeira internacional dos pafses subesen- volvidos ndo deriva do fato de que eles sejam to pobres que no podem poupar um montante suficiente para atingir certa meta de erescimento ~ esta era a justificativa corrente para a ajuda externa =, mas dos estrangulamentos que surgem no proceso de crescimento, 28 Um retrospecto mais amplo deste assonto encontrs-e em meu artige “The focial and political matric of inflation: elaborations on the Latin American experience”, em Trespazing, Cap. 8 "2 Para uma avaliaglo critica da politica do Banco Mundial em relagio 20 Brasil na déeada de 50, ef B.S, Mason © RE Asher, The world since Breiton Woods, Washington, D.C, Brockings, 1973. pp. 660°, A estratégia do desenvoluimento reconsiderada Os estrangulamentos surgitiam da seguinte forma: em algum mo mento, a necessidade de importagies da economia (em erescimento) supera sua capacidade de elevar as exportagées, a menos que 0 pais tena a sorte de produit alguns produtos cujas demandas internacionais estejam crescendo rapidamente, Em outras palavras, a necessidade de ajuda financeira do exterior nfo seria necessaria mente maior quando 0 pais foxse amais pobre, mas estaria sujeita a moltiplicarse — possivelmente virias vezes — no cnrso do desen- volvimento na medida em que certas atividades produtivas (inicial- mente intensivas em importagdes) comecem a ser implantadas. A idéia cra, novamente, escapar da simplicidade excessiva de certos modelos de crescimento ¢, ao mesmo tempo, argumentar que as presies sobre o balango de pagamentos, assim como a inflaglo, nfo Mo necessariamente resultantes de prodigalidade monetitia ¢ fiscal. J4 foi dito o suliciente a vespeito dos efeitos do crescimento sobre 6 balango de pagamentos. © que dizer agora sobre a relago inversa, ‘mas igualmente importante — 0 efeito da abundancia (ou excuses) de reservas sobre crescimento? Apresento aqui uma idéia que tenho usado em contextos crescentemente mais abrangentes. % Ela 6 baseada em uma observaglo simples: apis um periodo de relativa abundancia de reservas, que sedimenta certos hibitos de consumo intensivos em hens importados, uma escassee de divisas geralmente desencadeia investimentos industriais destinados a produzir os bens que eram previamente importados (@ que agora so ardentemence esejados). Parece, desta forma, que a alterndncia de anos bons dificeis — com relagio 4 disponibilidade de divisas — poderia efeti- vamente incentivar 9 desenvolvimento industrial. Defendi ponto de vista semelhante no Strategy (Cap. 10) com relagio 20 desenvalvi mento regional. Eu via certas vantagens no fato de uma regito subdesenvolvida (como 0 Nordeste do Brasil) estar intimamente integrada com as partes iis adiamtaclas do pais, ao passo que 0 isolamento levaria a outros tipos de estimule para o desenvolvi- 3 A léia fot origiariamente apresentada em um artigo eserite para wma ‘conferncia da Invemational eonomie Assocation, vealizala no Rio de Janeiro fem 1957. CEH, S. Elis, et, Economie development for Latin America, New York, Si. Martin's Pres, 1961, p. 610; cf, também Strategy, pp. 1736, 2% esq. Plan, Beon. 33(0) abr. 1985 mento, Escrevi mais tarde sobre as virtudes de alguma oscilagio enire 0 contato estreito ¢ o isolamento em relagio 20 investimento € a0 comércio internacional. 2* Esta tese mio me dew prestigio, seja jumto aos defensores do ‘desligamento”, seja face a seus oponentes neocldssicos, ® Mas, prin- cipalmente, tal tese cortamente desapontou aqueles que esperavarn sugestées “operacionais” de politica, uma vez que: em primeiro lugar, & impossivel definir a amplitude étima da oscilagio entre a abun. ancia ea escassez no campo das reservas internacionais; por outro Indo, tais altos ¢ baixos estio fora do controle de um pais isolad: mente, No entanto, minha proposicio tem, dese que esteja correta, importantes implicacSes: ela faz saber aos mentores da politica eco- némica que qualquer situagio (raz consigo scu proprio conjunto de oportunidades (¢ de possiveis calamidades) © principio da oscilagio é obviamente, um parente préximo da estratégia de crescimento desequilibrado; esta, por sua vez, apesar a posicio de destaque que ocupa em meu livro, poucas vezes tem sido discutida como tal. Passo a consideri-la a seguir, na segio que concluird 0 presente artigo. 3.4 — A politica do crescimento desequilibrado Escrever Jouvande a auséncia de equilibrio é, evidentemente, uma Provocagio, ¢ isto tem seus custos, com os quais se tem de arcar. ‘A pior penalidade niio & imposta por seus crtiticos, mas por aqueles que se proclamam seus devotos discfpulos © que em seu nome cometem todos 0s tipos de horrares. Seguese um exemplo gritante deste tipo de ocorrény Por volta de 1968, logo depois do golpe militar que derrubara © regime civil de Illia e levara ao poder o Genetal Ongania, ex 8 Ch Bias, pp. 5 « 220.00, Umma excelente resenha dos pris © comtras do desligamento. encontease om C. F, DisrAlejandro, “Delinking North and South: wnshackted or wnhinged?”, Publicado em A. Fishlow et al, Rich and poor nations in the world economy, I, 1978, pp. 87-162 A estraigia da devenvoluimento reconsiderada visitava a Argentina, quando ouvi de um alto funcionitio do governo o scguinte: “Tudo 0 que estamos fazendo é aplicagio de mas idgias sobre crescimento desequilibrado, Na Argentina nao poremos atingir todos os nossos objetivas politicos, sociais e econd- micos de uma vex; assim sendo, decidimos agit por etapas, como muma seqiiéncia de crescimento desequilibraco: primeito devemos endireitar a economia, isto é, restaurar a estabilidade e estimular © crescimento; a seguir, trataremos de conseguir maior justiga social; 26 depois disso o pals estard preparado para a restauragio das liber. dades civis e para outros avancos politicos’. Fiquei, naturalmente, horrorirado com esta “aplicagio” de minhas idéias, Tudo me parecia ridiculo, sob varios aspectos. Afinal de contas, os desequi Ubrios sobne ox quis eu tina escrito eram bem menos grandiows do que aqueles mencionados por meu interlocutor argentino. “M desequilibrios restringiamse 2 esfera da economia ¢ tratavam. basi camente das nio-proporcionalidades entre setores, tais como a agri cultura © a indtstria, e, mais ainda, das interagies entre subsetores definidos de forma mais apurada, Dada a interdependéncia da economia, no sentido de um modelo de insumo-produto, um dese. quilibrio inicial, causado pelo crescimento maior de um stor ou subsetor, colocaria em movimento forcas — tais como mudangas de precos relativos ou politicas governamentais em resposta a clamores contra a escasser geradla — que tenderiam a eliminar aquele dese. quilibrio. Em uma carta para Andre Gunder Frank, que tinha escrito tum dos ensaios mais iluminados sobre meu sua fase “desenvolvimento do. su seguimte: 20% (isto foi anterior xdesenvolvimento”), afirmei 0 ando se pretende pasar diretamente de uma posgio acai para ow eno: ean sirude day dco ties ei intbidndey a) gua tomo. come ian, toviaseindypersivel alg conn 6 "sono mia criico"ou a Sguamfe anneal, Ma, quand idtines AG. Frank economic development jul 1950, + Imutibiities no original, Supostamente um erro de datilogratis. (N. do T) : Wiltin destbiliation, A. ©, Hirschman’s strategy of Economic Development and Cultural Change, S:48%10, 2% Peg. Plan, Boon, 13() abr, 1989 ‘que se pode sustentar, ao menos por tempo limitado, post bes intermediarias de desequilibrio (estimulantes do desen- volvimento) , podlemos entio desdobrar a grande arrancada em uma série de etapas menores, Em outras palavras, sou favoravel 4 utilizagio da energia que une os niicleos c¢co- ndmicos de tamanho minimo na construcio deses niicleos. (Garta de 1808.59; grifos da forma que estio na carta) Alm de defsar clara minha posigto de dissideme de uma sidéncia (sem retornar 4 ortodoxia original), esta passagem ilustes bem meu canceite do processo de erescimento desequilibrado, tra- tando-o como algo que € justiticade e alimentado pela “energia que tune” 0s varios ramos e serores da economia e que gi inte que os sos desequilfbrios seriam aproximadamente _autocorretivos. Mesmo em relagio 20s desequilibrios intersetoriais, meu interesse principal nao era Iouvar o desequilibrio em geral, mas distinguir centre seqiiéncias “compulsérias” e aquelas que sio apenas “faculta- tivas’, Baseado nesta distingo, critiquei a énfase sobre os investi- mentos em infraestrutura, entio predominante. Adicionalmente, observei que © proceso de crescimento desequilibrado & fun talmente diferente quando se trata de desenvolvimento regional — em comparagio com o enfoque setorial —, uma vez que as forcas que deveriam levar ao reequ (p. 184), Desta forma, € ilegltimo invocar a idéia do crescimento dcsequilibrado quando mio existem fortes razdes para acreditar que um avango em dada diregio, com o conseqiiente desequilibrio criado, colocaria em movimento forcas que o contrabalangassem. No caso brio regional sio bastante fracas que citei (Argentina) era impossivel pereeber tais forges, a menos que se confiasse nas anunciadas intengies do nove regime (que nfo se materializaram) ou nas dbias correlagdes entre crescimento eco. ndmico € crescimento da democracia, apresentadas pelos mais otin tas tedricos do “desenvolvimento politico” daquele tempo. Existe um outro aspecto, talvez mais interessante, que diferenci (© caso argentino do tipo de seqiiéncia 20 qual me referia, Mew interlocutor argentino deixou, por convenigneia, de mencionar que 0s militares tinkam acabado de impor severas Timitagées sobre as liberdades politicas; qualquer avango econémico que nove regime A estatigin do desenvolvimento reconsiderada 9 obtivesse seria conseguido, amtes de tudo, ao custo dos diteitos civis © politicos dos cidadios, previamente existemtes, Mais tarde, tais iam ser restaurados ~ quem sabe 20 custo de parte dos avangos erondmicos obtidos? Tal tipo de seqiténcia (implicita) é, de novo, muito diferente da que eu tinhz em mente: de acordo com meu esquema, um setor ~ digamos, a indistria de transforma. lo — poderia erescer sem qualquer expansio simultinea na geragio de energia elétrica, no setor de transportes ou na agricultura, mas, certamente, nio pela redusio de qualquer deles. No entanto, existe af margem para reflexio ¢, afinal, para autocritica. Seria realmente verdadeiro que 0 processo de erescimento desequilibrade, na forma esbocada no Strategy, nunca implica retrocesso para qualquer agente econdmico? Provavelmente, mio é bem este 0 caso; quando a in= diistria avanga e utiliza a energia ¢ os meios de transportes preexis. tentes, podese concluir que, na auséncia de capacidade ociosa na- queles setores, haveré menor oferta disponivel (de energia € trans. portes) para 05 uswitios tradicionais, que verdo suas. situacées pioradas, £ provivel que o mesmo seja vilido, com conseqiténcias bem mais sérias, em relagio a um avango isolado da inddstria, enquanto 0 produto agricola mantémse estivel. # Parece, desta forma, que para certos fins eu teria de redesenhar © grifico que utilize’ para tentar ilustrar 0 processo de crescimento desequilibrado.*° O padrio comparativamente inécuo daquele gti. fico (Grafico 1) 6 transformado, levandose em conta as observagies precedentes, gerando © padtio mais problemitico do Grifico 2 M_ Exe tépico poderia, obviamente, ser bastante explorade. Os efeitos do ctescinento desequilibrado sobre a enda seterial, nom exquema de dois ou tats setores, dependeria das telaes de trea intersctoriais, ¢ & possivel que a renda getada no setor em expansto decrescese, ao invés de se clevar. © artigo elisico de HL G. Johnson, "Economie expansion and international tade", Manchester School of Eeonomie and Socal Studies, 29:96-101, aio 1985, contiou ‘endo win bom ponto de parti para a anélise das vitae posbilidades 50 A apresentacio mais direta a este respeto encontrase no ff citado astigo fem coautoria com C, E. Lindblom, “Eeonomie development, reiearch and “development, ane policy snaking? vome converging views”, p. 63. Na p. 87 do Strategy encontrase diagrama similar, mas mals complex. 0 esq, Plan. Keon, 13() abr, 1983 Neste, a cada etapa do processo seqitencial de crescimento, os de- tentores de renda de um setor esto ganhando, ao custo das rendas dos componentes do outro setor, Conforme desenhado, para refletir ‘9 aumento final (total) do produto, as rendas recebidas em ambos fos setores esto crescendo no curso completo do processo, mas em qualquer ponto o Setor A esta ganhando, em detrimento do Setor B (ou vice-versa) ; temsse, assim, 9 que se poderia chamar de um pro: cesso antagénico de crescimento, Notese que antagénico nio sig nifica soma zero, uma ver que efetivamente se consegue algum. crescimento global. Eu no tinka percebido que minha trajet6ria de crescimento dese: quilibrado envolvia tais amtagonismos. Se tivesse percebido, teria examinado as conseqi ncias politicas ¢ os pré-requisites do processo, pois, para que ele frutifique, parece ser necessitio um certo nivel de tolerincia em relagio a um maior grau de concentragio da renda durante 0 proceso de crescimento, Analisci este t6pico posterior- Grético 1 CRESCIMENTO EQUILIBRADO {CE} E DESEQUILIBRADO (CO) ce SZ. Setor 8 (pretta| ie Seton A (rota) A esteatégia do desenvolvimento reconsiderada 3 Gritico 2 CRESCIMENTO ANTAGONICO Selo 8 endo We Selon & (reas) mente em urn artigo, ® mas apenas depois que 0 potencial de amta- gonismo do processo de desenvolvimento tinha levado a guerzas ivis e varios ontros desastres, Ao lado de meus coleges “pioneiras mantenho-me assim convencido de nio ter prestado saficiente atenglo as nplicagdes politicas das teorias do desenvolvimento econémice que propusemos. Talvez no tenha sido totalmente ruim © fato de que fomos miopes € paroquiais. Caso tivéssemas tido uma visio de maior alcan. ce ¢ interdisciplinar poderiamos ter recuatlo do propésito de defen- der qualquer tipo de agio, temendo ‘otlos os perigos espreita e os ameagadores desastres. ‘Tome-se meu prprio caso: na promissora década de 50 cu achava bastante audacioso e suficientememee paradoxal defender um padrio SH “The tolerance for income inequality in the course of economic develop: ment”, publicado originariamente em 1973 e reimpzeso em Tresbussing (Cap. 3) 57 Para uma critica prematura desta natureze, cf W. F, ichman € R, C Uargava, “Balanced thought and economic growth, Eeonemie Dewlopment and Cultural Change, 14:38:99, jal. 1968, 2 esq, Plan. Eeon. 13(1) abr. 1883 de crescimento correspondente ao que é esbogada no Grifico 1. Tive de reprimir a idéia de que 0 processo ali represemtadlo implicasse, até certo ponto, 0 proceso antaginico mostrado no Grafico 2. Passatlos 25 anos, aprendemos tanto — ai de nds! — sobre as enormes ai que 0 processo antagonico de crescimento, representado no tuklades e tenses que acompanham qual) 1 mudanga social fico 2, nJo parece (o gratuitamente angustiante quanto teria entio pare. cido, Na verdade, pretenda agora argumentar que o procesto anta gonico de crese -nto desequilibrada ~ que poderia ser chamado de ‘remando contra a maré” — & muito mais comum do jimaginar, te se poderia No Grafico 2 temos liberdade para fazer com que as duas coorde- nadas representem dois objetivos so importantes — x0 invés de represemtarem as rendas de dois grupos sociais, tais como trabalha- dores e capitatistas —, como, por exemplo, a estabilidade econdmica (interna e externa) € 0 ctescimento, ou outros objetivos quaisquer, como crescimento € eqitidade (melhor distribuigio da renda e da riqueza) , ou, ainda, eqiidade € estabilidade. Esta nova representacio leva.nos & conclusio de que “remar contra a maré” & 0 padrio comum as sociedades ocidentais, quando elas de alguma forma estéo evoluindo, ‘Tenho dois pontos a sugerir. Fm primeiro Iugar, devemos derar o Jato de que cada um daqueles objetives € tio diffeil de ser atingide que 0 avango de qualquer deles requer a maior concen- tragio do esforgo intelectual ¢ dos recursos politicos. Como rest tado disto, negligenciam-se outros objetivos cruciais; tal negli chama, a seguir, a tengo do. pribl 0, € a critica dai resultante Teva a mudangas de trajetoria, a uma nova concentragio de esforcos . a wma nova negligéncia, Em segundo lugar, desejo afirmar que “remar contra a maré” & uma caracteristica congénita das formas democraticas de govetno e, particularmente, dos regimes democt ticos bipartidirios. Se, em tal regime, cada um dos dois. partidos tem fisionomia propria (ou consisténcia ideolégica), seguese que cada_um deles atribuiri prioridades muito distintas 20s objetivos sociais ~ crescimento, equiidade, estabilidade — ¢, se ocorre alter- A estratigia do desenvolvimento reconsiderada 38 nancia no poder, é provivel que a sociedade caminhe, na melhor das hipéteses, como se cla estivese “remando contra a maré”.** Parece, & primeira vista, uma forma estranha e até perversa de avancar — aguela em cuja trajet6ria algum grupo social importante 4 constantemente prejudicado ¢ agredido, enquanto algum objetivo social bésico é constantemente desatendido ¢ até mesmo deixado retroceder, No entanto, esta pode ser mesmo a caracterfstica, ulver a tinica dispontvel, do padro de progresso de uma sociedadle regida pelos ednones da competitividade politica. Tal sociedade € necessa riamente dividida em “ins” ¢ “outs”, sendo negligenciados os inte- esses as aspiragées dos iiltimos, até que eles consigam chegar 20 poder ¢ dar 0 troco a seus oponentes. Em suma, a arte de fazer a sociedade avangar numa democracia envolve fazélo apesar do substancial e justificada descontentamento de alguns grupos importantes, seguido de descontentamento seme- Thante de outros grupos. Em qualquer ponto do tempo existem nio apenas disputas, choques ¢ conflitos, como também perda conside- nivel de terreno, anteriormente conquistado. No entanto, & possivel que se esteja conseguindo algum progtesso global, por tris — por assim dizer — dos partidos ¢ dos grupos em conflito, A democracia esta consolidada quando, apés algumas alterndncias dos partidos no poder, os virios grupos concluem que, por estranho que poss parecer, todos cles ganharam, Nio pode existir, naturalmente, qualquer cetteza de que os movi- yentos antagénicos aqui deseritos tergo realmente este final feliz. Pode, da mesma forma, ocorrer 0 contritio — no Grifico 2, bas- taria que 0 movimento fosse em direclo oposta a da seta otimista 1 mostrada, Em tal circunstincia dirseie que a d em crise ¢ envolvida em jogos de soma nula ou negativa. Serio ‘entio buscadas solugdes “fundamentais", rais como o fim da luta “destrutiva” entre os partides e @ estabelecimento de um acordo geracia esti 58 Pasa um extudo empitico 2 este respeito, referente a 12 pales da Europa Ocidental ¢ ds América do Norte no pés guerra, f. D. A. Hibbs, Jr, “Political parses ind macro economic policy”, American Polite! Science Review, FINAG7-S1, den 1977 “ sg, Blan. Ezon. 13 (0) abr 1983 nacional em torno de objetivos bisicos, de tal forma que a sociedade possa evoluir segundo uma trajetéria “equilibrada”, com progresso simultineo para cada um € para todos 05 objetivos sobre os quais © acordo foi firmado. Esta é a sempre presente tentagio corporat vista ¢ antoritéria que surge quando um regime pluralista apresenta um desempenho mediocre, © padrio de crescimento que apresenta- mos, antagénico e remando contra a maré, deixa claro que haveria outra solugio disponivel, que tem 0 consideravel mérito de no excluir a competitividade politica Minha autocritica do ctescimento desequilibrado tomou, até aqui, uma diregio estranha. Comecei culpando-me por nao ter reconhecido, a0 Tongo de minha defesa do crescimento desequilibrade, que tal exescimento pode, por certo tempo, levar a um declinio da renda do setor que inicialmente no se expande. Posteriormente, estabeleci uma conexdo entre este modelo antagénico de crescimento ¢ a forn desajeitada pela qual, tipicamente, a democracia avanga. Minha au. tocensura, desta forma, esgotou-se rapicamente € acabei apresen- tando este modelo como uma notivel invengio social, por meio da qual podem ser reconciliadas a poli objetivos sociais miltiplos, ica pluralista e a obtengio de © que fiz foi, novamente, mostrar que © modelo de crescimento desequilibrado do Strategy, cujo objetivo inicial era exclusivamente © de compreender melhor 9s processos que ocorrem nos paises subde. senvolvides, pode ser aplicado, com ligeiras alteragSes, 20 tratamento da economia politica dos paises adiantados. E tal demonstragio me 4 enorme prazer: afinal de contas, os paises adiantados so também forcados a dar solugGes estranhas a seus problemas, eles também fazem coisas que so aparentemente al revés, ou seja, ao contririo do que seria normal, 4 — Conclusio Os organizadores destas palestras deram-nos instrugées para que, de fato, embora nio exatamente com estas palavras, ao mesmo tempo exaltéssemos © criticissemos nossas idéias anteriores, & luz A cesiralégia do desenvolvimento reconsiderada 38 dos fatos ¢ experitncias vividos ultimamente. Da mesma forma que meus eminentes colegas “pioneirox”, achei dificil ser equilibrado nesta dupla tarefa. Aida mais que aquilo que apareceu aqui e ali como uma confissio de pecados tendeu 2 acabar transformado, por mais curioso que possa parecer, em uma manifestagio de fé. ‘Tratase, provavelmente, de um exercicio fitil isto de voltar a um trabalho 25 anos mais tarde e declarar que algumas idéias ainda slo boas, que outras foram rejeitadas ou, por outro lado, que alg mas idéias tiveram influéncia salutar, enquanto outras foram malé ficas, ¢ disto tudo fazer um balango com Himites bem definides de julgamento, Faz mais sentido tentar aquilo que Benedetto Croce sugeriu mo titulo de um de seus wabalhos (What is alive and what is dead in Hegel’s philosophy) , isto é, avaliar 0 que ji morreu fem nossos trabalhos. Para isto também, naturalmente, os proprios autores sio maus juizes, € tudo o que eles podem fazer & tentar onvencer o piiblico de que continua existindo vida naqucles velhos “esctitos ¢ pineclados pensamentos”, ¢ que eles continuam a evoluir por rumos interessantes, Uma itltima observagio, sobre 0 impacto das “novas idéias”. Uma vez que minhas idéias sobre desenvolvimento eram basicamente dis sidentes, criticas em relagZo as velhas © as novas ortodoxias, clas geraram vividos debates, ajudando desta forma — juntamente cor outras comtribuigées — a tornar atraente, nas décadas de 50 © 60, a nova Grea de estudos, a economia do desenvolvimento. Actedito, na verdade, que esta tenha sido 2 maior contribuigio positiva e 0 principal impacto de meu trabalho. Pode ser que aqui se situe uma observagio geral, O efeito de novas teorias ¢ idéias € muito menos direto do que geralmente pen. samos; este efeito decorre, em grande medida, do impeto geral que traz a uma certa drea de estudo. Ou seja, como resultado de umas poucas contribnigdes, aquela rea é repentinamente animada pel: Giscussio € pela controvérsia, atraindo alguns dos mais inteligentes @ dedicados membros de uma geracio, Este & o efeito indiveto (ou feito reerutamento) das novas idéias, que se opde a0 cfecito diteto (ou efeito persuasio), normalmente 0 unico a ser considerado. Observase freqiientemente 2 superagio do efeito persuasto pelo cfeito recrutamento, seja quanto. a magnitude do impacto, seja 38 esq. Plan. Leon, 13(2) abe. quanto A sta duraglo, A importincia do efeito recrutamento explica entre outras coisas, a imprevisibilidade da influéncia das novas idéias ea dificuldade — quando no 0 ridiculo — de se atribuir responsabilidade intelectual as decistes de politica econémica, sem falar nos resultados daquelas politica. A area de extudos do desenvolvimento & notivel a este respeito. Depois do sucesso do Plano Marshall, o subdesenvolvimento da Asia, da Africa e da América Latina aparecia como o principal problema econémico nio resolvido de qualquer “agenda para um mundo melhor", Ao mesmo tempo, varias opi jes discordantes. foram expostas, abordando a melhor mancira de enfrentar aquele pro- blema, © efeito recrutamento, decorrente dessa combinacio de cir- cunstincias, fot notivel, Ainda bem que foi assim, uma vez que 0 problema revelouse mais Arduo ¢ persistente do que qualquer um de nés previa. Desta forma, nés, os chamados pioneiros, podemos estar orgulhosos, no por termos solucionado problema do desen- volvimento, mas por termos contribuido para atrair numerosos estudiosos para nosso campo, cabendo a estes levar ad (Oviginais rerebidor em dearmbro de 1982) 4 eatratégia do desenvolvimento reconsiderade ”

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