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A Viagem Philosophica e o empreendimento lluminista portugués na América setecentista Eulélia Maria A. de Moraes / Christian Fausto M. dos Santos / Priscila R. de Lima INTRODUGAO Neste capitulo, pretendemos tratar, da atuacio dos viajantes naturilistas no século XVIII, em especial ao que se refere a América Poruguesa, mais especificamente 4 re- sido Norte Amazénica no periodo de 1783 a 1793, Apresentaremos aqui, um perfodo rico em narrativas sobre a ideia de natureza no Novo Mundo. Periodo em que as in- formagoes do naturalist Alexandre Rodrigues Ferrcita buscaram agrupar os setes da ‘natureza em reinos que se tomnaram ordens cientficas le reconhecimento do mundo snatutal, Tata-se de um inventitio da natureza dentro da racionalidade iluminista pro- posta pelo século das huzes. Alexandre Rodrigues Ferreira foi membro da primeira turma que se formou em Philosopbia Natural, em 1778, pela Faculdade de Philosophia da reformada Universi- dade de Coimbra. O naturalista, encarregado pela Coroa portuguesa, vem para o Brasil ‘em 1782, dirigindo a primeira expedii¢io financiada por Portugal para um empreendi- mento gigantesco: nomear, classificar e catalogar os reinos animal, vegetal € mineral, além de extensos relat6tios sobre as sociedades colonizadora ¢ nativa. Um trabalho de naturalista que busca aliar interesses administrativos, diplométicos e estratégicos da Coroa aos do pesquisador que, a todo custo, desejou desempenhar a tarefa cientifica nna América Portuguesa, HISTORIA DA IDEAS: ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA (1756-1815) NATURALISTAS Rodi NATURALS Alexandre Rodrigues Ferreira nasceu (MODERNIDADE no dia 27 de abril de 1756, na cidade de Salvador - Bahia. Brasileiro por nascimen- to, morreu em Lisboa, no dia 23 de abril de 1815, na semana em que completaria 59 anos. Jovem ainda, deixou a América portuguesa — para buscar os estudos ste periores na Europa. Ao chegar a Portugal, com 14 anos, pensava nas Ciéncias Juri- dicas, contudo, foi atraido pelas Ciencias Naturais e, em dois de julho 1778, for- mouse em Filosofia Natural pela Facul dade de Philosophia da Universidade de Coimbra, entio renovada pela aco cultt- gira a2: rontspicio ral de Pombal. Graduado, foi convidado a _leséfia. no qual, supostamente, Alexandre Ro- ‘digues Feria, oponta 0 mapa do Amazonas, ocupar uma cadeira na Faculdade, snesmo — jodeira, Bronco e Negro, porque, dots anos antes de se formar, ja cta Demonstrador de Historia Natural. Em 1779, obteve o grau de doutot. Desde 1764, sob a administracao centralizadora do Marqués de Pombal, Sebastiéo José de Carvalho e Melo (1751-1777), projetaram-se reformas na rea da educagio e cultura. Nao sem dificuldades, diga-se de passagem, pois algumas decis6es poderiam colocar em risco o Estado absohutista, o que pode ser comprovado pela desarticulagio das escola jesuiticas no Brasil e Portugal. Contudo, a despeito das questdes politicas conservadoras, as reformas do ensino primario, secundario e universitario foram leva- das a efeito por Pombal. A reforma promovida por Pombal foi introduzida a0 ensino € 2s universidades, instaurando as novas idetas ¢ metodologias da filosofia moderna em Portugal. Na segunda metade do século XVILL, os adeptos desta filosofia moderna tornaram-se mais numerosos € mais conhecidos, ganhando um estatuto de maior res- peitabilidade a partir de 1759 (SANTOS, 2006). Em.1764, Domenico Vandelli, doutor da Universidade de Padua, fora indicado, pela administtagio pombalina, pata a Universidade de Coimbra. Cétedra em Histéria Na- tural, Vandelli era um correspondente daquele que seria reconhecido mundialmente 1 No século XVII, as cincias modernas da zoologia, botanica, geologia, entre outras,estavam todas inclufdas na Histéria Natural sendo que esta, por sua ve, fazia parte do bojo do Curso de Filosofia Natural. A criagio de novas di enificas fo, talvez, a mais importante contri- buigio do Huminismo para a modemiracao das Ciencias (HANKINS, 2004: 11). 7” como pai da sistematica zoologica e botdnica: © sueco Carl von Linné’, E relevante a ptesenca do Citedra italiano, Domenico Vandelli que viera da Universidade de Pa dua, uma vez que setia 0 otientador do naturalista Alexandre Rodrigues Ferteita e, ra sequéncia, o indicaria para ditigit a Expedicéo & América Portuguesa que ficaria conhecida como Viagem Philosopbica; responsabilidade que o naturalista assumiria representando sobtemaneita os intetesses de Ponugal na Colénia As expedicoes ditigidas por naturalistas de PortugaP, na segunda metade do sé- culo XVIII, foram financiadas pela Coroa que, para além dos interesses cientificos, tinha, também, um compromisso com o inventirio das possibilidades econémicas oriundas dos recursos naturais das Coldnias de Portugal, em particular, do Brasil Aliés, eta um alerta para providéneias que outros paises vinham tomando, manten- do a dianteira em telacio as suas colénias, Informadas, através de correspondén- cias com as outras sociedades cientificas, as autoridades portuguesas deixam.se convencer pela necessidade da promocio de pesquisas, estimulando a coleta e observacées das coldnizs, bem como extensos relatGrios das mesmas. Desta forma, a filosofia moderna ganha visibilidade em Portugal a partir de 1759, sob 0 reinado de D. Maria I. Alexandre Rodrigues Ferreira, 0 primeiro naurafista [uso-brasiletro, fol encar- regado oficialmente da expedicao cientiica denominada Viagem Patlosopbica. Um trabalho considerado, hoje, o maior empreendimento cientifico realizado no Brasil pela Cotoa Portuguesa em todo o Perfodo Colonial. Dentre as virias fungées dele- gadas 4 expedicio, podemos destacar a de descrever e catalogar os trés reinos da ‘Natureza AmazOnica e patte da Bacla do Rio Amazonas. Além de um trabalho de re- conhecimento das reais possesses da Coroa portuguesa, bem como a delimitagio de fronteiras geopoliticas, de forma que ndo hoavesse confuses, posteriormente, ‘com seus vizinhos, em particular, os espanhdis. 2 Carl von Linné foi um célebre natutalista Sueco. Nasceu em Rashul (provincia de Smaland) em 23 de maio de 1707 e morreu em Upsala em 10 de janeiro de 1778. Aficionado pelos es tudos da botinica, criador da nomenclatura binomial; sua obra Sistema Naturae (1735), elasi- ficagio denominada de “natural”, pelo fato de basear-se nas caractersticas morfolégicas (formas comporais, dos Srgios, anatomia, caracteristicas das células Componentes, etc.) e bioguimicas (qulmicas interna dos organismos) dos individuos vegetas ¢ animais, agrupando as especies se ‘undo as afinidades que apresentam. Linnaeus, entretanto, acteditava que sua classficagao tinha ‘alidade por que julgava ele que a natureza era esttica, ou sej, uma vex. classifcada a espécie animal ou vegetal esta estariaidentificada para todo o sempre (BLUND, 1982) 3 Simultinea & organizacio da Viagem Philosophica, de Alexandre Rodrigues Ferreira, foram enviados igualmente naturalists para reconhecimento de outras coldnias portuguesas de Ango Jae Mogambique, sendo a do Brasil a que se consttuira na mais demorada. be) HISTORIA DA IDEAS: CIENCIAS NA ‘A VIAGEM PHILOSOPHICA (1783-1792) NA AMERICA PORTUGUESA, Em 31 de agosto de 1783, o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira ea equipe que ‘© acompanhava deixaram Portugal com destino América Portuguesa. As atribuigdes € a8 nomeagées incluem, além do préprio Alexandre Rodrigues, apenas um jardinei- to botinico e dois riscadores. Entre os bidgeafos de Alexandre Rodrigues Ferreira, ‘encontram-se informagées de que a intencio de Portugal era enviar um séquito maior para compor a Expedicio Viagem Pbilosopbica, entre eles 0 proprio Domenico Van- dell, Este prestaria orientagio a Expedi¢do petmanecendo no Rio de Janeito, Houve, contudo, uma mudanca de planos cuja razio néo se explica seniio por conjecturas, uma vez que Domenico Vandelli nao os acompanhou, No que diz respeito as forcas armadas que teriam acompanhado 0 naturalista — como se noticia de outras expedigées —, para o grande desafio pelos sertées das Capi- tanias da América Portuguesa, é preciso desfazer alguns equivocos. 0 que se confirma, por meio de documentos, € que, dém dos dois desenhistas ¢ o jardineiro botiinico designados para compor a expedisio desde Pornugal, juntamente com o naturalis- ta, um pequeno destacamento foi autorizado pelo Governador geral da Capitania do Grio-Pari para acompanlié-los, quando chegassem & América, Figura 03: Rosie da Viagem Floséficarealzada por Aloxandre Rodrigues Ferreira, numa disincia apro- ximada de 39.372 quilémetos 1783-1792) A Viagem Philosopbica percorteu. as Capitanias do Grio-Pari, Sio José do Rio Negro, Mato Grosso e Cuiab, que cortespondem, hoje, Amaz6nia legal, além dos Estados do Pari, Amapa, Roraima, Rondénia, Mato Grosso ¢ Mato Grosso do Sul. Em janeito de 1788, por exemplo, a Viagem Philosopbica recebeu instrugio para adentrar o Rio Madeira com destino & Vila Bella da Santissima Trindade —entao capital da Capitania do Mato Grosso —, onde encontrariam 0 Capitio-General Luis de Albu- quetque Pereita e Caceres. No século XVII, jé eft comum 0 embrenhatse no sertio do Mato Grosso por terra, uma vez que, com 2 cortida pela mineracio, iniclara-se um tréfico comercial ¢ um fluxo migrat6rio de pessoas saindo de Sio Paulo, concorrendo ‘para que outras formas de comunicacio, além da navegacio, fosse incrementada Pata executat tal empreendimento, Alexandre Rodrigues Ferreira recebeu ordens de tomar a5 providéncias necessétias para dar prosseguimento a expedicgio. Dessa feita, deixando a Amazinia para iniciat a investigacio da paisagem do oeste brasileiro. abis-the organizat a Viagent Philosophica de forma que todas as provisdes safssem a contento. Da cidade de Belém, deveriam vir mais algumas tropas pata a liberagio de, 0 menos, dezesseis homens a servico da expedicio, entte soldados e carpinteitos. Ajuntava-se, 20 pedido, um ajudante de cirurgia, cem indios remeiros € um sacerdote capelio, devidamente munido de um “Altar portdtil, de alguns cubos de bem exa- ‘minadas, e repartidas hdsttas, de Vinbo, ¢ de algumas libras de cera em vetas, para tudo servir ao exercicto do seu Menistério” (LIMA, 1953: 242-43). Eram imprescind- vels as embarcagdes —de preferéncia novas —, algumas com “toldas de palhas(..), bem cconstruidos, com bastante chio de cavern, (..) ede sete femos por banda, por serem assim os mais préprios para aquela Navegacio, (..). As sels pequenas Canoas para Pesca, e Montatia, se aptontario na Villa de Barcellos” (Op. Cit.). Lembremo-nos que tal preocupacio se fundamentava por conta de que, boa parte da expedicio, seguisia por via fluvial Afim de conseguir todo este amparo logistico durante sua expedi¢do pela Col6nia, Alexandre Rodrigues Ferreira apresentou documento, autorizado pela fainha, para so- licitar ajuda entre os administradores. Tal solicitagdo ordenava que um permanente servigo © pessoal estivessem a sua disposigio, pura que a empreitada tivesse éxito. Contudo, as dificuldades foram frequentes. No recrutamento dos indios remeiros para a expedigfo, por exemplo, as cartas oficias tratam as convocagdes destes nativos den- Ito dos ctitérios dos governadores. Ao que parece, havia uma fesisténcia em oferecet bragos, embarcagdes € provisbes para a expedicio, (-)€ quanto nos fis, dos que de mais dessa Villa, se deveso aprontar nas mencionades de Seqpa,¢ Silves,nio 96 na forma que jéestéedvertido, como por efeto desta ordem, que Von, a ser preciso, mandaré apresentar ques Diretores, os quas em tudo, e por ido, auilario a diligencia de que setae ‘até 0 ponto de ficatem sem um tinico indo nas Fovoagées, sinda mesmo HISTORIA DA IDEAS: CIENCIAS NA MODERNIDADE aqueles que estierem concedidos por pescadores, ou por quasquer outros motivs; pois que a tudo deve prefeito interesse do Real sevico, como em ‘aso de urgéncia fat Vin.*, asim entender aos mesmos Dietores, € que pot ‘qualquer falta, ou omissio com que se comportem, serio sem duvide muito severamente castgados. Barcelos, em 21 de Julho de 1798. Joao Perera Caldas (UMA, 1953: 2612) Esta era uma situacio que tomava a execugio da Viagem Pbilosopbica um trabalho dificil, pois Alexandre Rodrigues Ferreira acusa, em algumas cartas, o quanto era pro- blemitico ficar 4 mercé dos atendimentos das autoridades da Colénia. Em primeito lugar, a morosidade no atendimento as solictagbes que deviam esperar, por sua vez, uma resposta vinda da Coroa em Portugal; em segundo lugar, embrenharse por terri trios indspitos povoados por indigenas que ainda nao haviam tido contato com os curopeus. Isso eta de conhecimento dos frdios remeiros, aldeados que, em algunas citcunstincias, negavam-se a continuarem a viagem, causando desergdes em massa. Finalmente, havia uma grande dificuldade dos govetnadotes das Capitanias, em dis- porem de canoas, suprimentos, remadores e soldados para acompanhar a expedicio nas incurs6es como mencionado acim. Sio situacGes que causaram aborrecimentos & alguns desentendimentos entre 0 naturalista € as autoridades coloniais. abe notarmos que, em meio a tantas dificuldades, um dos desejos por vezes ex- presso pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira em seus diitios, ¢ o de retornat, ao fim da expedicdo, para Portugal a fim de debrucar-se na investigacio das colecdes, que enviava para a Metrpole Figura 04: 0 Uocariguacu, um exitico peixe cascudo colatado por Alexandre Rodigues Ferrera na Bacio ‘Amezérica Para o gigantesco trabalho de reconhecimento da Natureza da América portuguesa, ‘© naturalista designado para dirigita Expedicio se organizaria da seguinte forma: Em um primeiro momento, as informagées escritas etam encaminhadas 4 Coroa por meio das embarcagoes que, espotadicamente, salam da Cidade de Belém do Grio- Para, Tais informagdes, denominadas de Participacoes, Relacoes, Noticias, Memérias ou Tratados, detalhavam, em extensos telatétios, todo 0 cotidiano da equipe no con- ta10 com os trés reinos da natureza Amaz6nica, bem como, os nativos aldeados ou no, Além de uma farta cortespondéncia, composta de centenas de documentos esctitos ‘a pfdprio punho, ou encomendados a outros especialistas que a rainha colocou a servigo da expedigio, bem como noticias de colonizadores fixados em pequenas pro- priedades, fazendas, ou mesmo administradores ¢ autoridades coloniais das Vilas por ‘onde a expedicio passava Em segundo lugar, havia a questio do preparo das pranchas, ou seja, as imagens preparadas, principalmente, pelos dois riscadores’, Joaquim José Codina e José Joa- quim Freire. Tais pranchas, que chegatam a aproximadamente 1000, deveriam ilustrar as descrig6es de um rio, cobra ou arbusto coletado por Alexandre Rodrigues. Estes registros visuais s6 foram possiveis porque estes especialistas em desenhat animais € plantas, acompanharam toda expedicio emibrenhando-se pela selva, tis € igarapés da regio Amazinia e regido Centro-Oeste. Peas citcunvizinhancas da Cidade de Belém do Grio-Paré, acompanhousos, também, em alguns momentos, 0 arquitero, « também desenhista italiano Antonio Jose Landi. Por titimo, também foi incumbido aos integrantes da Viagem Philosopbica, o pre- pato técnico de milhares de amosttas - de expécimes animais, vegetais, minerais assim como, artefatos indigenas - que etam acondicionadas em caixdes e cuidadosamente cenviadas para o Real Gabinete de Historia Natural em Portugal. O trabalho de enviar para a Metr6pole os materiais, principalmente os animais empalhiados, contou com o ttabalho do botinico Agostinho José do Cabo e de dois iadios por ele instruidos. ‘O que resultou dos nove anos de pesquisa ¢ coleta da equipe que formava a Viagem Philosopbica é uma farta documentacio que, ainda hoje, nao foi completamente pu- blicada ¢ analisada. Contudo, ttata-se de fontes documentais que sio do interesse das ais diversas reas do conhecimento humano. Podemos refletir que, a partir da segunda metade do século XVIII, expedicdes como a comandada por Alexandre Rodrigues Ferreira, redescobriram colonia, terri t6tlos e possesses das nagGes europeias, Estas viagens exploratérias impulsionaram reas do conhecimento que apenas se esbocavam enquanto unidades teméticas dentro de um amplo campo de saber que setia, consequentemente, legtimado pela Moderna 4 Riscadores era como, no século XVIII, se denominavam os responsiveis pelos desenhos feivos durante uma expedisio. HISTORIA DA IDEAS: CIENCIAS NA MODERNIDADE Ciéncia, ou seja, 20 se aplicar temporalidade e metodologia cientifica nos conheci- mentos da Hist6ria Natural, Biologia, Botanica, Zoologia, Farmécia, Agronomia, Agri- cultura, Ecologia, Histétia, Geografia, Geologia, Mineralogia, Etnografia, Antropologia, Arqueologia e tantas outras diteas do conhecimento, gradativamente firmam-se como disciplinas do conhecimento cientiio. Alexandre Rodrigues Ferreira adentrou os afluentes do Amazonas e, de tudo que recolhen para compor as colegdes, anotou no dirio e registrou nas iconografias. Seu trabalho produziu um mapeamento estratégico, com conhecimento da geografia, do lima e das populagGes nativas. Quanto 4s ciéncias naturais, estas foram aplicadas para ‘conhecimento de minerais, animals e plantas. A botinica, pot exemplo, ocupou uma fungio pritica de cariter agron6mico: estudar a adaptacio de certas plantas a0 cultivo ‘na Amaz6nia, suas utilidades enquanto fitoterpicos e investigacdes afins. O que po- demos confirmar quando, em seus didtios, Alexandre Rodrigues confirma ter obtido suicesso na busca por solos férteis para a cultura de determinados grios ou fibras em determinadas tegides. Suas observacdes também privlegiam a geologia, os tipos de vegetacio e produtos da tetra, também conhecidas, na época, como drogas do sertfo, estes importantes na economia extrativista da regito amazonica. Deste modo, Alexandre Rodrigues ocupa- se dos produitos que jd eram comercalizados, bem como, aqueles que se apresentavam como novidade em termos de aproveitamento, como a estopa da casca do castanheiro utilizada para a calafetagio, ou seja, impermeabilizacio dos batcos (LIMA, 1953). Devemos considerar, ainda, que a Viagem Philosophica de Alexandre Rodrigues Fer- feira, em seu catiter de investigagéo em ciéncias naturals, nfo deixa de estar vinculada na demarcacio das fronteiras entre Portugal e Espanha. Em diversos momentos, a Me- inépole informa sobre a movimentagio das embarcacées responsiveis pelo Tratado de Limites que navegavam pelo Rio Amazonas € seus afluentes. Lembrando que os limites ‘entre a América Porttiguesa ¢ Hispinica eram ténues geograficamente e estavam, naquele momento, sendo construidos. A ocupacio portuguesa do vale do Rio Branco somente se cfetivara no final de 1770, quando os portugueses tiveram o firme propésito de impedir possiveisinvasGes dos holandeses ¢ espanlidis, que insistian em avancar as demarcagdes. io nos esquecendo que as zona nis eriticas da Amazénia, neste perfodo, eram os do- ininios espanhdis do vice-teinado do Peru e a zona fromteirica com a Guiana Francesa Em carta, datada de 14 de novembro de 1786, Alexandre Rodrigues Ferreira anun- clou a quarta remessa de coleta de produtos naturais, na parte superior do Rio Bran- co, sendo que estas continham 12 volumes. Na oportunidade, ele esclarece que teria aumentado o ntimero de remessas, nao porque as espécies vatiassem muito de uma regio para outra, mas porque, com muita facilidade, o clima contribuiria para que os espécimes coletados se estragassem. Alexandre Rodtigues afirmou ainda, que a em prcitada estava cxigindo muita dedicacio da equipe, © que esta, por sua vez, nao pou- pava esforco no trabalho de viajar, observar, coletar ¢ esctever (FERREIRA, s/d). Alexandre Rodrigues Ferreita enviou, com pontualidade, as grandes caixas com (05 exemplares de minerais, vegetais, animais e cultura material indigena, assim como (08 relat6tios e descrigdes dos mesmos. Em suas caftas is autoridades da Mettépole, sempre deixava subentendida a ansiedade do retorno a Portugal para debrucar'se no trabalho de classificagio do material remetido durante os anos de permanéncia no Brasil. Refere-se, com preocupacio, aos produtos coletados no que se relacionava a0 transporte, acondicionamento e otganizagio dos mesmos na Mettpole, pois Alexan- dre Rodrigues nunca fazia c6pias de suas memérias ¢ didtios remetidos. Ao chegarem ‘a Portugal, as grandes caixas com as remessas ficavam aos cuidados do jardineiro bo- tiinico Jilio Mattiazi, Bste sera acusado, anos depois, por Alexandre Rodrigues, pela petda de nmtitos dos materiais coletados no Brasil. Em 1786, Alexandre Rodrigues escreve ao ministro Mello e Castro e novamente teitera a disponibilidade de voltar. (.) Fu, ¢ os ditos Desenhadores, como 8. Bx tem visto, tepatado, temo pe decido muito, depois da viagem do Rio Branco: mais que José Joaguim Freite, tem padecido Joaquim Codi, que desde que chegou, tem eustad a restabe- lecer das febres, dores de estomago,¢ de ventre, que ali adquiiu. Por iss ni vio agora mais que 28 desenhos: refletindo porem V. Es, que dentro em trés «anos montio cima de 400 os que stem enviado vera que as suas Informages sio 0 seu trabalho. Creio que tem tito a felicidad de chegar ts Maos de V. Ext Digo que cto, porque dcpois da uitima carta, que me escreveu Julio Matiazi ‘na data de 20 de julho de 1784, nem se quer tenho sabido, se létem chegado as produces remetidas. Festa €« mais pungente morificacio que pass, vaclan- do sempre, s€ 20 penoso trabalho, que todas las custam em observa, recolhes, prepara sobreviveri.adesgraca de chegarem mal acondicionadas. Novembro de 1784 (UMA, 1953; 191-92), Segundo estimativa resultante da reuniio dos documentos e cartasfeita por Amé- rico Pires de Lima, 20 longo de nove anos da expedicio Viagem Philosopbica, o Real Museu de Hist6ria Natural recebeu um total de dezenove remessas. Destas, seguiam, em cada uma delas varias grandes caixas,frasqueisas, barrs e caixas de flandres. Nelas constavam os mais variados produtos do reino animal, vegetal ¢ mineral, além dos artefatos indigenas ou produtos elaboratos pelo homem, bem como as ieo- nografias dos desenhadores. © NATURALISTA, A NATUREZA E A MODERNA CIENCIA A decisao do Primeiro Ministro Martinho Mello ¢ Castro (1785-1786) — ansioso por conhecer os recursos do Brasil e outras Colénias ~ seguia uma campanha de HISTORIA DA IDEAS: CIENCIAS NA MODERNIDADE Domenico Vandelli, de longo tempo, promovendo as pesquisas ¢ estinmulando Portu- gala sait em busca de um conhiccimento mais efetivo dos reais valores ¢ riquezas de suas Colbnias, através das expedicées. Os ingleses ¢ franceses safam 4 frente, levando uma significativa dianteira em suas Colénias. Dessa forma, se a Cotoa abominava os franceses igualitdrios, porque estes faziam uma afrontosa manifestacio panfleviria contra 0 colonialismo e os govemnos absolutistas, os cientistas portugueses nfo det- xavam por menos, trocavam cortespondéncias, buscando as titimas novidades que circulavam no mundo dos acontecimentos. A Viagem Philosopbica tinha também, por incumbéncia, estudar o emprego de novas técnicas € tecnologias no que se refere ao cotidiano do colonizador portugués, principalmente no que se estava afeito a0 cotidiano agricola. Nao por acaso, 0 digtio da expedigio € pontuado por uma frequente preocupacio com tais questdes, um di- fecionamento de orientagées pata a agricultura com tratados de utilizagio do soto e cexpetiéncias coma introdugio de plantas exdticas possuidoras de potenctal mercantil ‘e que etam, consequentemente, de interesse para a Coroa. Figura 05: Casto indigana feito com carapora de tau. Dent as invimeras descigSes@ coletasfeitas por ‘Alexandre Rodrigues Ferreira destacam-se, também, aquelas denominadas de Indstria indigena. Havia ‘grande introsso om se detcrever, catologer eestudar as técnicas © toenologias das etnias inéigenas da ‘América Portuguesa. Um ponto em comum entre as diversas expedicdes de naturalistas, que se rea. lizaram no século XVII, é a de que todas resultatam de um esforgo politico admi- nistrativo de suas respectivas Metrépoles. Implicitamente, tais expedicoes abrigavam um potencial transferido para a postetidade, dado o fato de que as coletas, dirios ¢ mmiemérias resultavam em pesquisas € descobertas que poderiam se estendet por anos. Havia também o catiter utilitarista ¢ um pouco miis imediato com a qual os governos cencaravam todas as informagGes recothidas em tals expedigdes. Assim, as informacdes dos espagos politicos, configuragées da exata situzcdo costeira, 0s estuclos concetnen- tes aos ventos, marés, enfim, todo conhecimento cue respondesse pot uma navegacio seguta, convertia-se em informagées que refletiam, quase que de imediato, nas poli. ticas de estratégia © administracio das Colénias. Do que resulta uma Histéria Naru- ral com uma importincia estratégica considerivel, onde abundam teméticas como: riqueza florestal (flora e fauna), agricultuta, pesca, minétio, aspectos antropolégicos, ‘medicinais (plantas medicinais), salubridade do terrt6rio, te Alexandre Rodrigues Ferreira entre uma Participacdo’ e outra, no tempo que lhe rrestava depois de preparar os matetiais desctitos nos diftios, ou seja, as remessas que levavam espécimes animais vegetais, minerais e/ou artefatos indigenas para a Metré- pole, fazia anotagdes acerca da natureza separadamente; um trabalho de naturalista ‘cujas anotacdes colocavam em pritica o exercicio de conhecimentos do homem de ciéncia. 4 essas anotagoes dava-se 0 nome, no século XVII, de Memérias, This mems- ‘Has foram o resuitrado de uma ampla curlosidade clenttfa da época, além das fingdes de funcionario da Goroa que, acima de tudo, tinha como prioridade as noticias de utilidade econémica. Com entusiasmo, envia, juntamente com uma de suas primeiras remessas, uma carta 4 Metr6pole. A carta relata os sucessos da sua fungéo, logo que chegara 3 capital do Pari, € noticia as novidades da primeira remessa: lm? ¢ xm. Snr Arnova resolugio que tomei depois de fechada a primeira carte para V. Ex! fa que nesta lembranca de novo dga a. Ex: que mandlandorme ontcm S.* ‘Ecaa cabeca do Tapia que va, para cu ver se para alguma cosa servia tl foi 1 sofreguidio com que vi esta rara peca, que logo fui «Paci dizer aS. Bq cle tinha a feicidade de remeter po Gabinete de S, Magma pega de 4. nos Gabinetes da Europa no ha exemplo. E como nem 8. Ex* nem eu podemos com diteito demorat hum 36 dia mais tma peca como est, logo na Embatcacio 4 ji hoje devia pani, aszentamee 8, Ex* eeu, S, Ex de a ofereeer p.'0 Real Gabinete, eu de juntam com ela renete «esta i mio. Vio pois com a dita cabeca, uma enfiada de dente, ns poucos de colares,« braceetes de penas 4. tudo vinha junto com a cabeca em uma casa, sem poderse a respcit disto saber mais por agora, do.que, que vera de Santarém a tal aia daqui sete, ou 8 las de viagem (..) (IMA, 1953: 115.16) 5 Designacao que o naturalsta dava aos relatérios periédicos que enviava a Coroa dando noticia das repides, vila, aldeias por onde passava. As partcipagbes se faziam acompanhar de relatos tanto da competéncia do trabalho de um naturalista quanto de informagGes relacionadas &s ‘questBes econdmicas, politcas e/ou administrativas HISTORIA DA IDEAS: CIENCIAS NA MODERNIDADE Embora 0 natutalista nfo especifique & qual nacio indigena tetia pertencido com- ponente to singular desta primeira temessa, segundo Carlos Araijo Motcita Neto (1988), tudo leva a crer que 2 cabeca do indio presenteada 20 novo Governador da capitania do Grio-Paré e enviada para Portugal, por Alexandre Rodrigues, seja de um Mundurucu, Suas anotagées deixam a imptessio de que os fegisttos setiam retomados futura- mente, Assim, sio imimetas as observacées no que diz respeito 4 etnografia, zoologia « botinica. Podemos também pereeber que em todas as Memidrias & possivel captar 0 naturalista do século XVII 4s voltas com um exercicio da observacio, coleta € classi ficagio que se esbogava, mas que ainda nao estava devidamente aprofundado, muito certamente por conta dos planos fururos de Alexandre Rodrigues ineluirem um estudo de gabinete do material coletado. Com relacio 4 metodologia adotada pelo mesmo, chama-nos a atengio 0 modelo sistematico adotado por ele no que se refere is clas- sificagdes zoolégicas e botinicas. Neste sentido, o trabalho de Alexandre Rodrigues & pioneito no que se refere 4 adogio do modelo de classificacio lineano; modelo este adotado pelas universidades portuguesas enquanto as francesas, tantas vezes come- mofadas como o berco das ciéncias modetnas, ainda se viam 4 volta com o modelo buffonlano de classficacto" Com todas as dificuldades, perealgos € limitagoes, a Viagent Philosopbica foi a tinica grande expedigéo cientifica portuguesa enviada & Amazénia que, em si mesma, evocou 0 exercicio das ciéncias que se estruturavam a partir do século XVIII, quando ‘entdo, 0 naturalista esbocou em suas observacdes seguir a sistemtica de Lineu. Um {fator importante € o de percebermos que o resultado destes nove anos de trabalho de campo nos coloca diante da atmosfera intelectual que Portugal vivia neste momento. io € possivel entender pleno sentido do trabalho de Alexandre Rodrigues como naturalista € inspetor metropolitano, sem nos reportamios 20 amibiente € momento de fecunda producio em ciéncias, em particular a Filosofia Natural, que encontramos 1na Buropa do século XVIIL. Deste modo, a Viagem Philosopbica nos fornece elementos suficientes para questionarmos aquela percepcio mais tradicional de Histérla Moder- tna que ndo consegue ver em Portugal uma produgio intelectual contundente. 6 Para maioresinformagies ver o capitulo Conde de Buffon ¢ a Teoria da ‘Degenerescencia’ do Novo Mundo no século XVI. Figura 06: Uma das prenchas felts durante a Viagem Philorophica descrevend « Arvore de Castano do Pariquito (Streuli chicha, encontrada no Paré em Mato-Grosso. I, pois, a partir desta expedigio chefiada por Alexandre Rodrigues, que encontra- ‘mos essa preocupacio de Portugal em investigat os campos que constitufam a Filoso- fia Natural, no a encontrando em seus antecedentes tio claramente. Aliss, na Viagem Philosopbica, o naturalista racional esta presente em cada observacio renovadora; quando busca as causas dos fenémenos ou quando investiga a tazo de set de um acontecimento na sociedade ou na natureza; quando, enfim, toma sobre si a tespon- sabilidade da investigacio. Eis 0 que caracterizava o método investigativo no século XVIII (SANTOS, 2001). Entendia, pois, Alexandre Rodrigues, aquilo que temos hoje bem claro: a Bacia Amaz6nica possui uma das mais ricas floras do mundo, com igualmente riquissima fauna, com destaque para as aves peraslias, maniferas atboricolas, cuja vatiedade de ptimatas, alguns tio minisculos que podem set acomodados na palma da mio; € aquiticos, estes abrigando duas espécies de golfinhos, duas de lontras ¢ uma de peixe- boi. Para Michael Goulding (1993), aquilo que se constitui nas quase 30 mil espécies HISTORIA DA IDEAS: CIENCIAS NA [MODERNIDADE da flora jé descritas, corresponde a um terco do total existente na América do Sul. Ao que devemos concordat com Alexandre Rodrigues Ferreira que o reconhecimento da flora e fauna da Amazénia nfo poderia ser trabalho para apenas um naturalista ou, apenas um século (FERREIRA, 1972) © DESFECHO DA VIAGEM PHILOSOPHICA Em trés de outubfo de 1792, Alexandre Rodrigues Ferreira retotnou & cidade de Belém do Pard, tendo aguatdado, por nove meses, a autotizagéo pata regressar a Por tugal. Enquanto esperava, aproveitou para observat ¢ descrever o fendmeno da Poro- roca’ na confluéncia dos rios Guana e Capim. Foi também durante este periodo de permanén na cidade de Belém que 0 naturalista conheceu e desposou D. Germana, Entio, filha do Capitio-general Luiz Pereita da Cunha, tesponsivel por culdar e en- viar as grandes caixas com as remessas ¢ relat6rios do naturalista, durante 0s anos da expedicio Viagem Philosophica, para o Real Museu de Histéria Natural, em Portugal. Ainda em 1792, tecebeu ordens pata retotnar a Portugal. Sua esposa no o acom- panhou, uma vez que 0 Capitio-general Luiz Pereira da Cunha, seu sogro, ainda mio huavia recebido autorizacio da Coroa para embarcar a filha, Em Lisboa, o natutalista foi reccbido com hontatias e tecompensado pelos servigos prestador & Coroa. Reece de D. Maria I, a condecoragio com 0 Habito da Ondem de Cristo. Nomeado Oficial da Sectetatia de Estado dos Negécios, assumiu incumbéncias que, nem sempre se coadu- navam com sua formago de naturalist, mas que consumiriam seu tempo de maneira considerivel. Com a morte de Julio Mattazzi, Alexandre Rodrigues assumiu a funcio de Diretor lnterino do Real Gabinete da Historia Naturale, decididamente, foi afastado da atividade que tanto almejara: clasifcar, catalogar e estudar todo aquele material que, durante nove anos, coletara em sua Viagem Philosopbica. 4s frustragdes de naruralista pesquisadoriniciado na Moderna Ciéncia ndo estariam encertadas. Com a invasio de Portugal pelo exétcito napoleénico e a ocupagio de Lis- boa pelas tropas do Marechal Junot, o Museu de Historia Natural de Paris recebeu uma carta do Ministro do Interior da Franca, Emmanuel Cretet, sugerindo a visita de um naturalista encarregaco das permutas com as instituigGes portuguesas. Em 1808, aten- dendo a solicitacdo do ministro francés, chegava a Portugal Etienne Geoffroy de Saint- Hilaire, As petmutas entre os gabinetes ¢ jardins botinicos franceses ¢ portugueses acabam por se revelar em um triste espeticulo de confisco de boa parte dos acervos de historia natural cxistentes em Portugal, principalmente aqueles encontrados no Muscu 7 Trata-se de manuscrito, cujarelagio encontra-se nos Anais da Janeiro (CABRAL, 1876). de Hist6ria Natural da Ajuda. Cutiosamente, foi Domenico Vandelli,entio Diretor do Gabinete de Histéria Natural de Lisboa, que foi acusado de colaborar ou omititse de responsibilidade diante do contisco francés, coordenado pelo naturalista Geofitoy de Saint-Hilaite (GOELDI, 1895). Posteriormente, alguns trabalhos le naturalists franceses foram atribuidos 3 usurpa- ‘Gio das Memérias de Alexandre Rodrigues Fetteita depositadas que se encontravam em Portugal, até 0 momento da invasto francesa, O pesquisador Emilio Goeldi (1895), em estudo e publicagio que levantou parte dos origimis de Alexandre Rodrigues Ferreira, ‘acusou 0 206ogo francés Geoflroy de Saint-Hilaie de praticarpilbagem com os matetiais do naturalist, Ele confitmou 19 espécies de macacos vindos do Brasil e, que em Pats, foram cassficados pelo zo6logo francés sem qualquer referéncia 20 naruralista brasileiro © lobo-guaré (Chrysocyon brackyurus); 0 boto vermelho (Inia geoffrensis); aves ‘como 0 nosso pavio-do-mato (Pyraderus scutatu), anamibé-preto (Cepbalopterus or ‘natus) ou toropixi (Cepbalopterus ornatus), também sio espécies que aparecem nas desctigdes € iconografias dos desenhistas que acompanharam Alexandre Rodrigues Ferreira e que, até hoje, tem suas descrigdes e classficacdes creditadas a Geoffroy de Saint-Hilaire. Examinando as iconografias da Viagem Pilosopbica, & possivel enten- der que algumas estampas inéditas foram confiscadas, cafram nas maos do zodlogo francés, que sem nenhum esentipulo as classificou (TEIXEIRA, 1992; CRULS, 1976; GOELDI, 1895). Embora alguns manuscritos € iconografias, com a queda de Napoledo, retornas- sem oficialmente a Lisboa, 0 saque promovido pela ocupacio francesa ocasionou um esficelamento do acervo que compuna a Viagem Philosophica, Alguns dos materiais teriam sido encontrados nas mos de particulares, conforme declaracio de José Vicen- te Barboza, do Museu Bocage em Lisboa. E 0 caso de refletirmos o porqué do herbirio coletado por Alexandre Rodrigues Ferreira encontrarse, até hoje, no Jardin des Plan tes em Paris, por sinal em péssimas condigdes de conservagio (SANTOS, 2001: 97).. ‘Ao que pese a responsabilidad ¢/ou omissao de Vandelli, de certa forma confirmada pela sua fuga ou banimento () para a Inglaterra apds o saque efenuado pela invasio francesa; ou a acusagio de Alexandre Rodrigues, frente a0 desleixo de Julio Mattiazzi, ‘para com 0 material que 0 luso-brasileiro coletou ¢ enviou da Colénia para o Museu da Ajuda, durante nove anos, no podem realmente set ignotados. Podemios imaginar o que aconteceu apés o herbirio da Viagem Philasophica seguir para Paris, ser simplesmente deixado em algum depésito e, inevitavelmente, ter suas etiquetas de identificagéo perdi. das ou misturadas, dando fim a anos de intenso trabalho de coleta€ classifcacao. Contudo, quando ocorreu a invasio das tropas napoleénicas em Pormugal (1808), ise iam quinze longos anos do regresso do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira 'A Viagem Phiosophica ‘© oempreendimento liuminista portugués no cy HISTORIA DA IDEAS: CIENCIAS NA MODERNIDADE Portugal; quinze anos em que jaziam as colecdes da Amazénia brasileira depositadas no Real Gabinete de Hist6ria Natural de Lisboa, 4 espera do trabalho de identificagio. ‘Ao que parece, a buroctacia seguia um ritmo bem diferente das ciéncias em Portugal. O resultado foi que a classificagio dos matetiais coletados na Amazénia, bem como o reconhecimento devido ao naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, aravés das publi- cagdes de suas memrias, nio vtia.a piblico, Nao antes de o naturalista falecer. Ainvasio francesa, a transferénca da Familia Real para o Brasil com um numeroso corpo diplomitico ¢, acima de tudo, o compromisso com a Inglaterra, favoreceu a, consequente, Abertura dos Portos (1815) na, entdo, Reino Unido de Portugal, Brasil Algarves. Tal fato propiciou a vinda de eminentes homens de ciéncia 20 novo reino portugués na América do Sul. Um periodo que grassou o interesse dos sibios estran- geitos pelas terras € habitantes do Brasil, o que resultou em grande contribuigio de nosso pais para com o estudo das ciéncias naturais A partir desse momento, muitos europeus, ilustres ou no desembarcaram na ci dade do Rio de Janeiro e, apds estagiarent pelos artedores da capital do novo Reino Unido, circularam e ou se estabeleceram pelo restante deste. Tratavase de especuladores de terras, comerciantes urbanos, préspetos investi ores, professores € homens de cléncla. Esses tlrimos com obfetivos bem definidos em relagao a grande atracao que sobre o resto do mundo exercia 0 ecossistema ame- ticano, em especial o Brasil, dada a oportunidade que se ofetecia na busca por novas cespécies, doencas, curas, fendmenes geogréfics, climaticos. Enquanto isso, Alexandre Rodrigues Ferreira, ainda em Portugal, lamentava a pi- thagem dos 9 anos de coleta que fizera na América Portuguesa. Lembrs-nos Emilio Goeldi que o naturalista ja se preparava para fazer parte do séquito que acompanhou a arquiduquesa D. Maria Leopoldina para o seu consércio com D. Pedro no Brasil, faro que ficou conhecido como a Expedicdo Alema (1817-1820) que, entre artistas € pesquisadores, trariam o naturalista Carl Friedrich Philipp von Martius eo zodlogo Johan Baptist von Spix. Entretanto, uma fatalidade faria com que Alexandre Rodrigues ‘no somente deixasse de acompanbar a expedigdo da arquiduquesa, como nunca mais cruzasse 0 Atlintico em diregio ao Brasil O naturalista, que sobreviveu a 39.000 quilémetros pelas matas inéspitas, espreita- do pelos petigos dos assaltos dos gentios, dos animais e patégenos, deixou-se vencer pela depressio, entregando-se a um entorpecimento dos sentidos através do alcoolis- mo. Em 23 de abril de 1815, morte vitima das sequelas do alcool. Um final que, du- rante algum tempo, seus bidgrafos (CABRAL, 1876; GOELDI, 1982; ROQUETE-PINTO, 11933; CORREA, 1939), preferiram ccultar, ao afirmar que sua morte teria sido causada somente pelo desgosto ou melancolia, talvez por acreditarem que a condicéo humana esta descolada do homem de ciéncia. 'A Viagem Phiosophica © 0 ompreendimento lluminista portugues na CABRAL, Alfredo do Valle. Alexandre Rodrigues Ferreira: noticias das obras manuseritas ¢ inéditas relativas 4 Viagem Philosophica. 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Frontispicio Alegético da Viagem Filosdfica, no qual supostamente Alexandre Rodrigues Ferreira, aponta o mapa do Amazonas, Madeira, Branco e Negro. Rio de Janeito, Biblioteca Nacional, Colegio Alexandre Rodrigues Ferreira Figura 03: Roteiro da Viagem Philosopbica realizada por Alexandre Rodrigues ertcra, In: FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem Filosdfic. Val. I: Ieonografia — Zoologia. Consclho Federal de Cultura, 1971. Figura 04: Viagem Philosopbica (1783-1793). Acatiguacu Prcudacanthicus histri: (Valenciennes, 1840) - Bacia Amazénica. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, Colegio Alexandre Rodrigues Ferreira. Figura 05: Viagem Philosopbica (1783-1793). [Cesto de Tatu] Euprhactus sexcinctus (Linnaeus, 1758), tarupeba - Regido cisandina da América do Sul. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, Colegio Alexandre Rodrigues Ferreira, Figura 06: Sterculia chicha. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, Colecio Alexandre Rodrigues Ferreira, Figura 07: Guaruba guarouba (Gmelin, 1788), guaruba, guarajuba, ou arajuba. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, Colecao Alexandre Rodrigues Ferreira.

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