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[Rousseau ea moralidade . republicana no Contrato Social wen Capttule || Ds elementos fundamentais da moralidade republicana 1 A vontade geral A nocio de Vontade Geral representa 2 contribuigdo mais original do pensamento rousseauniano e fornece a base da moralidade republicana ‘no Contato Social © termo jf havia sido usado por Montesqutieti com 0 significado vago de opinio publica, e por Diderot. Esse, no verbere da ou que “o individuo deve dirigit- se a vontade geral para saber até que ponto deve ser homem, cidadio, siidito, pai, filo ¢ quando The convém viver ou morrer”, Ela ¢ definida como um “ato de puto ent , € evita 0 enfraquecimento de nogies como ustica, virtude (Diderot, 2006: 81). Mas somente Rousseau atribui a vontade geral uma funcio especial para a criacio da sua moralidade republicana. Salinas Fortes a define como uma “ideia reguladora”, para realizar a sintese entreas duasexigéncias opostas:a de narurezs, na qual liberdade €absoluta por causa do isolamento, ¢ a da sociedade, que necessita de is e regras por causa da convivéneia, Essa vontade no pode ser corrompida pelas paixées e “se determina segundo o verdadeiro interesse Rovenes «a mevaldode do homem ou segundo a razio, pela qual o homem ndo pode deixar de 1 possivel” (Salinas Fortes, 1976: 78). Esse apelo & razio depende do fato de que os sentimentos e as emogdes dividem as pessoas, conforme mostrado pelas consequéncias provocadas pelos produtos do amorproprio, enquanto a razio as une e permite descobrir o que elas tem em comum. Esta abstracio das paixdes, bem como a recuse dos fatos histricos, sustenta a posigio do comentador bras também) sobre a qualidade puramente tedrica do contrato n ro (© nossa wseauniano. Também Althusser entende que esa vontade surge para dirigit a ma, porque ela “apenas tue existe 0 seu objeto: 0 interesse getal” (Althusser, 1976: 74) teresse individual ¢ 0 verdadeiro movente da alicnago total! e da consequente igualdade formal. © individuo quer para os outros as si, € 36 em funcio daquela igualdade Isso cria um paradoxo, Por ur lado, 0 surgit a sociedade, que se torna necessatia pela o de interesses que geram o estado de guerta, @ se torna possivel lade na hase de um interesse ou bem c teresse partic hh, pela acio de a 10 ou das facgSes que enganam e silenciam a vontade geral, como seri explicado mais adiante. Mas Rousseau cem 0s primeitos no segui ( interesse ou bem comum nfo significa somente de todos, nem da maioria, que pode ser constituida com base em objetivos particulares, pela convergéncia das opinides de um grande grupo. E o interesse de todos e de cada individuo, como componente do corpo ps devernos entender que Rousseau rejeite a egra da maior pode ser 0 processo de expressio ott de apuragao de opi ascembleia, ss deve valer somente se atende o interesse comum, no impormndo, nesse caso, a unsnimidade. O critério da unanimidade Aton obrigatério somente no momento do pacto: “car [association civile est acte du monde le plus voluntaire; tout homme éta de luiméme, nul ne peut, sous quelque pretexte que se puisse ére, Vassujetti sans son aveu’.”* Em outras palavras, um individue é livre para recusar 0 contrato @ ficar de fora da associagfo, perdendo a chance de ser cidadio. E nesse sentido que falamos de unanimidade daqueles que aderem voluntariamente a0 pacto. Essa unanimicade inicial sera faturamente a hase da concérdia e do vigor eivico (Shklar, 1969: 188).' © fundamento da vontade geral € uma moral objetiva, nfo influenciada por um pensamento 1e pode ser ath Eh permite manter a promessa individ por ocesiéo do pacto, de obedecer & lei e de relacionar a liberdade com o dever. Uma lei é moral ¢ legitima quando provém de todos como expresso da vontade geral, © rio s6 pelo fato de aplicarse a todos, fato que no impede que beneficie s6 a alguns (Monteagudo, 1999: 23). Uma lei nao pode ser considerada igual, portanto justa, se for aplicada e sujeltos desiguais ‘Apés a instituigao da soci jue se pergunta 20 cidadéo, numa assembleia, no é se ele esti de acordo com uma proposta de lei, mas se cesta segue 2 vontade geral. A minoria que discordava, na tealidadc, se ‘enganot, porque aquilo que pensava fosse a vontade geral, nfo era tal. Em todo caso, esta minoria fica juridicamente submetida & nova leis Assim, cevitase 0 riseo de pr em crise © corpo politico, todas as vezes que niio se alcanga a unanimidade, e 0 componente dessa minotia continua a ser livee quanto antes, tanto politicamente, porque mantém os direitos adquiridos pelo contrato social, quanto moralmente, porque se lei. Quanto mais for sadio © corpo politico, maior € a participagso dos cidadiios e maior é a probabilidade que aquela minoria tenda a zero € que @ aceite 0 set erro, porque entende que maior & a probabilidade que a decisio tomada atenda o bem comum. Mas, se 0 corpo politico chegou a tum grau de corupeio alto, esse grupo seri sempre mais numeroso e, linado a insistir no seu afastamento da vontade geral, considetando mais importante sua vontade particular. Rousseau observa que 0s individuos com pouco contato entre si cn pequenas diferengas nos interesses particular 4 natureza humana é a mesma para todos ¢s homens 4 no so maus voluntar Essa natureza nfo foi ai corrompida dentro das pequenas comunidades, as quais, ido pela agéo do legislador. Evidentemente, te resolvidas pela sobre questdes gerais, quando se toma nevessirio promulgar novas leis que devem expressar o que hé de comum na vontade de todos, e por um, povo suficientemente esclarecido. Dai a necessidade que o Estado seja bem ido desce a origem e que seja dada uma grande importincia a educagio civil, Dessa maneira, o povo nunca se deixari levar pela agio ou discurso de quem quer dividilo ou enganilo, como acontece com 0 de Paris ou de Londres. Nesses casos, de sociedades grandes ¢ jé afastadas da pureza original, a vontade geral pode ser silenciada, quando os vinculos sociais sio cenfraquecidos, mas nunca climinada. © individu que decide no mais Antone a consulta sabe que ela continua existindo, apenas acredita que os seus ganhos pessoais sero maiores do que as perdas softidas pelo fato de nao segubla mais."* Existe uma outrasituagio pela qual a vontade geral perde a sua fungto de ideia reyuladora das eobes dentro da repablica so de fuegbes, cujo efeito nefesto (como o mesmo via sido apontado por Maquiavel. Tratase de grupos. ido € o mais distante da vontade ge ‘aproximagio en membros aurnenta 03 ence 8 exigéncias, dando inclusive aquela sensacio de forca, por meio da qual os grupos pretendem impor a sua vontade. Claramente inspitado em Maquiavel,!® Rousseau admite que, caso se mpossivel d € admissvel crine de contrapeso A pri ue, em face de umm problema pritico, no s4o recusadas as solugses possiveis. Ao mesmo tempo, manifestase uma concepgio negativa das assembleias que podem ser um pretexto para as facsies aparecerem com um discurso pronte, num contexto s6 aparentemente 2, 2005: 87), com o fim de persuadie os outros sobre as Bes, iso €, de que os interesses elas representem os “© Assim, a vontade geral no nasceu e nfo pode ‘manifestarse numa assembleia tumultuada, nem pot meio de incessantes debates, que sio a prova das divisdes existentes, Resumindo, a vontade geral nao soma de vontades particulates, rmesmo que clas expressem uma maioria ou até « quase totalidade. I diferente da vontade corporativa, jé que nenhum grupo pode representar a vontade geral. E também difere da vontade de todos, que se prende a © Rowsseau admisevomente ura exept: quando un grave prigo ames eis ea soberano podem ser suspense, nomeandove entio deve ser de cura duracto bp. 65, 0 aus Contests Saciel a ‘um interesse privado que ocasionalmente pode coincidir. A vontade gral é aquela que ¢ a mesma pata codos, € compreendidds quando todos yertam das paixdes ¢ dos inceresses ‘0s homens, sendo rac pessonis, € sdo persuadidos que o seu bem € 0 comum ‘Agora temos que esclarecer a seguinte quest surge a Vontade Geral? Como © povo pode entendéta e exercba? Para responder, temos de voltar atr, as etapas anteriores nas quais houve formulagio do pacto. E somente depois dessa etapa que a multidio reunida seri transformada em povo pela aco persuasiva de um lider de estatura cexcepcional, o legislador, que ajudaré no processo de desnaturagio & de instauracio da Vontade Geral, com a criagao da soberania e a formulagio de leis. A partir desse momento, of individuos so cidadios de uma patria ¢ constituem um povo feu rte, ocidadao se define como membro do soberano} coneretamente, como um individuo cuja virtude essencial consiste no respeito as leis, na dedicagio ao coletivo © no amor a péeria, Esta é a repal jantida moralmente pelo exercicio da Vontade Geral ¢ pela educasio eivica Entio, iniciaremos com a critica de Rousseau as virias teorias desenvolvidas por outros filésofos sobre o poder, o direito ¢ os contratos sociais, para depois analisar a sua posigao sobte esses assuncos € 05 vos. A primeira ertica é & concepglo dla origem divina juan e como modelos 2. AXs caractertsticas do pacte rousseauniano ‘A etitica a0 poder paterno ¢ ao poder divino aparece nos primetros capttulos do Conérato Social, mas havia sido desenvolvida numa obra anterior, no Discurso sobre a ecmomia poltica, que, como mencionado pode ser considerada a primeira obra do segundo momento, 0 positiv, porque introdus virios conceitos € ideias que serio claborados rnte no Contrato Social. Em especial, a identificacso da “economia piblica” com 0 governo, ou poder executivo, que age no Ambito do particular ¢ tepresenta uma das maiores ameagas a vontade geral, Veremos que tal poder deve ser distinto e, sobretude, subalterno & tivo que envolve a totalidade dlo corpo politico, Encontrase nesse tratado 0 esboco de dois pontos bisicos desenvolvidos no Cantrato Social. Em primeito lugar, a oposicao Astonie Reise iz rousseattni A divisio dos poderes e a sua independéncia mawa, que cram pontos bésicos das teorias de Locke e Montesquieu. Em segundo lugar, a recusa da ideia da representagio, porque a vontade geral néo pode ser representada pela mesma razdo que nfo pode ser alienada (0 que para Rousseau constirui um absurdo filos6ficojuridico). Em particular, o corpo politico ¢ chamado de um “étre moral qui a une volonté”, e essa vontade geral é conti lares, pelas quis © membro do gonerno & em pret lugar ele mesmo, como indy depois, é magistrado; 86 por tltimo, & cidadao. Nesse caso, as deliberagoes feitas para o interesse piblico ficatm nas intengdes ou na aparéncia.* Rousseau critica a concepgio™ de que a economia deve reger @ politica, porauc seria mais um argumento para just a pretexto de contribuie para a “riqueza das nag6 deve ser 0 objetivo de um Estado, que deve visar ao bem piblico, a igualdade © & moralidade. Esta ide pensamento como um todo, s0 acaba nas maos de pouces, contr vamente ameagada pelas vontades pa nos parece cocrente com 0 seu se consideramos que esta riqueza jindo para aumentar as desigualdades. Sabemos que, em erego, “economia” & a administragio ou governo da casa. O tema foi tratado por Aristoteles na Politica, em que é clara @ distinggo entre © ambiente do “oikos” € o da “polis”. No primeito, as relacbes entre os membros so desiguais, de comando e de obedigncia, mas também de afetividade. Na segunda, valem o principio de isonomia © @ acto pela persuasio. O primeito € porque nio permite atingir a plenitude da condicio humana e comporta i¢80 da liberdade. Com 0 tempo, o termo adquitiu outro ado, mas sempre ligado a0 “prodigio dos governos antigos, que 1m mais, com parciménia, do que os nossos oo! 08 Ses tesoUros, ] Aprowicamos aqui o temo de Adam Smith

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