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Maria Elisa Cevasco DEZ LICOES SOBRE ESTUDOS CULTURAIS INTRODUGAO Um espectro ronda os departamentos de literatura das universida- des, da Austeilia a0 Alabama: os estudos culturais. Nas verses mais horrorizadas, anova disciplina veio para destruir a ata litera- tura, transformando refinados amantes de um Shakespeare ou de tum Guimaraes Rosa em fas de cultura pop e analistas de shopping centers. Naversio apologética, cla veio para fazer a revolugio e nio deixar pedra sobre pedra nos modos tradicionais dese fazer critica de cukura Este livro visa dar vida concreta a esse fantasma, mostrando como os estudos culturais surgicam em um determinado ambien- te sécio-histérico, suas r ‘com os estudos literdrios, suas pri meirasconquistastesricas eseu projeto intelectual —que inclui cer- tamenteo estudo da cultura dita popular e dos fendmenos da vida cotidiana ~, mas reserva espaco para um novo modo de ler a alta cultura, Como tantas outias disciplinas anteriores, vieram para suprir as necessidades intelectuais de uma nova configuracio sbcio-histérica. Estas dezligSes sio dedicadas aos estudantes de ciéncias huma- nas ¢ demais interessados no debate cultural contemporineo. Oferecem uma visio introduréria, que pode ser complementada pelas sugestées de leitura que acompanham cada ligéo. Procuram fazer um acompanhamento historico, desde o surgimento da dis- ciplina na Gra-Bretanha dos anos 1950 — em aulas noturnas para trabalhadores — & sua floragio como item de exportacio da acade- sia inglesa eespecialmente norte-americana. Buscam tragar afor- magdo social de onde surgem, suas formulagBes teGricase posturas politicas ¢ as transformagdes que novos tempos determinam na disciplina, Como se trata de um fendmeno que, na sua origeme no atual ponto central de disseminacao, esté localizado na Gra-Bre- tanha choje mais nos Estados Unidos, o foco destas dezligesestd voltado para esses paises eem especial para a obra mais produtiva de Raymond Williams (1921-1988) cade Stuart Hall (1932. afinal, como brinca Hall, os estudos culturais surgiram no momento em que ele conheceu Raymond Williams ¢ em seguida tocou um olharcom Richard Hogeart! Para beneffcio do estudan- ce brasileiro, atltima ligéo procura estabelecer uma ligasao entre estudos culturaise formagoes intelectuais brasileiras Cercamente estas primeiras ligbes apresentam um ponto de vista especifico sobre os estudos culturais e visam contribuir para estabelecer uma posigio a partir da qual seja possivel avalias, com base no que é foi, os rumos que interessa dar a essa nova disciplina em straimportagio paraa academia brasileira. para nossa conver- sagao sobre cultura. O TEMA “CULTURA E SOCIEDADE” ‘Toda definigiode disciplina da érea de ciéncias humanas pressup5e, em menor ou maior grau, uma concepcao do significado de cultu- ra, Esse grau est4 maximizade em uma disciplina como estudos de cultura, que jaa coloca como seu elemento fundante. Certamente muitos outros paises tiveram umaowoutra forma de estudos de cultura muito antes que essa etiqueta se transfor- ‘masse na marca de uma disciplina ascendente nos departamen- tos de humanidades a partir da segunda metade do século XX. Maso fato é quea disciplina se constituiu primeiro na Inglaterra ‘nos anos 1950, e daf interesse maior cm examinar essa forma- cdo especifica. VERSOES DE CULTURA A palayra “cultura” entrou na lingua inglesa a partir do latim colere, que significava habitar ~ dai, hoje, “colono” e “colénia’s adorar ~hojecom sentido preservadoem “culeo”;e também cxl- tivar~ na acepcio de cuidar, aplicado tanto 2 agricultura quan- t0 08 animais. Esta a acepg0 preponderante no século XVI. Como metéfora, estendeu-se 20 cultivo das faculdades mentais cespirituais. Atéoséculo XVIII, culeura designava uma ativida- de, era cultura de alguma coisa, Foi nessa época que, ao lado da palavra correlata “civilizag0”, comegou a ser usada como um substantivo abstrato, na acepgio nao deum treinamento especi- fico, mas para designar um proceso geral de progresso intelec- ‘ual e espiricual tanto na esfera pessoal como na social - 0 pro- 10 estubes cuLruRAIS cesso secular de desenvolvimento humano, como em cultura ¢ civilizagao eucopéiz'. Durante o romantismo, em especial na Inglaterra e na Ale- ‘manha, passoua ser usada em oposigao a seu antigo sindnimo, civi- lizagdo, como uma maneira de enfatizar a cultura das nagées edo folclore ¢, logo, o dominio dos valores humanos em oposigio ao cariter mecinico da civilizagio” quecomecava aseestruturas com a Revolugio Industrial. Trata-se de uma virada semntica notdvel, que dé noticia de uma intensa transformagao social. “Culeura’ e “civilizagao” sao palavras a um s6 tempo deseri- tivas (como em civilizagao asteca) e normativas: denotam 0 que 4 mas também 0 que deve ser (basta pensar no adjetivo “civili- zado” ¢ seu oposto, “barbaro”). No decorrer dos processos radi- cais de mudangas sociais da Revolugio Industrial, foi ficando cada ver mais evidente que o tipo de “desenvolvimento huma- no” em curso em uma sociedade como ainglesa nfo era necessa- riamente algo a ser recomendado. O fato de, em especial ao longo do século XIX, « palavra ter adquiride uma conotagio imperialista (“civilizar os barbaros” era um mote que justificava a conquista ¢ a exploragéo de outros povos) contribuiu para a virada de sentido. E nesse processo que “cultura’, a palavra que designavao treinamento de faculdades mentais, se transformou, a0 longo do século XIX, no termo que enfeixa uma reacao uma eritica—em nome dos valores humanos A sociedade em proces- so acelerado de transformagio. A aplicagio desse sentido as artes, como as obras e préticas que representam ¢ dio sustenta- ‘slo ao proceso geral de desenvolvimento humano, ¢ preponde- rantea partir do século XX. Em meados desse século os sentidos preponderantes da palavra cram, além da acepgio remanescente na agricultura ~ cultura de " Ver exe reapeito Raymond Willams, Keyword: A Vocabulary of Calle and Scien Loire, Fonana, 1976. T | PRimeima Ligha 1t tomates, por exemplo -, o de desenvolvimento intelectual, espiri- tual c estético; um modo de vida espectfico; ¢ o nome que descre~ vveas obras e praticas de atividades artisticas. Uma das coisas que ficam evidentes nesse apanhado répido das mudangas de significado de cultura é que o sentido das pala- vvras acompanha as tcansformagbes sociais ao longo da histéria ¢ conserva, em suas nuancas econotagdes, muito dessa histéria, Na Inglaterra dos anos 1950, momento de estruturacao da disciplina de estudos culturais, o debate sobre a cultura parece concentrar muito do sentido de mudanga em uma sociedade que se reorga- niza no segundo pés-guerra. Raymond Williams (1921-1988), figura central na fundagio dos estudos culturais, conta como a palavra cultura comeca a ser cada ver mais usada como eixo dos debates desses rumos. No processo, uma de suas acepgSes de antes da guerra, a da distingio social, cultura como posse por parte de um grupo seleto, comega a desaparecer ¢ a dar lugar & preponderincia do uso antropolégico, cultura como modo de vida. O outro sentido de culeura, designando as artes ¢, no con- texto inglés em especial, a literatura, se inflete com a predomi- nincia da crftica sobrea criagéo, um dos eixos do projeto intelec- tual dominante na academia inglesa, 0 Cambridge English, assunto de nossa préxima ligio. © que Williams percebia nessa concentragao do debate eram os primeiros passos gigantescos da nossa “era daculeurs’, assim deno- minada pelo predominio dos meios de comunicagao de massa e pelo desvio do contlito politico e econdmico para o cultural, mar- casdotempo presente. Um bom exemplo para se entender essa ili- matendénciaé aénfasedeum estrategista militar, Samuel Hunting- ton, que, em um ensaio paraa revista Foreign Affairs de 1993", prevé quea fonte fundamental dos conflitosem nossos dias nio primor- 2 Samuel Funsngon The Cah of Cvilaion, tn Firegn Afr, 72 (3), 1993, p22. (dio beater O cheque der clisapb Rio de nero Oljare, 27) 12 estuoos cuctuRais dialmenteideol6gica ou econémica, “As grandes oposigées entre as expécies humanas ea fonte dominante dos conflitos sero cultt- sais”. Eclaro que Huntington pressupée ai quea cultura é dissocia- da da economia, da ideologia e da histéria Ironicamente, 6a inter- penetragdo cada vez mais evidente dessasesferas que marca nossa era da cultura, quando opoderio econémico seentrecruza com aexpan- stocultural ~basta pensar no cinema de Hollywood ou na america- niizagao do modo de vida de largas faixas do planeta — ea produgio. condmica com 0 conyencimento ideolsgico — mercadorias ¢ pro- paganda so duas faces da mesma compulsio de criar novas necessi- dadesem muitos ¢ dar a poucos a possibilidade de saisfazt-las, Jana década de 1950, ficou claro para Raymond Williams a necessidade de tomar uma posigio sobre a cultura ede intervir no debate para demonstrar as conexées entre as diversas esferas e sal- ‘vaguardar 0 conceito para um uso democrético que coauibutsse para a mudanea social. O ponto de vista da inter-relaco entre fendmenos culturais ¢ socioeconémicos ¢ 0 impeto da luta pela transformagio do mundo sio.o impulso inicial deseu projerointe- lectual. Escrevendo em 1961, diz: (..) ness alrura ficou ainda mais evidence que nio podemes entender © processo de transformasio em que estamos envolvidos se nos lit tarmos a pensar as revolugdesdemocrética, industrial e cultural como processes separedes. Todo nosso modo de vida, da forma de nossas comunidades’ organizasao econtetido da educagao, e da estrutura da famflia zo estatuto das artes ¢ do entretenimento, estd sendo profun- damente aferado pelo progresso c pela intcragio da democracia eda industria, c pela excensdo das comunicagées. A intensificagio da evo- Jugio cultural éuma parte importante de nossa experi niffcativa, ¢estdsendo incerpretada e contestada, de formés bastante cia mais sig- 5 Ciudo em Pery Andeson. A chilragio seus siiieados. In page ~ Revie de Eades ‘Martisas, 1.2, Si Palo, Boitempo, 1997, p. 27. i PRIMERA LiCko 13 ‘complexas, no mundo das artes edas idéias. E quando tentamos cor- relacionar uma mudanga como esta com as mudangas enfocadas em disciplinas comoa politica, a economia eas comunicagbes que desco- bbrimos algumas das questdes mais complicadas mas também as de ‘maior valor humano.* comportam as questdes queinteressa formular, Para lidar com as novas complexidades da vida cultural é preciso um novo voca- buldrio ¢ uma nova maneira de trabalhar: jé esta dado nesse momento o passo que leva i estruturacio dos estudos cultutais. No obra de Williams esse passo implica um mergulho histérico nos modos pelos quais a cultura foi sendo concebida ao longo da histéria inglesa moderna. Antes de deslocat as concepg6es € énfases do debate sobrea cultura, épreciso mapear seu desenvol- vimente histérico. A TRADIGAO “CULTURA E SOCIEDADE” Oeestudo classico de reconstituigao histérica dos discursos pre- ponderantes sobrea cultura natradigio britinica éolivrode 1958 Culture and Society, 1780-1950", de Raymond Williams, ao lado deletemos The Uses of Literacy, de Richard Hoggart (1957),¢ The Making of the English Working Class (1963)', de Edward P. Thompson — os trés considerados, nio por acaso, os livros fun- dantes da nova disciplina. O livro de Williams examina as idéias sobre cultura esocieda- de enfeixadasnamudanga do significado de termos como os pro- + Raymond Willams, The Zong Revelation. Londies, Chat and Windus, 196, px > Lem, Cuhure and Soety 1780-1950 (1958). Londres, The Hoggath Pres, 1993 (digo base: Cuba ¢ cede, 1780-1950, iad. Leosides H. B. Hegenberg, Sio Paulo, Companhia Edzora Nacional, 1963] S Bligo baslei: A formato da clase rabelbadraiogla. Ted. de Renato Bussato Neto ‘Chai Rocha de Almeida e Dense Borman. 2 vols Sto Taub Pz «Tera 1988, prios cultura e sociedade, ¢ mais indvstria, classe e arte desde os primeiros anos de consolidagao da Revolucao Industrial até 1950. O foco do interesse nas mudangas seménticas é que elas encapsulam ¢ informam reagoes as intensas mudangas sociais. As ruangasde significado desses termos sfo vistascomo um registro ¢ uma reagdo &s modificagées sociaiscausadas pela Revolugao Indus- trial e pela implantacio de uma ordem capitalista hegeménica na Inglaterra a partic do século XVIIL. Foi com esse livro que ficou cestabelecida a existéncia de uma tradicio inglesa de debate sobre a ‘qualidade da vida social: de diferentes pontos de vista politicos, os pensadores agrupados nessa tradigo vio constituindo um discur- s0 de critica cm relagao 8 nova sociedade industrial, Williamslocaliza tradicao em obras de autores que o saber tra- dicional estuda em separado: estéo li analistas politicos, publicis- tas, poetas, romancistas, criticos literérios. As linhas principais da tradigio jéestéo dadasnos anos 1700. Porum lado Edmund Burke (1729-1797), 0 feroz opositor da Revolugio Francesa, ¢ por outro William Cobbet (1763-1835), 0 polemista defensor de uma clas- se trabalhadoraquese organiza. Deixando de lado a oposigio usual da histéria das idéias entre um conservador e um radical, Williams demonstra queambos (..) criticam a nova Inglaterra a partir de sua experiéncia da velha Inglaterrae do inicio com seustrabalhasatradigées fortes de critica da novademocracis edo novo industialismo, tradigbes quem meados do século XX ainda sio ativas ¢ relevantes.” Na linhagem tragada por Williams, a tradigao iniciada por Burke e Cobbet continua nas obras de Robert Southey (1774- 1843), um dos fundadores do novo conservadorismo, para quem 0 Fstado devia cuidar da satide fica e moral dos pobres antes que Raymond Willams. Galtare and Scien... 0p ele 4. PRiweIga Ligho 15 estes se revoleassem, que 6 responsabilidade de toda a sociedade “o cuidado ea cultura” de todos; ede Robert Owen (1771-1858), uum dos fundadotes do socialismo e do cooperativismo, para quem, a natureza humana nZo é um dado estético, mas o produto de um modo de vida, de uma cultura, Com os poetas romanticos, em especial William Wordsworth (1770-1850) ¢ Samuel Taylor Coleridge (1772-1834), entra com forga a acepsio de cultura como, nas palavras de Wordsworth, o “espirito encarnado de um povo", a medida da exceléncia humana, o tribunal perante 0 qual ‘ram julgados os valores reais em oposicio aos valores “ficticios” do mercado ¢ de outras operag6es similares do comércio e da induis- ttia, Se por um lado essa acepsfo eleva o conceito e conduz.a uma visio ativa da culcura como intervensio na sociedade, por outro a colocacomoum absoluto, um dominio tinico, serrado das rlagSes reais ¢ materiais. Um ponto alto desss tradigéo & figura de Matthew Arnold (1822-1898). Varios de seus temas e diregGes encontram expres- sGo em sua obra. Como os pensadores que o precederam, Arnold tem de se haver com as rupturas ¢ crises de uma sociedade cada vex mais industrializada. As injusticas na distribuigio das tique- 2as inerentes a um sistema que concentra a renda nas mios de poucos alimenta a divisio social. A religiéo, poderoso elemento apaziguador das tensde: sociais, comega a ser desacreditada pela. visio secularizada da cigncia. E nesse momento que a cultura é chamada a desempenhar um novo papel social, o de apaziguar e organizar a anarquia do mundo real dos conflitos e disputas sociais. Confrontando as irrupgées socizis dos anos 1860, quan- do as classes trabalhadores exigem o direito do voto, ele faz suas recomendagées pata o restabelecimento da paz social: Permitam-me recomendara cultura como um de nessos prineipais aux liaresdiance das dficuldades atuais, a culeura como busca da perfeigio Por meio do conhecimento, em todas as quest6es relevantes, do melhor que foi persadoe dito no mundo, e, por meio dese conhecimento, a Karl Maree Fieiich Hngeb. Peficioa A Cantnibcion 0 he Crigue of Polical Economy 1859), Idem ibid, Quarta Lighe 67 Ji.no ensaio citado, o Culture is Ordinary, de 1958, Williams ressalva que a nogio de uma base econdmica subjacente eda supe- restrutura determinada por essa base é mais complexa do queades- ctigdo sugere. Em seu trabalho subseqiiente, esclarece que anogio de determinagao em Marx € muito mais sutil do que a acepyao de leis inescapiveis. Trata-se de pensar a determinacio nao como algo inexorivel, que ndo deixa lugar para aagéncia humana, mas como o exercicio de pressdes ¢ 0 estabelecimento de limites. A frase de Marx do 18 Brumério, os homens fazem suahistéria mas no nas condigées que escolheram”, exprime bem essa dialética entre a¢éo humana condigées pré-dadas. Um outto problema tedrico causado pelo modelo explicativo ‘marxista convencional é que pode deixar a porta aberta para um retomo das formulagSes idealistas. A metéfora da base/superestru- turaabreespago paraa colocagio das artes em um dominio separa- do, obscurecendo o fato de que a produgio artistica é ela mesma material, nio s6 no sentido de que produz objetos e notagSes, mas também no sentido de que trabalha com meios materiais de pro- dugio. Aquestio central élevar as tltimas conseqiléncias a contri- buigio do materialismo histérico, acabando de ver com descriges idealistas e logrando ver as artes como priticas reais, elementos de um processo social totalmente material, e ndo como “um reino separado das artes ¢ dasidéias, da ideologia, da estética ou da supe- restrutura, mas de muitas préticas produtivas e variveis, com intengSes especificase condigdes determinadas”” Para Williams, é preciso levar adiante o legado de Marx: “Aprende: com Maranio éaprenderférmulasoumécodos,€issocmespe- cial(... naquelas partes de eu trabalho, sobreasartes asidéizs, onde ele ‘io fo capaz de desenvolverou de demonstra suse sugestbes mais inte- Raymond Wiliars. Mersin and Litter, Oxford, Oxfrd Univesiy Press, 1977, 9.94 68 EsTuDos cuLtuRAIS resaances, ou em que sofreu efetivamente a imiragoes das ideas domi- nantes de seu tempo, As duas dreas em que essa falta de desenvelvimen- (0 sio mais limicantes sio, em primeiro lugar, ahistériasocial e material dosmeios edas condigoes de produgio cultural, ue precisa ser estabele- «ida em seus pr6prios termos como uma parte essencial domaterialismo hiswérico;e,em segundo lugar, a nacureza dalinguagem, que Marx eco- snheceu, de forma breve, como materiale descreveu como consciéncia pritica, mas que precisamente por esas rarBes éum elemento mais cen- ‘tale fundamental de todo 0 processo social do que foi reconhecido em ‘concepgées posteriores de “manual e mental”, “base e superestrutura’, “‘edlidade cconscigncia”. Esomente nos sentidos mais ativosda produ- «gio material da cultura eda linguagem como um process sociale mate- Fal que é possivel desenvolver um teoria da culeura, que pode agora ser vista como parte necessiria¢ até mesmo central da toria mais geral de Marx da producao edo desenvolvimento humanos.” ‘No momento da formacio dos estudos culturais épossivel levar adiante © legado de Marz nio pelo motivo banal de que se sabia mais do que ele, Se pensarmos na proposicao teérica fundamental da relagio dialética entre projeto ¢ formagio, vere mos que foram ‘mudangas na formagao social que permitiram as novas formula- {gbes tedricas. As condigées de possibilidade da nova armagio dos estudos culturais foram, entre outras, uma perspectiva tangivel de mudangas radicais na estrutura social dos anos 1950-1960. Sus- tentadas pelo ciclo expansivo do capital no segundo pés-guerra, essas perspectivas embalaram a década revolucionaria dos anos 1960, quando, em um mundo sacudido pelas revolugdes liberta- doras no Terceiro Mundo ¢ pelos movimentos de massa como 0 dos Direitos Civis nos Estados Unidos e o CND (Campanha de Desarmamento Nuclear) na Gri-Bretanha, parecia que “nada seria ‘como antes amanha’, ' Tem. Mave on Caleare 1983}. In Francie Mulhern (org) What J Comet Say. Lande, Hutchinson Rass, 1989, p. 224 QuARTA Licko 68 ‘Como explica o economista Ernest Mandel’, todo esse sent: mento de mudanga dé noticia de uma modificagio estrutural do capital, a que ele chama de capitalismo tardio. Trata-se de um momento em que, longe de termos uma sociedade pés-industria, como adesignam os idedlogos, emos, pela primeira veznahistéria, tama “industrializacio universal generalizada’. A mecanizagio, a escandardizagio, a superespecializagio e a divisio do trabalho, que antes determinavam apenas a esfera da producio de mercadorias nas fibricas, penetra agora em todos os setores da existéncia ~da agricultura& recreagio e, & claro, & producio cultural. Assiste-se af também ao que ele chama de “imecanizagio da superestrurura’, ou seja, a penetracio da cultura pela expansio e mercantilizagio da industria cultural. Nunca se produziu tanta cultura ¢ nem tantos meios de comunicagio diferentes como a partir dos anos 1960, ¢ nem nunca ela foi to elaramente um produto feito ¢ consumido para azeiraro funcionamento do sistema vigente. ‘A expansio da quantidade de meios de produgio cultural pos- sibilitou a percepcao clara de uma qualidade definidora desses meios, ou seja, so praticas de produgio que fazem uso seletivo de meios materiais como, para dar alguns exemplos, a linguagem, as tccnologias da escrita ou meios eletrBnicos de comunicagao, a fim de dar forma aos significados e valores de uma sociedade espectfi- ca. Esscs significados sio culturais, adquirem existéncia percepti- ‘vel pot meio dessas formas culturaise sio modificados na medida ‘em que entram em conjungo com pessoas em situagies expecifi- cas que os podem aceitar, modificar ou recusar. Assim, nao é de admirar que Williams, Hoggart e Thompson tenham se interessa- do pela cultura dos de baixo, buscando formas de resistencia a cul- ‘ura capitalista nos significades, valores e conhecimentos produzi- dos pelos que o sistema deixa de fora e explora. 9 mest Mandel. Late Capitlom, Landes Verso, TR. Outra percepsio facilitads pela sociedade dos meios de comu- nicagio de massas é que a producao cultural sempre esteveligada a processos de dominagio e de controle social. Na conjungio hist- rica atual, de uma sociedade cujas técnicas e abrangéncia dos modos de veiculacio de imagens stingem um alto grau de desen- volvimento, a anilise ¢o esclarecimento dessas formas podem constituir um modo eficiente de luta. Vé-se que a localizagio do projeto deestudos culturais em uma instituigao destinada ao ensi- no democritico da classe trabalhadora no momento em que essa sociedade do capicalismo tardio di seus primeiros passes € consti- tutiva da forma do projeto. Para Williams, hé um trabalho funda- meatal aser feito cm relagio Adominagio cultural, Num ensaio de 1977, ee resume tarefaaberta aos que nioesto satisfeitos com a situagio como esta: Acredito que sisternade signifcados valoresque asociedade capitals ta gera tem de ser derrotado no geral eno detalne por meio de um traba- tho intelectual eeducacionsl continuo, Esteéum processo cultural aque denomine’ a longa revolugio, ¢, ao farélo, eu tinha em mente que era uma parte das batalhas necessirias da democraciae da vtériaecondmica da classe trabalhadora organizada."* ‘Nao se trata af de uma hipéstase da cultura como o dinico modo de luta nem do idealismo atroz de pensar que somos nés, cestudiosos de culeura, que vamos Fazer sezinhos a revolugio. Mas trara-se certamente de uma codificagio tedrica (e disciplinar ~ se lembrarmos que os estudos cultuzais vém dai) de uma percepsio da experitncia da vida contemporanea, marcada pela expansio vertiginosa dos meios de comunicagioe pela invasio, pelas neces- sidades da sociedade das metcadorias, de todas as esferas da vida Wie a Mars, eerie you! In Raymend Londres, Vers, 1989, 9.76. OUARTA Gigho 78 humans, das mais amplamente politicas 4s mais estritamente pes- soais, configurando 0 processo de aculturagio abrangente que rege avida em noscos diss. Decorte dai muito do potencial cognitive ¢ oposicionista dos estudos culturais. Esse potencial esté evidente na formulacio teérica de um materialismo cultural ens andlisesinformadas.e minuciosas ‘que, a partir dessa posiglo teérica, Williams faz de textos literios, detilmes, da forma dosantinciosoudas ransmissSesde noticias pela televisio. Sua posicéo abre um enorme campo para que se levem a efeivo andlises das formas ¢ das formagées culturais. Entretanto, oF estudos culturais escolheram muitas vezes outros caminhos, mais condizentes com as novas formagées sécio-histéricas, SEQUENCIAS HISTORICAS: ‘Todos sabemos que as revolugdes prometidas pelos anos 1960 no lograram modificar 0 mundo, muitas de suas conquistas foram revertidas na crise econémica dos anos 1970 e, especialmente, na marcha paraa dircita que marcaasdécadas de 1980. 1990, marcha ilustrada de forma poderosa pela presidéncia em dois mandatos de Ronald Reagan nos Estados Unidos (1980-1988) e pelo longo (1979-1990) reinado neoliberal da primeira-miniscra britanica MargaretThatcher,adama de ferro. Essa reversio ideolbgicavisava responder Acrise econémica coma formula consagrada de conten- ‘¢50 dos gastos, apertona distribuigSo de rend, maiorconcentragio do poder do Estado. As energias libertétias dos anos 1960 séo re- contidas e vemos um endurecimento das relagies sociais entre as diferentes classes sociais ea diminuigo da atividade de resisténcia das instituigées, inclusive (como sempre) das universidades. © que acontece com os estudos culturais nesse cenério? Jé nos anos 1950, como um dos efeitos da politica da Guerra Fria, com seu temor ao comunismo, instalou-se uma prdtica de repressfo aos movimentos operirios, embora o establishment continuasse a apoiae suas insticuig6es culturais. A politica tradicional daluta de 72 estuoos cuturais classes — com movimentos de massas, greves ¢ luta pelo controle dos meios de producio se transforma para acomodar as mudan- ‘525 na configuragio politica. Como diz. um dos historiadores da formagao dos estudos culturais, “a politica nos meios de produsio se deslocou para a politica nos meios de representacio””, Esse movimento, portum lado, dénoticia das dificuldades das lutas para ‘uma mudanga radical da organizacio da sociedade, No Ambito da cultura, aénfase no aspecto politico da representagio possibilicou, entre outras coisas, 0 extraordinétio florescimento dos primeiras produgies da disciplina como o brago cultural de intervengio de uma Nova Esquerda. (Com a retragio dos movimentos operitios, a WEA foi perden- do significasao politica ~ muitos de seus professores mais icono- clastas foram absorvidos por universidades, Williams tornou-se professor em Cambridge e, a partir daf, um pensador profunda- mente original das questées culturais. Thompson foi por uns tem- os para a Universidade de Warwick e Hoggart acabou indo para Birmingham, onde, a partir do departamento de Inglés, fundou, em 1964, 0 Centro de Estudos de Cultura Contemporanea, que disigiu até 1968, Depois se transformou em assessor da Unesco. Hall, que sucedeu Hoggart, dirigiu o Centro até 1980, quando foi para 2 Open University, o programa universitério que substituiua interagzo professoraluno, que tanto marcara a WEA, pelas aulas por televisio e rédio para um grande niimero de pessoas. Apattir de Birmingham e de alunos desses primeiros mestres marcantes, adisciplina foi sendo instituida em diversas universida- des dos dois lados do Adlintico ~ nomes importantes da disciplina nos Estados Unidos como Lawrence Grossberg, Hazel Carby e Michael Denning estudaram no Centro. Mas as marcas desua ori- gem convivem de forma incdmoda com os padréesrigidos da ins- titucionalizagio universitétia, "Tam Sele, Te iergne of Calbural Suc, Lond, Lawrence & Wishart 1997, p. 208 ouneta Ligko 73 ‘Até hoje hi dificuldades de definir seus limites enquanto pro- grama académico, Como projeto interdisciplinar, os estudos cul- turais se situam em um amélgama de quatro disciplinas: Estudos das Midias, que, no Brasil, encontram-se nas escolas de comunica- ‘io. histéria, sociologiae, principalmente, Inglés. Masa énfaseesté ‘em diferenciar-se dessas disciplinas. Do Inglés, retiveram o interesse no texto e na textualidade, mas inclufram formas populares de cultura ultapassando o paradigmade cestudos de lingua/lcerarura que caracterizavam a disciplina. O pré- prio conceito do que ¢ literatura ¢ repensado, ¢ 0 canone, a lista das ‘obras consideradasgrandes, éampliado paraincluira produgao silen- Louis Akhuse: Maniar and Huraniam [1964 le For Mere Trad Ben Brewster. Landis, Vero, 1996,p. 233. [Edigto bain fivorde Mar Tend, DcesLindove, Rio de Jone, akan 1979) » Scat Hall Calera Sees Two Paral dies A Reade, Lonites, Aino, 1996, p41 1979]. fa SeoreyJ- (og): What is Curl Se 102 estuoos cuLrunais sua histéria mas nio em condigSes que eles escolheram, podemos simplificar a polarizag4o entre os dois paradigmas de que fala Hall dizendo que os culturalistas colocavam a &nfase na primeira parte da proposigio: os seres humanos tém sido ao longo da historia agentes damodificagéo social Paraos estruturalistas,aénfase recai nascondi- .oesdererminadas. Representantesdo que Hall chama deculruralistas, como Williams e’Thompson, aliam trabalho intelectual e militincia politica. Os escruturaistas vem no oximoro “pritica teérica’, frase preferida por Althusser, sua “militincia” em termosde ala teoria. ‘Ainda segundo Hall, a convivéncia coniflicuosa entre esses dois paradigmas foi interrompida pela “invasio” de uma outra proble- matica que veio reditecionar muito do debate intelectual. Trara-se da irrupeao do feminismo, que, na recordacio de Hall, “arrombou porta ¢, como um ladrao no meio da noite, interrompeu tudo 0 que se estava fazendo e virou a mesa dos estudos culturais”” Um niimero expressivo de mulheres envolvidas com a New Left jd tinha publicado obras seminais do feminismo britinico. Sheila Rowbotham, instrutora da WEA, antecipara muito do trabalho de recuperagio das vozes femininas silenciadas por uma sociedade pattiarcal em seu Hidden from History: Rediscovering Women in His- sory from the 17* Century to the Preent” (1973). Jiem 1966, Juliet Mitchell havia publicado um ensaio que seria fundamental para o desenvolvimento de um socialismo feminista: Women: the Longest Revolution’. Nesse ensaio, escrito com fortes acentos estruturalistas, la examina a condigio da mulher como superdeterminada ¢ cons- tituida pelainteragiocomplexade quatro estruturas: asda produgio. econdmica, da reprodugao, do sexo e da socializacao das criangas. A “Idem. Cultural Studies ad i Theresia Legacies [1992], Republicidoem David Marky € Kaan-Hsing Chen (ong). Stare Hall: Critical Dialogues in Catal Studies. Lande, Roa- Hedge, 1996p. 263. 5 Sheda Rowbotham, Hidden From Hisry:Redionring Vomen in Hiner fm te 17* Cotary tothe Pent Nova York, Vincage Books, 1973, ‘JuleeMiechell Wom: The Zee Rnalaton. Lande, Vesa, 1986 SexTs Ligho 103 frente central em um movimento de emancipagio da mulher éada produgio: elas teriam de entrar no mercado de trabalho como pro- dutoras, e suas estratégias deveriam se voltar para a modificagao das {quatro estruturas, Sé assim se poderiair contra asituagao corrente de opressao das mulheres. Aimtervengio feminista no Centro —a virada de mesa de que fala Hall - estd registrada no volume de 1978 dos Working Papers, o Women Take Issue, Essa intervengio, sempre segundo Hall, reve pelo menos quatro conseqiiéncias importantes paraos estudos cul- turais: primeico, a aberturada questo “O pessoal politico”, moto feminista, quetraz uma mudanga nos objetos de estudo doCentro cenasnecessidades tebricas de organizé-los; segundo, hé uma expan- «so radical da nogio de poder até entio aplicada apenas ao dom{nio do piblico; terceira,a centralidade das questées de género csexuali- dade para entender como esse poder se manifesta de formas diferen- ciais, ¢, em quarto lugar, o retorno das questées do sujeito ¢ da sub- jetividadeparao centro das preocupacées da disciplina. Ligadoaessa ampliagie hi um quinto movimento, o de aproximagio com a psi- candlise, Essa eproximacao jé esta exemplificada na obra de Juliet Mitchell, que se voltou para oestudo de Freud, ¢ se amplia em espe- cial nas refertncias & releitura do francés Jacques Lacan do legado de Freud. Como se sabe, essa releitura substituiua base biclégica dafor- magéo da subjetividade deste por uma teoria da forrmagio dessa sub- jetividade por meio da linguagem e de outros sistemas simbélicos, tum dos campos de atuagio preferenciais dos estudos cultura. ‘Acutra grande irrupgio que mudou a diresio dos debates no Centro foi a das questbes de raca. Parte importante das discuss5es que mudam a perspectiva de onde se olham os fendmenos cultu- ‘ais para incluira dimensio da raga esti no volume coletivo de 1978, Policing the Crisis’, e no liveo de 1982, The Empire Strikes 7 Saat Hill t li Paling the Csi Mugg th Sete, and Lew and Order. Londres. Mace Milan Pres 1952. 104 estvoos currunars Back’. Policing the Crisis é um marco importante nos rumos do Centro € dos estudos culturais sob sua érea de influéncia. Por uma via, retoma a énfase na experiéncia social real: 0 ponto de partida é a condenagdo de um jovem negro por assaltar pessoas, ha rua avinte anos de prisio, na ondade um medo generalizado de assaltos quetomouconta da Gri-Bretanha. O préximo passo € ligar panico social a estruturas mais complexas da sociedade: longe de ser espontineo isolado, esse medo€ parte de um pro- cesso de preparacio ideolégica em tiltima andlise ligado & crise social e 20 Estado, que passaria a reivindicar um papel muito mais ativo na coergao social. O Estado estaria explorando 0 medo dos negtos, dos jovense da criminalidade para ceiar um “pani co moral” que por sua ver justificasse dar-Ihe maior poder. A midia, outro foco de interesse do Centro, embora seje relativa- mente independente na Gra-Bretanha, fer o jogo do governo, permitindo que ele pautasse suas énfases. A propria estrutura hierérquica da midia - com seus procedimentos de ditegio e de revisdo, 0s papéis institucionais que essa organizagio confere a seus participantes ~ contribui para que as idéias dominantes continuem aser reproduridas porela. A midianioé diretamente aliada natural do Estado, mas vem ligagées orginicas ¢ profun- das comele. A partirdo extudo de um caso, Policing the Critisacaba por che- it a uma avaliagdo do estado geral da sociedade britanica:o pals, ‘no comeso dos anos 1970, passava por uma crise de hegemonia ccujas rafzes estavam no desempenho econdmico abaixo do espe- ado na Inglaterra do pés-guerra. Os problemas causados por essa falta de desenvolvimento econ6mico, mascarados nos anos 1950 pela ideologia da afluéncia ~ todos tinham com efeito uma vida ‘melhor, em comparasio com 2s agruras de tempo de guerra—e do ' Censre for Contemperaty Ctra Studies. The Empire Striker Back: Rar and Racin 705 Briain. Londres, Hutchinson, 1982. SEXTA LIGho 105 consenso administrado dos anos 1960, se tornam mais agudos nos anos 1970, quando o pais tem de enfrentas, no terrenoideoldgico, os ataques da contracultura aos valores ¢ instituigdes da classe médiae, no das relagSes sociais, o reativamento do movimento da classe trabalhadora, com as prolongadas greves dos mineiros de 1972.¢ 1974, e, ainda, uma larga faixade populagio negra cada vez ‘mais insatisfeita, além da guerra na Irlanda do Norte. Nesse qua- dro, o Estado britinico se preparava pata endurecer esubstituir 0 consenso democratico pelo “populismo autoritério” que iia carac- terizaro reinado conservader até os anos 1990. Na cartilha conser- vadora, 0 pattiotismo convive com a “ideologia de um mercado livre, com a defesa dos valores familiares e como ataque aos socia- liscas es minorias”. Do ponto de vista das posigées nos estudos culturais, 0 livro marca entrada definitiva das quest6es de raga no debate teérico da disciplina, Figis a seu idedrio de inspiragio althusseriana, os autores de Policing the Crisis minimizam o papel da agéncia humana, da criacio da propria histéria dos oprimidos por meio de sua luta social, cenfatizam adeterminagio de seus papéis sociais, 0 quelhes vale criticas dos que imputam a militancia os avangos pro- gressistas de uma sociedad O préximo livro que tematiza as questbes de raca, escrito por ‘outra geragio de colaboradoresdo Centro, The Empire Strike: Back— Race and Racism in 70s Britain (1982), procura mostrar o papel decisivo da luta dos negros contra a ideologia racista dominante. Na introdugio escrita, como era costume no Centto, coletiva- mente, os autores destacam a importincia de pensar a especific dade da opressio de raga no contexto da crise geral da sociedade como um fator que alteraria todas as outrasrelagées:a questio.cen- ual era pensar a raga como uma construgao que vatiava de acordo Ver aeserspeito Dennis Dworkin, Cularal Merson in Parwe Britcn, Durham, Duke Uai- versity Pres 1997, 173-6. 106 estubos curtunais com a época histérica, e que era preciso examinar como ela se arti- cula, oungo, com outras relagoes socias. Paul Gilroy, um dos auto- res do livro, iria publicar em 1988 um influente livto sobre o racismo na Gri-Bretanha, There Aint no Black in the Union Jack, que ji evoca no titulo —com a forma “ain” do Inglés falado dos rnegros substituindo 0 “isn't” do Inglés dominante, ea referencia i auséncia da cor negra na bandeira britanica (Union Jack) seu argumento deque niose pode pensas, como nasua avaliagao fazemn ‘muitos dos praticantes de estudos culturais, umaidentidade brit3- nica sem levar em conta os muitos que so negros ¢ britanicos. Jé na propriaantologia de The Empire Strikes Back, Hazel Carby apre- senta uma dissidéncia no feminismo, ou talvez, dada a diversidade de posigdes no movimento, eja mais correto dizer nos feminismos, 30 apresentar uma visio da familia negra nio como um lugar de opressao, nese aspecto em desacordo com muitas feministas, mas como um lugar de resistencia a0 racismo. Esses trabalhos ilustram a diversidade de posig6es no Centro e 0s rumos tedricos que os estudos culturaisiam tomandoa medida ue seus ex-aluunos comecavam a abrir diferentes searas na proble- mética da cultura © PROJETO DE SCREEN E A TRADIGAO BRITANICA Aconjungio da psicandliselacaniana e do marxismo estruturaista de Louis Althusser animou um outro projeto de estudos culeurais em tome da revista de cinema Screen. Financiadaem seus primér- dios pelo British Film Institute, a revista se dedicou, a partir dos anos 1970, & discussio do cinema de avant-garde & promulgacio das teorias que mais de perto ajudariam a transformara andlise de filmes bascada cm gosto pessoal em umacigncia. Seguindo Althus- set, pensavam a critica cinematogréfica como um “processo sem sujeito”. Seu maior interesse era pela forma dos filmes: nesse as- pecto seguiam aescola dos formalistasrussos, para quem a formae estilo eram antes produtores do que meros vefculos do sentido. sexts Ligho 107 Segundo Dworkin, “Screen considerava a forma nada mais do que a materialidade do significante e as filmes como priticas de signi- ficagio, processos ativos da produgio de significados em relagio com seu piblico™. Seu interesse maior era como essas priticas contribulam para reprodugio da ordem vigente, em especial por meio da nogio de interpelacio (Forma pela qual as priticas de sig- nificagio constituem o piblico como sujeitos deum determinado tipo), deinspiracio althusseriana elacaniana, Nesseaspecto aposi- io da Screen era diferente das dominantes no Centro. Para estes, nao havia uma correspondéncia necesséria entre os significados icados no texto ea decodificario dessessentidosfeita pelolei- tor ou especrador. Naesteira de um famoso ensaio de Hall, Enco- g/Decoding", o Centro tendia a ver a operagio de decodifica- <0 como um momento em que é possivelsesistir¢ até subvertes, dentro de limites, os significados construidos nos textos. Nesse aspecto, mais do que a influéncia francesa estruturalista, falava mais alto a visio de Gramsci da cultura como um campo de luta para se determina significados c, também, a tradigio culturalista em quese havia fundado o Centro. Enquanto iam se dando esses movimentos, a tradiglo britanica ‘no estava estitica. E. P’' Thompson reagiu com veeméncia carac- cerlstica aos exageros cometidos em nome de uma alta teoria que afastava cada vez mais a produgio académica de um puiblico nao- especializado. Em seu The Poverty of Theory (1978) ele dé seuvere- dlicto contra os exageros de um radicalismo muitas vezes pura- mente teérico: “Osdez anos desde 1968 foram um tempo em que a razio ficou trancafiada em sua tenda, de mau-humor™, estoca ja ' Dennis Dwockin,op-citp. 145. ' Rblcad em 1980, em Seuart Hallet ior), Calne, Meta, Lange: Working Papers in Culsrl Sadi 1972-1979. Hutchinson, CCCS, 9.12138. 1B, PThompeon, Th Poverty of Tory amd Other Eze: Landes, Metin, 1978 pi. Ba= Gobrstilira A misria de woria uu panei de mor Riode|ansite, Zar. 1981.5 108 Estuvos currunars no preficio. Quanto a certas vertentes dos estudos culturais e, em especial, dacriticaliteréria, que viam em Althusser —e, mais nota- damente, na obra de seu seguidor Pierre Macherey a possibili- dade de uma ciéncia da literatura, que buscaria os sintomasea pro- blemdtica de um texto, ou seja, as estruturas determinadas de resengas e de auséncias que sio suas condigSes de possibilidade, ‘Thompson fulmina: “supor que a ideologia seja 0 objeto real dos escudos literdcios e que por meio de seu estudo vai-se constituir ‘umaciéncia da estética materialista écaluniar tanto aestéticacomo © materialismo””, Em retrospecto, afiiria de Thompson pode até ser entendida: muitas das produsdes dos estudos culturais sob influencia direta francesa sao intricadas ¢ tém 0 tom arrogante dos que “descobri- ram uma ciéncia” que torna sua leitura penosa ¢ pouco produtiva. A posigdo tebrica de Althusser, baseada, como vimos, no estrutt- talismo, considera que a cultura no € nem uma priticaem que seteshumanos criam seus significados e valoresenem um dominio em quesio treinados nos significados existentes. Paracle, acultura € uma estrurura de ideologia localizada em outras estrucuras. Essa ideologia estdincrustads em instituicées,o# aparelhos ideolégicos dc Estado, cuja fungio éa eprodugio das relagbes de producio. A cultura constituiria “individuos concretos em sujeitos”, dease Angulo “sempre ja” sem possibilidade de escapatoria, Essa visio de Althusser da cultura e do papel reduzido do ser humano na mudanga social no pode agradar um ativista como Thompson, que comecou seu The Mating of the English Working Class seu grande livro que mudou os rumos da historiografia inglesa e dos r6ptios escudos culturais com a frase memorivel: “A classe tra- balhadora nao surgiu como o sol, em uma hora determinada. Estava presente em sua prépria formagio™", Passado 0 momento "Pde idem, p. 358. ‘Uden, The Making ofc Engl Working Clas (1963. Londres, Peng, 1991p. 8. SEXTA Ligko 108 da cigncia da ideologia dos seguidores de Althusser, livro de ‘Thompson permanece como um monumento da historiografia. (O MATERIALISMO CULTURAL Em meio a essa efervescéncia de importagio de idéias principal- mente francesas italianas, uma posicio tebrica original britinica ‘comega a tomar corpo no trabalho de Raymond Williams. Vimos ‘como em seu primeito grande livro, Culture and Sociery, ele mos- traaexisténcia de uma tradigao britinicade se aferir a qualidade de vida da sociedade por meio de uma discussao sobre a cultura. O impalso desua obra eradar um passo além dessa tradigio — estabe- lecendo os instrumentos tedticos (0 materialismo cultural) e con- ceituais para pensar além dela, que transformava a cultura em algo abstrato € absoluto, desconectado do chio social onde se rea- liza. No mesmo movimento, reelaborou uma teoria marxista de ‘cultura, levandoa iltimas conseqiiéncias olegado de Marx de pen- sar a cultura como uma atividade material da sociedade. Além disso, vaise posicionar contra os limites do ‘estruturalismo critico” de inspiracéo althusseriana, consideradoentao aforma dominante de critica literéria marxista”. ‘Aprimeira tarefa de Williams, no sentido de firmar uma nova posigéo tedrica,é redefinir a cultura e, conseqiientemente, uma politica cultural. Formado em Inglés por Cambridge, apresen- tou nada mais nada menos do que uma reformulagéo tedrica € disciplinar do seu campo de estudos. Na versao inglesa domi- nante até 0s anos 1960, cultura era alta cultura, de preferénciaa grande tradigao da literatura inglesa. Ago cultural era, mesmo pata pessoas mais bem-intencionadas, fundar uma espécie de Estado do bem-estar da cultura, e difundir os produtos da alta cultura entre todas as classes. '9 Raymond Wiliams Pliicrand Len: Iteewy wih th New Left Revew. Londres, New eke Books (Vero) 1979, p. 389. 110 Estucos cucruais Em contraste com essa concep¢io, Williams se apropriou da nogdo, antes mais corrente em antropologia, de cultura como um modo de vida justamente para demonstrar quese ratade algocomum toda asociedade, queinclui, além das grandes obras—-modos dedes- coberta e de criagio —, os significados e valores que organizam a vida comum. Dessa tica,é possivelestendera nogéo devalor cultural para abranger, lém da grande arte, acriagio de novos principiosde organi- 1agio da vida social, como, de forma evidente, o principio alternative dasolidariedade, que di formaa outros tipos de “monumentos de cul- ‘ura’, também eles contribuigées para umaheranca cultural comum, Ennesse tentido, por exemplo, que as grandes instituigSes nas quais se tenta colocar em pritica idéias coletivas de desenvolvimento social - como os sindicatos, os partidos politicos os mevimentos cooperati- ‘Yos— sio consideradas, como vimnos, uma realizacSo da criatividade. Mais do que difundir grandes obras, uma politica das artes embasadanesse conceito de cultura tem como objetivo a extensio: aiidéia é abrir os canais, fcilitar o acesso, sabendo muito bem que com isso se perderd o controle das interpretagbes. Niosetratamais deimpingir valores, mas de iabilizat sua discussio em termosmais igualicdsios, Em educagio, o esforgo deve ser o de promover um “letramento cultural”: abrir 2 possibilidade para que todos dete- ham o poder de interpretar e de usar criativamente signos ¢ for- mas de organizacéo da cultura. Williams estava muito arento para o fato de que vivemos em uma épocade expansiodos meiosde comunicacio. Longe de lamentaressa ‘expansio, a atitude mais comum entre os que gostariam de manter a vida cultural sem mudangas, ele dedicou parte de sua obra a pensar ‘modos de usar os avangos tecnolgicos para invercero fluxo normalda pprodusdo culrural: um niimero pequeno de produtores controlandoe impingindo sua versio de cultura, hojeem dia mais comumente ade lixo cultural, a uma massa deconsumidores. Em especialem Towards 2000, Williams explora as possibilidades de aumento do niimero de ‘produtores abertas por novas tecnologias, como a transmissao acabo SEXTA Ligho 1tt € as cimaras de video. Ao contrério dos tecnoapologistas, ele sabia ‘muito bem que, para efetivamentealeangar essa catcasio,cerfamos de excolher um ‘tipo diferente de organizacao evondmicae, conseqiien- temente, um outro tipo de organizagio social”, que nos levasse & riqueza da cultura comum. Em termos teéricos¢ necessério se contra- por As vis6es idealistas da culeura que insistem em pensé-la como dominioseparado da vida concreta. No campo materialist a questo évercomoa cultura, maisdo que um mero efeito da superestrurura, um clemento fundamental na organizagio dasociedadee, portanto, ‘um campo importante na luta para modificar esta organizagio. Em outras palavras, a questo ¢ pensar uma teoria materialista da cultura que leve em conta seu papel social e contribus para a construgio de ‘uma altemnativa de sociedade mais justa¢ igualitiria, Nesse esforsp, Williams se apéia na tradigio marxista de erftica cultural que se expanditia com a codificacio do materialismo cultural. Como vimos, uma questio teérica central para Williams era a da interligagao cultura/vida social. © modo marxista tradicional de apresentar essa ligago em termos da metifora de uma bate material determinante e de uma superestrutura the parecia pouco produtivo para descrever a operacio da cultura. Pouca produtive porqué? A fim de entender as objeqGes de Williams essa férmula, valea pena retomar uma de suas caracterizagées mais extremadase clencar suas conseqiiéncias. Para um tedrico cuja posigao é repre- sentativa de uma cerca tendéncia do marxismo ortodoxo, ‘Aan comoum elemento cspecificn da cultraé um fendmeno dasupers- trutura, ea superstrutura¢ligada } produgio nao de forma direta mas por meio dabase(...) Aarterelletcabate,quea produziu, tanto de forma direra «como pelasideias politcas damora, da flosofa ede ourrasformasde cons- iéncia que conespondemao modo de producto respectivo.” Anal Jegorow Aitent und glheflch: Leben Ted. ing. H, Gustav Klas, Ciao em Gustav Klaus, Cultural Miter: A Summary of rncpl. ln Mora. 1. Psion B (ceps)- Reymond Willies Pit Eduat and Levers Landes, Macln, 1993, p. 89. 112 estuoos cuctuRrals Nessa versio, as atividades culturais sio reduzidas a satéices, que refletem e transmitem — mesmo que por meio de virias media- {g6es —algo que thes é enviado por uma instincia, esta sim ativa e bisica. Essa posicio impede que se perceba que cultura, longe de ser marginal ousubsididria, ¢ constitutiva do processo social, um modode produgio de significados e valores mais bésica para ofun- cionamento da sociedade do que a nogio de uma esfera separada, agora batizada de superestrutura, pode levara fazer crer. A interpe- netiagio das atividades econdmica, da base, ¢ cultural, da superes- trutura, em atividades como orddio, a televisio, ocinema, a publ cidade ea editorasio, aliads a0 cardter das insttuigGes ¢ agéncias pelas quais operam, esté no centro da produgao econdmica do capitalismo tardio — basta lembrar da industria da informasio, ou dos cartéis de meios de comunicagao de massa. Mesmo as artes, comumente consideradas apartadas da vida social comum, deve ser vistas, da perspectiva do materialismo cultural, como parte integrante do processo social, ¢ dafaénfase, nas obras de Williams, cem literatura na histria, em escrita na sociedade, em oposicao a cultura ¢sociedade, a fSrmula recebida tanto da tradigio idealista quanto da materialista A metéfora da base/superestrutura tem 0 inconveniente de favorecer um pensamento que postula aarteem dominio separado e impedir a percepsio de seu cardeer concreto. Para Williams é necessario complementar o legado de Marx. Nio hé diividas de quea arte na sociedadeesté sujeita a determinag6es econdmicas (as relagbes interpessoais sio determinadas pelo estdgio de desenvolvi- mento das forgas materisis produtivas) e sociais (a das relages de classe, por exemplo, em que os significados ¢ valores de uma classe dominante tendem a ser 0s formalizados pelas artes). Mas as artes as praticas culturais em geral nao apenas refletem essa situacao determinante: elas também produzem significados e valores que centram ativamente na vida social, moldando seus rumos. Nesse axpecto, sio forsat produtivas que operam, como, por exemplo, at sexta Ligho 113 da indstra, segundo as presses eos limites exercidos pelo modo de producio dominance. Para Williams é importante falar em forgas produtivas em rela- ai juda.aver quea culeura opera ativamente Go’ cultura porqueisso ajudaa ver quea cul rrassociedadese esté longe de ser um dominio separado, umaespé- ce de instancia auténoma de valoces humanos ~ como quer a tr disso idealsta-, ou uma instincia que paia sobrea vida material fern uma superestrutura que reflete a base, esta sim o dominio da producio como querem certas vertentes do materialsmo orto- doxo, Em suas palavras, Se “prog” em urna sociedad cpialista x producio de mercadaris, cent termos diferentes e capciosos acabam sendo usados pars qualquer ‘tro tipo de produgio ov de forga produtva, O mais dis vezs 0 que se suptime éa produsio material da “pli”. E,no eneano, qualquer dasse Raymond Willams, Marco and Literature, op. itp. 110 116 esTuDoS cucruRArs o modo dominante? Williams, oriundo da classe trabalhadora, a classe que teria a tarefa histérica de mudar o modode vida da socie- ddade em termos igualititios, lembra que (..) nenhum modo de produgio, ¢ portanto nenhumna ordem ou socie- dade dominance, na relidade ¢ capzz de abarcar ‘oda a abranggncia da prética social humana, dacnergia humana dasintengSeshumanas (no se trata aqui do inventirio de uma “natureza humana” original, mas, 20 contri, trarase da enorme amplitude e vararé, tanto na prética quanto na imaginagio, de que os eres humanos sio ¢ demonstraram ser «apazes) (...) E fato que as modalidades de dominagio operam seletiva- mentee, portanto, acabam sempre deixando de fora slgo da abrangéncia ‘oul das priticashumanas reais e possiveis.” © muterialismo cultural abre aos estudos culturais a possi dade de descrever com acuidade o funcionamento da cultura na sociedade contemporinea ¢ de buscar sempre as formas do emer- gente, do que vird. Como explica Williams, é uma posicio cuja énfase recai na produgao (e nao apenas na reprodugao) de significa- dos e valores por formagées sociais especificas. Para o materialism cultural, a linguagem ca comunicagio sio forgassociaisformadoras, em interagio com instituigées, formas, relagbes formais, tradigbes, “Trata-se de uma teoria da cultura como um processo produtivo, materiale social e das praticas especificas (as artes) com usos sociais cde meios materiais de produgio”. Além dos significados estabeleci- dos, o matertialismo cultural busca ver no presente as sementes do futuro, de novos significados e novos valores que podem anunciar ‘uma nova ordem social. Nesse sentido, éum dos recursos para o que Williams chama de “uma jornada de esperanga’. 2d Bae and Supernructure in Macs Calta Th ere in Marant Cabal Tory [1973] bn Probl ie Mate Ji and Coeur: Selected Ena Landes, Vero, 1980, p43, 2 dem. 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[No caso que nos interessa aqui —o do surgimento dos estudos, de cultura no mundo anglo-saxio— trés momentos siode especial relevancia: os dois primciros, os anos 1930 ¢ 0s anos 1970, por terem representado momentosmarcantes de encontro ¢ desencon- tro entteo marxismoe a teoriada cultura; ¢ 0 anes 1990, nao por serem particularmente interessantes, mas porserem 0 que nos foca viver e refletir na prética dos estudos de cultura anglo-americana no Brasil de infcios do século XXL. DESENCONTRO: OS ANOS 1930 Na Gra-Bretanha dos anos 1930, 0 discurso sobre a cultura era dominado, como vimos, por FR. Leavis ¢ por sua visto do papel social inflado da critica literdtia, cuja tarefa, em suas palavras, era nada mais nada menos do que vigiar 0 campo do humano, encap- sulado na linguagem eterna das grandes obras, ¢ preservé-lo dos males da civilizacio ¢ do progresso. Em que pese a estranhera de conferie& literatura esse papel de vigilante do campo do real em beneficio de um ideal de humanidade que nunca é discutido ou 120 estuoos curtuRats demonstrado, o fato é que Leavise seus seguidores, nos dois lados do Atlantico—sclembrarmos quenio é outraa visio liberal/huma- nista que permeia discursos sobre a cultura nos Estados Unidos - conseguiram ocupar um vacuo discursivo prover umaexplicago sindtica dos males da sociedade, Parte de sua preponderdncia se cexplica por sua capacidade de articular uma resposta palativel as mudangas da vida sociocultural nos anos 1930, década em que se deram os pass0s largos que levaram uma sociedade da midia. Este discurso foi hegemdnico ¢ formador da prética dacriticaliteriria, uum dos campos preferenciais dos estudos culturais. Scrutiny, a revista fundada por Leavis, foi, como vimos, o érgio difusor da nova posigfo. O seu esteio era a disjungéo fandante entreo campo da cultura ¢ 0 mundo material da civilizagio, como se a cultura se Mem. Convers sce Deas menin (1997) Ia Sigucis ase, op. 298. eecima Ligko 187 paragio social, que aprosa eosepisédios do livre captam com perfei- do. Acsctitade Helena rejeitaasconvengées beletristas, sua afetagao sua separacio declasses:seu fandamento éoponto de vistada igual- dade,e aexpressio exata, noseu cas, ‘ndo éconquistada contra, mas 2 favor do uso comum”, © mesmo sentido desconvencionalizado anima os epis6dios da vida ainda possivel em uma provincia afastada doimpeto “‘modemnizador”e segregacionist: seus irmfns eos negros trocam de papéise dividem o trabalho, os filhos de ex-escravos con- tratam um dos meninos Morley para les dar aulas, todos os meninos, catam lenha, tanto pobres quanto remediados passam um dia juntos nocampo. Essavisio illic, possibilitada peladecadénciaecondmica que afrouxa a exploragio, ensinaa vera “estreiteza des progressismos correntes, desprovidos de antenas para amelhora da sociedad”. Por este lado se armaa ponte para acritica da ideologia do pre- sente, Em 1997, ano da publicacio de Duas meninas,j4 estamos em plenaerade Plano Reale estabilidade econdmica, Reina no pals a nogio de que 0 progresto vale todes 0s pregos, inclusive o da enorme fratura social que se agudiza nesses anos demodemizagéo, que conserva ainiqiidade social, diluida por pouco tempo na Dia- mantina de Helena Morley. \Vé-seassim amplitude queum estudo deculturafeitoda ética materialista—a ética definidora dos estudos culturais como disci- plina —pode alcangar. Quando houver um lastro de estudos desse calibrenzo seré mais necessario discutir, como fizemos neste livro, a formacio dos estudos culturais, Eles estardo definitivamente implantados, prontos para levar, come queria Williams, 0 melhor que se pode produrir intelectualmente a todos a quem isso possa interessar como forma de entender a vida. ‘Mas para isso, comosabemos, é preciso um outro mundoe uma ‘outea forma de viver. Lem. Duar mina. op cit. p13. 1 Mem biden p73 SUGESTOES DE LEITURA ANTELO, Rati. Guerra cultural. In Cubs n, 17, dezembro de 1998, p.46-9. CANDIDO, Antonio. O discurto ea cidade, Sao Paulo, Duss Cida- des, 1993. ——. Formagio da literatura brasileira, Sio Paulo, Martins, 1959. _——. Teresina etc. Sao Paulo, Paze Terra, 1992. Varios esertos. Sao Paulo, Duas Cidades, 1995. ‘Cevasco, Maria Elisa. Culeural Studies: A Brazilian Perspective, So Paulo, Humanitas, 1997. Sates Gomes, Paulo Emilio. Cinema: srajetiria no subdesenvol- vimento, Sio Paulo, Paze'Terra, 1986, Scrwarz, Roberto, Duar meninas. Séo Paulo. Companhia das Letras, 1997. ——- Que horas sto? S40 Paulo, Companhia das Letras, 1989. __. Segiténcias brasileiras. Sio Paulo, Companhia das Letras, 1999.

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