Você está na página 1de 15
Cee Georges Duby AS TRES ORDE! ou o Imaginario do Feudali 1 , hoy ~ IDET Ue Y FICHA TECNICA: Titulo original: Les Trois Ordres ou l'Imagi Tradusio: Maria Helena Ci Capa: José Antunes ce llustracdo da capa: Bengao da Feira Re Nacional, Paris. 1* edigdo: Editorial Estampa, 198) ressao € acabamento: Rolo & Filhos - Depésito Legal n? 80110/ ISBN 972.33-.0907.9 naire du Feodalisme de Lendit, St. Denis Huminura, Biblioteca Artes Gréficas, Lda Copyright: © Editions Gallimard, 1978 © Editorial Estampa, Lda., Lisboa, 1982 ara a lingua portugue Sa INDICE CAMPO DE INVESTIGACAO. REVELACAO . I—Primeiros enunciados a Il— Gerardo de Cambrai e a paz 11] — Adalber&o de Laon e a missio régia IV —O sistema GENESE 1—Hierarquia 1 —Concérdia 111 — Ordens ioe IV — Fungoes: orar e combater . V — Ternaridade ee Dudon de Saint-Quentin Abbon de Fleury Poderosos e pobres Os Ingleses .. ae VI—Exemplaridade celeste CIRCUNSTANCIAS ... ... I—A crise politica . = I — Os sistemas concorrentes . A. heresia A paz de Deus . A ordem cluniacense II—A revolugio feudal 103 105 109 114 122 135 145 149 153 154 158 163 171 Raul Glaber 0... A cruzada e 0 que se segue TV—Os novos tempos... 1... ... .., V—Ultima fulguragao do monaquismo ... VI—Na escola we Os mestres de Laon Hugo de Saint-Victor Honorius Augustodunensis VII — Ao servigo dos Principes Galberto de Bruges Joao de Salisbury RESSURGENCIA T—O verdadeiro ponto de vista As trés ordens .., Jodo de Marmoutier ¢ Estévio de Fougeres, © cireulo de Henrique Plantageneta MA cavalaria Ordenagoes Proeminéncia II — Resisténcias parisienses IV —Contradigdes do feudalismo O dinheiro . © medo social V—A adopgao . A arte de amar Bouvines Em Dezembro de 1970, come¢o a ensinar em Paris e procuro cercar- vine de investigadores. Jacques Le Goff auxilia-me. © semindrio orga. niza-se. Decidimos ambos reflectir sobre a imagem da sociedade trifen, cional nas suas primitivas expresses. Durante trés anos, nesta equipa ¢ também naquela que continuo a dirigir em Aix-en-Provence, as inter- vengOes, as discussdes abordam este problema. Fecundas, Em Margo. de 1973, Georges Dumézil aceita que, numa sessiio final, lhe apresente- mos as nossas conclusdes. Tentei reunir 0s resultados dispersos do nosso inquérito, orden4-los, completa-los, e surgiu este livro. Procurei ter o Cuidado de atribuir a cada um dos seus autores os dados mais decisivos Porém, ndo me foi possfvel nomear todos os que, as vezes com uma simples frase, esclareceram este ou aquele ponto deste campo obscuro. Eles reconhecerfo 0 que Ihes deve esta obra. Limitome a dizer que grande parte Ihes pertence Beaurecueil, Julho de 1978. aa 1—O VERDADEIRO PONTO DE PARTIDA As trés ordens Na Histéria dos Duques da Normandia que Benedito-de-Sainte-Maure escreveu entre 1173-1175 € 1180-1185, aparece a figura trifuncional, no ccn- tro de uma imagem da sociedade perfeita; e é na verdade, entre os vestigios do que foi composto na Franca do Norte, o trae mais antigo de uma reinsergio explicita deste esquema conceptual, adentro de um sistema ideolégico coerente. Sainte-Maure fica na Touraine, entre Loches ¢ Chinon. Pode pen- sarse que Benedito se formou nas escolas episcopals do Loire, onde se comentavam sobretudo os poetas. Pusera a sua competéncia ao servico dos condes de Anjou, talvez j4 de Godofredo, 0 Belo, mas cont certeza a0 de Henrique Plantageneta, Benedito é o representante perfeito desses homens de letras contratados entre o pessoal de um grande principe, encarregados de divertir a sua corte, esse piblico novo formado por alguns cavaleiros letrados, outros que permaneciam illeterati, ‘contudo capazes de seguir atentamente a leitura demorada de um texto rimado e, enfim, pelas damas, Gente que percebia mal o latim, ou que nem sequet © entendia, mas que desejava, no entanto, conhecer o que © armario de livros dos Tmosteiros e dos capitulos das catedrais continha. O papel dos escribas consistia pois em traduzir —e claro esté sem se privarem de inyentar — do latim para a lingua romana, para o «romance? Benedito era um romanceiro célebre. Por volta de 1160, dedicara a ‘Alignor 0 Romance de Tréia, associando-se assim 20 yasto empreen- dimento literario de que o ret Plantageneta era, na Franga do Norte, 0 mais activo promotor. A sociedade da corte esperava que fossem postas ‘ao seu alcance, romanceadas, as grandes narrativas antigas que os grama- ticos e os reitores propunham a0 alto clero como modelo de escrita. 297 jou, duque da Normandia e, pelo casamento, duque tam- ja Aquitania, o principe, cuja munificéncia devia alegrar essa socie- e, esperava que ela se afastasse das cancdes de gesta, que falavam demasiado de Carlos Magno, quer dizer do rei de Franga, seu senhor e rival em prestigio. Ja um outro «clérigo leitor» de sua casa, Wace, dedi- cara A mesma Aliénor 0 Romance de Bruto, quer dizer a adaptagio do relato latino de Godofredo de Monmouth, onde este contava as aventuras fabulosas dos antigos reis da Bretanha. Todas estas encomendas pareciam, aos homens da Igreja que faziam carreira na corte dos grandes, uma oca- sido propicia para cumprirem a sua missio pastoral de educar distraindo, de moralizar pelo exemplo de herdis virtuosos. Benedito fizera mara Ihas. Por volta de 1173, Henrique II atrayessava uma época dificil. O papa perdoara finalmente 0 assassinio de Becket, mas canonizara o martir de Canterbury; Aliénor dirigia a rebeliio contra 0 esposo, de seus filhos contra pai. O principe encarregara Benedito de escrever um panegirico da dinastia, sob a mesma forma, traduzida, em lingua vulgar. O projecto era j4 antigo; cerca de dez anos antes, Wace havia esbogado 0 elogio dos primeiros duques normandos. Benedito antecipou-se-Ihe, apropriando-se do que 0 seu antecessor esbogara, bem como da matéria de todas as obras latinas outrora compostas para gloria da familia por Guilherme de Ju- miéges, Guilherme de Poitiers e Dudon de Saint-Quentin. Compulsou to- dos os livros, resumindo, traduzindo. E precisamente numa passagem traduzida do De moribus, de Dudon, que surge a imagem exemplar da sociedade trifuncional. Uma sorte para nés, historiadores. Temos assim maneira de comparar o texto de base, yelho de século e meio, como ja disse contemporaneo de Adalberao ¢ de Gerardo, com a adaptagio que os cortesdos do rei Henrique ouviram. E de perceber nitidamente 0 que Benedito achara dever modificar para agradar ao seu ptblico e, antes de tudo, a quem Iho encomendara, seu amo. A figura reaparece, com efeito, embora diferente, modificada, ajus- tada a ideologia do poder que se transformara com o decorrer do tempo com a mudanga de Saint-Quentin, de Laon ou de Cambrai para 0 baixo Sena € o baixo Loire. No verso 13 229 comega, na Histdria, o relato de um episodio de que jé falei: a visita do duque Guilherme a Jumiéges, Benedito modifica, logo de inicio: dois monges acolhem o principe, oferecem-Ihe de comer; 0 principe recusa; na noite seguinte, o principe € ferido por um javali. Seria 0 castigo por nao haver aceitado a oferta? Por nao ter, ele prdprio, entrado no jogo da reciprocidade, da permuta de servicos? Sera forcoso dar um sentido aquilo que talvez nem passe de floreado de escritor? Penitente, Guilherme volta para rezar. E ent&o que faz, ao mesmo abade Martinho, a mesma pergunta. Mas é muito mais loquaz do que 298 Dudon imaginara: 0 discurso que Benedito poe na boca dele ocupa sessenta € trés versos. Que diz ele? Primeiro: Trés ordens sdo, cada uma por si, Cavaleiros, clérigos ¢ vildes (* Tripartigao, como no De moribus, Nao a mesma. Dudon dizia: ha trés vias que os monges, os cnegos ¢ os laicos respectivamente seguem. Benedito diz outra coisa, Nao classifica os monges 4 parte. Nem sequer fala deles. Os monges siio postos A margem do mundo de que fugiram, ou entdo perderam-se entre os clérigos. Pelo contrério, o laicado € sepa- rado em dois corpos. Um tal corte assemelha-se a pratica dos notérios. Assemelha-se também a forma que Adalberio e Gerardo usaram para dividir os homens. Explica-se que a grelha terndria tenha assim escorre- gado. Deixou de distinguir normas de vida. Passou a distinguir fungdes. E € a primeira vez que vemos, em Franga, as trés categorias designadas por ordens Uma das ordens reza noite ¢ dia A outra é a dos trabalhadores ‘A outra mantém e faz justica(). Nio é, notemo-lo, pela fungao guerreira que a cavalaria se caracte- riza; é pela fungao de justiga —a mesma que Adalberao atribufa j4 prin- cipalmente aos «nobres» e que era propriamente a dos reis. ‘As trés ordens reunidas constituem a Igreja(’), que surge Por cada ordem honorada Feita, exaltada, cuidada (‘) Aqui se mostra de novo o trago fundamental do sistema de Gerardo e de Adalberao: a complementaridade dos servigos a sua reciprocidade. Cada ordem sustém as outras duas E cada ordem mantém as outras (*). Cada uma tem a sua alegria, a sua dor, dificuldades especificas a yencer, méritos proprios a ganhar. A sua moral particular. Benedito segue (@) Ed. Fahlin, v.13 242-13 243. @) V. 13 251-13 253. @) V. 13.255. (5 V. 13 247-13 248. (@) V. 13 249-13 250, 299 aqui, de mais perto, Dudon, mas naquilo em que este se aproxima de Gerardo e da literatura carolingia dos espelhos. Benedito responde igual- mente a preocupagao dos pre: 's do seu tempo, que dispensam as diversas categorias sociais um ensino que convém a cada uma A intengao principal de Benedito em relagao ao clero a que pertence € justificar a existéncia senhorial ¢ 0 desafogo que os clérigos gozam Tém de comer De vestir e de calgar Mui mais abundantemente Mais em paz e mais seguramente Do que os que sdo trabathadores. Mas a seguranga no conforto de que gozam estes senhores, «alimen- tados pelos trabalhadores», «mantidos» por eles, acha-se de facto resga- tada pelas abstinéncias que se impdem. Deles estdo afastadas ¢ estranhas Todas as alegrias terrenas. fio fazem amor. E no é 0 amor a «alegria» terrestre mais delei- tavel? Privar-se dele voluntariamente basta para que adquiram o direito de viver na paz e na abundancia. Por contraste, Benedito insiste logo na «dor» que é apandgio dos «trabalhadores». Para ele, como para Adalberio, de quem copia a lamen- fagdo um tanto monotona, labor e dolor so uma e a mesma coisa; € quando atribui valor ao trabalho, este valor é de peniténcia. Um tal raciocinio inscreve-se na dupla tradigao do desprezo pelo mundo e pelos trabalhos servis, Arrastam tanto sofrimento e dor Suportam tao grandes tormentos A neve, a chuva e a ventania Quando trabalham a terra com as maos. Wai Mei prova de que a palavra «trabalhadors, em todos eae } textos yeericon, no designa especialmente, como sucede num unico di- Ploma do prinefpio do século X, os melhores agricultores que, ao guia- Z rem ain. hatTua, parecem ser os principais artifices do desenvolvimento ; agricola; ele designa os trabalhadores bragais.) Com desconforto e muita fome Levam bem dificil vida, Pobre, sofredora e mendicante. 300 Benedito nao se sente obrigado a acrescentar que 0 sofrimento destes homens ¢ de qualquer modo compensado, a néo ser —ressoa mais uma vez 0 cco das palavras de Adalberéo — pela fragil satisfagdo de ser-se util: sem eles, a ordem nao poderia perdurar. Desta ordem, os cavaleiros sio, enfim, os guardides encarregados de impedir que se incomode demasiado os cupidos, Estes tudo queriam ter. Ninguém mais teria forga nem poder, Sentido nem razdo, direito nem medida. Sobre a terra nem equidade haveria. © oficio que assumem, sublinho, € o préprio oficio do rei carolin- gio quando se encarniga em reprimir a avidez dos potentes. & pois como se agora a cavalaria, ao servico do principe, os cercasse, para reduzir a impoténcia © que de yeeméncia feudal permanece neles, indécil, no seio do Estado. Os cavaleiros desempenham uma outra missio régia: a paz da Igreja ¢ do «pais» depende deles: Tal ordem defende o pais Das mdos dos mortais inimigos E para os outros libertar Estes a cabeca yao dar E por vezes assim a perdem. Do sacrificio que os cavaleiros fazem de suas vidas, os privilégios de que gozam —e de que Benedito nada diz— so a recompensa, Guilherme faz entdo a pergunta: essa gente que vive tao diversamente, Terd de maneira igual O mérito e a recompensa? A esta interrogagéo, como acontece no relato de Dudon, 0 abade Martinho responde que todos receberiio a sua parte no Juizo Final. Po- rém, todo o discurso anterior € inteiramente noyo. Ele acha dever justi- ficar 0 modo de produgdo senhorial, sobre que se apoiam as estruturas do Estado. O postulado da trifuncionalidade social é retomado para garantir que © equilibrio da res publica assenta na repartigao que se pretende equitativa, nos servigos e nas compensagdes. A finalidade deste discurso ndo é, como no livro que Benedito de Sainte-Maure traduziu, fundar uma moral religiosa. Funda, sim, uma moral civica. A adaptagio —aquela que o rei Henrique esperava fosse celebrada nesse panegirico, ao celebrar, perante a gente de sua casa, a historia dos seus antecessores, os seus antepassados maternos, os duques da Norman- dia, descrevendo em pormenor as origens do seu poder —nio se limitou 301 selha tripartigao das ordens da Tgreja, sobre a qual ssc Rempo da reorganizagao do clero normando, eg, sepundo 0 modelo proposto por Adalberio concentrado @ sua atchsl to, profundamente retocado. Retomou-se o e Gerardo. Este fo}, CO” apes haver sido dessacralizado. Porque Bene- Ponidlogo entre o duque ¢ Martinho de Jumidges. contemplador das coisas invisiveis que, no ome ovina ordenagao ideal da sociedade terrestre, Ela alo proprio dugue que, do alto do seu poder real, pro- eooneentenca que fixa o direito, a lei. Uma lei humana jal independente da providéncia e, y instituigdo eclesiastica. Revelar-Ihe a ossatura, ja nfio © sagrado encheu de sapientia, Com efeito, o prin- sagrado; nunca sobre ele foram langados os hada tem de bispo, de reitor € nao é para o céu que olha. Santos OMe ue. pronuncia, procura-se em vio a ideia —central, no ‘ema adalberoniano — de que a reparticao perfeita das fungdes ¢ das Gignidades entre os homens reflecte a organizagao da cidade celeste. Tudo aqui pertence & terra, e manter o seu equilfbrio incumbe inteiramente ao meu do princeps, autcnomo ¢ laicizado. Esta queda, essa descida das altu- row eologicas, deslumbrantes, para onde o sonho do pseudo-Dinis hay igado 0 pensamento dos bispos do ano mil, para uma coisa mesquinha a ‘he chamamos politica, representa a modificagao fundamental mas trégica. A palavra eo conceito de ordo subsistem, Porém dir-se-iam profanados, ja ndo servem para explicar de que maneira se distribuem as Gragas entre os homens, num plano divino de redengio. Mostram como o poder de um chefe acha que deve distribuir as tarefas. As «ordens» sio agora concebidas, num principado da Franca do Norte, como os suportes, os pilares de um Estado. Apropriando-se da palavra fundadora, o principe afirmou-se 0 con- dutor do jogo. Nao toma parte nele. & arbitro. Vigia para que sejam respeitadas as regras, cumpridos os deveres, justamente atribuidas as recompensas, A permuta de servigos processa-se sob 0 seu controlo. O principe elevou-se assim até esse grau superior, externo, outrora ocupado pelos monges, Raul Glaber ou S. Bernardo, que julgam o século. Outra modificagdo, esta de importéncia. Para Adalberio ¢ Gerardo, 0 rei ndo dominava a trifuncionalidade. Tomava lugar a seu lado, entre as cate~ gorias funcionais, como o primeiro dos bellatores, na unido da fun- so sacra com a fungéo militar. Para Benedito de Sainte-Maure, © para seu amo a quem procura servir, o principe deve dominar as trés fungoes, guiado por elas, vigiando-as—no fim de contas © mesmo que representava para o rei Alfredo ou para Aelfric. Todavia, estas fungdes ndo se encaram como a projeccdo das virtudes do soberano sobre 0 corpo social. Na pessoa do monarca, sem divida, os habitos inveterados do pensamento fazem confundir-se culminar os trés a substituigao da Dudon havia outrora, ncion terra 0 did Igre esquema trifu dito deita por © abade era homem de primitivo rela € aqui descrita nuncia um «dito © que basta para tornar a ordem soc por isso tambem, da cabe a personagens que cipe que fala deixou de s santos oleos, 302 valores do sistema cuja disposigio Georges Dumézil descreveu, Poder se-ia glosar, se Fosse caso disso, em fungdo deste sistema, 0 elogio que desta vez glosando Guilherme de Poitiers, Benedito de Sainte-Maure faz do jovem Guilherme, 0 Conquistador (*), celebrando-lhe sucessivamente a beleza, a coragem ¢ a inteligéncia, Mas ¢ em verdade o principe quem, sozinho, segura nas mos o espelho moral, ao mesmo tempo que segura as rédeas gracas as quais guia, se for preciso, com regular andamento, 1 tripla atrelagem que o veiculo do seu poder constitui. O principe, no entanto, mostra-se solidério com uma das trés orden: 1 cavalaria. Afirmei que esta se achava encarregada das missées especificas da realeza carolingia. A propésito dos cavaleiros, Benedito de Sainte-Maure retoma, quase palavra a palavra, 0 que o texto de Dudon dizia do offcio ducal: manter 0 pafs em paz e em «justia». No plano moral, no plano das obrigagoes, a cavalaria é pois apresentada como uma espécie de prolon- gamento da fungio mondrquica; reflecte, numa imensidade de facetas, imagem do principe; e a aderéncia que Galberto de Bruges observava, reunindo as mais humildes militia ao chefe do principado é, na Histéria dos Duques da Normandia, erigida como principio, Esta historia nao foi escrita para ser recitada em lugares publicos. Destinava-se ao ensino da corte. Finalmente, 0 que o duque Guilherme disserta, 0 que Benedito de Sainte-Maure descreve pela boca deste ultimo menos a sociedade no seu todo do que essa sociedade escolhida que a casa do principe abriga. A ordem de que aqui se trata é, como para Hincmar, a de um palicio bem governado. O pais inteiro deve considerar esta morada como exemplo, porque o pais € como que um seu prolon- amento longinquo. E os que 0 povoam sio chamados a repartir-se, por exigéncia do domesticidade do senhor comum, por diversos servicos. Nesta passagem da Histéria, os trabalhadores da terra estio presentes ¢ tanto a sua condigao como a sua actividade sio evocadas de forma muito rea- lista, A ideologia expressa nestes versos € senhorial. Proclama o legitimo direito de explorar os camponeses—e denuncia, de passagem, esses agi- tadores que aproveitam para pregar que as gentes da Igreja bem deveriam ser mais pobres. O principe vigia, antes do mais, para que funcionem perfeitamente as engrenagens do senhorio. Mais adiante, no seu romance, Benedito de Sainte-Maure utiliza o que Wace descrevera acerca do levantamento do campesinato normando, por volta do ano mil, quando se instalava 0 modo de produg&o senhorial ¢ os seus novos rigores. Fus- tiga os vildes que haviam entéo ousado sair da sua ordem, sacudir o jugo, libertar-se dos impostos. Haviam sonhado com a igualdade, tinham formado comunas. Escandalo. E retoma-se, em coro, na corte, o velho estribilho anti-igualitario, que Guilherme de Nogent entoara, na peugada de Gerardo de Cambrai. A figura trifuncional serve para defender as (*) Ed. Fahlin, pp. 368-369. 303 eee

Você também pode gostar