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A concepgao do tempo historico dos “annales” José cantos eis Prot de Teva Melodoogi ce Histva (CHSIUFOP) A nouvelle histoire, isto 6, a histéria sob a influéncia das ciéncias sociais, realizou uma revolupao epistemoiégica quanto ao conceito de ternpo histérico, Uma revolugao no sentido amplo do termo, ou seja, umia mudanca substancial ra forma de comppreenséo do tempo historico, Eis o que gostaria de demonstrar ‘Antes dos Annales, os historiadores, mesmo heterogénecs em seu tratamento do tempo histérico, néo chegaram @ concebé-lo maneira destes. O que néo Quer dizer que os Annales néio tenham tido antecedentes, Mas, foram isolados € sua compreensao do tempo nda se fomou un movimento epistemoldgico de Tepercussao histérica. R, Koselleck e K. Pomnian mostram o desenvolvimento geral do concsito de ternpa histrico e revelam esta novidade que os Annales Vieram realizar no interior da historiogralia. O que explica este evento episte- mologico 6 a mudanga de inspiragéo tesrica da historia —ela recusa, enté0, as influéncias da flosotia e da teologia e opta por se associar teoricamente Asnovas ciéncias sociais, que também tinham recusado a flcsofia e a teologia e se inspiraram ou no tempo da fisica ou em um teripo metematico, que tanbém ‘tempo do mito. A nouvelle histoire, recusou a predominancia da influ€ncia do tempo da alma ou da consciéncia sobre a historia e optou pelo tempo da ciéncia, O resultado foi, © ¢ 0 que pretendo esclarecer, ua renavagdio signiticativa da ‘compreenstio do tempo histérico pelos historiaciores. Sob a influéncia da teologia e da filosofia, o tempo historico 6 sempre teleolégico. O fim da histéria explica a sucesso dispersa dos eventos. A Providéncia ou a Razdo seriam as insténcias organizadoras do mundo hist6rico visivel e sublunar, Um tempo metalisico, invisivel, revela-se na sucessdo tempo- 14 VARIA HISTORIA, Bolo Horizonte, n° 12, Dezembro/93, p.14-29 ral em diregdo & simultaneidade de si, isto 6, a eternidade. Na perspectiva teokigica, 0 espirito universal é transcendente, exterior ao tempo, em algumas interpretagées, e, em outras, ele 6 uma transcendéncia que inciui ou participa do tempo. Mas, sempre, no final, este mundo seré absorvido em outro, que Ihe 6 exterior. Na perspectiva filosdfica, este espirto universal é posto no interior da histétia, ele € imanente, ¢ s6 atingiré a simuitaneidade de si alravés de sua objetivagao temporal sucessiva. Uma teleologia imanente substitui uma outra transcendente. Na perspectiva filosdtica, a histéria ganha o sentido de Gas- Cchichte (Hist6ria), ou seja, uma concepgao da histéria que reenvia uma a outra a experiéncia dos eventos e seu conhecimento, Para Koselleck, a mudenca de erspectiva sobre © tempo da historia, que a flosotia reaizou em relagao a teologia, no século XVII, signiticou também uma mudanea substancial, Para ele, a convergéncia das duas significagées do termo histévia — realidad vivida & seu conhecimento —constituiu um fenémene histérico Unico. Na medida em que consciéncia € ago se recobrem, a historia se revela como sujeito e objeto do ‘conhecimento a0 mesmo tempo. “Que a hisiéria pussa se fazer era ural idéia nova, moderna, impensavel antes da Revolugao Francesa e de Napoleao, Enquanto durante mais de 2000, anos a hist6ria analisava e descrevia 0s falos, ¢ sormente em torno de 1780 que ‘50 pode pensar em fazer a historia”® Antes, havia uma tistéria organizada por Deus. Mas, continua Koselleck, uma hist6ria cujo suieito teriam sido os homens ou ura historia pensada como sujeito, no existia. Na perspectiva teokigica, a historia era um conjunto de historias, ela tinha uma forma plural —eram casos que espelhavem a virtude e ©.vicio, A partir de 1780, e sob a perspectiva filosdtica, a hist6ria tornou-se un singular coletivo, por sie em si, que envolvia em um plano Unico e universal todas as historias particulares. “Atistéria Geschichte € um singular coletivo reunindo a soma das historias particuiares, recobre o conhecimento hist6rico e os eventos que passam, revela @ renuncia a uma instancia extra-histérica, A historia era sinénimo de historia Universal, o homem estava inserido nelae a.cria. Astoria & disponivel ese torna ‘um conceito de ago. O futuro da historia é posto em discusséo e a cisposizo."> Para A. Weishaupt, chefe dos ilurrinados da Baviera, prossegue Koselleck, © Cficio mais importante era o do filsofo da histéria, pois € este que tragava pianos para 0 futuro, iluminava a ago e dava sentido aos eventos passados e presen- {09.4 O prescuposto era o da disponibilidede de histéria &agoeohomem, entao, T Katalock (1005) pp 450 os 2 Ido,» 238 lem p. 236 4 iemp 259 15 setia Deus sobre a Terra, livre © consciente e potent para realizar 0 futuro que ele desejasse. Eis as concepebes do tempo histirico preciominantes antes dos Annales: uma teologia ou uma flosofia da histéria. Estes tempos podiam se misturar e se fornarem mais complexes. Mas, eram essenciaimente, uma teleologia espiritual Que ordenava e subordinava os eventos histéricos concretos. A ciferenca essencial 6 que, para a teologia, a histéria ¢ produzida do exterior @, para a filosofia, ela se produ a partir de si, do interior. Sob a intiuéncia da filosofia, a histéria se tornou produtora de si, sujeito, Portanto, Na medida em que sua direcdo jé era conhecida, era preciso somente Produzir os eventos que a realizassem. Se fazer a historia e fazer historia se Facobrem, conceito de histéria é completamente dominado pelos de sujeito e Ge consciéncia. Esta concepgo filoséfica do tempo histerico teve uma conse- Uéncla essencial 0 evento. Isto 6: ela levou & produgao acelerada de eventos, Que se acreditava controler, pois supunha-se que seu sentido era conhecido Esta concepeao levou a uma aceleragso do tempo hist6rico, ou seja, a uma ‘evoluedo permanente ia vivido, & subordinagao do presente ¢ do passade a uma teleologia. E exatamnente contra esta concepcdo filosdtica do ternpo histo- ‘ico que se, por um lado, ¢ especulativa e, por outro, é extremamente pratica e ameagadora, pois 6 ago produzida a partir de um conhecimento especulativo, {que a cléncias sociais se posicionaram. A experiéncia daquela concepeao da hist6ria tinha levado a uma aceleragéo total da procucao dos eventos e, s6 ent, ercebeu-se que estes ndo padiam ser controlacios como se supunha, pois nd ‘Se conhecia de fato 0 seu sentido. Ou melhor: 0 sentido dos eventos ndo se da ‘um conhecimento especulativo. A descoberta das ciéncias sociais 6 a de que fazer a historia e fazer historia néo se recobrem, Na verdade, elas constalarn, hd distingo entre intengao e gesto, entre andlise e realidade, entre teotia e ado. ‘A Tealidade histérica resisie ao conhecimento e & agao e ¢ preciso, antes de se pretender alteré-a, conhecer suas resisténcias. E preciso consideré-a, primeiro Come coisa, como estrutura, come permanéncia, como continuidade inerte, ‘como repeti¢o constante do mesmo, como tendéncia & rotina € ao repouso ao Catidiano. AS ciéncias sociais néo negam radicalmente a proposta de se fazer abistoria. Seuobjetivo continuaré sendo 0 de informa aagéo. Mas, elas recusam a subordinaeao do vivido @ qualquer instancia metatisica, recusam a historia ‘como um sujeito universal e s6 consideram possivel o conhecimento de historias Particulares e plureis, determinadas, que levaria a uma acéo segura. O sentido os eventos nao pode ser conhecido especulativamente, mas pela pesquisa Cientifica, que implica em colela de dados € teorizagao particularizada, As Ciencias sociais descobriram os limites da concepcéo da historia como Ges- Cchichte; descobriram, portanto, que previsdo, plano e execugo se dissociam ‘Sempre no curso do tempo. Eniretanto, elas ndo rejetam em bloca a expresso fazer a histéria. Na medida em que a hist6ria néo ¢ obra extre-humana, os homens so responsaveis pelas historias nas quais esto impiicados. E 6 esta tesponsabilidade que obriga @ reviséo daquela expressao, pois verfica-se a ndo ealizagéo das melhores intengSes. Produz-se o fim de um grande império tentando torné-lo maior, é 0 exemplo aleméo de Koselleck. Pode-se, talvez, ‘melhor dizer, que produz-se impérios tentando destrui-los. As ciéncias sociais ‘descobriram que c homem néo é s6 sujeito, ele & também resultado, objeto. Seu objetivo 6 restituir ao homem sua condigzio de sujeito, enisto elas se identifica as filosofias da histéria; mas, diferenciam-se-quando opéem um conhecimento tecrico @ empirico da sociedade ao conhecimento especulativo da flosofia. Para las, o tempo da consciéncia nao é o da reflexdo total e, portanto, o homem, se ainda sujeito, ndo 0 ¢ plenamente: ele possui dreas de sombre que, em geral, detiner ou entre na definigéo da forma de intervengao na realidade. O que 0 homem sujeito declarava querer produzir com sua ado desaparece quando a agao é concluida, 0 que leva & hipdtese de que ele no pretendia produzir o que declarava. Ou que pretendia ingenuemente, ignorando os méveis profundos inconscientes de sua iniciativa. Se a rellexdo total ndo possivel, a ago total do é recomendavel, pois seu sentido no € totalmente conhecido. As ciéncias socials, propdem abordar um homem-objeto, conhecéo empiricamente, para restituirthe @ condigao de sujeito, mas, agora, dentro de margens estreitas, 0 ue as leva a propor agdes parciais, cautelosas, que respeitem 0 carater duro do mundo social, que néo pode ser quebrado sem dor, drama e tragédia, Para adentrar a histéria, isto é, para agit, € preciso dotar o homem sujeito de ura planificagao limitada no tempo, de recursos técnicos, de pesquises localizadas, de previsGes determinadas e quantificades, As ciéncias socials propdem a acéo ‘s0b limites, para que se tenha sobre ela um méximo de controle. E, mesmo assirn, ‘operigo do evento—explosdes, traumas —ndo foi extipado, Os estruturalismios athist6ricos, entéo, radicalizam: suprimem simplesmente 0 evento de sues consideragdes. Se 0 tempo da historia sob a influéncia da filosotia foi commpreendido ‘experimentado como uma aceleracgo otimista, revolucionéria da hist6ria, o tempo hist6rico sob a influéncia das ciéncias sociais é uma desaceleracéo ‘cautelosa, ndo dia reaciondiria, pois nesta palavra hd um juizo de valor, embora, tenha sido uma reagdo, de fato, a aceleragao revolucionéinia da mocernidade. F neste quadro que penso 0 aparecimento da nouvelle histoire. E esta apareceu ‘com um certo atraso, isto 6, hist6ria deixou-se infiuenciar pelas ciéncias sociais, ‘somente a partir dos anos 1930, depois de constatar no vivido tistérico que fazer a histéria com um conhecimento especulativo era ameagador: nacionalismos, racismes, imperialismos, etnocentrismios, xenofobias e a guerra efa 0 que terergia e sern nenhum controle, embora jusiicados filosoficamente. Os histo- riadores tracicionais continuavam a pensar 0 tempo histbrico de forrna linear, 7 continua e irreversivel, baseados nas filosofias da hist6ria. A argumentagao das ciéncias sociais contra este teripo histérico tradicional revelava a sua inquieta- & com a aceleracéo na produgao dos eventos que ela implicava: se 0 teripo historico € linear, se no € repelitvo, enléo, conciulam, a histéria no pode pretender ser uma ciéncia, pois os eventos histbricos ndo so, desta maneira, previsiveis e passiveis de controle, E desefiavam: quem se interessara, nestes, tempos novos @ ameagadores, por um conhecimento hist6rico que nao vise controlar os eventos? Os socidlogos franceses eram agressivos: ou os historia- ores se convencem de que os tempos so outros ou eles tomariam o seu lugar nna cullura ocidental. Para eles, a hist6ria nao pode ser conhecida e néio pode sobretudo ser produzida a partir de uma compreensdo especulativa e revolucio- niéria do tempo histérico. Era j4 o momento de se aplicaro antidoto, poiso veneno Que estas fiosofias da histéria signficavam ameacava dissolver o planeta. Para ‘controlar este tempo acelerado, a histéria deveria entatizar 0 lado repetitive, ciclico, resistente, inerte, constante, da vida dos homens, Para realizar esta mudanga de perspectiva proposta pelas ciénclas socieis, a histéria deveria se tornar outra que a tradicional, por uma revis’o radical de sua concepoo do tempo hist6rico. Foi o que empreendeu a nouvelle histoire: a construgao de uma ‘outta concepeao da historia e de seu termpo, ‘Sob a influencia das Ciencias Socials, em primeiro lugar, a histéria sofreu uma modtficagao no seu campo de analse ® Os historiadores novos abandona- ram 08 objetos tradicionais da histéria — a poltica, a historia’ das idéias, a biogratia — campos dominados pela presenga do individu, enquanto livre & Potente para produzir eventos, que faziam a historia, para darem atengao & regio ndo acontecimental da historia: 0 mundo mais durével e mais estruturado, mais resistente & mudanga, da vida material econémico-social ® No campo ‘econémico-social, o tempo historico se revela como permanéncia, constancia, resisténcia, necessidade social. Ele é constituido por agdes coletivas, massivas, ‘que 880 repetigées dos mesmos gestos eficazes de produgao, distribuicgo, toca e consumo; ele 6 constituide por comportamentos inconscientes, normas, regras, leis, ordens sociais. Este campo ndo acontecimental da experiéncia wvida, marcado pela repeti¢ao, permite um conhecimento quantificado, analitico € problomatizante da histéria, A ciéncia econémica traré a nova historia no s6 Um certo némero de conceitos e técnicas de andlise deste lado mais objetivo do mundo humano, ras também uma certa concepedo econémico social a his ‘ria, que no se contunde com um economicismo. Uma concepcao econémi- co-social da historia € uma concepgao anti-filoséfica, isto 6, se no opée, 3 Vovats (1082) pp. 208 6 Paman (1986) p. 118. 18 ploriza, a pesquisa da vida materiel e seus aspectos necessatios e inconscien- Jos ern telagdo a rellexéo sobre a vida espiritualintelectual-psicolégica e seus ‘aspoctos mais livres e conscientes. A pesquisa do campo econdimico-social é dos limites estruturais de uma realidade social determinada, pesquisa preccu- pada om deterrrinar um objeto, em circunscrevé-lo empiricamente e conceitval- mente, em construir conceitos adequados para pensé-lo, em elaborar técricas folinadas para testar as hipdteses € que acabam por uma dupla conclusdio: ppositiva, que aponta para os resultados verticados; negativa, que nao s6 revela, ‘0 limites de validade destes resultados como problematiza mesmo esta valida de veriicada, A pesquisa econémico-social 6 mniitipla, S40 pesquisas que fesclarecem aspects particulares da realidade. “A realidade ndo econémica, social ou técnica; ela 6 um Conjunto que estudamos de diferentes pontos de vista, com aiferentes suposigdes e com Giferentes instrumentos metodolégicos. A validade a elicacia de nossas escolhas entre as diversas alternativas S40 demonstrados pelos resultados e pela capacidade da teoria assim concebida a se adaptar a uma realidade ‘complexa e camtbiante."? Na pesquisa do campo econémico-social, 0 novo historiador encontraré 0 ternpo da necessidade social. A hist6ria néo serd mais a narrativa de povos © individuos livres, produtores de eventos grandiosos que fazem avangar oespirito, Universal em direcdo liberdade, Ela é a pesquisa, andlise, teoria e calculo liritados ern sua validad, para fenémenos necessétios, repetitivos e massivos, ue limita a agao livre individual Sob a influéncia das ciéncias sociais, a histéria sofreu também uma mudan- camo campo das técnicas e dos métodos® A modificagao no campo da Pesquisa seria sem resultados se ndo fosse acompanhada de uma mudanga da ogo de font histérica. Se antes a documientacao era relativa a0 evento 20 ‘Seu produtor, o grande personagem histérico em suas lutas histéricas, agora ela 6 relativa a0 campo econdmico-social: ela se fora massiva, serial ¢ revela também 0 duradouro, a permanéncia, as estruturas sociais. Os documentos se referem a vida cotidiana das massas anénimes, a sua vida produtiva, & sua vida ‘comercial, ao seu consumo, &s suas crengas coletivas, 2s suas diversas formas de organizagao da vida social. Os docurnentos néo so mais oficios, cartas, alas, editais, textos explcitos sobre a intengdo do sujeto, mas listas de precos, de salarios, séries de certidées de batismo, dbitos, casamento, nascimento, fontes nolariais. contratos, testamentos. inventérios. A documentacéo massiva e invo- |untaria torna-se prioritaria em relago aos documentos voluntérios ¢ oficiais. Os 7 Aekerman (1052) p12 1 Vowel (1982), pp. 217 « 5, documentos so arqueolégicos, pictograticos, iconogréticos, fotograticos, cine- ‘matogréticos, nuéricos, orais, enfim, de todo tipo. Todos os meios sé tentados para vencer as lacunas e siléncios das fontes, mesmo, e no sem risco, os considerados como anti-cbjetivos, las, essencialmente, sob a influéncia das ciéncias sociais, © estas mudan- ‘gas de objeto e da concepgao de fonte histérica s6 saber revetar, a hist6ria sofreu uma mudanga ainda mais profunda: ela alterou sua compreenséo do tempo hist6rico, Se a histéria dos Annales pode se pretender nouvelle 6 porque ela apresentou, de fato, una nova concepgao do tempo histérico. Desde Febvre Bloch, a histéria é nova porque realizou uriamudenga substancial no que esté no coragao do pensamento histérioo: a nogéo do ternpo. A discusséo sobre o paradigma dos Annales, pareceme, deve partir desta questo. Do ponto de vista, que 6 central, do tempo hist6rico, os Annales realizaram urna revolugdo no conhecimenio histérico. A palavra revolucéo, talvez néo se aplique muito, pois, festa supde uma aceleragao dos eventos, o quené ocorreu na vitéria da nouvelle histoire. Foi uma vit6ria construida lentamente, levando mais ou menos 50 anos para se implantar € 86 venceu parciaimente a perspectiva tradicional, que Continua presente e atuante. A vitéria do tempo fongo em histéria, que é o que significou © movimento da nouvelle histoire, nao foi subita, no foi clara, nao foi visivel, no foi indiscutivel. Mesmo entre os membros do grupo, 0 conceito de jonga duragao 6 diterentemente concebido e aplicado. As perspectivas de Febvre e Bloch nao coincidem plenamente e a de Braudel se distingue das dos fundadores e das dos sucessores. O que tém em comum € a’construgao da pesquisa histérica dentro do quadro do tempo longo, que consiste em um eslorgo de superagao do evento e de seus corolatios: a historia continua, progressiva irreversivel da realizagdo de una consciéncia humana capaz de uma reflexdo total, E 6 esta toda a influéncia das ciéncias sociais sobre a historia nova. No tempo histérico da nouvelle histoire, hé umia consciéncia opaca, uma consciéncia natural, uma consciéncia inconsciente, que possui algumas das caractertsticas do tempo natural: consténcia, regularidade, repetigao, ciclos, homogeneidade, comparatividade, quantidade. Enfim, o tempo histérico incor- ora as qualidades da consideragao da simultaneidade. Mas, se a nouvelle |store se detxa influenciar pelas ciéncias sociais, sua concepcaio do tempo no ‘se Confunde com a delas. Se os Annales incorporaram a simultaneidade, eles 1ndo abrem mao da sucesso, se incorporaram a quantidade, no ignaram a qualidade, isto 6, se incorporaram 0 movimento numerado, nao deixam de considerar a mudanca qualiativa. Mas, @ exatamente nesta relagao de aproxi- magdo/diterenciagao da histéria com as outras ciéncias sociais é que se fara a heterogeneidade do grupo dos Annales, que consideraremos mais tarde. O tempo hist6rico novo, e nisto parece haver uma maior unanimidade entre ‘es membros do grupo, rejeta a hipdtese do progresso, pois esta idéia implicaria ‘na apreensdo da histéria como a realizagao de certos valores ° E nesta recusa, lwmbém, aparece a influéncia das ciéncias sociais e de seu tempo cientifico: 0 lompo histérico novo neutro em relagao a valores. A historia nao é entendida ‘e0mno tendlendo assintoticamiente em diregao a umn ideal final Ela néo se explica toleologicamente, As diregdes, pois sao multiplas, dos processos histéricos $40 ‘observadas nestes processos mesmos. A definigzio da diregéo do tempo néo é pportanto, uniforme. Sua topologia no esta definida, preestabelecica. S40 os processos mesmos que, ém se desenvolvendo, realizam sua diregao. A hist6ria, segundo Poriam, tem seus tempos intrinsecos aos processos estudados.1” Isto, 6:0 tempo nao é pressuposto, ele é constatado. Entretanto, considera Pomian, talvez, seja possivel perceber uma orientacdo geral nestes processos particula- ‘es; haveria, entéo, um tempo ciolico com crescimento tendencial. O historiador 1ndo encontra processes ciclicos, estacionétios ou lineares isclados. © tempo da. historia ndo € um s6, ndo tem uma s6 figura. Estas orientagdes, que devem ser discernidas, estéo imbricadas no interior dos processos. O historiador deve ppfocurar nestes, ao mesmo tempo para distinguilas e relacioné-as, para articu- \é-1as, as figuras do ciclo, da linha e do imével. O que significa que o tempo historico nao ¢ uniforme, abstrato e retiineo, mas plural. Ha historias de proces £08 politicos, de processos socials, de processos econémicos. Cada processo revelando uma’ temporalidade especttica. Através de um modelo, de uma construgao abstrata, 0 historiador consegue reunir uma multiplicidade de traje- {rias de um proceso especitico. Enfim, conclui Pomian, se se pode supor um. tempo global para a histéria, a nouvelle histoire recusa a hipstese de um teripo linear, cumulativo ¢ irteversivel.# Ela cria uma topologia global complexa: uma sequéncia de ciclos, dentro de lites estruturais fechados. Estes ciclos s40 ce ‘erescimento, estagnagéo, declinio e retomada do crescimento e, quando sua média é caldulada, nao se observa uma compensagao total, que levaria a um ‘crescimento zero, mas peroebe-se uma tendéncia estrutural de crescimento. Ao recusar a idéia de progresso, o que a nouvelle histoire recusa junto 6 a conside- ragao histérica do futuro. Este se tora tema do debate politico, que envolve a vontade e © sentimento, mas néo é tema da discussao histérica cientiica, que envolve uma pesquisa empitica, uma andlise conceitual, a consirugéa de modelos de vaiidade limitada e, sobretudo, a neutralidade em relaggo a valores. Ahipotese do progressopressupée, especuiativamente, a existéncia deur tempo coletivo e global. A nouvelle histoire mantém a hipdtese do tempo objetivo, mas este ndo € progressivo, ou seja, continuo, curiulaivo e ineversivel, nas 9 Fura (1980, po, 79 410 Pomian (1884), pp. 2. 11 idem pp. 97. plur-cirecionado. Plurais, os tempos historicos ndo se articular também em uma Globalidade. O novo tempo histérico consiste em uma hipétese contréria A do tempo filosético: 0 tempo ndo 6 progressivo, mas pluri-cirecionado; ndo é global, ‘Mas miltiplo. Continua-se a sustentar 0 carditer objetivo dos processos tempo. ‘ais, mas estes néo séo conhecidos especulativamente, mas tedrica e empirica- mente. Enquanto imanente aos processos objetivos, 0 tempo hist6rico revela antes a sua pluralidade, a sua mulipicidade, a sua descontinuidade, as suas assimetrias, as suas imeversibilidades particulares e jamais a sua unidade total Nao se tem mais uma unidade da diversidade, mas a diversidade. Para apreen der este tempo divargente, 0 historiador devera consiruiio. A sucessao e a ‘imultaneidade de processos divergentes, sera ohistoriador quem vai coordend- las em seu modelo. © tempo reconstruido ser, como no tempo cientifico, a ccordenagéo abstrata de movimentos e mudangas objetivas heterogéneas. ‘Aqui, os Annales apresentam a sua originalidade: 20 mesmo ternpo que ecusam 0 tempo filos6fico ¢ aceitam a influéncia das ciéncias sociais, eles se dlferenciam também das ciéncias sociais. Estas tendiam ou a abordar o estru- {ural vivido ou a substituito por um tempo abstrato estrutural. Os Annales no ‘plato, mas precuraréo reunir e separa 0 VivIdO € o formal. Isto 6: 0 tempo é ‘uma realidade presente, dada nos fentimenos humans concretos, ele consiste emsuas duragoes ¢ itmos objetivos. Mas, estes tempos no se do & percepezio € no s40 conhecidos especulativamente. Torna-se, entéo, necessério a sua ‘econstrugao tesrica e formal. Mas, esta reconstrugéo néo se confunde com 0 Proprio teripo vivido @ este nao se reduz aquele, E como se houvessem dois tempos: o tempo do real eo tempo do conhecimento. Este é uma representagaio aquele. O tempo real ¢ 0 que deve ser reconstruido, mas ele nao seré jamais reconstituldo. Além disso, porque o tempo eal é plur-drecionado, ele possibiita ‘econstrugdes diversas, desde que se priorize este ouaquiele dos seus aspectos fomporais. Um mesmo processo temporal objetivo, porque 6 plurel, isto 6, uma imbricagao de diregdes @ duragdes, possibilta Pesquisas hisléricas, isto 6, reconsiruedes temporais heterogéneas. Como nao é mais Deus ou 0 Progresso, hipéteses globalizantes, que coordenam os terpos diferentes, fazendo-os con. ‘ergit, os historiacores diversos, com suas problematizagdes singulares, con- junto de documentos espectfico, teoria e conceitos particulares é que recons- ttuirGo estes processos objetivos, assimétricos entre eles, plutidirecionados e, internamente, também plurais ¢ heterogéneos. O.que ¢ recusado, entao, embora com muita reluténcia @ nao é uma recusa undnime entre os membros do grupo, € a possibilidade de uma histéria global. Uma histéria global, pressupde 2 Lunidade do tempo abjetivo e do tempo do conhecimento e sua convergéncia. uma hipdtese filoscfica. Foucault define bem 0 sentido da pretensdo de uma histéria global: @ reconstituigo do conjunto de uma civilzaeao, o conhecimento do principio de uma sociedade, da significago comum a todos os fendmenos do um period, a busca de uma ampla coeséo na diversidade. "2 Uma histéria global pressupte, prossegue Foucault, um sistema de relagées homogéneas, Luma Gnica forma de historicidade ligando estruturas diferentes, pressupde que 1s diversas fases da historia possuem umn centro que as constlituem como fases. Finalmente,ele conclu, @ idéia de uma historia global 6 correlata da fungao fundadora do sujeito, a garantia de que 0 ue the escapou the serd devolvido, a certeza de que 0 tempo néo dispersa seu mundo sem devolvé-io en uma unidade recomposta. Em uma histéria global, todas as diferengas de uma sociedade podem ser reconduzidas @ uma forma Gnica, a uma coeréncia \rangtiizadora, Sao estes principios que a nauvelle histoire pbe em questo, tembora. haja un acordo essencial quanto & recusa de um tempo histérico ‘continuo convergente. ‘Arganizagao do tempo objetivo dos processos, se ela néo é apreendida intuitivamente, ela deve ser 0 resultado de uma reconstrugao. Os historiadores ‘novos recorrerdo aos conceitos das ciéncias sociais e renovaréo alguns concei- tos historices tradicionais, para produzirem esta representacaio do vivido, O Conceito, ou Conjunto de conceitos, vird substituira hipdtese da historia global. Um conceito uma construgao universalizante da diversidade e 6 sempre diferente, enquanto reconstrucdo, desta diversidade real. O que no exclui que ‘ele possa ser também uma fico. Segundo Koselleck, os processos passados no se tornam fiecionais porque os documentos que deixaram excluer ou ccontrolam © que pode ser dito sobre eles. Mas, esta documnentagio néo pres- ccreve 0 que pode ser dito, Assim, emibora dominado pela documentagao, 0 historiador a interpreta @ se aproxima do Iiteralo, Isto é: 0 tempo de sua reconstrugao, mesmo se controlado pelo tempo objetivo, nao deixa de se ierenciar deste. "Fico, hipdteses, conceitos e documentos: ohistoriador narra um evento, representa uma estrutura, desoreve um processo, apreende um passado por conceitos. Toda conceituagao ultrapassa a singuleridade passada que se quer compreender. Os conceilos ndo nos inlormam somente sobre significagdes passadas, mas encerram possibiidades estruturais, tematizam tragos contem- pporneos no ndio contemporaine, que néo se deixam reduzir a simples sucesso do tempo histérico, Os conceitos que englobam fatos, relagées complexas © processes passados fornarn-se categoria formals que podem ser postas como ccondigdes de possibilidade de histérias, E somente com conceitos suscetiveis de cobrir uma certa duragao, aptos a uma aplicacdo reiterada e de uso empitico, Portanto, com conceitos dotados de um conteddo estrutural, que se abre a via que permite saber como una historia antes real pode nos aparecer hoje como 2 Fossalt T080), pp. BVP Possivel e representavel."!9 A hist6ria, apreendida por conceitos, ganha uma nova periodizagao. As hipéteses anteriores, as de um tempo hist6rico nao continuo, ndo progressivo, no cunulativo, ndo universal, nao direcionado, ndo linear, nao global, e diferen- ciado entre vivido e reconstruido, levarn a uma mudanga significativa na maneira de cortaros processos objetivos. A periodizagdo nao se relaciona mais a histéria universal. A nouvelle histoire néio estuda épocas, mas esiruturas. ‘particulares, E ‘sempre uma histéria de. .circunserita no tempo e no espago. Segundo Pomian, a hist6ria estrutural s6 conhece dbis tioos de mudangas: as conjunturais, que sao reversiveis, e as esiruturais, que sdo ireversiveis."* Entre uma estrutura & ‘outra, ha uma ruptura irreversivel; internamente a elas, ha ciclos de crescimento e deciinio, que tendem a se compensar, embora sempre haja uma tendéncia ao ‘crescimento, Mantém-se, portanto, no interior das estruturas, uma irreversibili- dade, que: ‘6 denominada tendéncia secular. Nao se divide a historia em periodos: globais e nao se tematiza objetos universais. As Periodizag6es da nouvelle histoire implicam naquela diviso temporal jAmencionada: aspectos factuais, 0 tempo teal, € aspectos conceituais, 0 tempo fepresentado. Os processos séo ‘organizados pur cunceitos, sao reconstruidos a partir de documentos e monu- mentos, @ entao. distinguidos entie eles. As periodizagdes so demograficas, econdmicas, sociais, lingdisticas, antropolégicas, que nao pretendem ser gran. es cortes na historia da humanidade. A periodizagéo, entéo, segundo Porian, 6 concebida como fiutuagées ciclicas no interior de uma estrutura de longa duragdo. A pesquisa hist6rica estabelece laos entre o factual e 0 conceilual, ela organiza os eventos constatadas em ordens conceituais abstratas. Por tras. da sucessio visivel, da duragao real, o conceito cria a sirnultaneidade | entre elas, © Separa os processes diferenciados. O tempo real torna-se inteligivel, pensavel, éo especulativamente, mas conceitualmente. Cortar, recortar a duragzo do passado humano em duragées, considera Dumoulin, € 0 primeiro passo para torné-lo inteligivel.® A periodizagao conceitual da nouvelle histoire poe em xeque a histéria como continuidade irreversivel — ela percabe descontinuidades, diferen. gas, rupturas. Para as Annales, ele prossegue, as periodizacdes sao especificas a cada fenémeno estudado. Ela é construgao do historiador que, ao mesmo. tempo, @ atribui aos fendmenos que ele analisa, ‘supondo que ela Ihes perienga. Aqui, percebe-se a diferenga essencial do novo tempo historico com o tempo histérico filosdfico. neste, reatidade e conhecimento se recobrem, naquele, 0 fempo real se diferencia do tempo conceitual construido pelo historiador sem perder uma relacao to forte como a que permite a sua inteligibilidade. 7 Kowatesc (1350) pp. Hor 14 Pomi (1984) pp. 92), 18 Dumeatn (1980) pp. 0416 Outro aspecto novo na formulagao co tempo histérico dos Annales, & a. folago entre passado e presente. Na perspectiva positivista, o pasado tende fae isolar do presente e a se constituir como um objeto em si; na perspectiva historicista, 0 presente tende a absorver em si o passado e este passa a fazer parte da contemporaneidade; na perspectiva estruturalista, esta sucesséo do tompo histérico torna-se secundéria em relagdo a um tempo K6gico, marcado pela simultaneidade. Os Annales propordo uma nova perspectiva para esta relago passado-presente. Aqui, © passado nao se isola do presente. Ele 6 abordado a partir do presente e é este que levanta as quest6es sobre 0 passado ‘que ajudardéo a melhor se conduzir ese compreender. Ha portanto, umiaretacao de interrogagao recipraca. Se ha um didlogo, 0 presente nao pode absorver 0 ppassado e torné-lo contemporéneo. O didlogo s6 ¢ possivel entre alferentes que se comunicam. E ¢ esta a perspectiva da nouvelle histoire: pasado e presente 0 diferentes, 5&0 momentos singulares na estrutura do tempo hist6rico; mas, exatemente porque diferentes, podem informar um ao outro, podem estabelecer Uma relagao de conhecimento reciproco. E, contra os estruturalistas, 0s Annales defender a riqueza deste didlogo temporal, que é a propria azo de ser do conhecimento histérico. O tempo da sucessao vivida, eles sustentam, nao ppodera jamais ser superado pelo tempo abstrato do modelo. Pelo contrario, este 80 € legitimo como fonte de inteligibilidade daquele. "Na nouvelle histoire, 0 temipo histérico 6 percebido quando se constata a cfiferenga entre 0 ontem € 0 hoje. Como explicar esta diferenga? Eis o mével da Pesquisa. A historia se apresenta como uma resposta a uTia supresa, a un ‘espanto com as diferencas do hoje e do ontem. O seu método problematico a conduz a conoeber a hist6ria como uma sucesso de estruturas totais e fecha- das, irrecutiveis umas as outras. Néo se explica uma pela culra, nao se reduz uma outra. Hé diferenga entre elas. Cada sociedade 6 uma estrutura complexa e homogénea. Sao estruturas descontinuas em uma duragao material continua. Opassado s6 ¢ apreensivel pela comparagaio com o presente, a Unica duragao ‘que o historiador pode conhecer”® Na perspectiva dos Annales, o conhecimento historico nao 6 conhecimento do mesmo, pois seu tempo nao é continuo, mas da diferenga, da alteridade, pois ‘suas estruturas so desconiinuas. Conhece-se por contraste. O didlogo é informativo porque revela ao presente 0 que ele nao & e ao pasado o que ele no foi. E informa também condicionaimente: 0 que o passado poder ter sido @ 0 que 0 presente poderia terse tomado. Enfm, pasado e presente s40 tiferentes que alalogam @ nao a continuidade cumulativa do mesmo, Mas, essenciaknente, 0 tempo histérico novo proposto pelas Annales, 16 Ais (880) pp Signilica a aplicagao a historia da inspiragao primeira das ciéncias socicis: a Superagao do evento. A questiio que se poe, e aue é de dificil solugzio, 6: como Superar 0 evento e a0 mesno tempo manter a especificidade da perspectiva historica, que é a da sucesso de eventos? Ou seja, como nao recair em um ‘tempo abstralo, sem eventos, e como evitar @ pura sucessdio dos eventos? Os ‘Annales se cividio sobre esta questo central: haveré os que recusarao radicalmente 0 evento a favor da abordagem estrutural, haverd os que afirmaréo © evento dentro do quadio estrutural, havera os que detenderéo uma dialética do evento e da estrutura, onde o evento sé existe porque estruturado. Mas, no fundo, @ sempre a analise estrutural que vem explicar e incluir 0 evento. A introdugao da andlise esirutural em historia significou, para Burguiére, una aeitago e uma recusa. Os Annales recusaram uma ideologia da mudanga, da ‘evolugo progressiva da humanidade nas pegadas da Europa. O tempo da Europa era a referéncia que coordenava os tempos plurais da humanidade, Eles aceitaram a integragao a historia do tempo inconsciente, repetitivo, constante, ‘egular, constatdvel em outros campos de andlise diferentes dos tradicionais, Burguiére resgata a iniluéncia do Marxismo sobre os Annales, considerando-o mate avangada das teurias unlineares da histona. Mas, ele insiste, a0 produzit andlisos estruturals, a nouvelle histoire néo quer se tornar um esiruturalismo: ela continua a ser a portadora da perspectiva histérica, que ¢ a da mudanga. A andise estrutural que ela quer realizar visa melhor expicaresia endo supaii- lai? Portanto, ¢ esta a minha hipdtese: os Annales elaboraram uma mudanga ‘substancial na compreenso do tempo histérico, Le Golf considera que eles Tealizaram uma metamorfose na memiéria coletiva dos homens, segundo outa duracao, outa concep¢ao do mundo e de sua evolugao.' Fundamentalmente, a nouvelle histoire opde-se ao temipo da histéria da época da Luzes, embora haja os que vejam neste movimento o seu inspirador mais direto, que 6 o da evolugdo gradual e progressiva da Razéo, e opoe-se as vers6es revolucionarias Geste tempo, que, ao invés de uma evolugéo gradual, proptem a revalugéo Permanente, mas visando © mesmo progresso da Razzi. Ela foi a constatagio © reconhecimento das forgas de inércia estruturais, que limitam a agao livre © ‘que ndo tém pressa para verem a vitoria da razao. No fundo, percebe-se a recusa, consciente ou nao, confessada ou ndo, da idéia de revolueao e tudo 0 ue ela implica: acelerago do temipo dos eventos e conhecimenta especulativo do sentido da historia. A hist6ria da longa duragao entatiza os movimentos lentos € representa uma desaceleragao das mudangas 7 Bargawre (97H, pp, VevE 18 Le Gl (1088), pp. 2 19 Gomi (1987) pp 6? Entretanto, para melhor demonstrar esta hipétese, devo apresentar uma ura: os autores principais dos Annales, tém perspectivas dfferentes sobre a renovagao que produziram. E sera procurando esclarecer esta ciferenca interna {que pretendo demonstrar aquela hipotese principal. Assim, o que retne Febvre @ Bloch é a perspectiva da longa duraeao, 6 a tentativa de superacao do evento ‘a parti dainflubncia das ciéncias socials. Mas, dentro desta perspectiva comur, eles tém concepgges diferentes da longa duragao e da sua relagao ao evento. Mais: eles teriam aberto a via a duas tendéncias dentro da nouvelle histore, que ora se optem, ora se complementam. Assim como eles: foram diferentes @ completavamse, intelectualmente. A tendéncia de Febvre: ele parte do evento para a sua estrutura, parte da aparente novidade de uma obra original para intogré-la na estrutura mental de sua época. A tendéncia de Bloch: parte da cestrutura e, talvez, nem saia dela, sem procurar atingir 0 evento original, ras dispondo nela os eventos dispersos. A diferenga: em Febvre, é um evento original consciente que encontra sua estrutura; em Bloch, é uma estrutura que incluiindrmeros eventos inconscientes, Esta diferenca revela, talvez, uma dimen- 'sdo mals profunda: @ da propria concepcao da historia de um @ de outro, o primeiro ainda tendendo ao historicismo, o segundo 2o positivismo sociolégico. Braudel vai procurer sintetizar estas duas tendéncias, embora tend mais para 1a perspectiva de Bloch. Le Roy Ladurie radicalizaré, depois, esta tendéncia blochiana, que também se imporé a antropologia hist6rica. Depois de Braudel, e dentro ainda da tendéncia blochiana-braudeliana, duas perspectivas se abrem: a da histéria estruturl, imével, que Le Roy Ladurie representa melhor, @ ‘ada historia serial, uma histdria de ciclos, que privilegia as oscilagdes dentro da estrutura. Ao longo da histétia dos Annales, a via aberta por Febvre continuou ouco explorada. Recentemente, parece-me, a tendéncia febvriana voltou a parecer. parte-se hovamente de um evento original para a sua estrutura, ‘Sdo estas as perspectivas que corstituem a nouvelle histoire. S20 ciferen- tes, mas no se excluem; completam-se sob 0 signo mais amplo do tempo histérico estruturado, mesmo em seu aspecto acontecimental mais original. Se se Sai deste modelo ou paracigma dos Annales, reenconira-se o evento nele mesmo como visivel e pleno de sentido enguanto visivel, Endo procurar alrés dele invisiveis que o sustentem. E repor a hipotese do evento que faz sentido en, si, sem necessidade de ser posto em um quad temporal mais longo. Emibora esta hipétese jamais tenha sido sustentacia: semipre se procurau um invisivel que legitimasse os evertos visiveis. Uma crise des ciéncias socias faz retornar o evento &histéria? Ese o evento ‘etorna, retorna com ele o tempo da alma ou da consciéncia do fldsato. O evento @ expresséo singular de sujeitos livres e conscientes, que agen segundo valores: a liberdade, @ realizagdo de si... As ciéncias sociais foram a tentativa mais recente de naturallzagao do tempo da consciéncia, isto 6, elas procuraram a7 Pensar 0 tempo humano em termos de relagdes temporais, onde a reversibilida- de, a homogeneidade, a regularidade, a quantilicagao sto possiveis. A nouvelle |istoire continuou 0 esforgo especificamente histérico de conhecer as mudangas ‘dormundo humano, mas procurando submeter a qualidade destas ao movimento uantiticado. Na nouvelle histoire, o tempo istérico deixa de ser s6a perspectiva da sucessao dos eventos tomna-se consideragao desta sucessao na simulta neidade. O que era antes impensével em historia, a repetigdo, a permanéncia, quantificagao de movimentos reversiveis e regulares, a longa duragdo, enfin, torna-se a diregdo principal do olhar do historiador. Uma outra historia comeca «ser pensada, o que refleta sem divide sobre a histéria que se produz: un tempo histérico desacelerado, isto ¢, que inclu a simultaneidade, criard uma ‘agao histérica cautelosa, planejada @ com a sensibilidade da resisténcia dos Processos objetivos aos projetos subjetivos. Dentro do grupo, esta submissz0 da qualidade quantidade chegou em alguns, ao reducionismo e, em outros, ‘chegou perspectiva rica de uma dialética da medida e da interpretagao quallativa. Sob a influéncia das ciéncias socials, a nouvelle histoire, scube defender a perspectiva especiticamente histérica do tormpo. Se as ciéncias Socials buscam 0 internporal, a natureza humana, ou o inconsciente colelivo, a nouvelle histoire, mesmo aceitando esta inspiragao, néo perdera de vista o especifico do tempo humano, que é a mudanca qualitativa e a consciéncia, Dentro da nouvelle histoire, @ aporia fundamental do temipo continua: ha uma. ‘tendéncia a naturalizacao do tempo humano, ha uma outa tendéncia que evita ‘este reducionismo e mantém a diferenga.® REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ‘ACKERMAN, “Oycle et Sructure’. In: Revie Econemique, 1, Paris: A. Colin, janvier, 1962. ‘ARIES, Ph. Le Temps de Histor. Pats: Seu, 1986 BLOCH, M. Apoiagie Four /histore ou Meter @Hisierien. Pais: A. 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