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(2) Comunicagto apreseatada iol "enna andor 2002) pare um publi de soe Stogoe“Awradeyo Tin fo. Aa a nga" acatoen a Wilson Tejano os excelente: ‘her por nossas conversas so: ropa PECADOS E VIRTUDES DA ANTROPOLOGIA UMA REACAO AO PROBLEMA DO NACIONALISMO METODOLOGICO" ‘Mariza Peirano RESUMO Fav artigo examina os pecados cometidas pela antropologia no timo séeulo, os valores que — paradoxalmente — foram construidos a partir deles e as virludes contemporineas de sua abordagem, em especial aquelas relativas aos desafios suscitados pelo "nacionalismo meto- {doligico” identificado pela sociologia, Um estudo antropolégico de Stanley Tambiah sobre a Violéncia coletive no Sul da Asi exemplifia o argumento, que conclui com breves eflexses sobre as ciéncias sociais no Brasil Palavras-chave: antropologia; “nacionalismo metodolégico"; Stanley Tambiah; ciéncia social no Brasil. SUMMARY ‘This article examines the sins that anthropology has perpetrated throughout the last century, the values thal paradoxically have been constructed from such sins, and contemporary virtues of is approach, particularly those related tothe challenges of "methodological nationalism” identified by sociology, An anthropological stady by Staley Tambiah on collective violence in South Asia exemplifies the argument, which concludes with brief reflestions on Brazilian socal sciences, Keywords: anthropology: "methodological nationalism"; Stanley Tambiah; social science in Bru Nos ltimos anos a antropologia vem sendo acusada de muitos pecados cometidos no decorrer do seu desenvolvimento. De fato, para muitos especialistas a disciplina nao existe mais — pelo menos nos Estados Unidos a antropologia parece estar condenada a extingdo. Perso- nificando a pior das disciplinas "politicamente incorretas" durante as duas iiltimas décadas, a antropologia vem sendo substitufda por alternativas como cultural Studies, programas de STS (Science, Technology and Socie- 'y), situated knowledges etc., todas no contexto de uma pés-antropologia Em outros lugares, contudo — Brasil ¢ india, por exemplo —, a antropo- logia floresce. Sediada no centro, parece que ela vai bem na periferia, provendo uma abordagem positiva, critica © construtiva. Como essa situa- ‘40 se relaciona com 0 tema do "nacionalismo metodolégico" ¢ 0 que a antropologia tem a dizer sobre isso so as questdes que pretendo exami- nar aqui, JUUHO DE 24 PECADOS E VIRTUDES DA ANTROPOLOGIA Pecados A idéia contempordnea de incorreso da antropologia esti associada a pecados cometidos no pasado, dos quais gostaria de mencionar quatro. © primeiro pecado tem a ver com relagdes de poder: por um longo periodo a antropologia definiu-se pelo exotismo do seu objeto de estudo © pela distancia, concebida como cultural e geogrifica, que separava pesquisador do grupo pesquisado. Essa situagio se dava em um contexto de dominagdo colonial, a antropologia "sendo o resultado de um processo histérico que tornou uma grande parte da humanidade subserviente a outr Essa citagdo de Lévi-Strauss mostra que desde os anos 1960 ndo havia divida alguma de que a telagdo entre a antropologia ¢ seu objeto de tudo havia sido sempre de desigualdade ¢ dominagio. Mas essa conscién- cia nao impediu, na época, que os antropélogos continuassem suas pesqui- sas, como ¢ 0 caso atualmente. © segundo pecado corresponde a0 pesquisador no campo. Sendo poucos em nimero até a metade do século XX, antropélogos tornaram-se “donos" dos lugares ¢ regides que estudavam, delimitando dreas de pesqui- sa que equivaliam exatamente a0 exotismo que hoje produz culpa. Foi nese contexto que "americanistas", "africanistas", especialistas nas ilhas do Pacifico ou Melanésia apareceram no cenério. A combinagio dessas areas ‘geogréficas com tépicos como parentesco, religido, direito, economia tor nou quase impossivel que especialistas se reproduzissem em um mesmo arranjo de area + t6pico, Em conseqiéncia, cada antropélogo se tornou uma instituigdo em si mesmo, muitas vezes inibindo pesquisas de campo em suas areas de estudo (foi preciso varias décadas para que um antropélogo ousasse pesquisar depois de Evans-Pritchard os nueres ou depois de Malinowski os trobriandeses). "Antropologia de resgate” foi outro pecado. Agindo como arqued- logos, juntando debris vivos, considerava-se uma das tarefas da antropolo- gia resgatar e guardar, para o esclarecimento © educagdo de geragdes futuras, as iltimas culturas “primitivas” com scus artefatos, salvando-as da extingdo inevitivel. Dessa perspectiva, 0 antropélogo (ocidental) desloca- va-se para dreas do mundo que estavam sendo conquistadas por habitos ocidentais em uma missio de salvar e trazer de volta as provas de uma forma de vida social diferente (¢ muitas vezes anterior). Havia uma urgéncia especial nessa tarefa, j4 que culturas e sociedades inteiras estavam desapare- cendo a olhos vistos, Finalmente, temos 0 problema do financiamento. Aqui 0 pecado se refere & falta de princfpios éticos ao aceitar dinheiro carimbado. Um bom exemplo é 0 apoio do Rockefeller Memorial, durante os anos 1930, para prover uma grande parte dos fundos para pesquisas ¢ bolsas da London School of Economics. Mais tarde esse apoio foi formalizado como um programa no Instituto Internacional Africano, permitindo que vérios aftica- nistas (curopeus ¢ afticanos) se tornassem antropélogos_profissionais. 50 NOVOS ESTUDOS N° 69 (2) Levitra, Clade, “Ar {htopoloay ie achlevemeats fn fre” Caren tthe ato, el ine (6) CF Tambiah, Stanley. Imund Leach an antropologt= alive, Camwidge:Cambides vey Brens’3002 (28 saan ae xmamete Ges eteaias mes pede te per tena Teiaeade Spelde case rites doves a Rated eras anton Gul“. "sntopologie panos one (eget. ed on campos de. pesquisa, 1 “adicionais enfraqueceram ou ‘Sera aes ttapélogor chetor de culpa Pate dena Se ‘modernas (¢f. Latour, Bruno. eee it ina ing, Node ak Hes Beira) MARIZA PEIRANO ‘Treinar especialistas que mais tarde dominariam a antropologia africana tinha um prego: 0 esclarecimento de administradores e de pessoal traba- Thando para regimes imperiais’. (Embora esse uso pragmatico tenha sido contestado como um objetivo nao realizado, a experiéncia permanece.) Valores Fiquemos por aqui com os pecados que hoje levam (alguns) pratican- tes a definir uma crise na disciplina, Crise, porém, & uma idéia forte no mundo ocidental moderno, ¢ para um antropélogo constitui um predica- mento jé esperado em perfodos liminares (como a transi¢do de um século para outro). Proponho agora redirecionar o olhar da situagdo contempori: nea para 0 momento sociogenético que produziu a antropologia — esse momento geralmente aponta tanto contradigdes quanto realizagdes dura- douras de um fendmeno social. A primeira metade do século XX represen- tou tal momento para a antropologia‘. Examinemos algumas de suas idéias centrais como valores da disciplina, i) Um aspecto importante do empreendimento antropolégico no comego do século XX foi 0 reconhecimento ndo sé da diversidade das culturas, sociedades e povos, como também da unidade psiquica da huma- nidade, Entre esses dois projetos polares antropélogos fizeram pesquisas de campo em reas remotas, geralmente desconhecidas na época, nas quais precisavam aprender as linguas nativas ¢ se tornar competentes nelas (a pesquisa de campo era um encontro que deveria durar pelo menos dois anos). Inicialmente concebidas como uma pesquisa sobre "como os primiti- vos viviam", as sucessivas experiéncias de campo terminaram por permitir que esses povos, na verdade, educassem e esclarecessem os antropélogos sobre suas categorias ou dominios da vida social, diferentes mas equivalen- tes as dos pesquisadores. Além disso, 0 contato com a diferenga ¢ a alte- ridade fez que os ocidentais compreendessem melhor, por comparagao, suas préprias categorias ou dominios socioculturais. A comparagio, portan- to, esteve sempre no émago do empreendimento antropoldgico, quer de forma implicita (Malinowski vai a Melanésia e, inevitavelmente, compara os trobriandeses aos briténicos), quer explicita (Radcliffe-Brown compara di- versos sistemas de parentesco na Affica; Mauss junta 0 kula dos trobrian- deses ¢ o potlatch dos kwakiutls ¢ adiciona elementos chineses, romanos medievais para chegar a uma teoria da troca). Em suma, o confronto entre categorias ocidentais e um fenémeno diferente, mas (funcional ou ideologi- camente) equivalente, teve um resultado iinico: mostrar que o Ocidente era apenas mais um caso na totalidade da experiéncia humana. Essa foi a época em que um certo relativismo prevaleceu, it) Como subproduto desse projeto, areas de conhecimento (ociden- tais) que a época estavam em processo de consolidacdo (economia, sociolo- gia, direito, psicologia) foram transformadas — sob 0 guarda-chuva dessa JULHO DE 2008 SI PECADOS E VIRTUDES DA ANTROPOLOGIA disciplina relativamente eclética, abrangente ¢ ambiciosa — em um leque de subcampos, como "antropologia simbélica", "antropologia econémica", “antropologia psicolégica", "antropologia social", “antropologia cultural". (Apesar de o relativism ¢ os subcampos terem sido submetidos a forte critica nas Gltimas décadas, sua simples existéncia em um detetminado momento inevitavelmente é parte da nossa compreensio atual do mundo®.) in) Outra questo se relaciona ao Estado-nago. Enquanto os Estados- nagdo também eram transformades em um modelo exemplar da “cultura dades", "tribos" situados em Estados-nagdo, mas nao Estados-nagao propri- amente. Hé uma grande diferenga entre estudar um grupo que acontece viver em determinado Estado nacional e 0 "pafs" em si. Originérios de Estados nacionais — ¢ a antropologia sendo um subproduto deles —, os mundial dos tempos", antropélogos estudavam "povos", “culturas", "socie- antropélogos estavam interessados em diferentes unidades © meios: trobri- andeses, tallensis, tivs, zandes, makus, bororos, xavantes etc." iv) Essas unidades geralmente eram menores que Bstados-nagao — mas nem sempre (¢ assim voltamos a focalizar um dos pecados da antropo- logia). Justamente porque antropélogos com fregiiéncia atravessavam fron- teiras nacionais (porque seu grupo assim o fazia) efou porque os resultados de outros pesquisadores coincidiam ou combinavam com os seus, a idéia de “éreas culturais" pegou na antropologia, Para o bem ou pata o mal, a cos- mologia dos antropélogos supunha um mundo constituido de "éreas" — e nao de paises ou Estados-nagao. Assim, por exemplo, grupos eram reunidos s ecolégicas, como “indios das terras baixas da América do Sul" ou “indios da regito amazénica" — e nao “indios brasileiros" ou "indios colombiano! Virtudes Chegamos assim aos tépicos sugeridos pela conferéncia ¢ detectamos — virando os pecados pelo avesso — algumas virtudes em relagio aos problemas enumerados para as ciéncias sociais contempordneas. i) Por nacionalismo metodolégico consideramos a maneira pela qual conceitos e medidas nas ciéncias sociais sdo constrangidos pelo Estado- nagdo ¢ por tradigdes académicas nacionais. Gostaria de lembrar mais uma vez que antropélogos estudavam gru- pos, sociedades, tribos — e ndo economias nacionais, dados estatisticos nacionais —, dreas culturais — entre economias nacionais — e aspectos da condi¢o humana, isto sistemas de parentesco, prineipios da magia, atributos do comportamento ritual, procurando, ao mesmo tempo, as diferengas (culturais e sociais) ¢ as dimensdes universais. nao economia internacional ou interagées ii) Em um sentido mais profundo, 0 nacionalismo metodolégico refere~ se maneira pela qual as ciéncias sociais ficaram presas as relagdes de poder 52 NOVOS ESTUDOS N° 69 “anopoteta da pola, Yo esse esforg procure indicat ‘ueem dseplne, tas (© Assim, quando na primeira {oges era oniundos sobretu dos Unidos, estado os uo Brandes (Malinowski na Melanésia), erapesis, manus Iundogamores = (Mirae Mead em Papas Nove Guts), intmuis (Gregory Bateson, on Nova Gane) kal (Bo 1 Columbin Briiica eV Couver) Not anos 1920 amt ‘uaramseado cavados plas (Raymond Fi, as ihas Sao Winento em diegao & Ati hhavia comepado: zandes, mie res e dinkas (Evan Priehard to Sodio), aan © lenis Suaifo,zulus (Max Gluckman, ‘do Su pyakyasas (Monica Wilson, ag Aca Cen tral ndembor (vice Tar fa ttige Rodess) Nor not 1950 os antropsloos havi inarparado a Ames do Si tar (Cnade Levi'Stosy no Bal Centra, ges Dovid ay Tico Hard Coal Ba fj, naire anon, Foe Mae Sia Giese ag ones Pee Strcnot Cape a ol ESTO amen se ‘poles evento Soca eat eat ants Saike guanto mas a (VCE Blas, Newb, “Sexiole- Sasa SS ToT, pp. 1 ‘The anthropology” of anthro- Card assertagdo de PHD, Hs ard Universi. 1981 ep. “Ena enrol Ho Pha sie ff Unb, 19h ep t ® roy etinnaionit on fend cole vtence in Sout Ata Cambridge Ca ‘ode Edun Leah Ge 1 {ir oestudo clasice new ‘ego, conestando y eoacelto ae “ibe negande, que at fsiaradeveesem se trade fomo comedentes, Examtoan 428) Sstorapto de Racine Secarenan cy ‘hos, Leash dtcctou um equ sealant etre dats slo poles emer ia), MARIZA PEIRANO © tradigies confinadas em fronteiras nacionais ¢, em iltima instancia, requerem diferentes abordagens metodolégicas ¢ instrumentais A antropologia escapou desses limites, no por conta de uma de nobre ou refletida, mas em decorréncia de seus objetivos explicitos, da sua Jo ao procurar grupos exéticos, assim como de valores positivos implicitos. Na verdade, exatamente porque os antropélogos estudavam "o resto do mundo” o objeto de estudo no mais das vezes se impunha sobre E, é preciso lembrar, mesmo "no mundo” (ou "no centro") empréstimos (nacionais) fizeram parte do desenvolvimento da antropolo- gia — Radcliffe-Brown (na Inglaterra) inspirou-se em Durkheim (Franga), Evans-Pritchard (Inglaterra) em Mauss (Franga), Dumont (Franca) em Evans-Pritchard, Leach (Inglaterra) em Lévi-Strauss (Franga), Lévi-Strauss em Boas (Estados Unidos). Quando transplantadas do centro para a perife- ria, mesmo as tradig6es "centrais" imediatamente tornam-se hibridas, trans- formando a idéia de tradigdes puras em um caso dificil de defender. iti) Nao se trata apenas de como as ciéncias sociais elaboram concei- tos e medidas, mas também dos limites entre elas. [..] O estudo do fenémeno conhecido como globalizagao tem chamado a aten¢do para limites conven- cionais e tradigées distintas. Se existe uma autonomia relativa entre os contextos sociais e a teoria social que neles se produz, condigio s meio de diferentes "escolas" de pensamento’. Mas esse nao € 0 problema aqui. A ques disciplinas — na verdade, o seu desenvolvimento se deve em grande parte a empréstimos, feitos sem muita ceriménia, as disciplinas convencionais. Antropélogos pediram emprestado, em uma espécie de ordem cronolégica desde 0 tiltimo século, da biologia, da lingtistica, da psicandlise, da teoria da informagio, da economia e, mais recentemente, da filosofia a tal ponto que seu desenvolvimento pode ser relatado pelas disciplinas que incorpo- rou —e que modificou, de acordo com o material empirico em questao. melhante pode ser alcangada por que a antropologia munca respeitou os limites entre as iv) O objetivo deste workshop é discutir os desafios colocadas pelo nacionalismo metodolégico para a investigacdo de problemas contempord- Escolho um exemplo para indicar como orientagdes antropolégicas candnicas podem nos ajudar a focalizar problemas contemporaneos. Refi- ro-me a Leveling crowds, livro de Stanley Tambiah sobre conflitos etnonaci- onalistas e violéncia coletiva no Sul da Asia*, Para examinar esse problema candente Tambiah langa mao de uma abordagem performativa do ritual (que cle desenvolveu previamente 20 reanalisar trabalhos ctnogrificos clissicos) e toma como objeto empirico os riots, No Sul Asiético os riots seguem um padrio estabelecido: apesar de sua aparéncia espontanea, caética © orgiéstica, revelam tragos organizados, antecipados e programa- dos, bem como etapas recorrentes. E possivel distinguir um padrio de eventos provocadores, a seqiiéncia da violéncia, a duragio, os participan- tes, os lugares onde tém inicio, como se propagam e a maneita como terminam (rumores recebem especial atengdo em virtude do papel que JULHO DE 200453 PECADOS E VIRTUDES DA ANTROPOLOGIA desempenham na construgao, produgo © propagagao dos atos de violén- cia) Esses aspectos sintiticos dos riots nao eliminam os significados pragméticos dos eventos, que se baseiam em um repertério de elementos recolhidos das formas rotineiras de sociabilidade — tais como os calendé- rios rituais de festividades, sang6es sociais populares, ritos de purific € exorcismo — que so imitados, invertidos e parodiados, de acordo com suas possibilidades dramaticas’. © foco na rotinizagio e ritualizagdo da violéncia e em seu cardter coletivo permite que se clarifique por que brutalidades nao deixam marcas psicolégicas no agressor, mas também ressalta o fato de que no Sul Asiitico democracia participativa, eleigdes, militincia de massa ¢ violencia étnica ndo sto conflitantes quando em aga. Na india, Paquistdo, Sri Lanka ¢ Bangladesh a tentativa de construir um Estado-nago baseado no modelo curopeu-ocidental claramente fa- Ihou, Nessa regio as marcas da experiéncia do Estado-nagao sio pélidas quando contrastadas com a escala e a intensidade dos festivais religiosos e Einicos. Comparando 0 caso sul-asiétice com a experiéncia européia, Tambiah conclui que o repertério cultural dessa regido nao possui os fundamentos para a vida civica do Estado-nagdo. Tedricos da politica do Sul Asidtico devem portanto abrir espago para incluir politica militante cleitoral ¢ violéneia coletiva como componentes de suas teorias de demo- cracia em agio, Em relago ais questées desta conferéncia, podemos dizer 0 seguinte 1) Ao escolher 0s riots como eventos centrais para investigar a vio- lencia coletiva no Sul Asidtico, Tambiah evita os problemas do "nacionalis- mo metodolégico": se "nacionalismo" (ou melhor, nacionalidade) é um tema a ser considerado, essa & uma questio empitica que precisa ser enfrentada no encontro entre ideais e valores nativos, comparagdo antro- polégica ¢ os valores do préprio antropélogo, ii) © Sul Asiético € uma rea sociocultural, isto é, 0 livro inelui narrativas de eventos ocorridos na india, Sri Lanka, Paquistéo ¢ Bangladesh durante os dois itimos séculos, focalizando os atores envolvidos: budistas hindus, catélicos, mugulmanos, tamils, sikhs, mahajirs ete. iii) A comparagao esté sempre presente tanto no objeto de estudo quanto na visio do observador (no caso especifico, Sri Lanka é 0 lugar de origem de Tambiab). iv) Aqui a metodologia ¢ uma questo de logistica com o propésito de definir uma agéncia ou evento significative que seja reconhecide como socialmente importante para os "nativos" e analiticamente produtivo para 0 antropélogo. y) Por fim, Tambiah nao impée um conceito de politica nem pres- supde como ela deveria ser. Na verdade, ele esta indiretamente alertando os cientistas sociais para os perigos daquilo que neste workshop estamos chamando de “nacionalismo metodolégico", 54 NOVOS ESTUDOS N° 69 (2A mis mai Srracees Serie ered SRE RAC eere es ee ces erm Skse ccs Each es Son hae ru pee Scenes Pe noone ‘eens locas e 8 ple MARIZA PEIRANO Brasil Mudemos do Sul da Asia para o Brasil. A diferenga da cosmologia civilizacional do Sul Asiético, 0 Brasil é orientado em um sentido mais nacional. Nacionalidade & 0 po dirio da vida social (embora nao necessa- riamente 0 “nacionalismo", o lado patolégico desse fendémeno moderno). Uma mudanga de valores piblicos é portanto evidente quando se passa do Sul da Asia para a América do Sul. Ratificadas localmente durante os anos 1930 40 sobretudo como um movimento em diregao 4 modemnizagao, as cigncias sociais no Brasil manti- veram um didlogo aberto com agendas politicas, reproduzindo os padrdes europeus da sociologia nos séculos XIX ¢ XX. Nesse contexto, tépicos para investigagdo raramente foram descontextualizados ¢ aspectos “interessa- dos" do conhecimento muitas vezes se explicitaram. Esse trago marcante com freqdéncia impediu que observadores percebessem a importincia concedida & incessante procura de exceléncia tedrica, fundamental nesse ambiente e parte do amplo projeto de modernizacdo, que da as ciéncias sociais no Brasil uma forte coloragdo cosmopolita, Na verdade, até os anos 1970 muitos estudantes brasileiros iam se formar no exterior ¢ académicos britanicos, franceses © norte-americanos vinham ensinar no Brasil. Hoje, sendo quase a maioria treinada no pais, essa situagdo resulta em um padrao que inclui um didlogo triangular: com colegas antropélogos ¢ socidlogos, com as tradigdes metropolitanas de conhecimento (passadas e presentes) € com os grupos pesquisados. Cientistas sociais brasileiros produzem como se fossem parte integrante da vanguarda intermacional (idéia facilitada pelo grande néimero de especialistas), mesmo vivendo uma experiéneia concen- trada, dado o isolamento da lingua portuguesa, No Ambito dessa comunidade fechada, contudo, um contraste mar- cante separa os antropdlogos dos socidlogos ¢ cientistas politicos: para aqueles, socidlogos e cientistas politicos so presas de projetos, praticas, planos © preocupagdes sociais imediatos — em uma palavra, presas do nacionalismo metodolégico. Estes, por seu lado, véem os antropélogos como especialistas sofi, menos engajados social e politicamente, menos rigorosos em termos metodolégicos, interessados em diferengas bizarras ¢ sempre contentes com sua diseiplina, "Crise" é uma palavra estranha para os antropélogos, mas uma express’o comum para socidlogos e cientistas politicos. Mas mesmo antropélogos fazem parte de contextos sociais, ¢ se 0 exotismo se tornou a marea registrada (ou 0 estigma) da disciplina, no Brasil reconhecemos a alteridade a diferenga — os hibridos locais do exotismo — surgindo em virios formatos: um tipo de “alteridade radical" no estudo de sociedades indigenas isoladas; um "contato com a altetidade” na investi- gag que focaliza sociedades indigenas e os grupos locais "nacionais" que as rodeiam; “alteridade préxima” no estudo de temas urbanos contempora- neos, € mesmo o do "nds como outros", na investigagdo da natureza das JULHO DE 20155 PECADOS E VIRTUDES DA ANTROPOLOGIA cigneias sociais propriamente ditas. Naturalmente, os financiamentos tém muito a ver com essas escolh , © 08 recursos sempre estiveram direciona- dos ao que se considera pertinente para a compreensao do "Brasil". Contudo, uma tendéncia a se estudar fora do pais teve inicio ha mais ou menos duas décadas, com pesquisadores indo para a Affica, Sul da Asi € 0 Pacifico, geralmente seguindo os caminhos da colonizagio portuguesa ou os passos de imigrantes brasileiros para os Estados Unidos, por exem- plo'’. Em todas essas situagdes a énfase nas categorias nativas forgou os antropélogos a discernir entre ideologias nacionais como projeto, como um problema civico para o cidadio comum ou como um modelo mundial — esse sentido, criando condigdes para evitar 0 chamado “nacionalismo metodoligico” A view from outside Se se deixa a América do Sul, no entanto, uma versio camuflada do problema metodolégico que nos preocupa é imediatamente detectada pela forma ¢ insisténcia com que o “centro” olha para o Brasil como parte de uma "América Latina” homogénea, a percepsao subjacente sendo— entre outras igualmente problematicas — que se vocé conhece parte dela vocé a conhe- ce toda, esquecendo, naturalmente, as diferencas nacionais, de lingua e 0 tipo de relagdo ideolégica e/ou empirica com os centros ocidentais. Talvez © rotulo "regionalismo metodolégico" se aplique a essa situa pequeno exemplo que indica como o problema geral que examinamos nesta conferéncia 6, talvez, mais complexo, profundo ¢ dificil do que podemos pensar a primeira vista, demandando respostas criativas e uma postura politica forte © conseqiiente. Esse é um 56 NOVOS ESTUDOS N° 69 0) eka, Maria “When Sifrent contexts of 2 single Shcipine ngual Review: of Anthropology. 27.1998, 9p ied ‘ecebido para publiapdo em Departmento de Anroptogin (Unie. pesguisadra do Chrgeae Rice de Amon: ‘Novos Estudos| CEBRAP N63, julho 2004 pp. 49-56

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