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A Retroatividade das Normas Constitucionais e os Efeitos da Constituigao Federal sobre os Direitos Adquiridos CARLYLE PorP em Curitiba. Professor de Direlto da PUC/PR e da Faculdade de Direito de Curitibe. Mestrando em Direlto na UPPR, SUMARIO I — Introdugdo. II — O nascer da norma constituctonal. m8 principio da irretroatividade. IV — O principio ito adquirdo. V — A irretroatividade e 0 direlto aaauiido na Constituiedo, VI — Conclusio. 1 — Introdugao © tema abordado neste estudo néio se refere tio-somente a um aspecto técnico cientifico do Direito, mas possui uma grande i social na medida em que diz respeito & seguranga dos cidadaos no que concerne ao respeito ao pasado. © proprio conceito de direito adquirido esté insito em cada cidadao, muito embora este, muitas vezes, ndo conhega o seu contetido juridico. ‘Trabatho apresentado 2o curso de pés-graduagéo em Direito da Universidade Federal do Parané, nivel de mesiredo, & discipline de Direlto Constitucionsl, sob 8 coordenagho do Prof, Alvecir Alfredo Nicz. R, inf, legist, Bresilia a, 29 nm. 113 jan./mar. 1992 a7 © respeito a0 direito adquirido, com a consegiiente proibigio da retroatividade da norma legal, é um verdadeiro instrumento de paz social, impeditivo do arbitrio e do abuso de poder de parte do detentor deste, Este estudo nao se preocupou com profundas elocubragées juridicas, mas sim numa abordagem direta, concisa ¢ clara acerca do tema escolhido. Inicialmente, busca-se as origens da norma constitucional, indo ao seu nascedouro, analisando-se, essencialmente, o principio da recepefo. Na seqiiéncia, sabedor da importincia dos conceitos, apesar de que “q vida nfio existe para os conceitos, mas os conceitos pata a vida”?, toma-se 0 cuidado de abordar o contetido juridico dos princfpios da irre- troatividade € do diteito adquirido. Por fim, na parte crucial deste texto, faz-se consideragdes acerca da retroatividade das normas constitucionais e dos efeitos da Constituigio sobre 0s direitos adquitidos, trazendo-se opiniéo pessoal — eritico/exem- plificativa — ¢ doutrindria sobre 0 assunto. Tl — O nascer da norma constitucional A vigtncia de uma nova ordem constitucionel impbe a necessidade de se repensar acerca da constitucionalidade da legislagdo ordindrie vigente fo momento. Sabido é que “a superveniéncia de uma nova Constituigéo desaloja por completo a anterior. Isto se dé em virtude do seu préprio cardter inicial e origindtio. B dizer: a Constituigfio € a fonte geradora de toda a ordem juridica que dela extrai seu fundamento de yalidade” *. No entanto, sentido néo teria pelo fato da ocoméncia da implantaséo da referida nova ordem que toda a legislagio ordindria perdesse a sua vigéncia, Em termos préticos, enfatize-se novamente, a Constituiggo vigent re ae eee an tale orm gut toma dela incompativel. Vislumbra-se, desta forma, que “estd insita no sistema 4 regra de que a nova Constituigéo Federal nao repudia as normas anteriores com ela compativeis. A otdem normativa anterior 4 nova Carta s6 preva- leceré se for por ela, expressa ou tacitamente, admitida, verificando-se 1 “Apud in” AZEVEDO, Plauto Faraco de. Critica ¢ Dogmdtica e Herme- néutica Juridica, p. 15. 2 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional Brasileiro, p. 113, a R. Int. fegist, Brasilia c. 29m, 113 jam./mar, 1992 a segunda hipétese sempre que as normas antigas forem conformes com as novas disposigées constitucionais” *. A esta compatibilidade entre a lei ordindria vigente anteriormente & Constituigéo © esta dé-se o nome de recepeao‘, cuja finalidade precipua € “dar continuidade as relagdes sociais, sem necessidade de novas leis ordinétias, 0 que seria, além de dificil, custoso, quase que impossivel” ®, No entanto, algumas consideragSes so indispensdveis para efeito de diferenciar entre o principio da recepgio atuando sobre o direito consti- tucional anterior ¢ sobre o direito ordindrio anterior. A primeira grande colocagio que deve ser feita é no sentido de que a constituigGo anterior nao € recepcionada pela vigente, tendo em vista que “o fundamento de validade de uma e de outra sao diferentes” ®, “Com a entrada em vigor da Constituigio, cessa a eficécia da norma constitucional, o mesmo niio se dando com a legislacgo ordinéria anterior, a qual nao cessa de viger, embora o novo fundamento de validade yenha informado pelos principios materiais da nova Constituicio. O tinico obsté- culo a transpor é nfo ser contréria A nova Constituicao. Dé-se portanto uma novacdo, o que significa que as normas ordinétias sao recepcionadas 3 DINIZ, Maria Helena, Norma Constituctonal ¢ seus Bfeitos, p. 43. 4 JOS AFONSO DA SILVA o denomina de principio da continuidade, através da expresso eficécia construtiva das normas constitucionas: “Uma Cons- ‘tituigso quando entra em vigor, nfo sendo 8 primeira, encontra normas juridicas vigendo valldamente, por forca do regime constitucional precedente. Aparecem, entéo, as questées da continuidade da legislaglo anterior, que muites Constituicses, como j4 verificemos, resolvem expressamente, determinando ou confirmando-thes a eficscia, quando no as contrariem explicita ou implicita~ mente. 0 chamado principio da continuidade da ordem juridica precedente na~ quilo em que stende ao principio da compatibilidade com a nova ordem consti- © principio da continuidade opera-se, mesmo quando a nova Constituigio néo confirme expressamente as normas compativeis. Arrima-se ele em outro principio, ow seja, no da continuidade do Estado, porque se entende que a mudanga cons- titucional nfio implica no surgimento de um novo Estado, mas uma simples mutegio de regime, especialmente quando a nova Constitui¢lio deriva de um movimento revoluctonério. (...) sso Cumpre Fessaltar que a continuidede da legislagéo precedente constitul um ‘aspecto da eficécia construtiva das normes constitucionais, visto que essa leyislag&o revebe, da nova Carta Politica, outro jato de luz revivificador que = revaloriza para a ordem juridice nascente. Séo as normas anteriores como que recriadas pela Constituig&o que sucede.” 5 DINIZ, M. H, ob. clt, p. 43. 6 BABTOS, C. R., ob. cit, p. 114. R. Inf. logis. Brasilia 0, 29 om, 113° jon./mer. 1992 3 pela nova ordem constitucional e submetidas a um novo fundamento de validade” *. Assim, parece evidente que apesar da Constituicio nova nio precisar se adequar 20 sistema vigente®, existem circunstfincias em que este persiste, muito embora no haja sintonia entre a situagdo consolidada e 0 conteido da norma constitucional entio vigente. Til — O principio da irretroatividade No dizer de DE PLACIDO E SILVA®, retroatividade das leis “é a expressao usada para indicar a condiggo ou a qualidade de certas leis que, promulgadas, exercem eficdcia mesmo a respeito dos atos passados, regulan- do-os e os submetendo a seu regime. Em prinefpio as leis sio irretroativas: nfo retrocedem para levar seus efeitos aos atos pretéritos. Regulam somente os atos que se sucederem & sua promulgacdo. Pelo prine(pio da irretroatividade, as leis respeitam os direitos adqui- ridos, os atos juridicos perfeitos e as coisas julgadas. As leis somente retroagem, em regra, quando expressamente dispdem efeitos retroativos ou pela natureza de suas préprias regras”. © prinofpio da irretroatividade das leis visa a proteger as situagies juridicas consolidadas pelo tempo, mormente aquelas atingidas pelo ato juridico perfeito, pela coisa julgada e pelo direito adquitido, No entanto, em certos casos poderé ser a lei retroativa, desde que respeite os supramencionados postulados. “E retroativa a lei que atinge os efeitos de atos praticados sob o império da velha norma. Logo, as normas tém efcito retroativo quando se aplicam: a) a fatos consumados sob 1 Id, ibid, p. 118. Reterido autor, adotando a posigio de JORGE MIRANDA, Sestaca og trés corolérios principals oriundes desta idéla de navagto: “Em primeira lugar, todos os principios gerais de quaisquer ramos do direlto passam a ser aqueles constantes da nova Constitui¢io. Hm segundo lugar, todos os demais dedos Jegais e regulamentares tém de ser reinterpretados & Juz da nova Constitulgio, = ‘fim de se poderem conformar com as duas normas e principios. Em tercelro lugar. as normas contrarias & Constitmicio nfo so recepcionadas, mesmo que sejam apenas @ Dormas programéticas e nic ofendam a nenhuma preceptiva” @. 115). 8+ Na verdade, o que acorre é 0 contrario, ou seja, o sistema vigente é que deve se adaptar & nova Constitulcso. 9 SILVA, De Plécido e, Vocebuldrio Juridica, vol. IV, p. 137. 9 R. Inf, begisl. Brasilia. 29 nm. 113 jan,/mar, 1992 © império da norma anterior (facta praeterita); ou 6) a situagdes juridicas ‘em curso no que atina aos efeitos realizados antes da vigéncia da nova norma (facta pendentia). © irretroativa a que nao se aplicar a qualquer situagdo jurfdica constitufda anteriormente”?°. IV — O principio do direito adquirido “Direito adquirido € definido como sendo aquele que contém todos os elementos necessdrios para a sua constituigo de acordo com o direito vigente no momento, chegando, pois, a integrar-se no patriménio do seu titular” GABBA, por sua vez, entende que “é adquirido todo direito que: @) & conseqiiéncia de um fato idéneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qttal o fato se realizau, embora a ocasiéo de fazé-lo valer néo se tenha apresentado antes da atuagiio de uma lei nova a respeito do mesmo, e que; 6) nos termos da Jei sob o império da qual se verificou o fato de onde se origina, passou imediatamente a fazer parte do patriménio de quem o adquiriu”. Na verdade, 0 direito adquirido advém do respeito a0 ato juridico perfcito, apesar de ser responsdvel pelo mantenimento da coisa julgada. ‘Assim, no seria de todo errado aduzir que as nogdes de coisa julgada € de direito adquirido sio derivados do conceito de ato juridico perfeito. A conceituagio legal de ato juridico perfeito, direito adquirido ¢ coisa julgada, encontram-se no art. 6° do Decreto-Lei n° 4.657/42, mais conhecido como Lei de Introdugdo do Cédigo Civil. Dispée referida norma juridica: “Art. 6° A lei em vigor teré efeito imediato e geral, respeitados 0 ato juridico perfcito, o direito adquirido e a coisa julgada. 10 DINIZ, M. H, ob. cit., p. 49. Referida autora, mais adiante assevera em sua obra (p, 50): “A retroatividade ¢ uma arma dos ditadores, por modificar ot deixar sem efelto as conseqtiéncias j4 consumedas anterlormente.” UL WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil. Parte Geral, p. 124. 32 GABBA, C. F., Teoria della Retroattivita delle Leggi, p. 191. “# acquisto ogni diritto, che @) @ conseguenza di un fatto idoneo a produtlo, in virti della legge del tempo in cui il Tatto venne compiuto, benché Voccasione di farlo valere non siasi presentata prima dellactuazione di una legge sotto Vimpero della quale accade if fatto da cul trae origine, entra immediatamente a far parte del patri- monto de chi 1o ha acquistato.” R. Inf. legisl. Brasilia a. 29 om, 118 jan./mor. 1992 a § 1° Repute-se ato juridico perfeito o j4 consumado segun- do a lei vigente ao tempo que se efetuou. § 2° Consideram-se adquiridos assim os direitos que 0 seu titular, ou slguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo comego de exercicio tenha termo prefixo, ou condigéo preesta- belecida inalterével ao arbitrio de outrem. § 32 Chamase coisa julgade ou caso julgado a deciséo judicial de que jé nfo caiba recurso.” Da mesma forma que “o principio do direito adquirido fundamenta-se na irretroatividade das leis,..., a irretroatividade das leis embasa-se na busca de seguranga juridica, devendo esta garantia envolwer as rela- ges juridicas de modo a impedir © seu comprometimento, que ocorreria 80 0 advento de lei nova atingisse situagées precedentemente formadas”*. V — A irretroatividade e o direito adquirido na Constituigao “A inviolabilidade do pasado € princfpio que encontra fundamento na prépria natureza do ser humano, pois, segundo as sébias palavras de PORTALIS, o homem que néo ocupa um ponto no tempo e no espago seria o mais infeliz dos seres, se ndo se pudesse julgar seguro nem sequer quanto a sua vida passeda. Por essa parte de sua existéncia, jf ni caregou todo o peso do seu destino? O passado pode deixar deixar dissabores, mas termo a todas as incertezas. Ne‘ordem Go universo ¢ da naterczn, ‘ee futuro € incerto e esta propria incerteza é suavizada pela esperanga, a fiel companheira de nossa fraqueza. Seria agravar a triste condigéo da humanidade querer mudar, através do sistema de legislagao, o sistema da naturezs, procurando, para o tempo que jf se foi, fazer reviver as nossas dores, sem nos restituir as nossas esperancas" ** ¥ +, A grande questo colocada em discussio neste trabalho é saber se a Constituigéo nova atinge ou nao os direitos adquiridos consolidados pelo 13 ROCHA, Carmen Liicla Antunes. “O Principio do Direito Adquiride no Direito Constitucional.” Rev. de Inf. Legisl. 103/147 e 58. p. 150. 14 RAO, Vicente, O Direito e a Vida dos Direitos, Vol. I, Tomo II, p. 428. 15 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, pp. 311 e 58, ‘igualmente fala em protecdo da confianca ao se referir & profbic&o de leis retros- divas. 16 DINIZ, M. H,, ob. cit, p. 58, fax interessantes consideragdes sobre quais 6 normas que podem ou nfio possuir efeitos retroatives. 92 R. Inf. legisl. Brasilia a, 29 m. TIS jan./moar. 1992 tempo, ou seje, saber se a norma constitucional possui efeitos retroativos ou nao. Existem duas situagdes que devem ser diferenciadas no presente texto. Uma delas diz respeito aos efeitos da nova Constituiggo sobre a lei ordi néria anterior e a outra no que concerne aos efeitos da nova Constituigéo sobre a Constituigo anterior. Primeiramente, deve ser abordado o papel da nova ordem consti- tucional, tendo-se em linha de conta a lei ordinéria pretérita. Sabe-se que, como outrora foi abordado'*, pelo principio da con- tinuidade da legislacao ordinéria #*, somente continuam em vigor as normas ordinétias que sejam compativeis com a nova Constituiggo, tendo em vista que esta cria outra ordem juridica, totalmente incompativel com a anterior. Por este motivo € que os Tribunais hodiernamente tém afirmado que inexiste direito adquirido contra a Constituigio’. E € justamente com decalgue neste posicionamento que a liggo de MELLO FILHO fica mais Idcida na medida em que afirma que “a incidéncia imediata das normas constitucionais, todas clas revestidas de eficdcia derrogatéria das regras e dos atos dotados de positividade juridica inferior, néo permite que se invoque contra elas qualquer situaggo juridicamente consolidada, Assim, © ato juridico perfeito, a coisa julgada ¢ 0 direito adquirido, embora imunes 2 agio legislativa ordindria, que néo poderé afeté-los, mostram-se irrelevantes em face da inquestionével supremacia formal e material das regras constitucionais” *°, No entanto, apesar de ficar evidente que o direito adquirido nio pode subsistir quando da vigéncia de uma nova ordem constitucional que nao o recepcionou, nfo significa isto que as situacdes j4 consolidadas pelo tempo devam ser revistas, haja vista que “coisas distintas sio os fatos passados, normados e consumados no tempo passado e os fatos pas- sados, mas cujos efeitos sio contfnuos, persistindo sob o efeito da lei 17 Ver capitulo II acerca do Nascer da Norma Constitucionsl. 18 Segundo SLAIBI FILHO, Nagib. Anotaodes 2 Constituigo de 1988 — Aspectos Fundamentais “o principio da continuldade da legislacio ordinéria signi- fica que ® norma anterior é mantida Perante 8 nova Constitui¢ho desde que com ela seja materialmente compativel....” 19 Cf. in RDA 54:215, 20 MELLO FILHO, José Celso de. Constituigdo Federat Anotada, p. 481. Re inf. lesiel, Breville ¢. 29 =. 113° jon./mar. 1992 rey nova. A lei nova nio invade © passado, como o passado nfo entrava 8 Tei nova” Assim, no que concerne a legislagdo ordinéria incompativel com a nova ordem constitucional, somente € afetado o direito adquitido de efeito continuo, tendo em vista que a lei suprema nao tem o poder de desfazer situagoes, j6 consolidadas pelo tempo, mormente aquelas anteriores & sua vigincia *", No entanto, um pouco diferente € a situagéo do respeito a0 direito adquirido quando este se decalca na Constituigao anterior, Na verdade, apesar de com a vigéncia da nova Constituigao a anterior “perde(t) a eficécia, e, perdendo a eficdcia, perde a vatidade, pois que @ eficdcia € condigio de validade da ordem juridica” , cr6-se que isto nfo 6 obstéculo para o respeito ao dircito adquirido. RIBEIRO BASTOS nfo se cansa de esclarecer que “é cedica também na nossa doutrina e jurisprudéncia a afirmasgo de que néo pode haver direito adquirido contra a Constituigao. De fato, se no pode haver nem mesmo, ..., direito adquirido contra a lei, nao pode haver, obviamente, direito adquirido em afronta a Cons tituiggo. O ato assim praticado € inconstitucional e conseqiientemente pas- sivel de anulagio. Mas o que tanto a doutrina como a jurisprudéncia pare- cem ter em mira so os atos praticados sob a égide de uma Constituiggo anterior. Entéo se pergunta: alguém que gozasse do beneficio de uma vantagem auferida debaixo da Lei Maior precedente poderia continuar a percebé-lo debaixo da nova, ainda que esta jé nao consagre permissibili- dade para a ctiagéo de novas vantagens do tipo? Embora nfo desprezemos esta aparente antinomia, no podemos igno- rar por igual forma que a propria Constituigdo assegura 0 direito adquirido. Para que cessem, portanto, de viger os direitos adquiridos sob 0 manto da Constituigao anterior, é necessdrio ou que a prépria Lei Fundamental expres- samente os faga cessar ou entio que suprima todo o instituto do seio do 21 ROCHA, C. L, A, ob. elt, pp. 159 € 35. 22 Salvo se houver poder constituinte origindrlo, orlundo de revolug&o, ou se foreen execidos ca prineipios do Hetedo Demoeritico de Direito, baja visa que para alguns 9 Constituicéio tudo pode. 23 Esta néo ¢ a opiniio de INACARATO, Marcio Antonio. “Efeltos da Cons- tituigéo sobre 0 Direito Anterior”. Rev. de Inf. Leg. n° 49/75 € ss, p. 79. 24 INACARATO, M. A, ob. cit,, p. 79. ory R inf, legist, Brasilia, 29 oo, 113 Jom./mer. 1992 quat 0 direito adquirido se embutia. Por exemplo: qualquer direito resul- tante de um contrato de locagdo desapareceria diante de uma Constituigio que suptimisse o proprio direito de propriedade” *. Vamos cxemplificar melhor: a Constituigfo anterior trazia em seu bojo, no art, 99 e parégrafos, no concernente & acumulaggo remunerada de cargos e fungdes piblicas a seguinte redagio: “Art. 99 vedada a acumulagdo remunerada de cargos e fungées publicas, exceto: I — a de juiz com um cargo de professor; II — a de dois cargos de professor; UL — a de um cargo de professor com outro técnico ou cientifico; IV — a de dois cargos privativos de médico. §.1° Em qualquer dos casos, a acumulaggo somente seré permitida quando houver correlagao de matérias e compatibilidade de horérios. § 2° A proibigio de acumular estende-se a cargos, jungoes ou empregos em aularquias, empresas piblicas e sociedades de economia mista.” (Grifos nossos.) Desta forma, na anterior Carta Magna, conforme entendimento domi- nante em nossos Tribunais®*, a impossibilidade de acumulagao de cargos no se estendia as fundagdes de direito privado, mantidas pelo Poder Pablico, conferindo-se, outrossim, uma interpretagio restritiva & Consti- tuigao. A vigente Constitui¢ao, no entanto, no inciso XVII do art. 37, inovou: “Art. 37. XVH — a proibigao de acumular estende-se a empregos fungées ¢ abrange autarquias, empresas piblicas, sociedades de 1B BASTOS, Celso Ribeiro, Comentérios a Consituigo do Brasil, 2° vol, Pp. 191. 26 Cf. in RDA 102/414; RT 109/833, Re taf. legiel. Brasilia. 29 m. 113 jen./mor. 1992 8 economia mista e fundagdes mantidas pelo Poder Piiblico.” (Gri- fos nossos.) Desta forma, dtividas no mais hé: os empregados de fundagSes mantidas pelo poder piblico, quer de dieito péblico, quer de direito privado, nfo mais podem acumular cargos publicos. Mas a questo mais importante € saber se os que possufam 0 direito adquirido & acumullagio pela redago da anterior Carta podem continuar exercendo ambas as fungdes? A resposta deve set positiva, tendo em vista que existe direito adquirido 2 acumulagéo de cargos, princfpio constitucional mantido pela Constituigo vigente, e néo havendo — como néo houve — expressa consideragio constitucional, licita ¢ a continuidade na acumulagéo, mor- mente se existe compatibilidade de horérios, independentemente da afini- dade de matérias, haja vista que esta nao mais € mencionada na Carta Magna vigente. Assim, evidente € que sendo oriundo o direito adquirido, no de lei ordinéria, mas da prépria Constituicgo anterior, nfo h4 que se falar em inexisténcia de direito adquirido, salvo em duas hip6teses: 4) se a Carta Magna expressamente desconsiderou a possibilidade de tal hipétese concreta; b) se 0 exercicio do direito se tornar materialmente imposs{vel. VI — Conclusio De todas as ponderagdes efctuadas no presente estudo, nos limites horizontais pavi objetivados, algumas, pela sua propria natureza, devem ser dest Diante disso, indispens4vel é ressaltar que: 2) 0 principio da recepglio somente abrange aquelas normas legais que no sejam incompativeis com a nova ordem constitucional; b) a irretrostividade das leis € motivo de seguranga juridica e deve ser considerada como excepci ©) 0 prinefpio do direito adquirido tem a fungéo bésica de garantic @ consolidagao dos direitos ¢ a seguranga juridica dos cidadios, manten- do-se a esperanga dos individuos, impedindo a volta legiferante a0 passados 4) 0 diveito adquiido, quando decalcado em norma legal ordintia no recepcionada pelo novo texto constitucional, no possui forga sufi- 6 R. inf, fogisl, Brosilia a, 29 om, 119 jom/mar, 1992 cicnte para manter-se aplicdvel, haja vista que possuia sustentéculo em situacdo legal desconstituida pela Catta Magna que passou a viger; ) no enantio, quando vo dircito adquirido dizer respeito a situagao consolidada pelo contetido do texto constitucional entericr, 0 mesmo so- mente niio continuard a produzir cfeitos caso expressamente a nova Carta impedir ou se, em face Ge novos principios trazidos pelo novo texto cons- titucional, 9 exercicio do direito adquirido tornar-se materialmente impossivel. Vil — Bibliografia AZEVEDO, Plauto Faraco de. Critict a Dogmatica e Hermentuttca Juridica. 19 ed., Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Ed., 1989. BARROSO, Luis Roberto. 0 Direito Constituctonal ¢ a Efettvidade de suas Normas. 1# ed., Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 1990. BASTOS, Celso Ribeiro. Reflezdes, Estudos e Pareceres de Direito Ptiblico. Consideraréea em iorno da nogéo constitucional de diretto adquirtdo. Séo Paulo, Ed. Saraiva Comentarios & Consittuigéo do Brasil, 2° volume, 1 ed., Sio Paulo, Saraiva, 1989. yap Sutte e Diretto Constituconal, 129 ed. Sha Paulo, Bd. Saraiva, 1980. BOBBIO, Norberto, Teorig Della Norma Gturidica. G. Glappichelli Editore, ‘Torino. . Teoria Dell'Ordinamento Giuridico, G. Glappichelll Editore, ‘Torino. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constituetonal. 4° ed, Coimbra, Ed. Almedina, 1989. CRETELLA JR., José. Comentarios & Constituicdo 1988, 2° ed., Rio de Ja- neiro, Ed, Forense Universitaria, 1990. CUNHA, Fernando Whitaker da et ali. 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