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Médico e barbeiro de fama mundial

Metido num vagão ferroviário transformado em casa e consultório, o médico


examinava o povo pobre de Lassance, lugarejo perdido no vale do Rio das Velhas,
interior de Minas Gerais. Tinha sido mandado para lá pelo Governo federal para
combater a malária que dizimava os operários de urna ferrovia. Porém, o desfile de
doentes à sua frente convenceu-o de que, além da malária, havia ali um mal
desconhecido. O jovem Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas estava prestes a
realizar façanha inédita: a descoberta de uma doença com a descrição de causas,
características patológicas, meios de transmissão e forma de prevenção – tudo feito
por um só pesquisador.

No dia 22 de abril de 1909, aos 29 anos de idade e dois anos depois de ter iniciado
sua pesquisa, Carlos Chagas anunciou a existência de uma nova doença causada
por um protozoário do gênero Trypanosoma. Até então, conhecia-se a
tripanossomíase africana, popularmente chamada de doença do sono. A variedade
americana ficaria internacionalmente conhecida pelo nome de seu descobridor
doença de Chagas em português; Chagas disease, em inglês; maladie de Chagas,
em francês; Chagas Krankheit, em alemão. Embora apareça em todo o continente
americano, é endêmica na América do Sul, especialmente nas áreas rurais de
Brasil, Argentina e Chile, onde atinge 10% da população.

Chagas descobriu que o inseto transmissor da doença é o barbeiro, assim chamado


por picar as pessoas no rosto para sugar-lhes o sangue. Vive nas frestas das
paredes das casas de pau-a-pique. Examinando ao microscópio o intestino do
inseto, o médico encontrou grande quantidade de protozoários de uma espécie
desconhecida. Batizou o microorganismo de Trypanosoma cruzi, em homenagem a
seu mestre e amigo Oswaldo Cruz. Como o barbeiro geralmente defeca ao sugar o
sangue das vítimas, as fezes contaminadas pelos protozoários entram na corrente
sangüínea.

O médico descobriu ainda que a doença apresenta as formas aguda e crônica. Na


primeira, que ataca principalmente crianças, causa febre, anemia e inchação dos
gânglios. Na segunda, que pode durar décadas, afeta o coração, geralmente
matando suas vítimas por insuficiência cardíaca.

Carlos Chagas morreu em 1934, aos 55 anos. A doença que descobriu continua
sem cura. Os medicamentos existentes servem apenas para tratar os sintomas.
Assim, o único mecanismo eficaz ainda é a prevenção, com o combate ao inseto
transmissor através do uso de inseticidas e da melhoria das condições de moradia
nas áreas endêmicas, medidas propostas pelo próprio Chagas.

Fonte
MÉDICO e barbeiro de fama mundial. O Globo. Rio de Janeiro, n. 5, 1999. Globo
2000, p. 100.

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