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Arraes no palanque: o sucesso da volta é um trunfo para atrair o PTB de Brizola Acartada da unidade lak hea . Miguel Arraes joga seu ee cacife politico na “frente social”. Alguns convidados relutam Aires ervotvido peas festvidades ue marcaram os primeiros dias de seu regresso ao Brasil, Miguel Arraes de Alencar, 62 anos, ja péde captar al gumas resisténcias a sua presungio de Unit as oposigdes numa ampla “frente social”. Na busca desse objetivo, ha mais prudéncia ¢ voltas a dar que as utilizadas pelo ex-governador de Per nambuco para voar da Ari estava exilado, até 0 bairro de Santo Amaro, no Recife, onde realizou seu primeiro comicio, no domingo, dia 16 Ultimo. Neste mesmo dia, alias, Arraes teve a oportunidade de ver representan tes de variadas ¢ talvez irreconcilidveis tendéncias oposicionistas entre as 400 pessoas que féram recepcioné-lo no ae. roclube do Recife — vinha do Crato, no Ceara, onde visitara a mae e dormi ra sua primeira noite no Brasil, apés ca torze anos de auséncia. Ciente da complexa missio que re solveu abragar, 0 ex-governador tratou logo de explicar algumas coisas para esse ecuménico leque de interlocutores — entre os quais estavam os senadores Teoténio Vilela, Marcos Freire e Pedro Simon; o lider metalirgico Luis Inacio da Silva, 0 “Lula”; 0 presidente do MDB pernambucano, deputado Jarbas 24 Vasconcelos; ¢ 0 ex-cassado paranaen se Alencar Furtado. “As cartas devem ser postas na mesa dentro das oposi es, para cada um dizer o que quer € que segmento social representa”, disse Arraes. Nao foi dificil saber. Por exem plo: Vilela defende a manutengao do MDB; Lula esta fascinado com a possi bilidade de fundar um Partido dos Tra balhadores; ¢ Pedro Simon tem noté: rias identidades com o PTB de Brizola QUEM VAI AO MAR — Nenhum deles ‘omitiu seus pontos de vista embora Ar. raes preferisse no comenté-los publi camente, Tanto ele como seus aliados mais préximos optaram por desfazer al guns equivocos e prescrever solugdes que pretendem compatibilizar com as bulas de outros setores da oposicio e mais ainda com a realidade do pais. Se ha alguma coisa que 0 ex-governador pretende jogar ao mar nao é a burgue- sia, como teria dito Brizola, mas os “grupinhos da esquerda radical” — principais alvos das criticas ao “elit mo de setores da esquerda brasileira contidas no discurso que Arraes fez, se gunda-feira, para as 150 pessoas que 0 homenagearam com um almogo no Restaurante Veleiro, na praia de Boa Viagem. Para escapar as ameagas de isolamento que seu discurso agressivo po- deria provocar, ele tem um receituério cauteloso e ra zoavelmente ambicioso: = Uma alianga com os cha mados “liberais” do MDB, mais especificamente 0 se nador Tancredo Neves, se a frente que propée for cos. turada com os cuidados ne Ao contrério de alguns de seus aliados mais apres: sados, no da Brizola co mo morto. Nao acredita tanto no propelado fracas so do ex-governador gat: cho e quer atrair 0 PTB pa. ra sua frente m= Nao acha que a presenga de trabalhadores € empre- sérios num mesmo balaio partidério seja irreconcilié. vel. Mas esquiva-se de comentar o PT de Lala, Se a discussio de problemas sociais e econdmicos do pais dividem as opo- paciéncia. Os incomodados que se mudem. As oposigdes no devem fi car confinadas ao chamado “debate institucional” ¢ a preocupagGes eleito- 1m centro de romaria VEJA, 26 DE SETEMBRO, 1979 Em cas: ‘Com um simpatizante, mas nao alii SOMBRAS DO PASSADO — A realida de, contudo, parece ser mais simples ¢ spera. Na terca-feira, a0 receber treze dos dezesseis deputados estaduais do MDB pernambucano na casa de sua fi tha Ana Licia, onde ainda est hospe dado, Arraes ouviu do deputado José Queirés preocupagdes bastante especi ficas Segundo Queirés, em Caruaru, mu nicipio a 132 quilémetros do Recife, pe quenos empresirios estavam querendo do: Lula s6 quer saber do PT romper com a oposi¢ao sob a alegagio de que, com a chegada do ex-governa dor, o MDB passaria a ser um partido de empregados, sem lugar para empre gadores. “Defenderemos os empresé: rios oprimidos por uma politica econd- mica voltada para os interesses das multinacionais”, discursou Arraes. “Nossa alianga com eles sera mantida desde que paguem saldrios justos e em dia a seus empregados. ‘As dificuldades, mesmo expostas a bu aberto, niio chegam a amortecer seu Animo. Com os mesmos olhos verdes sempre arregalados, 0 polegar ¢ o indi cador da mao direita tintos da nicotina dos dois magos dos fortissimos cigarros franceses Gauloises que fuma por dia, Arraes é categérico: “Da para fazer uma frente nacional democratica ¢ po pular que nao una s6 pessoas mas os interesses do povo”. E, mesmo interes sado em abafar evidentes conflitos que © separam até aqui de Brizola, adverte: “Se o PTB nao entrar nessa frente, vira r4 uma facgdo politica ¢ nao uma forga nacional” Hi, porém, quem nio acredite no ca. cife exibido por Arraes ¢ lembre os ras- tros deixados por seu perfil de radical. © atual governador de Pernambuco, Marco Maciel, lembrando que vai rece ber o impacto “da maior densidade de anistiados por metro quadrado” (cita Arraes, Francisco Juliao, Gregorio Be zerra e Paulo Freire), acha que dificil mente ele reconquistard todo seu presti gio. “A imagem de Arraes € a de um radical”, garante Maciel. “E, se houver maior radicalizagao com sua presenga, haveré espago maior para politicos mais transitivos. O povo no quer radi calizagoes.” Uma multidao e as versoes: 20 000, 100 000 A volta de Miguel Arraes ao Bra- sil j& criou a primeira polémica, ain- da que modesta: quantas pessoas compareceram a seu comicio, na avenida Joao Casimiro, no Recife? As opinides € os nimeros divulga dos pela imprensa sao absolutamen te contraditérios, vio de 20000 a 100 000 pessoas. O Jornal do Brasil publicou a estimativa mais baixa: 20.000 pessoas. O Jornal da Rep blica, de Sio Paulo, fez 0 célculo mais alto e ao mesmo tempo mais clistico: informou que “entre 60 000 ¢ 100000 pessoas” foram ver Ar- raes discursar. © debate chegou ao Palécio do Planalto, que preferiu no meter a colher. Said Farhat, ministro da Comunicagao Social, in- dagado a respeito, recusou-se a dar palpite, apesar de circular em sua sala a estimativa de 20 000 pessoas, feita pela agéncia do SNI em Salva dor. Na época em que comicios politi cos faziam parte do trivial da im prensa brasileira, existiam formulas bastante aproximadas para 0 célculo de multiddes. Uma delas estabelecia a média de quatro pessoas por metro quadrado. Como tem 700 metros de comprimento por 40 de largura, a avenida Joao Casimiro, em tese, po deria abrigar 112.000 pessoas. Ape nas os 300 primeiros metros perto do palanque, porém, foram massiva- mente ocupados. Mais para tris 0 ovo estava disperso. Descontadas as arvores nas calgadas ¢ quatro grandes camionetas de som, pode-se chegar a um célculo aproximado de 50.000 pessoas — o mesmo nimero defendido pelo ex-ministro Oswaldo Lima Filho, do PTB, que discursou no comicio. Arraes, ‘mais otimista, falou em 70 000, 26 DE SETEMBRO, 1979 RECIFE E MAPUTO — A situagao da Arena em Pernambuco nao autoriza tanta confianga, ¢ a romaria de gente & casa mimero 492 da rua Conde de Irajé, onde 0 ex-governador esta hospe- dado, reforga a boa impressio deixada pelo comicio, a qual, apesar da polé- mica em torno do assunto (veja 0 qua: dro), compareceram umas 50 000 pes soas. E claro que catorze anos se passa- © proprio Arraes_nos_primeiros passeios por Recife achou-a mais pare- ccida com Maputo, capital de Mogambi: que, que com a cidade que governou co ‘mo prefeito. Andando pelas ruas do bairro pobre do Cocote, foi reconheci- do por um homem que, depois de abra- sé-lo, 0 saudou aos berros como “o maior vereador que a cidade ja teve”. Arraes foi tudo em ‘Pernambuco, menos vereador. Hii, ainda, os res: sentimentos deixados em Pernambuco ou levados para 0 exilio, ‘onde chegou a sentir- se bastante isolado. A perspectiva da vol tae a maior freqiién- ccia dos contatos com © Brasil dissolveram boa parte de uma amargura que ele ho- Je debita muito mais ‘a0 cerco dos inimi- gs — a comegar pe- lo governo. Por isso, a0 desembarcar, evi tou temas que julga- va meras_provoca- ges. Um deles, sem diivida, foi o que en- volveu a casa alugada por 30000 cru- zeiros, no bairro de Casa Forte, onde pretende residir. No dia de sua chegada, © Jornal do Commercio publicou, na forma de antincio, um panfleto que seus inimigos distribuiam por Recife, con- clamando a populagao a visitar “a casa de 6 milhdes de rublos”. Ele nao enriqueceu tanto no exilio, apesar de seu filho Carlos Augusto ser socio da préspera empresa Sudhemis, instalada em Paris. Ela presta assesso ria a varios paises, especialmente An- gola e Mogambique, onde Arraes fez Otimas relagdes antes de suas respecti- vas independéncias. Por sinal, gracas a uma receita de sua mae, dona Benigna, que completou 82 anos na segunda-fei ra, ele resolveu o problema da falta de sabao em Mogambique. Dona Benigna conhecia uma receita para fazer sabio 26 Enfim juntos: apos catorze anos, toda a far de cinzas, know-how que Arraes trans- feriu aos mogambicanos. FALTA CINTURA — Mesmo mais descontraido em sua volta, contudo, 0 lider pernambucano ainda nao recupe rou seu molejo. “Ele tem cintura du: ra”, reconheceu um amigo préximo, para quem 0 campo de negociagdes mais dificeis sera certamente 0 dos moderados do MDB. E para pisar fir me em tal terreno é necessério um bom Jogo de cintura. O filho mais velho, Jo- sé Almino, ja tinha iniciado alguns contatos no setor. Uma semana antes da chegada do pai, foi a Brasilia, onde recolheu sinais positivos em longas conversas que manteve com a fina flor da moderagio oposicionista — como Thales Ramalho, arquiinimigo de Ar- aes, e Tancredo Neves, 0 articulador do Partido Independente Das conversas, ficou a impressio de que os moderados véem o ex-governador como um interlocutor “leal” e um ho- mem capaz de unificar os auténticos, jé rachados em facgées. José Almino apro- veitou para enviar um recado a esses au- ténticos. Disse que seu pai nao quer uma alianga oportunista com os moderados, normalmente usados como estandartes de frentes na verdade mais A esquerda de suas idéias. “Nao quero uma alianga formal, mas uma alianga de fato, em que cada parte coloque claramente suas po- sigdes”, diz Arraes. Passadas cautelosas sio dadas tam bém em diregao a Igreja. Nao ha referén- cias sobre a possibilidade de atrair seus segmentos mais libertarios. Duas vezes abengoado pessoalmente pelo “padim” ia Arraes reunida* Cicero, por exigéncia de seu pai José Be- nigno, Arraes admite que de do povo brasileiro é um dado impor- tante que nao pode ser tratado na su- perficie”. Vizinho de dom Hélder Cama- a, que nao foi recebé-Io porque na vé pera viajou para Nova York, negou-se sempre a fazer qualquer comentirio so- bre o arcebispo de Olinda, em principi um aliado nada desprezivel. Var $0zINHO— Ele sabe que tem pro: blemas mais urgentes no fronte opo: cionista. “Ha um problema de hegemo- nia dentro da frente, natural em todo 0 movimento politico”, reconhece. E essa disputa pela hegemonia, segundo ele, nao esta s6 no MDB. “E preciso abrir ‘espago dentro dessa frente para todas as formas de agao politica ”,diz, con fiante em seu préprio cacife. “O comicio mostrou que as lide rangas novas, como Jarbas e Marcos Frei- re, arrastam a classe média e Arraes carre- 8a 0 povo”, analisa o ex-deputado Alencar Furtado. Talvez por isso, embora sempre apre Zoe flexibilidade nas dificeis negociagdes que vai empreender, Arraes ja tenha ameagado: “Se nin- guém estiver de acor- do com 0 que estou pensando, vou falar direto a0 povo, pelos meios que puder”. Bravatas a parte, seu grupo. vem tentan- do de todos os modos conseguir audién- cia ¢ aliangas para o ex-governador. Na ‘quinta-feira, anunciou-se no Recife que no maximo até a préxima semana Ar- raes deverd encontrar-se com Brizola, em Brasilia, na casa do senador Teotd- no Vilela Poderiio estar presentes Lula ¢ o pre- sidente do MDB, Ulysses Guimaraes, talvez para amenizar um didlogo que se prevé desagradavel. Na semana passa- da, Brizola garantia a varios amigos que nao pretende entrar na frente. FLAVIO PINHEIRO/TEREZINHA NUNES "Da esquerda para a direta, em pé: Maximia ‘no (genro): Ana, Marcos e Nena, filhos; 0s netos Miguel e Eduardo; 0s flhos Pedro, José Almino © Carlos Augusto. Sentados, Arraes, a mie, do- na Benigme, Madalena, a esposa, ea irma Viole ta, VEJA, 26 DE SETEMBRO. 1979

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