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Profanagées ererateenican Oe ners eee eee Ree eet ees eta Sete eee ne en Re eee ee diferengas de classe, mas uma sociedade que soubi eee ue ees eens Giorgio Agamben }! — ofonagoes. de Gioggio Agamben, dé continuidade ‘na rflesbes acerca do capitalismo, das revelugbes ‘ecnnllgieas madernase da inseguranea juridiea ss suetrales onitemporaneas, O autor segue as ‘owlicagiex se Walter Benjamin, quando este azalisa one sévulo XIX cade que 6a saa de visita ‘ones bunjuesia faz os seus negécios”. Enquanto sliyeute norms no Parlamento, a8 verdadeiras eee tomadas nos corredares. A decisto éa Fonna politica do exercivio do governo eaptalista, o emquee poder necessita destaner-se lie Decidir signifies estabelever quais partes ralulade do homem eda mundo ae encontraan lh seyulago do direito, nada mais eseapande ao ues diserieiondria deum soberano, Desaparece Aotingaw entre ointimo, 0 pabice € 0 privade, tudo rte wr obyeta de deciso, ‘hyfanges eolere- ne 208 interstcios da cultura ‘opitoiota qual ve express a ltrapassagem da node menado pela sociedade de mercado, ivernalizagiodo Fendmena do fetichisma pela ‘10 aun eatrutura dentealizante. Ndo por aeaso, ‘onecalo XIN 6 simultancamente, odo progresso ‘oe wala proliferagio do espiritismos nele, Inde coineidem e se identifiesm. Fantantnane modern sora eseapa das mos que sivam, denne de ser produto, expiritos ‘nina ge wepararn de wun aubstancia propria 6 pasaann adonrinaron vvos, adguirinde wna “olyjoividade empeetral com via independlente nen, Hou mundo sem homens e sean ‘non, “ajudanten”, "imbos" & “pai 8 Livro ~canattuem uma reserva He proegan da eatera explrito contra otmpacto da PROFANAGOES PROFANACOES GIoRGIO AGAMBEN stradugdo e apreremtagio Selvino J. Assmann ta bert ou fa ert, Genius da bora, ote Real, tela de 1755. 1 Knstal, Hambgo Bere mee Copyighe © Giorgia Aguen, 2005, ‘Copyright deta eg © Boitempo Faincl, 2007 Coordenasio erat ra Jokings Ebior adie Joo AleandeePeschaski ira entree Soa Pela Casella Tindcto « precntcie Selina J Assmann Edy de exteAlosanda Sedchlag Fernandes (prac) Joortan Busco (vis) trite debice Raquel Sllabemy Bio Cope David Atel ‘ac ide Ged dni, dey Zy Prodapa Mea ha CCIP-BRASIL. CATALOGAGAO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Anlp ‘Aguben, Giorgi, 1942- TYofinaée / Glongio Agamben; sido «apraenaio de Seino Jos ‘Asmenn,» So Pala Bolempo, 2007 (Marxinmo « terse) “indus de: Prfeesion! ISBN 978-85-7559.093-5 1, Esta 2, Are Elo, 3, Plo ean ~ Stel XX. 1 Thal 07-1420 cpp: 195 cpu: 145) “Todorov ios ssradan: Nenbuona pare dete io poe ser ‘sleds ow cepodssida ce a expres sutecz da elton, 1s eg: mio de 2007 AOITEMPO EDITORIAL Jlnkins Editres Asociados Ua on Enclds de Anda, 27 Ceres Fells (11) 34757250 1 38 \Gbolempordi ew hokey Sumério Apresentagito, Seino J Assmann © ota 90 UFR HOGI DA PROTANAGAD {06 S118 MINUTOS MAIS BELOS DA HISTORIA DO CINEMA Iniice dos prencipais nomesetermercitades Sobre vauter a a a ® 3 Apresentagao ‘Gionyiy Agamben — um dos mais importantes e mais lides pensadores curo- Jade ~ torma-se eada vez mais conhecido entre nés. Independen- 1 clecomo se queim casifcé-lo— como continuador de Walter Benjamin Martin Heidegger, ou de Michel Foucault, Jacques Derrida, Emile weniste © de Guy Debord, ou como alternativa 20 pensamento anglo- «de Richard Rorcy — Agamben & um intelectual instigante, exigente ¢ impestivo, em meio & tamanha produsio bibliografica contemporines, Inpressiona a qualquer letor o fato de ele procurar chaves ou pistas de leitura sly situagio atual andando sinuosamente entre uma mirfade de autores antigos \como Avistételes), medievais, modernos e contemportineos, ¢ em varios cam- da Filosofia (Filosofia politica, ética, estéri- 4. metafisica) & literatara © & teologia. Agamben vai consolidando em sua pos de saber, da fllologia ao di ‘olvia uma corajosaleicara do pensamento politico concemporineo, recorrendo 1 patadigmas extremos como o “campo de concentragio” ou o “estado de exce- a0", ¢ sobretudo falando da biopolitica como luta da vida e das formas da vid contra © poder, que procura submeté-las a seus fins por meios muitas vores ilegitimos. Em um mundo onde eudo parece tere tornado neceeciria © inevitivel, sagrado, Agamben procura resistr, des-eriar 0 que existe, tentando ser mais Forte do queo que esti a, como o fir 0 escriturério Bartleby de Melville (Ypre- Feriria nfo!”). Isso equivalea ir em busca da infincia, ou seja, de nossa capaci- dade de jogar e de amar, a saber, de viver na intimidade de um ser estranho, rao para fizé-lo conhecido, e sim para estar a0 lado dele sem medo de ficar centre 0 dive eo indizvel equivale perseguirsinaisefresas de contingén- 7 cia, de “absoluta contingéncia", ou sea, de subjetividade, de iberdade huma na, de cesuras entre um poder-ser ¢ um poder-no-ser, Insista-se: um mundo em que tudo é necesstio e nada € possivel €um mundo sem sujeito, um mun- do sem liberdade, sem possibilidade de eriagéo. ‘Nessa perspectiva, tornam-se importantes na obra de Agamben os textos em que rediscute 0 conceito de poréncia. Na companhia de Aristbteles, ele chama a atengio para o fato de que nos acostumamos a pensare a agit pensan- do que a poténcia sempre acaba quando passa 20 ato, quando se realiza: uma, cr1anga que tem a poténcia de ser adulto detearia de ter essa potencla quando se torna adulto. Mas hé também, inclusive para Aristételes, outra importante compreensio de poténcia: um pianista no ato de executar Chopin nfo acaba ‘com sua potncia de pianista, Pelo contrério, quanto mais exccutar as sonatas do compositor, mais teri conservada e aumentada a poténcia de artista. Ao ‘mesmo tempo, tera poténcia de pianista equivalea poder executare poder néo ‘executat as obras, De forma semelhante, © de mancira ainda mais ampla, “an centicamence livre, nesse sentido, seria nfo quem pode simplesmente cumprit este ou aquele ato nem simplesmente quem pode no o cumprir, mas quiem, :mantendo-se em relagio com a privagio, pode a prépria impoténcia". A pas- sagem a0 ato no anula nem esgota a poténcia, masa conserva no ato como tal «, marcadamente, na sua forma eminente de poténcia de nio (ser ou faze). (©u, melhor ainda: “Se uma poténcia de no ser pertence originalmente a toda poténcia, serd realmente potente sb quem, no momento da passagem ao ato, néo anulay simplesmente a pripria potincia de ndo, nem adetsar pava trds cam respei- 10 ao ato, mas a izer passa integralmente a el como tal, ou sea, puder néon pasar ao ato” Esta €a grandeza ea mi jada poténcia humana que se trata de cultivar € de promover, ¢€esta grandeza ¢ miséria do ser humano que se encontra prati- camente anulada na forma de vida que sc extabelecca, rosnande a nosis vide tuma “vida nua”, E isso a biopolitica que se consolidou como dominio sobre a vida, E écom a profanagio que se pode resistira tudo isso, e que se pode tentar ‘Ls potenaa del pensero Vieeraa, Neti Pozza, 2005), p. 282. Ihidem, p. 285, rifos do autor. wine nova politica, une nove ser humano, sina nova comunidade, pensande e promovenda o avesso da vida nna, a poténcia de vida, ea vida humana e potdncia de ser e de no set, Agamben termina texto intivalado "A poténcia slo pensamenta”, que di titulo a0 livro ji referido, com as seguintes afirma es, que servem come um programa em tealizagso por parte do autor: “Deve vindla medic todas as conseqiiéneias dessa figura da poréncia que, ao se Ho si mvesnna, se salva e eresce no ato. Hla obriga-nos a repensar na sua toralidale nao apenas a relagio entre poréncia e ato, entre o possivel o real, 1 coniderar de mode neve, na estédea, 0 estatuto do aro de “rhavanre dobre, na polities, o problema da conservagia do poder constituinte » wales constitufdlo, E, porém, toda a compreensio do ser vivo que deve ser pour em xeque se for verdade que a vida deve ser pensada como poténcia que Incessaneemente excode as suas formas e as suas reaizagées”, Nese contexto, a lta pela étea nfo &, como se costuma afirma uta pelo ‘unsprimento da norma existente, nem pela realizagio desta ou daquela ess 1 deste ou daquele destino, desta ou daquela vocagio histérica ou pivitual, Embora nao se trate de negar que. ser humano tenba uma tarefa a veallvatt lta pela ética &a luta pela iberdade, ou sea, Iuta para que possamos perimentar nossa “prépea existéncia como possibilidade ou pottncia”, *po- Wéncia de ser e de nfo ser’, 1 assim qui esse italiano, nascido em Roma (erst pagét!) em 1942, assu- ‘nc explicitamente como tarefa “alargar 0 trabalho de jichel Foucaule”, Ele o lar, tecendo(¢ profanand) vitis fis, vérios conceitos, andando por diferen- ‘es campos de saber. Contudo, nas sendas de Foucault, Agamben abre cami- tho por dois tet Srios em queo pensador francés praticamente esteveausente, 1 dincito ea weologia, Para ficar com o terrtério da teologia, mais préxima do tema da sagrado ¢ do profano, basta embrar © conjunte de obras que tem por lo geral Homo sacer (, IT ¢ ID), incluindo a mais recente, publicada no inicio de 2007, If regno e la gloria: per una genealogia teologica delleconomia e el governo (Homo sacer, 11,2). “Ibidem, p. 286 {La conmind che viene (Toring, Bollati Boringhieti, 2001), p. 39. ° Vindo mais diretamente & obra que aqui procuramos apresentar sos lite res, potlemos afirmar que a profanagio € um tema recorrente en Ayainben. Por isso, Prafanarées pode se visto e seguido como um fio condutor na textura Ccomposta nos vitios textos jé publicados. De forma geral, poderiamos dizer aque cle dedica toda a sua andlise ilséfica,filol6gica, histbrea, stécica, a pro- fanar o sagrado, ou melhor, 2 procurar devolver & comunidade humana aquilo ue historicamente foi subtzaido ao uso comum através da sacralizagio, Profa- ‘nar —conceito otiginalmente romano ~ significa tirar da tempo (fantom) onde algo fol posto, ou retirado initiahuemte du uso € da propricdade dos seres hhumanos. Por iso, a profanagio pressupée a existéncia do sagrado (1ace7), 0 ato de retirat do uso comum. Profanar significa, assim, tocar no consagrado para liberté-lo (e libertat-) do sagrado. Contudo, a profanagio nao permite ‘que o uso antigo possa ser recuperado na integra, como se pudéssemos apagat impunemente o tempo durante © qual o objeto esteve retirado do seu uso comum. O que se pode fazer é apenas um novo uso. Assim, por exemplo, apoiando-se em Benjamin, para quem 0 cap ‘Agamben insiste em apresentar “a profanagéo do improfandvel” como “a tarefa politica da geragio que vem: tata-se de procurarmos libercar-nos da asfixia cconsumista em que estamos metidos, e se trata, a0 mesmo tempo, de afastar- lismo ¢ visto como religio, nos da sactalizagio do eu soberano de Descartes, ¢ chamar a atengio para 0 impessoal, o obscuto, o pré-individual da vida de cada um de nbs, Isso inclui igualmente a tarefa de profanar 2 prépria atividade do autor, transformando 0 ato de conhecer e de escrever em parddia da vida mesma: “Viver com Genius significa, nessa perspectiva, viver na intimidade de um ser estranho, mantet-se constantemente vineulado com uma zona de néo-conhe- cimento”?. Ou entéo: “Escrevemos para nos tornarmos impessoais, part nos tomarmos geniais, ¢, contudo, escrevendo, identificamo-nos como autores desta ‘ou daqusla obre, dictenciamo nos de Genius, que nunca pode ter a forma de tum Eu, e menos ainda a de um autor” E hi duas possibilidades, segundo ‘Agamben: “Frente a Genius, nfo ha grandes homens; todos sio igualmente pequenos. Alguns, porém, sio suficientemente ineonscientes = ponto de se 5 Ver adiante, p17. © Idem, p. 18. Jcivareny abalar € attavensar por cle até que caiam aos pedagas, Outros, mas 2s, mas inenios felizes, rejeitam personificar o impeswal, emprestar os pri pins Libis a uma vor que nao thes pertence”. Agamben quer siuarse entre «sem meio de ser menos feliz, mas persistent em querer profs ‘nae o inprotinivel nos temposde tanta seralizagio, que & tempo de secular sim, qqie © deslocamento do sagrado de um hugar para outro, de fora da utile para denito do mundo, e née profanagio... /omscen ols puabliceda em 2004, refine uma dezena de textos de tama lcventes, esctitos em momentos anteriores ou posteriores @ outros livros slo aun Dificil defini lieratiamente os textos: sia en: , sio prosa. Sio fuayentos, ef ow Ik quase aforismes, Mas é um liveo sobre a agéo politica politica possivel e um livto possivel em uma época em que o irracio- nal onsa apresentar-se como racional, Ninguém melhor do que 0 préprio au- nportincia © 0 significado da agéo de profanar: “O que ‘oni qealmente em questi 6, na verdade, possibilidade de uma agéo humana aque se situe fora de toda relagio com 0 diteito, agio que nio ponha, que néo scte ow que no transgrida simplesmente © diteito, Trata-se do que os 1s tinham em mente quando, em sua luta contea a hierarquia ecle- Jisica,veivindicavam & possibilidade de um use de coisas que nunca advém 1. «que nunca advém propriedade, E talver ‘politics’ seja 0 nome desta imensii que seabrea parti de tal perspectiva, 0 nome do livre uso do mun- «lo, Mas tal use nao €algo como uma condigéo natural origindtia que se trata sle restaunat, Hla est mais perto de algo de novo, algo que é resultado de um ‘pe corpo com os dispositives do poder que procuram subjetivar, no di- ‘eito, as ayes humanas. Por isso tenho trabalhado recentemente sobre 0 con- city de 'profanagi® que, no dirsito romano, indicava 0 ato por meio de qual » qe havia sido separado na eafra da tligitre do sagrade woleava a ser resti- Awd 90 livre uso do homer’® Fara vealizar a atividade de profanagéo, Agamben circula entte a sistema- tiidade e seu abandono. A esctitura & em si mesma uma propasta profana, Wem, p19 Fevista eoncedida 3 otha de Poul, 18/10/2008. 0 movenslo-se conscientemente entre o dizivel ¢ 0 indizivel, Hi paradoxos, hd imetéforas, hi palavras eruas que profanam que parecia teoricamente sagra- do, Agamben profana com uma eserita intensa, cheia de vida, dil, mesmo sendo sinus, esurpreendente. Por iso, pede um leitor atento, diante da feigéo dligressiva e fragmentéria em que se conjugam conccitos anttéticos como 0 profano eo sagrado, a pornografa ea politica, a tligio ea forografia,o judas io e. publicidade, o espeticulo midiético e o dia do juizo final, a parsdiaco inferno, até chegar a0 cendrio dos “seis minutos mais belos da histéria do cinema’. "Todos os conecitox parecem sce faces de prismaa quelevam aexperién vidade, joutias vers Ficamos surpresos até perplexos € confusos, e temos que voltarao cia a linguagem ao limite. As veres ficamos deslumbrados pela cri inicio do texto, Cheios de referéncias a outros autores, nem sempre tio familia- tes, todos 08 textos se apresentam como faces ¢ fases de uma “ontologia do presente", como queria Michel Foucault, Em cada texto, portanto, um elogio da profanago: mostrando a forografia como “dia do juizo universal”, ou apresen- tando o ajudante Pinéquie como “arquétipo da seredade e da graga do inumano”; ‘ou entao declarando que s6 existe uma possibilidade de set feliz: a de erer no divino ¢, no entanto, néo aspiraraalcangi-lo. O di geralmente tio separados, parecem aqui colapsar-se. Ou entéo, frente ao capi- talismo como religito moderna por excelénca, que se tornou o improfandvel »,ohumano, 0 natural, absoluto para todos nés, ou frente destruigéo moderna de qualquer experién- cia, com a exaltagio contemporinea do espetéculo, Agamben convoca & “pro- fanagio do improfandvel” como “o dever polit dla préxima geragio”. Ese desejo de profanar parece encontrar inspiragio em dois grandes ami- {g0s:0 cineasta Pier Paolo Pasolini ca esritora Elsa Morante, esta capar de trans- formar a parédia em personagem de romance. Ea parédia torna ridiculo, cdmico ou grotesco 0 que para outros é sério. Dito de outra maneira: quando se quer atingiro mi cde manter vivaatensio dual presente na realidade, no préprio ser. “Sea ontologia, a relagio [..] entre linguagem ¢ mundo, a parédia (.] expressa a impossibi- Tidade da lingua de alcangar a coisa, ea da coisa encontrar seu nome”. ia, inenarrival, s& nas resta apolar para a parédia, dinico modo © Ver adiante, p. 47. 2 Fsobrennde no capitulo intitulado "Elagio da profinagio” que se tee mais Laramente wi Fin que wura de certa forma todos os textos do livte. Todos les procutam profanar, ou seja, devolver 0 que esté consagrado a0 livre uso omens; on ao aso comum dos homens, Profanae éasumie a vida como Jingu que nos tra da esfera do sagrado, sendlo uma expécie de inverséo do snes Canvislande-nos a profinar, Agamben alerta para o ito de termos povlidis a ante de viver, que éa da infincia, lugar primeiro da mais séria profi vote sa vida, vio fi fora anunelado pelo Zaratustra de Nietasche, ereroma- fjord emer For Eeweflen,cxtswcnca al aapte ‘01 seu “inessianismo imanente”: as erfangas sabem jogar e brineat, enquanto vos alulios séHi0s, perder a capacidale de ser migicos ede fazerem milagres. Rea vando © que dissemos antes, refazemos a pergunta: € possivel eudo toon dante da Forga © da normalidade da excegéo, diante da impetiosa nor- ‘vlidace da vida nua em que estamos ou fomos metidos? Ou entéo, o que é Jpossivel fiver? O que nos resta fazer? Quen Ie os livtos de Giorgio Agamben se sente interessado em saber mais «mello que para ele 6, ou so, “o ser que ver’, “o set humano que vem’, “a politics que ve "", “a ética que ver", “a comunidade que vem”, Tudo 0 que «ter «ver com “o messas que vem. C& el parece haver o preniin- ‘in on aniincio de algo novo, de algo desejado, experado em meio a0 desespero pporante wma normalidade peseda que nao parece deixar nenhuma pos- wle senio uma vida nua, (© que rests fazer? Em primeiro lugas, abandonar as solugdes que foram vjescntadas na modernidade; abandonat, por exemplo, a visio otimista da 1 humana; abandonar a aposta de que tudo pode ser resolvide através swnprimenta da norma. ¢ por isso abandonar também 3 aposes ne “estado slieito”, Poderiamos dizer que, nesse sentido, Agimben radicaliza a deniin- ‘in le que ficamos de mios vazias, de que caimos defi ivamente no nilismo, «tuuls vestaa fazer Se fosse asim, porém, por que insistit com “a comunidade ‘que vom”, “a polftica que vem, “o homem que vent"? Vs além de todas as profanagées jéefetuadas por Agamben, ¢ de todos os anincios ja insinuados por ele, avez nos caiba, como letores, usufivir da 1B companhia instigante e privilegiada deste autos, ¢ tentar aceltar a convite para {que também nds ouseros “Viver com Genie’. Tentando pensst, pensando, também nés nos colocamas em jogo, « podemos, quem sabe, contribuir para «que “a politica que vem” ¢ “o ser humano que ver” estejam uum pouco mais perto como poténcia da vida, poténcia de ser ¢ de nio-ser. Selvino J. Assmann abril de 2007 GENIUS. Now my charms are all oerthrown, And what srength I haves mine own, Prispero ao piiblico (Os latinos chamavam Genius ao deusa que todo homem é confiado sob tutela nur hora do nascimento, A etimologta &transpatente, ¢ ainda évisfvel na Kingua Willan sna aproximasio entre genio [genio] © generare [gerar]. Que Genius lis, evidente, pelo fato de 0 objeto por exceléncia nial” cer sco, para os latinos, a cama: genialis lectus, porque nela se realiza 0 store poravio, Fe sagrado para Genius era 0 dia do nascimento, motivo pelo ‘qual sind o slenominamos genetliaeo, Os presentes e os banquetes com que lostcjans 0 aniversivio so, apesar do odioso ¢ jf inevitivel refiéo anglo- 1 lembranga da festa e dos sactificios que as familias romanas any a Genius no aniversirio de seus membros. Horicio fala de vinho » ee dois meses, de um cordeiro “imolado”, ou seja, salpicado v1 «salsa para o sacificio; mas parece que, originalmente, sé havia incenso, sllisiosss cueas[fatee] de mel, porque Genius, © deus que preside a0 dle sicificios stagrentos ‘CHhama se meu Genius, porque me gerou (Genius mens nominatur, quia ‘ne gomnit).” Mas nao basta. Genius no era apenas a petsonificagio da enegia Claro que cada ser humano macho tinha seu Genius, ¢ cada mulher a nifestagio da ferundidade qive geea © perpetuaa vida. Mas, © ovidente no termo ingenium, que designa a soma das qualidade fsicas m est para nascer, Genius era, de algum modo, slivinizasio da pessoa, o principio que rege e exprime a sua existéncia inteia, Por ese motivo, consagrava-se a Genius a fronte, @ néo 0 pitbis; © 0 gesto de fronte, que fazemos, quase sem nos dar conta, nos momentos de slestnimo, quando parece que quase nos esquecemos de nés mesmos, lemba 0 15 esto ritual do culeo dhe Genius (unde nenenantesdewn tanginns onsen). E dado que esse deus é, de cctta forma, o mais intimo e proprio, é nevessirio aplaci-lo tél bem favorivel sob todos os aspectos ¢ em todos os momentos da vida Hi uma expressio Latina que exprime maravilhosamente a relagio secreta que cada um deve saber cultivar com o proprio Genius: indulgere Genio. F preciso ser condescendente com Genius ¢ abandonar-se a ele; a Genius deve- mos conceder tudo 0 que nos pede, pois sua exigéncia € nossa exigéncia: sua Rlicidase, nossa felicidade, Meamo que suas nossa! protensSco possam parecer inaceitaveis e caprichosas, convém aceité-las sem discussio, Se, para excrever,tendes ~ tem! — necessidade do papel amarelinho, da caneta especial, til dizer que se precisamos exatamente da luz fraca que desce da esquerda, qualquer canera cumpresus tarefa, que qualquer papel e qualquer luz sio bons. Se nio vale a pena viver sem a camisa de linho celeste (mas, por favor, no a bbranca com 0 colarinho de funcionétio)), se nao parece possivel continuar vivendo sem os cigarros compridos envoltos em papel preto, de nada serve ficar repetind® que sio simples manias, que seria hora de criar juizo. Genéum suum defiandare— fraudar 0 proprio génio significa, em latim, tomar tristea ‘proptia vida, ludibria asi mesmo. E genialr— genial —€ 2 vida que distancia ‘da morte © olhar e responde sem hesitagio 20 impulso do génio que o gerou. ‘Mas esse deus muito intimo e pessoal € também o que hi de mais impessoal tem nés, 2 personalizagio do que, em nés, nos supera e excede. “Genius é a nossa vida, enquanto no foi por nés originada, mas nos deu origem.” Se cle parece identificar-se conosco, é s6 para desvelarse, logo depois, como algo mais do que nés mesmos, para nos mostrar que ns mesmos somos mais © ‘menos do que nds mesmos. Compreender a concepgio de homem implicita com Genius equivale a campreender que n hamem née é apenas Fur ¢ conscidne cia individual, mas que, desde o nascimento até & morte, ele convive com um clemento impessoal ¢ pré-individual. © homem é, pois, um sinica ser com duas fases, que deriva da complicada dialésica entre uma parte (ainda) nio idencificada e vivida, © uma parte jé marcada pela sorte e pela expesiéncia individual. Mas a parte impessoal e nfo identficada nao é um passado erono- légico que uma vez por todas deixamos para tris, e que podemos, cventual- 16 mente, chamar de volta com a meméra; ela esté presente até agora, em nds e conosco ¢ junto de nis, no bem e no mal, inseparivel. O rosto de jovem de Gonins, suas longas etrémulas asa signficam que ele née conhece o tempo, «que o sentimos bem perto em nés, estremecendo de frio como quando éramos ‘sans, respitando ebatendo as emporas febris como um presente imemorivel. Vor isso, 0 aniversério nfo pode ser a comemoracio de um dia passado, mas, unc tadasecindeie ea atelier ee aan eee eee, ‘1 presenga imaproximével que impede que nos fechemos em uma identidade uistancial, & Genius que rompe com a prerensio do Eudebasmr seat me:ino. \ cspititualidade ~ afiemou-se ~ é sobretudo, essa consciéncia do fato de ue 0 ser identifieado no esté totalmente identificado, mas ainda contém va carga de realidade néo-identifieada, que importa néo apenas conservat, ‘ns também tespeitar , de algum modo, honrar, assim como se honram as | iprias dividas. Genius, porém, nao é 36 espivitualidade, nfo tem a ver ape- nis Com as coisas que estamos acostumados a considerar mais nobres ¢ eleva- «lis, Todo @ impessoal em nés é genial; genial é, sobretudo, a forga que move o sngue em nossas veias ou nos fiz cait em sono profundo, a desconhecida ppotencia que, em nosso corpo, regula ¢ distribui tio suavemente a tibieza e dlssolve ou contral as bras dos nossos misculos. f Genius que, obscuramen- \e, apresentamos na intimidade de nossa vida fisiolégica, li onde o mais pré- prio éo maisestranho ¢ impessoal,o mais préximo &0 mais remoto ¢indomdvel. Se no nos abandondssemos a Genius, se fossemos apenas Eu e conscitncia, nunca poderfamos nem sequer urinat. Viver com Genius significa, nessa pers- pectiva, viver na intimidade de um ser estranho, manter-se constantemente vineulado a uma zona de nfo-conhecimento. Mas tal zona de néo-conheci- mento nfo é uma temogio, no transfere nem desloca uma experigncia da conscincia para o inconsciente, onde ela se sedimenta como um passadlo in quietante, pronto 2 reaparecer em sintomas e neuroses. A intimidade com uma zona de nio-conhecimento é uma pritiea mista cotidiana, na qual Ea, numa forma de esoterismo especial ¢ alegre, assiste sortindo a0 proprio desmante: Jamento e, quer se tate da digestio do alimento, quer da iluminago da men- te, €testemunha, inerédulo, do incessance insucesso préptio. Genius € a nossa vida, enquanto nao nos pertenee, Devemos, pois, olhar para o sujeito come para um eampo de tensive, cujos pilos amtitéticas sio Genius ¢ Eu, O campo é atravessado por duas foryas conjugadas, porém opostas; uma que vai do individual na diregio do impesoal, © outta que vai do impessoal pars o individual. As duas forgas convivem, entreeruzam-se, separam-se, mas néo poder nem se emancipar integralmente uma da outra, nem se identificar perfeitamente. Qual é, entio, pata Eu, 0 melhor modo de testemunhar Genius? Suponhamos que Eu queira escrever. Eserever nfo esta ou aquela obra, mas simplesmente escrever. Tal desejo signi- fica: Eu sinta que Geninsexietrom algir Ingat, qe hi em mina uena poréncia impessoal que impele a escrever. Mas ailtima coisa de que Genius necessita é de uma obra, ele que nunca pegou em alguma caneta (e menos ainda em com- putador). Escrevemos para nos tornarmos impessoais, para nos tornarmos ge- niais, e, contudo, escrevendo, identificamo-nos como autores desta ou daquela ‘obra, distanciamo-nos de Genius, que nunca pode ter a forma de um Eu, € menos ainda a de um autor. Toda tentativa de Eu, do clemento pessoal, de se apropriar de Genius, de obrigi-lo a assinar seu nome, esté necessariamente dlestinada a frécassar. Nascem dat a pertinéncia ¢ 0 sucesso de operagbes irbni- ‘eas como aquelas das vanguardas, nas quais a presenga de Genius é testemu- nnhada descriando, descruindo a obra. Se, porém, s6 uma obra revogada e desfeita pudesse ser digna de Genius, seo artista realmente genial é sem obra, o Eu- Duchamp nunea poders coincidir com Genius e, na admiragto geral, vai pelo mundo afora como a prova melancblica da pr6priainexisténcia, como 0 por- tador famigerado da propria improdutividade Por isso, o encontro com Genius € tertivel. Se, por um lado, é paética a vvida que se leva na tenséo entre o pessoal e o impessoul, entre Eu € Genius, por outro € pinico o sentimento de que Genius venha a exceder-nos ¢ superar-nos sob todos os aspectos, que nos acontesa algo infinitamente maior do que nos parece ser suportivel. Por isso, a maioria dos homens foge aterrorizach frente & parte impessoal prépria, ou procuta, hipoctiamente, redusi-la& prépria esta- tura miniiscula, Nesse easo, pode acontecet que o impessoalrejeitado volte a saparecer em forma de sintomas e tiques ainda mais impessoais, de trejeitos ainda mais exagerados. Mas tio ridiculo ¢ Fw tro com Genius como um privilégio, © Poaa que faz pose © se dé ares de é também quem viveo encon- 18 importante, ou, pior ainda, agradece, com fingids humildade, pela graga rece brida, Frente a Genius, nao hé grandes homens; todos sio igualmente peque nos. Alguns, poréim, séo sufcientementeinconscientes a ponto de se det abalar eatravessar por ele até que caiam aos pedagos. Outros, mais sérios, mas menos flizes,reeitam personifica o impessoal, emprestar os proprios libiosa uma vor que nio Thes pertence. Hi uma écica das relagbes com Genius que define a classe de cada ser. A classe inais baixa inclui aqueles que ~e as veues se trata de autores celebérrimos ~ contam cam @ prbptio gio como se forte um bruso pessoal (“eado messi $0 bem!"; “se eu, génio meu, no me abandonas..”). Muito mais amével e sébrio 0 gesto do pocta que, pelo contritio, menospreza csse sérdido ciimplice, porque sabe que "t auséncia de Deus nos ajuda!” ‘As ctiangas sentem um prazer especial em se esconder. E nao para serem escobertas no final. Hi, no proprio fato de flcarem escondidas, no ato de se refsgiarem na cesta de roupa ou no fundo de um armério, no de se encolherem num canto do sétéo até quase desaparecer, uma alegria incomparivel, uma palpitaglo especial, a que nao estio dispostas a renunciar por nenhum motivo. dessa palpitagio infantil que provém tanto a vohipia com que Walser garan- teas condigbes da sua ilegibilidade (os microgramas) como o desejo obstinado cde Benjamin de néo ser reconhecido, Eles sio os guardas da gléria soitdria, que sua toca um dia revelou Acrianga. De fro, 0 poeta celebra seu ciunfo no nio- reconhecimento, exatamente como a crianga que se descobre trepidando como genius loci de seu esconderijo. Segundo Simoncon, a emogio é aquilo por meio do qual entramos em contato com o pré-individual. Emocionar-se significa sentir 0 impessoal que esti em nds, fazer experidncia de Genius como angistia ou alegria. seguranga ou tremor. No limiar dazona de nfo-conhecimento, Eu deve abdicar de suas propric dades, deve comover paixio é a conda estendida entre nés e Genius, sobrea qual caminhz a vida funimbula. O que nos maravilhae espanta antes mesmo do mundo fora d= nds, é a presena, dentro de nds, dessa parte para sempre imatura, infinitamente adolescente, que fica hesitante no inicio de rr qualquer identificagio. E & essa crianga elusiva, esse prer obstinad, que nos Jmpele na diregio dos outros, nos quis procuramos apenas a emogio, que em 1nés continuou incompreensivel, esperando que, pot milagee, no expelbo do outro, esclarega-se¢ se clucide. Se a emocio suprema, a primeira politics, é olhar © prazer, a paixtio do outro, isso acontece porque buscamos no outro a relagio com Genius que no conseguimos alcangar sozinhos, a nossa seereta delicia ea nossa nobte agonia. Com a tempa, Genie dupliesse 6 comepa sabtuinis uma colomgio Seca As fontes,talver por influéncia do cema grego dos dois deménios de cada hhomem, filam de um génio bom ¢ de um genio mas, de um Genius branco (albus) c desum preto (ate). O primeito nos leva erecomenda 0 bem, 0 segun- do nos corrompe € nos inclina 20 mal. Horécio, provavelmente com razio, sugere tratar-se de fato de um s6 Genius, que, porém, é mutdvel, oa cindido, ora depravado, Observando bem, iso significa que fra tenebroso, ora sil quem muda nio é Genius, mas nossa relagéo com ele, que passa de luminosa e clara a opaca € tencbrosa, Nosso prineipio vital, © companheizo que orienta © toma amével nossa existéncia,transforma-se assim, de repente, em um silencioso clandestino, que, como sombra, nos persegue a cada passo, conspirando secre- tamente contra nés, Assim, 2 arte romana representa, um ao lado do outro, dois Geni: um segurando na mio uma tocha acesa, e outro, mensageira de morte, derrubando a tocha, Em su tardia moralizagio, o paradoxo de Genius emerge em plena luz: se Genius €1 nossa vida, enquanto rie nos pertence, entia devernos responder por algo pelo qual no somos responsiveis; nossa salvacio © nossa nuina apre- sentam um rosto pueril, que é € nie nosso rosto. Genius encontra uma correspondéncia na idéiacrsti do anjo da guarela — ‘ou melhor, dos dois anjos; um bom ¢sent0, que nos guia pata a salvagio, eum ‘mau € pervetso, que nos empurra yara a condenagio. Mas é na angelologia irdnica que ele encontra sua mais linpida e inaudia formulagio. Segundo tal doutrina, quem preside ao nascimento de caca ser humana é um anjo, chama- do Daena, que tem a forma de um belisima jovem. Dacna 0 aiquétipo celeste a cuja semelhanga o individue fei erado e, 0 mesmo tempo, éa muda » testemunha que nos espia e acompank em codos os instantes da nossa Contudo, 0 rosto de anjo no continua igeal no tempo, mas, como o retrato dle Dorian Gray, vai se transformando impztceptivelmentea cada gesto nosso, «cada palavra, a cada pensamento. Assim, no momento da morte, a alma vé seu anjo, que Ihe vem ao encontro transfigurado, dependendo da conduta da sua vida, ou numa eriatura ainds mais bes, ou nam demdnio hocrivel, que sussurra: “Eu sou tua Daena, aquela que os teus pensamentos, as tuas palavras ‘© 0s teusatos formaram”, Com uma inversio vertiginosa, nossa vida plasma e Jesenha o arquétipo cin cuja imagers fumes cxiados, Todos fazemos, em alguma medida, um pacto com Genius, com aquilo «que em nés niio nos pertence. O modo como cada um procura livrar-se de Genius, fugit dele, constitui seu cardter. Ble € a careta [rmorfid] que Genius, cenquanto foi exquivado ¢ deixado inexpresso, imprime no rosto do Eu. O estilo de um autor, assim como a graga de cada criatura, depende, porém, nfo tanto de seu génio, mas daquilo que nele ésenco de génio, de seu cariter. Por {ss0, quando amamos alguém, nao amamos propriamente nem seu génio nem veut carter (e muito menos seu Eu), mas a mancira especial que cle tem de cscapar de ambos, seu desenvolto ir evir entre génio e caréter. (Por exemplo, a ssraga pueril com que o poeta em Népoles degustava os sorvetes ou 0 jeito «ansado como o filésofo caminhava de ld para cd pelo quarco enquanto falava, pparando de repente para fixaro olhar em um Angulo remoto do teto.) Surge, contudo, para cada um 0 momento em que deve separar-se de Genius, Pade ser de noite, de improviso, quando, ao som da brigada que passa, ouves née sabes por qué, que teu deus te abandona. Ou entio somos nds que 6 despedimos, na hora lucidssima, extrema, em que sabemos que hi silva, n-que Py mas nés jf nfo queremoe cer salune Vi embora, Ariel a hora pe ro renuncia seus encantos sabe, com a forga que Ihe sobr « leima estagdo, tardia, em que o artista velho quebra o seu pincel © 60 pla. © qué? Os gestos: pela primeira ver 56 nossos, completamente liberi le ‘qualquer encanto. Sea vida, sem Ariel, certamente perdeu sei std Hie ‘no assim, dealgum lugarnos ¢ feito saber que sé agora nos cae, (ue 40 apiea ‘comegamos a viver uma vida puramence humana e cerrens, enti & Vill que a ‘nfo. manteve suas promessis pode agora, por fso mesmo, dar-nos infnita- mente mais, £0 tempo exausto e suspenso, a brusca penumbra em que come- gamos a nos exquecer de Genius; é@ noite esperada. Porventurs alguma ver existiu Ariel? O que é essa milsica que se dilui-e se distancia? S6 a despedida é vverdadeira,s6 agora iniciao longo desaprendimento de si. Antes que a vagaeo- sactianga volte experimentar, uma um, osseus rubores; uma a uma, imperio- samente, a5 suas hesitagSes. 2 MAGIA E FELICIDADE Honjamin disse, certa vex, que. primeira experincia ques crianga tem do mun. lo nfo é de que “os adultos séo mais fortes, mas sua incapacidade de magia”, 1 alltmagio, proferida sob o efeito de uma dose de vinte miligramas de mesca. lina, no & por isso, menos exata. E provavel, aids, que a invencivel wistezg syne Ss vezes toma conta das tiangas nasga precisamence dessa consciéncia de sno setem capazes de magia. © que podemos alcancar por nossos méritas¢esforgo ssw pode nos vornar realmente flizes. é a magia pode faz, Tss0 nfo passoy “lespereebido a0 génio infantil de Mozart, que, em carta @ Bullinges,vislumbrou ‘un preciso a secretasolidariedade entre maga flicidade: “Viver bem e vivep Ilr sia duas coisas diferentes segunda, sem alguma magia, certamente ni ve tocard. Paraiso, deveria acontecer algo verdadeiramente fora do natural” As eriangas, como os personagens das fabulas, sabem perfeitamente que, vara serem felizes, precisam conquistar 0 apoio do génio na garrafa, guardar 10 casa © burrinho-fia-dinheiro [asino eeabaiacchi] ou a galinka dos ovos de vo. E, ema todas as ocasibes, conhecer o lugar e formula vale bem mais do 1c sforgat-se honestamente para atingir um objetivo. Magia significa, preci. ‘wente, que ninguém pode ser digno da felicidade, que, conforme os antigos shin, feliedadeS medida do homem & sempre Aybris, ésempre prepardncig ‘© ovcesso, Mas se alguém conseguir dobrar a sorte com o engano, sea felicida. Je depender nfo do que ele é, mas de uma noz encantada ou de um “abre-te. \san", entio, e 85 entéo, pode realmente considerar-se bem-aventurado. ‘Contra essa sabedoria pueril, que afirma que a felicidade néo & algo que s poss merecer, a moral colocou desde sempre sua objegio, Fo fez com ay 23 palavras do flésofo que, menos do que qualquer outro, compreenclew a dife- renga entre viver dignam enve ¢ viver feliz, “O que em ti tende ardorosamente para 2 Felicidade”, escreve Kant, “éainclinagio; 0 que depois submete tal incli- nagio & condigio de que deves primero ser digno da felicidade € tua rari” ‘Mas de uma felicidade de que podemos ser dignos, nés (ou a crianga em nés) nfo sabemos o que fazer. E uma desgraga sermos amados por uma mulher porque 0 merecemos! E como é chataafelicidade que é prémio ou recompensa por um trabalho bem fico! Ne antiga méxima segundo a qual quem se di conta de sr feliz jf defzou de sé-lo, mostra-se que o estreitamenta do vinculo entre magia efelicidade no & simplesmente imoral, ¢ que ele pode até ser sinal de uma étiea superior. A felicidade tem, pois, com seu sujeito uma relagio paradoxal. Quem é feliz nto pode saber que 0 & 0 sujeito da felicidade nao é um sujeito, nfo tem a forma de ‘uma consciéncia, mesmo que fosse a methor. Nesse caso a magia faz valer sua cexcegiio, a inica que petmitea um homem dizer-e ou considerar-se feliz, Quem sente prazer de algo por encanto escapa da Aybris implica na conseigneia da felicidade, porque a felicidade, embora ele saiba que a tenha, em certo sentido ano & sua, Assim, Japitet, que se une’ bela Alemena, assumindo as feig6es do consorte Anfitrio, nio sente prazer com ela como tipiter. Nem sequer, apesar as aparéncias, como Anfitrio, Sua alegriapectence totalmente a0 encanto, ¢ se semte prazer, consciente e puramente, s6 com 0 que se obteve pelos cami- rnhos tortuosos da magia, Sé 0 encancado pode dizer sorrindo: “eu”, ¢ 36 a felicidade que nem sonharfamos merecer é realmente merecida, Essa éa razdo tltima do preceto segundo o qual s6 existe sobrea terra uma, possibildade de felicdade: cre no dvino ¢ nfo aspraea aleangé-lo (uma vatidvel 6 em conversa de Kafka com Janouch, a afiemagio de que hi esperan- 49, max nde para nis). Foca tte aparentemente ascltica 16 se corns intelighvel se entendermos 0 sentido do néo pare nar. Néo quer dizcr que a felicidade este reservada apenas a outros (flicidade significa, pecisamente: para nés), mas que ela s6 nos cabeno ponta em que nao nos estava destinada, no era para nés. Ou seja, por migia. Nesse momento, quando a arrebatamos da sorte, cla coincide inteiramente com o fato de nos sabermos capazes de magia, com 0 gesto com que afsstamos de uma ves por todas, a tistens infant a Se for assim, se ngo houver felicidade a no ser sentindo-nos eapazes de mitica definigio dada por ‘magia, entéo se corna transparente também & Kafka sobre a magia, 0 escrever que, se chamarmos.a vida com 0 nome j la vem, porque “esta é a esséncia da magia, que nio cria, mas chama”. Tal Ulefinigio esti de acordo com a antiga tradigéo que cabalistas € nccromantes seguiram escrupalosamente em todos os tempos, segundo a qual a magia é, cssencialmente, uma cigneia dos nomes secretos. Cada coisa, cada ser, tem, slém de seu nome manifesto, um nome escondido, a0 qual nfo pode deixar de responder Sec nmye significa conbever eevocar ene aiyuinuinie, Diss ascent »sintermindveis listas de nomes ~ diabélicos ou angélicos — com as quais 0 nnccromante garante para si o dominio sobre poténcias espirituais, © nome wereto 6 para ele apenas a sigh de seu poder de vida e de morte sobre eriatura Hi, porém, outra e mais luminosa tradiglo, segundo a qual o nome secreto nao 6 tanto a chave da sujeigio da coisa & palavra do mago, quanto, sobretudo, + monograma que sanciona sua libertagéo com relagéo & linguagem. © nome reto era @ nome com o qual a crlatura havia sido chamada no Eden, ¢, 20 jwwmuneti-lo, os nomes manifestos ¢ toda a babel dos nomes acabaram em ppalagos. Por isso, segundo a doutrina, a magia chama por Felicidade. O nome -ereto &, na relidade, 0 gesto com o qual a criatura é restituida 20 inexpresso. Pin iltima instdncia, a magia ndo é conhecimento dos nomes, mas gesto, des- vin em relagéo ao nome. Por isso, a criangs nunca fica to contente quanto undo inventa uma lingua secreta propria. Sua tristeza néo provém tanto da ‘ynonincia dos nomes migicos, mas do fato de nao conseguir se desfuzer do swe que lhe fot imposto, Logo que 0 consegue, logo que inventa um novo ‘nome, ela ostentard entreas méos 0 passaporte que a encaminha & feicidade, Jor um nome é a culpa. A justiga é sem nome, assim como a magia. Livre de swome, bem-avencurada, ¢ eriacura bate & ports da aldeis dos magos, onde 8 se {ala por gestos Autores do Nouveau Roman: Alain Robbe Gilet, Claude Simon, Claude Mauriac, Jerome Lindon, Robert Pinget, Samuel Becket, Natale Saraute Claude Oli, {otografados por Mario Dondero em frente das Editions de rut, em Pats, © DIA DO JUIZO (0 qjue me fascina e me mantém encantado nas forografias que amo? Creio que ‘rata simplesmente disso: a forografia € para mim, de algum modo, o lugar Is Juizo Universal ela representa o mundo assint como aparece no ilkimo dia, 1 Dia da Célera, Certamente néo é uma questio de tema; néo quero dizer as forografias que amo sio as que tepresentam algo grave, sério ou mesmo tnjyieo. Nios a foro pode mostrar um rosto, um abjero, um acontecimento ualquet. £0 caso de um fordgrafo como Dondero, que, assim como Robert spa, sempre se manteve fel a0 jornalismo ativo € muitas vezes praticou o que + poderia denominar a flénerie (ou o “andar & deriva") fotogréftea: passeia-se om meta e se forografa tudo 0 que aparece, Mas “o que aparece” —o rosto de sluas mulheres que passam de bicicleta na Escécia, a vitrina de uma loja em huis ~ € convocado, & citado para comparecer no Dia do Jutzo [Um exemplo mostra com absoluta lareza que isso € verdade desde o inicio «ls histdria da forogeafia. Cercamente &conhecido o célebre daguerrestipo da Jouleoard du Temple, considerado a primeita fotografia em que aparece wma figura humana. A chapa de prata representa o bowevard du Temple fotografado por Daguerre da jancla do sea estédio, em hordrio de pico. O houleuard deve- ria estar cheto de gente e de carrogas ¢, contudo, porque os aparelhos da époce necesstavam de um tempo de exposicio muito Longo, nZo se vé absolutamen- te nada de toda ests massa em movimento. Nada, a nfo ser uma pequena silhueta preta sobre a calgada, embaixo ¢ & esquerda na foto, Trata-se de um hhomem que se fia engraxar as bots e que, por iss ficou imével bastante tem- po, com a perna mal e mal erguida para apoiar 0 pé sobrea caixa do engrexate a Fu ndo conseguiria fantasiar uma irmagem mais adequada do Juizo Univer sal. A multidio dos humanos ~ als, a humanidade inteira ~ esté presente, mas nio se ve, pois 0 juizo refere-se a urna s6 pessoa, a umasé vida: exatamente Aquela, e nfo a outra, Ede que mancita aquela vida, aquela pessoa, foi colhida, apreendida, imortalizada pelo anjo-do Ultima Dia— que é também o anjo da fotografia? No gesto mais banal e ondinirio, no gesto de fazer-se engraxar os sapatos! No instante supremo, 0 homem, cada homem, fica entregue para sem- prea seu gesto mais infimo e cotidiano, No entanto, gragas objetiva forogr- fica, © gesto agora aparece carregado com o peso de uma vida intcira; aquela aitude irrelevante, até mesmo boba, compendia ¢ resume em si 0 sentido de toda uma existéncla Acredito que haja uma relagio secreta entre gesto e forografia. © poder do sgesto de condensar e convocar ordens inteiras de poténcias angélicas consti se na objetiva fotogeifica, ¢ encontra na fotografia seu focus, sua hora tépica. (Cera vez, Benjamin escreveu, a propésito de Julien Green, que ele representa seus personagens em um gesto carregado de destino, que os fixa na ierevo~ sabilidade de um além infernal. Creio que o inferno, que aqui esti em jogo, seja um inferno pagio,e no crstéo, No Hades, as sombras dos mortos repetem. av infinite © mesmo gesto: Isiéo far sua rods giras, as Danaides procuram inucilmente carregar égua em um cone furado, Néo se tata, porém, de uma ppunigéo} as sombras pagis nfo sio dos condensdos. A eterna repetisio éaqui a chave secreta de uma apoketatass, da infinita recapizulagio de uma existéncia. essa natureza escatoligica do gesto que o bom fotégrafo sabe colher, sem, porém, diminuie em nada a historicidade ea singularidade do evento forogra- fado. Penso nas correspondéncias de guerra de Dondero ¢ de Capa, ou na Fotoptafla de Beilin oriental drada do teto du Aeieyag uu dis antes da queda do muro. Ou em uma fotografia comoaquela, justamente famosa, dos autores do nowvean roman, de Sarraute & Beckett, de Simon a Robbe-Grile, tiada por Dondero em 1959, dante da sede das Editions de Minuit. Todas essas fotos contém um inconfundivel indiio histérico, uma data inesquecivel e, contudo, gragas a0 poder especial do gesto, cl indicio remete agora 2 outro ‘tempo, mais atual ¢ mais urgente do que qualquer tempo cronolégico. B Ti, pon 1 Fotografias que amo, que nie gostaria de , omc aspee ilemviar de modo algum. Tratase de uma exigéncia: » sujeito forografado exi 1 alo de nds. Prezo especialmente 0 concsita de exigencia, que no deve ser volundido com uma necessidade factual. Mesmo que a pessoa foragrafada hhoje completamente esquecida, mesmo que seu nome fosse apagado para ‘pte da meméria dos homens, mesmo assim, apesar disso — ou melhor, Jsstoumente por isso — aquela pessoa, aquele rosto exigem o seu nome, exi- ot jue no sejam esquecides. Honjamin devia ter em mente algo parecldo quando, a propésito das foro- sls le Cameron Hl, esereve que a imagem da vendedota de peixes exige 0 swine ea mulher que, durante algum tempo, estava viva. E calves seja porque ‘oon conseguiam suportar essa muda apéstrofe que, diante dos primeitos “Iayuerteétipos os espectadores deviam desviar o olka ese sentiam, pot sua sv olhadas pelas pessoas cettatadas, (No estidio onde trabalho, sobre um ive a0 lado da escrivaninha, esté a fotografia — aliés, bastante conhecida — ‘rosto de uma menina brasileira que parece fixat-me severamente, ¢ sei com shvolata cereeza que €¢ seré ela a julgar-me, tanto hoje como no iltimo dia.) Dondero manifestou uma ver cera distancia em relagéo a Cartier-Bresson Sebastid Salgado, dois fordgrafos que, néo obstante, admira, No primeira, & excesso de construgéo geométrca; no segundo, excesso de perfigio ext &. Ope a ambos sua concepsio do rosto humano como uma histétia a con- ‘ur ou uma geografia a explorar, Na mesma perspectiva, também penso que a ‘xigencia que nos interpela pelas forografias nada tem de estético, Trata-se, snes, de uma exigéncia de redengio. A imagem forogréfica é sempre mais que vuma imagem: €o lugar de um descarte, de um fragmento sublime entre sensivel co inteligive, entre a cépia ea realidaele, entre a lembranga e a esperanga A respeito da ressurteigio da came, os cedlogos cristios se perguntavam, sem conseguir encontrar respostasatsfiréria, se 0 corpo iri ressuscitar na condi- ‘io em que se encontrava no momento da morte (quem sabe velho, calvo € sem uma pera) ou na integridade da juventude. Origenes abreviou tas dis- cussGes sem fim afitmando gue néo serd 0 corpo que ied resuscitar, mas sua figura, seu eidos. A fotografia, nesse sentido, é uma profecia do corpo glorioso, » Wa por todos os Sabe-se que Proust tinha obsessio pela fotografia ¢ proce icios ter as focos das pessoas qui amava e admirava, Um dos rapazes por quem estava apaixonado quando tinha 22 anos, Bdgar Auber, dew-the de pre- sente, a parti de seu insistente pediido, 0 proprio retrato, No verso da fotogea- fia, esereven & guisa de dedicatéria: Look at my face: my name is Might Have Been; am also called No More, Too Late, Farewell (Olhe pata meu rosto: meu some é Poderia Ter Sido; me chamo também Nao Mais, Tarde Demais, Adeus). A dedicatéria certamente pretensiosa, mas expressa perfeitamente a exigéncia que anima todas as foros ¢ capta o real que esti sempre no ato deze perder para romné-lo novamente possvel. De tudo isso, a forogeafia exige que nos recordemos; as foros so testemuc inhos de todos esses nomes perdidos, semelhantes ao livro da vida que o novo anjo apocaliptico ~o anjo da fotografia ~ tem entre as mios no final dos dias, ou seja, todos os dias. OS AJUDANTES los womances de Kafka, deparamo-nos com eriaturas que se definem como sjusantes” (Gebifen). Mas parecem ineapazes de proporcionar ajuda. Nao niendem de nada, néo tém “aparelhos”, 38 conseguem aprontar bobagens © vuniidades, so “molestas , As vezes, até “descaradas”e “luxuriosa”, Quanto 1 aspeeto, so to semelhantes que se distinguem apenas pelo nome (Artur, vias), assemelhando-se entre si ‘como serpentes”. Contudo, sio observa- lores atentos, “égeis,"soltos";tém olhos cintilantes¢, contrastando com seus ‘wodlos pueris, ostos que parecem de adultos, “de estudantes, quase”, e barbas Jnygise abundantes. Alguém —néo se sabe direito quem—os confiou pars nds, ‘sso ¢ fel livrar-se deles. Em suma, “nao sabemos quem sia"; talver sejam vwviados” do inimigo (o que explicaria por que insistem em ficar& esprcita e ae), Mesmo assim, assemelham-seaanjos, a mensageiros que desconhecem ‘conteiido das eattas que deve entregat, mas cujo sorrso, cujaolhar cujo ‘odo de caminhar "parecem uma mensagem”. ‘Cada um de nés conheceu tais criaturas que Benjamin define como “cre- rusculares” e incomplecas, parecidas com os gandharva das sages indianas, vuctade génios celestes, metade deménios. "Nenhuuma tem lugar fixo,feigdes Iaras e inconfundiveis: nenhuma que née. pareca prestes 4 subir ou a eaie; vvenhuma que no se confunda com seu inimigo ou com seu vizinho; nenhu- va que no tenha completado sua idade € que, no entanto, néo seja ainda imacura; nenhuma que estja profundamente exausta, ¢, contudo, ainda no inicio de uma longa viagem.” Mais inteligences e mais dotadas do que nossos ‘outros amigos, sempre absortos em imaginagBes ¢ projetos para os quiais pare- «em dispor de todas as qualidades, nfo conseguem, porém, concluir nada, © 3 ficam geralmente sem o que fazer. Encarnam tipo do etemno estudante e do “engoladar”, que envelhece mal e que, no final, mesmo de mau grado, deve- mos deivar para ces, Contudo, nelas hd algo, um gesto inconcluido, uma gra- «2 inesperada, um certo desearamento matemético nos juizos € nos gostos, uma agilidade aérea dos membros e das palavras, que testemunha seu pertencimento a um mundo complementar, que remete @ uma cidedania per- ida ou a um lugar inviolével. Ue ajuda, nese sentido, se the deram, embora rio a consigamos identifica. Talvez consistisse precisamente no fato de nfo screm ajudiveis, cm sou obscinado “para nés nfo hé nada e fazer") mae, preci samente por isso, sabemos a0 final das contas que de algum modo as traimos, “Talver seja porque a crianga & um ser incompleto que a literatura para a infincia est plena de ajudantes,seresparalelos ¢ aproximatives, pequenos de- mais ou grandes demais, gnomes, larvas, gigantes bons, génios e fadas capri- chosas, grilos ou caracdis flantes, burrinhos que fizem dinheiro [eiuchini cacadenarl e outeas pequenas craturas encantadas que, no momento do pet go, surgem ‘por milagre para libertar do embarago a boa princesinha ou Joao Sem Medo. Séo os personagens que 0 narrador esquece no final da histéria, quando os prosagonistas vive felizese contentes até a0 final de seus dias; mas deles, dessa “gentalha” inclasificdvel 3 qual, no fundo, devem eudo, ji nfo se sabe nada. No entanto, tentem perguncar a Préspero, quando demitiu todos os seus encantas e retornou, com os outros seres humanos, a seu ducada, o que é vida sem Ariel Exemplo perfeico deajudante é Pinéquio, o boneco maravilhoso que Gepeto quis fabricar para si fim de fazer uma volta ao mundo com ele, € com isso ganhar “um pedaco de pio e um copo de vinho”. Nem morto nem vivo, mets- de golem e metade rob, sempre pronto a ceder a todas as tentagées ea prome- ter, loge depais, que ‘a parti de hoje sersi hom”, esse arqsiétipn eterna da setiedade e da graga do inumano, na primeira versio do romance, antes que 20 autor viesse em mence acrescentar um final edificance, num determinade mo- mento “estira os pés” € morre do modo mais vergonhoso, mas sem se tornar uum rapsz. Ajudante é também Pavio, com “rua figurinha seca e espigada, que lembrava um pavio novo de lamparina”, que anuncia 20s companhiitos o pals das maravilhas ¢ morte de rir quando se dé conta que Ihe cresceram orclhas de 2 Jun. Da mesma indole sio também os “assizences” de Walser, inveparivel ‘cimosamente preocupados em olaborar com una obra totalmente spel, rout oti dizer inqualificvel. Se estuclam — e parece que estudam muito =, | cor-no pata tirar'um zero bem redondo, E porque motivo deveriam colabo- ‘uy vom @ que © mundo considera sério, quando na verdade néo passa de Ivan ura? Preferem passear. E se, caminhando, encontearem um cio ou outro \ vivo, cochicham: “ndo tenho nada para te dar, querido animal; de bom youn © daria, seo tives, A nfo ser que, so fra, se deitem sobre um prado ur amagamente sua “cenipida existéoeia d= ranhentus, Limbém entre as coisas aparecem ajudantes. Todos conservamos certos [nto indteis, meeade lembranga ¢ merade talisma, de que nos envergonha- ‘as tm pouco, mas aos quais nfo gostarfamos de renunciar por nada neste vnnulo, Tratacse as venes de um velho brinquedo que sobreviveu aos estragos ‘iuntis, de uma eaixinha de estudante que guarda um cheico perdido ou de vin camiseta apertada que conservames, sem motivo, na gaveta das camisas lc homem". Devia ser algo assim, para Kane, © pequeno trené Rosebud. Ou, + seus perseguidores o falco maltés que, no fina, revela-se feito da “mes- ons matéria de que so feitos os sonhos’. Ou © motorzinho de motacicleta ‘vansformado em batedeira, de que fila Sohn-Rethel em sua estupenda descri- w de Nipoles. Onde vio acabar tais ebjetos-ajudantes,testemunhos de um vlen nio-confessado? Porventura nfo existe para eles um armazém, uma arca 1m que sejam recolhidos para a etemnidade, como acontece com a genizah em ne 08 hebreus conservam os velhos livos ilegiveis, porque mesmo assim po- levia estar escrito 0 nome de Deus? © capitulo 366 das Iluminardes da Meca, 2 obsra-prima do grande sufi Ibn- Avsbi, & dedieade ane “ajudantes dos Messias”, Keene aj lancer (wane, plarsl le wazir; & 0 vitir que encontramos tantas vezes nas Mil ¢ uma nits) sio homens que, no tempo profano, jd possuem as caracteristicas do tempo ‘messitnico, pertencem ji a0 iltimo dia. Curiosamente — e talver exatamente ‘por iso —, eles foram escalhidos entre os ndo-drabes,sS0 estrangeiros entre os ivabes, embora falem sua lingua, O Mahdi, messias que ver no final dos tem- pos, precisa de seus ajudantes, que de algum modo sio seus guias, embora x 1 simples personificagses das qualidades ou “estaghes" de sua pripria sabedoria, “O Mahdi toma suas decisSes e pronuncia seus juizos s6 depois de se consultar com eles, pois sio os verdadeiros conhecedores do que existe na realidade divina.” Grasas a seus ajudantes, 0 Mahdi pode compreen- der » lingua dos animais estender sua justiga tanto aos homens como aos jinn, Uma qualidade dos ajudantes € a de serem “tradutores” (onutarjin) da lingua de Deus pata lingua dos homens. Segundo Ibn-Arabi, toda 0 mundo nada mais 6 que uma tradugio da lingua divina, e os ajudantes, nesse sentido, sio 0s realizadores de wins weofuitia imtermingvel, de ama revelagéo continus. (Oucra qualidade dos ajudantes éa “visio penetrante”, com a qual eles teconhe- cem 05 “homens do invisive!”, ou seja, anjos outros mensageitos que se es- condem em formas humanas ou animais. ‘Mas como se conseguem identficar os ajudantes, os tradutores? Sendo es- trangeiros, escondendo-re assim entre os fidis, quem terd a visto para distin gui os visiondrios? ina ériatura intermedia entre os wnzara © os ajudantes de Kafka é 0 ue lino da vida torts” nao é apenas a cifta do dessjcitamento purl, do €apenas ‘ espertinho que rouba 0 copo de quem quer beber ¢a oracio de quem quer rezat Pelo contritio, quem olba para ele “perde a capacidade de prestaraten- ando corcunda que Benjamin evoca em suas recordagées infantis. Esse a0", Em si mesmo e no anio, O corcunda €0 representante do esquecido, que se apresenta pata exigit em qualquer coisa parte do esquecimento, E tal parte tem a ver com o fim dos tempos, assim como a distragio néo & mais que uma antecipagio da redengio. Os defeitos fisicos, a coreunda, as grosserias sio a forma que as coisas assumem no eaquecimento, O que sempre jéesquecemos & «© Reina, nds que vivemos “como se nfo fbssemos Reino". Mas quando o mes- siaa vier, 0 orto coonar eed direito, © embarago, decenvoltura, ¢ 0 esqueci- mento se lembrari desi mesmo, Pois, foi dito, “para cles e seus semelhantes, os incompletos ¢ os ineptos, nos & dada a esperang: ‘A idéia de que o Reino esteja presente no tempo profane em formas miopes « distorcidas, de que os elementos do estado final se escondam precisamence ‘no que hoje aparece como infame eescamnecido, de que, em suma, a vergonha u ‘cha a ver seeretamente coma glétia, é um tema messiinico profundo, Tudo ‘ye agora nos aparece envilecido e de povco wlor é fangs que deveremos 1 sjitarno tleime dia, e quem nos guia par a slvagio € precisamente © com- yvunhciro que se perdew pelo caminho, E seu msto que reconheceremos no ‘uj ie toca a trombera ou em quem, distcatde, deixar eair das mio o livia |v vila. A eéstia de luz que nasee em nossosdefeKos e nossas pequenas bsixeras viv ot senio a redengio. Ajudantes, nese sentido, foram também 0 mau unpanbeiro de escola que nos passou porbaixo da carteira as primeira foto- ols pornogeiBeas ou @ aSrdide quactinho onde alguge nos mosecou pola iia vera sua nude, Os ajudantes so nosses desjos instisfeitos, aqucles mio confessamos sequer a nds mesmos, que no dia do juizo viréo a nosso vwonteo soetindo como Artur e Jeremias. Naquele dia, alguém descontari vwsis rubores como letras de cimbio para o paraiso. Reinar nao significa iolizer, Signifiea que o insatisfeito é 6 que permanece. (© ajudante € figura daquilo que se perde, ou melhor, da relagéo com 0 Jronlido, Esta se rere a tudo que, na vida coletiva e na vida individual, acaba slo esquecide em todo instante, & massa intermindvel do que acaba ierevo- yvvelmente perdido, Em cada instante, a medida de esquecimento ede tuina, perdicio ontolégico que trazemos em nés mesmos exeedem em grande «lida a piedade de nossaslembrangase a nossa consciéncia. Mas esse ios ‘nlorme do esquecido, que nos acompanha como um golem silencioso, nio & ‘norte nem ineficaz, mas, pelo contrério, age em nds com forga nfo inferior 3 lus lembrangas conscientes, mesmo que de forma diferente, Hi uma forga ¢ ase uma apdstrofe do esquecido, que nfo podem ser medidas ern rermos de ‘nseiéneia, nem aeumuladas como um patrimdnio, mas cuja insisténcta deter- vwinaa importincia de todo saber e de toda conscigncia. O que o perdido exige sa ser lambada ou satsfeto, mas continuar presente em née como esque ilo, como perdido ¢, unicamente por isso, como inesquectvel, Em tudo isso, vajudante € decasa, Blesoletra 0 texto do ineguectvel eo traduz para lingua slos surdos-mudas. Disso nasce sua obstinadagesticulagio, disso provém o seu impassivel semblante de mimico, Diss, também, sua itremedidvel ambigii- lade, Isso porque do inesquecivel s6 é possivela parédia O lugar do canto esté varia, Ao lado ¢ a0 redor atarefam-se os ajuchntes, que preparam o Reino. as “Angela custae ro da guard, de tra da Cortona, tela de 1656. ‘Gallerie Nazionale Are Antica, Roma PARODIA Von A ithe de Arturo, Elsa Morante excondeu uma meditagio sobre a parédia ue contém verossimilmente também uma indicagio decsiva sobse a pedptia poética. © teemo “Parsi” (com inicial maiiscula) aparece no livro improve sudamente como epiteto, que parece injurioso, do personagem provavelmen- ve central do romance, Wilhelm Gerace, idolo e pai de Arturo, a vox que ‘narra, Ele, a0 ouvir pela primeira ver a palavea (ou melhor, a0 traduzicla da linguagem secreta de assobios que ele acreditava ser o vinico a compartilhae ‘om @ pal), no consegue entender bem seu significado ¢ a repete mental- mente para nio a esquecer. Tendo voltado para casa, consulta um dicionétio & wbcém a seguinte resposta: “Imitagéo do verso de outrem, na qual 0 que em ‘outro & sério passa a ser ridicule, ou cdmico, ou grotesco” A inteusio dessa definigéo tipica de manual de retérica em texto liverrio nto pode ser casual. Ainda mais que 0 termo volta a aparecer pouco antes do Final do romance no episédio que contém a revelacio derradeira, que levari 4 separagio do pai, da ilha e da infincia, Tal revelagao die: Panédia!”. Bssa_ver, Arturo, lembrando a definigéo do dicionério, procura cm vio na Figura magra e graciosa do pai os aspectos cémicos ou grotescos «qu Teu pai é uma ceriam podide justifcar 0 epftcto, Mesmo quc compreenda, logo ci scguida, \que 0 pai esté enamorado do homem que o insultou. O nome de um género licerdrio &, nesse caso, a cifta de uma inversio que no tem a ver com a trans- posigio do sétio para o cbmica, mas com o objeto do deseo. Pela mesma poder-se-ia afitmar, porém, que a homossexualidade do personagem & a cifia do seu néo-ser outta coisa que 0 simbolo do géneto literitio do qual a vor que narra (que é obviamente, também a vor do autor) esti enamorada, Se- 37 gundo uma incengio alepérica especial, de que nio & dificil encontrar proce dentes nos textos medievais, mas qui & quase dinica em romance moderna, isa Morante transformou um género liter: de seu livro, Nessa perspectiva, A idha de Arturo aparece como a histéria do desesperado amor infantil da autora por um objeto literdtio que no inicio aparece muito sério © quase lendirio, revelando-se, no final, acessivel apenas cem forma parédica ~4 paridia ~ no protagonists AA definigao da paréia no dicionario consultado por Arturo é relauwamen- te moderna. Provém de uma tradigio retérica que encontra sua consolidagio exemplar no final do século XVI, em Sealigero, que dedics & parédia um eapi- tuo inteito de sua Pottic. A definigio que aise Ié transformou-se em modelo no qual se inspirou por séculos o tracamento do assunto: “Assim como a Sétira driva da Tragédia © 0 Mimo da Comédia, a Pardia deriva da Rapsédia. Aliés, quando os rapsodos intertompiam sua recitagio, entravam em cena os quc, por amor do jogo e para reanimar os ouvintes, invertiam tudo 0 que havia acontecido antes... Por iso, chamaram tais eantos de paroidous, pois a0 lado © para além do assunto sétio inseriam outras coisas ridiculas. A Purédia &, por- tanto, uma Rapsédia invertida, que transpée 0 sentido para o ridiculo, trocan- do as palavras. Era algo semelhante & Episrhema e& Parébase’ Scaligero era uma das inceligéncias mais agudes de seu tempo, e sua defini- ‘s40 contém elementos como @ referéncia & recitacéo dos poetas hométicos (a rapsédia) ¢ & pardbase cémica, sobre © que teremos oportunidade de voltar a falar, De qualquer modo, ficam marcadas as duas caracteristicas candnicas da parddia:a dependéncia de um modelo preexistente, que de sérioé transforma do em cbmico, ¢ a conservagio de clementos formais em que sio inseridos contetidos novos e incongeuentes. A passagem disso para as definigées dos manuals modemos ¢ breve, devivando dal wquela que leva Astute a pensir muito. As parédias sacras medievais, como as misiae poratorum e a Coena Gpriani, que introdurem contetidos grossciros na liturgia da missa ou no tex to da Biblia, constituem, nesse sentido, um exemplo perfeito de patsdia. © mundo clissico conhecia, porém, outra ~ ¢ mais antiga — acepeio do. termo “parddia", remetendo-o 4 esfera da técnica musical, Ela indica uma se- 38 pparagio entre canto e palavra, entre melos & logos: Na miisica grega, de fio, vviginalmente a melodia tinha que cortesponder 20 ritmo da palavta, Quan- slo, na reeieagio dos poemas hométicos, tal nexo acaba desfeito © os rapsodos ‘omegam a introduzie melodias que sio percebidas como discordantes, diz-se «que les cantam pana ten aden, contra o canto (ou a0 lado do canto). Aristételes informa-nos que o primeito a introduair nesse sentido a parédia na rapsédia {oi Fegemone de Tasos, Sabemos que seu modo de recitar provocavarisadas jimofredveis nos atenienses. Diz-se do citarista Oinopas que ele introduziu @ atédia na poesia lirica, separando, também nesse caso, a misica da palavra. A separagio entre canto ¢ linguagem aparece completa em Calias, que compée wim canto em que as palavzas cedem o lugar 8 soletragio do ABC (bete aff, era eta ec). Independentemente disso, segundo essa mais antiga acepgéo do termo, a parédia designa a rupcura do nexo “natural” entre a misica e a linguagem, a dlissolugéo do canto pela palavra. Ou entio, pelo contritio, da palavra pelo canto, E, de fato, 0 afrouxamento parsdico dos vineulos cradicionais entre imtisica fogos que torna possvel, com Gergias, © nascimento da prosa de arte. © rompimento do vinculo liberta um part, um espaco ao lado, em que se instala a prosa. Mas isso significa que a prosaliverdvia traz em si o sinal da separagio do canto. O “eanto obscuro” que, segundo Cicero, se ouve no dis- curso em prosa (est autem etiam in dicende quidem cantus obrcurior) & nesse sentido, um lamento pela mtsica perdida, pelo desaparecimento do lugar na- tural do canto. Certamente no € novidade dizer que a chave estilistica do universo de Morante & a parédia. A esse propésit, filou-se de “parédia sé © conceito de “parédia séria” &, obviamente, contraditério, no porque a parddia nao seja coisa séris (pelo contrério; As vezes € serfssima), mas porque rio pode pretender ident jcar-se com a obra patodiada, nio pode renegar © fato de se situar necessariamente ao lado do canto (part-oiden) e de no ver um lugar préprio. Séios, porém, podem ser os motivos que levaram o parodiante a renunciar a uma representagio direta de seu objeto. Para Morante, eles io no apenas evidentes, mas também substanciais: 0 objeto que cla deveria des- crever~a vida inocente, a saber, fora da histéria—é rigorosamente inenatrivel, 3 Acxplicagio prevoce dada por Els, tomando-a emprestada do mito hebraico- cristio, em um fragmento de 1950, &definitiva para sua poctiea: © homem foi expulbordlesfldery) pends ireullagan prdpitccaettl fab) ua womyeriil tice animais, dentro de uma histéria que nio Ihe pettence. © proprio objeto da narragéo é,nesse sentido, "parddico”, ou soja, esti fora de lugar, e ao esertor sobra apenas repetir e mimara sua parédia intima. E dado que quer evocar 0 inenarrivel, deverd necessariamente recorrer a meios pueris , confotme sugere ‘autora no final do livro, em um raro momento em que rouba a vor de Arturo, 4 “vicios romancescos”. Alii, Elsa ¢ obrigada a contar com leitores sem mali- «ia, capazes de suprie 0 insuportivel caréterestercotipado e parédico de mui- tos de seus personagens que, como Useppe eo proprio Arturo, parecem saidos de um livzo lustrado para ainFincia, metade Comoe metade A itha do tesou- 170, metade fibula e metade mistério, Na literatura, é um teorema bvio, para Elsa, que a vida pode ser apresen- tada unicamente como um mistério (“Assim, portato, a vida continuow um mistério” ~ constata Arturo antes da iiltima despedida). Sabemos que, nos 1mistétos pagios, os iniciadosassistiam a ages ceatras em que apareciam brin- quedo: pies, jogo das panels debarso’, expelhinhos (ouerilia lira — diver- timentos pueris~, define-os um malévoloinformante) £ Gil refltr sobre os aspectos puetis de qualquer mistério, sobre a fatima solidariedade que o liga 8 parédia. A respeito do mistéro #5 pode se dat pars: qualquer outratentat- va de evociclo descamba para o mau gosto e para. a pssionalidade, Parddica é, esse sentido, a representagéo por exceléncia do mistésio moderno: a liturgia dla missa. Testemunham-no as numerosas paris sacras medievas, nas quais falta de cal mancira qualquer intengio profanaséra, que foram conservadas pela mio devora dos monges. Frente a0 mi acabar em cativatas io, a criago artistica 96 pode ny acutidy etm que Nietzsche, no hicido limiar da loucu- ra, escrevia para Burckhardt: “Sou Deus, iz essa caticaturas preferitia ser pro- fessor em Basiléia em vez de ser Deus, mas nio consigo levartéo Jonge meu * No original, pga. Jogo que consiste em penducar em eordas presas a sm poste, © cima da alrura da cabera,algumas panelas de barr (pignat.), que os jogadores, dlecolhos vendades, procuram romper com um bast. (N.T) 0 e E. por uma espécie de probidade que o artista, sentindo que nio pode levar seu egoismo a ponto de querer representar 0 inenarrivel, assume a pasddia como a forma prdpria do mistésio. ‘A instituigéo da parédia como forma do mistério talver defina 0 mais ex- svemo dos contratextos parédicos da Idade Média, que transforma na mais losonfieada escatologia « aura mistériea que se situa no centro da intengéo vwalheiresca, Trata-se de Audigier, pequeno poema em francés antigo, com yponto por volta do Gnal do sévulo tte conservado em um tinlco manuscrit. | genealogia e a inteira existéncia do anti-heréi que é seu protagonista esto inseritas desde o inicio em uma constelagio decididamente cloacal. Seu pai, Turgibus, & senor de Cocuce, “um pais mole! onde o pessoal estk na merda «iGo peseogo.! Por um riacho de esgoto cheguei a nadot/ nunca pude saic por ‘outro buraco”. Desse nobre senor, de quem Audigier se apresenta como dig- no berdeiro, sabemos que “quando defecou a ponto de encher 0 capuaf enfia ‘osdedos na merda, e depois os chupa’. O verdadeiro nicleo parédico do poe- ina reside, porém, na simulagio do cerimonial da investidura cavalheizesc, ‘que se realiza em uma esterqueia e, sobretudo, nos repetidos combates com a «nnigmatica velha Grinberge, que acabam inevitavelmente em uma espécie de burlesco sacramentirio escatolégico, e que Audigier suporta como “verdadeiro rentil-homer Grinberge a decouvert et eul et con tor le vis lkere.aestapon: dds cul li ebiet la merde a grant foison. Quans Audigier se sit sor un fumierenvers, et Grinberge sor lui qui Ui froie les ners. 4 foi fot batsier som eu ain qui fast tes. (Grinberge pds a nu bunda e vulva sobre o resto se the enroscous dda banda sin merda em profi. Conde Audigier etd deitado numa exrumeins sobre ele Grinberg, que the exfregs 0° tendées duas veces the teve que beijar a bunda antes que ficaselimpa..) 4“ Aqui nie se tanto, como foi sugerido, de uma regressio uterina ou de ‘uma prova inicidtiea, de que se podem vislumbrar precedences no folelore, sim, sobretud, de uma inverséo audaz do que esté em jogo na guéte caval +escae, ainda mais, do abjeco do amor cortés que, a partir da esfera prestgioss do sagrado, é reconduzida bruseamente para a profana da estrumeira. Alés, € posstvel, dessa mancira, que o desconhecido autor do pequeno poema apenas cexplicite cruamente uma intengio parédiea jé presente na literatura cavalhei- resca e na poesia amorosa: confundit ¢ tornar duravelmente indiscernivel 0 tumbral que vepara o sugrado e o profano, o amor ea sexualidade, o sublime e © infimo, A dedicatéria poética na abercura de A itha de Arturo estabelece uma cortes- pondéncia entre a “ithota celeste", que é 0 lugar do romance (a infancia?), 0 limbo. A correspondéncia traz, porée, um eodicilo amargo, que rera assim: ‘fora de limbo no bd elisio, & amargo porque implica que. felicidad 96 pode cexistir de forma parédica (como limbo, € nfo como clisio ~ outra vee uma troca de lugar). A leitura dos tratados teolégicos sobre o limbo mostra, sem sombra de vida, que os padres concebem o “primeico eitculo” como uma parédia conjunta do paraiso e do inferno, quer da bem-aventuranga, quer da eonde- nagio. Do paraiso, enquanto hospeda criaturas — eriangas mortas antes do batismo ou pagios justos que néo puderam conhecé-lo ~ que si inacentes, ‘como os bem-aventurados, e, mesmo assim, trazem em si a mancha original 0 elemento mais itonicamente parSdico tem a ver, porém, com o inferno. Segundo os teélogos, a punigéo dos habitantes do limbo nto pode ser uma, pena aflitiva, como a dos condenados, mas unicamente uma pena privativa, ‘que consiste na perpétua earéncia da visio de Deus. Sé que, a diferenga dos ‘condensdoo, cles nko sencem dor com essa cartncis, o que constiul a primelia ‘entre as penas infernais. Por desfrutarem apenas do conhecimento natural «nto do sobrenatural, que deriva do batismo, a falta do bem supremo no Ihes causa 6 menor pesar. Assim, as criaturas do limbo transmutaim a pen maior em alegria natural, e essa é certamente uma forma extrema e especial de parddia. Disso, porém, tamhém nasce o véu de tristeza que, “como uma. coisa cinzenta", cobre, 20s olhos de Morante tha inviolada, A “casa dos tapa- 2 ves", que evocs com seu proprio nome o limba infantil, txz-em si, com a me dria dos festins homossexuais da regiéo amalfitana, uma parédia da inocéncia, Em um sentido particular, toda a teadigéo da liveratura italiana eai sob © signo da parédia, Gorni mostrou como a parédia (também aqui de forma ria) & elemento essencial do estilo dantesco, que procura produair um duplo, ve dignidade quase igual & das passagens da Sagrada Eseritura que reproduz. Mas a presenga de uma insténcia parédica na literatura italiana é ainda mais ncima, Todos os poetas estto apatxonados por sua lingua. Mas, em gera, algo se tevela a eles por meio da lingua algo que os rapta e os ecupa inteiramente: » divino, 0 amor, o bem, a cidade, a natureza.. Com os poetas italianos ~ pelo ‘menos a partir de determinado momento ~ vetifica-se um fato singular: eles estio apaixonados apenas por sua lingua, ¢ esta thes revel unicamente a si mesma, E isso € causa — ou, talven, conseqiigneia ~ de outro fato singular, a saber, que os poetasitalianos odeiam sua lingua na mesma medida cm que a mam. Por isso, no caso deles, a parédia nfo funciona apenas inserindo eon- teiidos mais ou menos cbmicos dentro de formas séias, mas parodiando, por assim dizer, a prépra lingua. Fla introduz (ou, 0 que é 0 mesmo, descobre) na lingua (, portanto, no amor) uma ciséo. O obstinado bilingitismo da euleara lierdvia italiana (latimfvalgar e, mais tarde, com o declinio progressivo do lacim, lingua mortalingua viva, lingua literiria/dialeto) tem, nesse sentido, certamente uma fungéo parédica. De um modo poeticamente canstitutivo, como aparece, em Dante, a oposigéo gramética/lingua materna; em formas clegiacas © pedantes, como ocorre na Hyprerotomachie, ou desbocadas, como «in Bolengo. © essencial, em qualquer caso, reside no fato de ser possivel ins- taurar na lingua uma tensio ¢ um desnivel, sobre o qual a parddia instala sua central elétrica, facil mostrar os suecssos dessa tensio sna lteratuia dl a€cala XX. A pard- dia nfo 6, nesse caso, um género literdrio, mas a propria estrutura do meio lingiistico no qual a literatura se expressa. Ao lado de escritores que promo- * A Seasa dos rapazes", casa de? guaglioni ex dialeto napolitano, & 0 lugar em que ‘mora o protagonist do romanee de Morante, © nome, dado pelo antigo proprie~ trio, lembea que na casa era proibido o ingresso de mulheres. (NT) a ver 0 duslismo como uma espécie de “discordincia” interna & lingua (Gada ‘© Manganelli),héescritores que, em verso ou em prosa, celebram parodicamente © no-lugar do canta (Pascoli ¢, de mancira diferente, Elsa Morante e Landolti. Obvio é, edo canto), J toda mancirs, que se cante—e se fale ~somente ao lade (da lingua Se, para a parédia, & essencial o pressuposto da inacingibilidade de seu ob- jeto, entio a poesia trovadoresca e estlo-novista contém uma inegavel incen- fo parddica, Isso explica 0 carter 20 mesmo tempo complicado e pueril do seu cerimonial, Limor de lonh € uma parédia que garantea inaproximabilidade em relagéo aquilo com que se pretende unir. Isso é verdade também no plano lingiistico. Preciosismo méttico ¢ trobar elusinstauram na lingua desniveis & polaridades que transformam a significagéo em um campo de tensbes destina- das continuarem insatisfetas ‘Mas tenses polares reaparecem também no plano exético, Desde sempre, causa espanto,a presenga de uma pulsio obscena e buslesca, ao lado da mais refinada espiritualidade, freqlientemente convivendo na mesma pessoa (caso exemplar é Amaut, cuja sirvente obscena nunea deixou de apresentar difieul- dades para os estudiosos). © poeta, absessivamente ocupado em afsstar 0 ob- jeto de amor, vive em simbiose com um parodista, que inverte poneualmente sua intengéo, [A poesia de amor nasce na modernidade sob o signo ambiguo da parédia. © Cancioneiro de Petearca, que decididamente dé as costas & tradigio trova doresca, con: i.a tentativa de salvar @ poesia no confronto com a parédia. Sua rece € simples eficaz: monolingiismo integral no plano da lingua (la- tim e vulgar sio distanciados até se tornarem incomunicantes, os desnivels métricos sio abolidos); eliminaglo da inaproximabilidade do objero de amor Cobviamence, nao no sentido realista, mas transformand 0 que € inaproximavel em um cadéver—ou melhor, em um espectro). A aura morta é agora o objeto proprio e imparodidvel da poesia. Exit parodia. Incipit literatura’ A parédia removida reaparece, porém em formas patolégicas. Nio € apenas uma coincidéncia irdnica que a primeira biografla de Laura se deva a. um [Em lati: "Sai a paréin, Entra a literatura", (NT) 4 antepassido de Sade, quea insereve na genealogia familiar. Ela anuncia a obra slo Divino Marqués como a revolligio mais implactvel do Cncianeira. \ por nografa, que mantém inatingivel 0 pr «jue se aproxima dele de um jeito incepan de ser olhado, &.a forma escatol6gica cls parédia rio Fantasma no mesmo gesto com, Foi Fortini quem estendeu a Pasolini a formula da “parddia séria” de Morante, Ele aconselha lero itimo Pasolini em intimo didlogo com Morante. Asugestio pode ser ulteriormente desenvelvida, Pasi uialoga com Morante (que nas poesis €ironicamence chamada de Baris), certs altura, nao s6 ‘nas aptesenta a respeito uma parddia mais ou menos consciente, Aliés, tam- Ipém Pasolini havia iniciado com uma parddia lingifstica (as poesias friulanas, ‘uso incongruente do dialeto roman); mas, seguindo as pegadas de Morante © com a passagem para o cinema, ele desloca a parddia para os contetidos, screscendo-the um significado metafisico. Assim como a lingua, também a vida (a analogia no causa surpresa;trata-se justamente da equagio ceolégica ‘ene vida e palavra que marca profundamente o universo cristo) traz consigo uma esto. O poeta pode viver “sem os confortos da religiio”, mas néo sem os «la parddia. Ao culto morantiano de Saba, corresponderd assim 0 culto de Penna, a “longa celebragio morantiana da vitaidade”, a crilogia da vida. Aos meninos angelicais que devem salvar 0 mundo corresponde a santificagio de Ninetto. Em ambos os casos, como fundamento da parédia hé algo intepresentavel. E, por fim, também nesse caso a pornografia desponta com uma fungio apocaliptica. Sob tal perspectiva, néo seria ilegitimo ler Salé como uma parédia da Stora’ A parédiatecerelagdes expeciais com a fiesSo, que constieui desde sempre a contra senha da literatura. A opto — de que Morante sabe ser mestea — é sledicada uma das pocsias mais belas de Alibi, que enuncia sinteticamente 0 ‘ald ono 120 dias de Sodema& um filme de Piet Paolo Pasolini (1922-1975), inspi- :ado na obra de Sade, Ze noria 6 um liveo de Elsa Morante (1912-1985), pu do em 1974, que narra a odisséa béiea da [ila e do mundo (1941-1947) por ‘meio da histévia de uma pequena e simples familia romana, (NT) 45 ven 9 duatismo como uma espécie de “discoriincia” interna & Lingua (Gada «eManggnelli, hesertores que, em verso ou em pros, celebram parodicamente © niio-lugar do canco (Pascolie, cde maneira diferente, Elsa Morante e Landolfi. Obvio , detoda mancira, que se cante—es fle ~ somente ao lado (da agua do canto). Se, paraa parédia,é esencial o pressuposto da inatingibilidade de seu ob jeto, entio a poesia trovadoresca ¢ estilo-novista contém uma inegvel inten- so parddica, Isso explica 0 cariter a0 mesmo tempo complicado e pueril do seu cetimonial. Lirmorde lonh éuma paréilia que garante a inaproximabilidade em relagio aguilo com que se pretende unir Isso 6 verdade também no plano lingiistico. Preciosismo méttico ¢ érobar elur instauram na lingua desntveis © polaridades que transformam a significagio em um campo de tenses destina- das a continuarem insatisteicas, Mas tens6es polares reaparecem também no plano etético. Desde sempre, causa espanto, presenga de uma pulsio obscena e burlesca, ao lado da mats tefinada espirtualidade, freqlentemente convivendo ia mesma pessoa (caso ‘exemplar é Arnaut, cujasitvente obscena nunca deixou de apresentardificul- sdades para os estuciosos). O poeta, obsessivamente ocupado em afastar 0 ob- jeto de amor, vive em simbiose com um parodista, que inverte pontualmente sua intenséo. A possia de amor nasce na modernidade sob o signe ambiguo da parédia. ‘© Cancionciro de Petrarca, que decididamente di as costas & tradigéo trova- doresca, constitui a tentativa de salvar a poesia no confionto com a parédia Sua receita€ simples €eficaz; monolingtismo incegel no plano da lingua (la tim e vulgar sio distanciados até se tornarem incomunicantes, os desntveis :étricos sio abolidos); eliminagge da inaproximabilidade do objeto de amor (ebvianente, nfo no sentido reallsta, mas transformando o que € inaproximvel em um cadiver—ou melhor, em um espectro). A aura morta é agora o objeto préptio e imparodivel da poesia, Exit parodia. Incpit literatura ‘A parédia removida reaparece, porém em formas patolégicas, Nao € apenas Juma coincidéncia irénica que a primeira biografia de Laura se deva a um. 7 Bim lati: “Sala parédia, Entea literatura’. (NE) “4 vntepassado de Sade, quea insexeve na genealogia familiar: Ela anuncia a obra «lo Divino Marques como a revolugo mais implacivel do Cancioneiro. A por hnageafla, que mantém inatingivel © préprio fantasma no mesmo gesto com «ives aproxima dele de tum jeito incapas. de set olhsdo, é a forma excatolégica «ls parédia, Foi Fortini quem estendeu a Pasolini a formula da “parédia séria” de Morante, Eleaconselha lero tiltimo Pasolini em intimo dislogo com Morante, ‘Asugesdo pode ser ulterlormente desenvolvida. Pasolint, a cert altura, nao s6 slialogt com Morante (que nas poesias ¢ ironicamente chamada de Basilsa), ‘mas apresenta a respeito uma parédia mais ou menos consciente. Ali, cam- thém Pasolini havia iniciado com uma parédia lingistia (as poesis Friulanas, © uso incongeuente do dialeto romano); mas, seguindo as peyadas de Morante com a passagem para o cinema, ele desloca a parédia para os contei acrescendorlhe um significado merafisco. Assim como a lingua, também a vida (a analogia ndo causa surpresa; wata-se justamente da equasio teoligiea cntee vida e palavra que marea profurndamente o universo ct ic) trax consign uma cisfo. © poeta pode viver “sem 3 confortos da religito”, mas nto sem os dla parédia. Ao culto morantiano de Saba, corresponders assim o culto de Venna, & “longa celebragio morantiana da vitaidade”, a tilogia da vida. Aos rmeninos angelieais que devem salvar © mundo corresponde a santificagio de Ninetto. Em ambos os casos, como fundamento da parédia hé algo imepresentivel. B, por fim, também nesse caso a pornografia desponta com ‘uma fangio apocaliptica, Sob tal perspectiva, nio seria ilegtimo ler Salé como uma parddia da. Storia’ ‘A parédia tece rlagées especiais com fiegéo, que constitui desde sempre a contra-senha da literatura, A Regs ~ de que Morante sabe set sestia dedicada uma das poesias mais belas de Alibi, que enuncia sinceticamente 0 Sal ou es 120 dias de Sodamaa &um Ble de Pier Paolo Pasolini (1922-1975), inspi- tado.na obra de Sade. Za storia & um livio de Elsa Morante (1912-1985), publica- do em 1974, que narra a odissta belica da Ilia e do mundo (1941-1947) por meio da histéria de uma pequenae simples fala rorsana. (N.) 45 toma tmusicak “di te fnzione mi cingo, faswa vete.." [de ti, fiegio, Ficus veste..”|. Eé sabido que, para Pasolini, a propria lingua de Morance & pura fegio ("Lk finge que o italiano existe”). Mas, realmente, paréia 6 nio coincide com a ficgéo como constitui 0 seu oposto simétrico. De fato, « parddia no pée em divide, como faz a Rego, a realidade do seu objeco ~ ‘este, lis, é tio insuportavelmente real que se trata, precisamente, de manté-lo A distincia, Ao “como se” da Fecio, a parédia contrapée seu dristco “assim & ddemais” (ou “como se nio"), Por isso, sea ficgo define esséncia da literatura, se pie, pur assim dizes, no limiar dela, obstinadamente estendida a pasta centre realidade e fiegfo, entre a palavra ea coisa. Talver ndo haja lugar melhor para pereeber a afinidade e, ao mesmo tempo, a distincia entre esses dois pélos simétricos de toda eriagio do que na passa- gem de Beatria a Laura, Fazendo com que seu objeto de amor morta, Dante dé certamente um passo além da poesia trovadoresca. Seu gesto, porém, ainda continua parédicos a morte de Beatriz é uma parédia que, separando da eria- ‘tura mortal o nome que o traz,capta sua esséncia beatificante. Tem-se assim a absolura auséneia de luto; em-se, daqui até o final, o triunfo, nio da morte, mas do amor. A morte de Laura & porsua ver, a morte da consisténcia parédica do objeto de amor trovadoresco ¢ estilo-novist, seu tornar-se apenas “aura”, apenas flatus vocis, Nese sentido, os escrtores diferenciam-se, de acordo com sua filiagio a tuma ou outra das duas grandes classes: a parédia e a fiegio, Beatriz © Laura Mas também séo possiveis solugdes intermediitias: parodiar a ficgo (2 voca- 40 de Blsa) ou fingir a parddlia (& 0 gesto de Manganelli e Landolt. Se, continuando a vocagio metafisica da parédi gesto, poderemos dizer que ela pressupte tuma tensio dul no ser. Assim, & cisio parsdica da lingua correeponderd, necetatiamente, ume reduplicagio levarmos a0 extreme seu do ser, ontologia, uma pare-ontologia. Certa vex Jarry definiu a sua prefeti- da, a "patafisica’, como a cigncia daquilo que se acrescenta & metafisica. Na ‘mesma perspectiva, poder-se-d dizer que a parédia é a teoria ~ e a pritica ~ aquilo que esté a0 lado da lingua e do ser ~ ou do ser 20 lado de si meso de todo sere de todo discurso. E assim como, pelo menos pata os modernos, a metaflsica & impossive, « néo ser como a abertura parédica de um expago 20 46 ‘via, assim também a parddia & um terreno conhecidamente impraticivel, uncle viajance se choca continuamente com limites e aposias que néo conse- 1, masa respeito dos quais nem sequer pode encontrar uma saida. ea ontologia éa relagio ~ mais ou menos feliz — entre linguagem e mun- ‘lo, a parsdia, como parscontologia, expressa a impossibilidade da lingua de slcangar a coisa, ¢ da coisa de encontrar seu nome. Seu espago —a literatura ~ 6, portanto, necesséria e teologicamente marcado pelo luto e pelo gesto lc-esckenio (como o da ldgiea é marcado pelo siléncis). Contudo, dessa ma- heirs, ea é testemunha daquela que parece ser a dinica verdade possivel da linguagem. Na sua definigéo da parédia, a cert altura Sealigero menciona a parsbase. Na linguagem técnica da comédia grega, a paribase (ow parekbati) designa o momento em que os atores ssem de cena ¢ 0 coro se dirige diretamente 20s cspectadores. Para fazé-o, para poder ilar ao pblico, ele se desloca (panabaino) para a parte do proscénio chamada lageon, lugar do discusts. No gesto da paribase, quando a representagio se romp, ¢atores e expecta- atensio entre cena ¢ realidade lores, autor e puiblico trocam entre si os pa 2 parédia talvez conbega sua inica solugio. A paribase é uma Auffebung uma transgeessio e uma realizagio ~d pardlia. Por sso, Friedrich Schlegel, atento, como sempre, a toda possivel superagio i efinica da arte, vé na pardbase © momento em que 2 comédia vai além de si mesma na diregio do romance, a forma romantica por exceléncia. O diélogo cénico ~ intima e parodicamente dividido ~abre uum espago ao lado ( mente tepresentado palo fogeion) ese transforma apenas em coléquio, em simples e humana con- versagao, [No mesmo sentido, na literatura, quando a vos do narsador ee volta para 6 leitor, ou quando se fazem os famosos apelos do poeta ac leitor, ese uma paréhase, uma interrupgio da parédia. Convém refletis, nessa perspectiva, so- be & fungio eminente da pardbase no romance moderno, de Cervantes até Morante. Convocado e deportado para fora de seu lugar © de sua condigio, 0 leitor nao acede 20 lugar e & condigéo do autor, mas a uma espécie de incermundo. Se a parédia, cisfo entre eanto e palavia © entre linguagem © a mundo, comemors realmente icin de lugar da palavea humana, nesse caso, na pariase, essa angustiante fopia por um momento se atenua, se anula em pittia, Conforme diz Artuto a respeito de sua ilha: “prefiro fingie que no tenha existido, Por iso, até 0 momento em que néo se vé mais nada, seri melhor que néo olhes para lé, Tu, avisa-me, naquele momento”. DESEJAR Desejar éa coisa mais simples © humana que hi. Por que, entio, para nés slo inconfesséveis precisamente nossos descjos, por que nos € tio dificil trazé-os & palavra? Tio diffi que acabamos mantendo-osescondidos,econstruimospars ces, cemalgum lugar em nés, uma cipta, onde permanecem embalsamados, 3 espera [Nao podemos ttazer & linguagem nossos desejos porque os imaginamos. [Na realidade, a cripta contém apenas imagens, como € o caso de um livro de figuras para criangas que ainda nao sabem ler, o caso das images d'Epinal de um ;povo analfabeto. © corpo dos desejos é uma imagem. E o que é inconfessivel no desejo &a imagem que dele fizemos. CComunicar a alguém os préprios desejos sem as imagens é brutal. Com carthe as préprias imagens sem os desejos é fastidioso (assim como natrar oF sonhos ow as viagens). Mas ficil, em ambos os casos. Comunicar os desejos Jimaginados ¢ as imagens desejadas é a tarefa mais diflcil. Por isso a postergs- mos, Atéo momento em que comegamos a compreender que ficaré para sem- pre néo-cumprida. E que 0 desejo inconfessado somos nds mesmos, para sempre prisioncisor na eripes (© messias vem para os nossos desejos. Ele os separa dasimagens para realizé- los, Ou, entéo, para mostrélos jérealizados. O que imaginamos, jf 0 obtive- ‘mos. Sobram — irtealiziveis ~ as imagens do que foi realizado. Com os desejos tealizados, ele constr o inferno; com as imagens irealizaveis, o limbo, E com ‘0 desejo imaginado, com a pura palavea, a bem-aventuranga do paraiso. 0 {dole (Les Satariques, de FlclenRops, tel de 1882, Musee Frovinda Félcen Rops, Ramer alge) © SER ESPECIAL, s fildsofos medievais estavam fascinados pelos espelhos. De modo especial, interrogavam-se sobre a natureza das imagens que neles comparecem. Qual é seu ser (ou entio 0 seu nio-set)? S40 corpos ou nfo-corpos, substincias ou acidentes? [dentificam-se com a cor, com a luz ou com a sombra? Sao doradas de movimento local? E como é possivel o espelho acolher suas formas? CCertamente o ser das imagens deve ser muito especial, pois, se fossem sim- plesmente corpo ou substincia, como poderiam ocupar 0 espago jf acupado pelo corpo que é 0 espelho? E se o lugar dels fosseo espelho, deslocando-se 0 cespelho, devetiam se deslocar com ele também as imagens. [Em primeiro lugar, a imagem no é uma substdncia, mas um acidente, que ‘nfo se encontra no espelho como em um fugar, mas como em um sujeito (quod est in speculo wt in subiect). Estar em um sujlto & para os fil6sofos edievais,o mado de ser do que insubstancal, ou sea, no existe por si, mas ‘em outea coisa (tendo em conta a proximidade entre a experidneia amoross ¢2 imagem, nfo nos surpreende que ambos, Dante ¢ Cavalcanti, definam, no , amor como “acidente em substincis”) 7a insuihstancial derivam duas earacteristicas da imager. Nao sendo substincia, ea nfo tem realidade continua, nem se pode dizer que se mova através de uin movimento local, Alifs, ela & gerada a cada instante de acordo com o movimento ot a presenga de quem a contemplas “assim como a luz & criada cada ver de novo segundo a presenga do ihuminante, assim tam- bbém dizemos acerca da imagem no espelho que ela ¢gerad toda vez segundo a presenga de quem ols". st © ser da imagem & uma geragia continua (semper nova genenatur). Ser de geragio © nao de substincia, ela € criada a cada instante de novo, assim como acontece com os anjos que, segundo 0 Tidmud, cantam os louvores de Deus € imediatamente precipitam no nada, ‘Aaegunda caracteristica da imagem eonsisteem nfo ser determingvel segun- do a categoria da quantidade, em nio ser proprlamente uma forma ou uma imagem, mas antes “espécie de uma imagem ou de uma forma (species imaginis 1 formas)", que om oi nko pode ser chamada seis loge nein larga, mas “rem apenas a espécie da longuidio e da largura". As dimensées da imagem nio sio, pois, quantidades mensuriveis, mas apenas espécies, modos de ser e *hibicos’ abitur vel dipositiones). © fato de ser possivel referir-se unicamente a um “hahito” ou a um ethos € 0 significado mais reressante da expressio “estar em lum sujeito". O que esti em um sujeito tem a forma de uma espécie, de um uso, de um gesto, Nunca é uma coisa, mas sempre ¢ apenas uma “espécie de coisa” © cermo species, que sig lea “aparéncia",“aspecto”, “visio”, deriva de uma raz. que significa “olhar, ver", e que se encontra também em speculum, espelho, spectrum, imagem, fantasma, perpicuus, tansparente, que se vé com clara, speciosus, belo, que se oferece & vista, specimen, exemplo, signo, spectaculum, espeticulo, Na terminologia Hilossfica, specie & urado para traduzir 0 grego ides (come genus, género, para teadutic geno); dal o sentido que o termo terd nas cignelas da natureza (espécie animal ou vegetal) na lingua do comércio, onde o tetmo passaré a significar “mercadorias” (particularmente no sentido de “dvogas", “especiarias”), , mais tarde, dinhetro (eipéces) A imagem um ser cuja esséncia consiste em ser uma espécie, uma visbili- dade ou uma aparéneia. Raperial £0 see cuja eestincia coincide com seu dase Ver, com sus expéce. ser especial € absolutamente insubstanci Ble néo tem lugar pr mas acontece a um sujcto, e est nele como um habitus ou modo de ser, asim como a imagem esté no espelho. ‘A capécie de cada coisa ¢ sua visibilidade, a sua pura imelighilidade, Especal Eo ser que coinci com o fato de se rornar visvel, com a propria revelagio. 2 O expetho é o lugar em que descobrimos que femos uma imagem ¢, 30 mesmo tempo, que ela pode ser separada de nés, que a nossa “espécie” ou Jmago niio nos pertence. Entre a percepefo da imagem e o reconhecer-re nela bhi um intervalo que os poetas medievais denominavam amor, © espelho de Narciso é, nesse sentido, a fonte de amor, aexperiéncia inaudita e ferox de que «imagem é ¢ nie €a nossa imagem. Quando climinamos o intervalo, quando mesmo que por um instante — ros reconhecemos sem nos tetmos desconhecido ¢ amado na imagem, isso significa jé nao podermos amar, aereditar que somos senhotes da propria espé- cic, que coincidimos com ela, Ao prolongarmos indefinidamente o intetvalo entrea percepgio © 0 reconhecimento, a imagem & interioriada como fantas- ma, €@ amor recai na psicologia. (Os medievais chamavam a espécie de intenti, intengio. O terme designa a tensio interna (intus tnzi) de cada ser que © impele ase fazer imagem, a se comunicar. A espécie nfo é, nese sentido, nada mais que a tensio, que fo amor com que cada ser deseja a si mesmo, deseja perseverar no préprio ser, comunicat asi mesmo, Na imagem, sere desejar,existéncia eesforgo coin cidem perfeitamente, Amar outro se significa: desejara sun espécie, ou sea, o desejo com que ele dessja perseverat no seu ser. O ser especial é, nessesenti- do, 0 ser comum ou genético, ¢ iso € algo como a imagem ou 0 rosto da hhumanidade. A cspécie nfo subdivide o género, mas 0 expde. Nela, desejando e sendo desejado, 0 ser se faz espécie, se torna visivel. E ser especial nao significa 0 individuo, identificado por esta ou aquela qualidade que Ihe pertence de modo cexclusivo, Significa, pelo contritio, ser qualquer um, a saber, um ser tal que € Indiferente e genericamentic cake una de suas qualidades, que aderen clas sem deixar que nenhuma delas 0 identifique. “O ser qualquer um é desejével” é uma tautologia. “Especioso” significa belo e, mais tarde, nfo verdadeiro, aparente. Espécie significa 0 que torna visive e, mais sande, principio de uma classificagio e de 33 uma equivaleneia. Causar espécie significa “assombras, surpreender” (em sentide negativo); mas que individuos constiuam uma especie nos trar seguranga, [Nada é mais instrucivo do que esse duplo significado do termo “espécie”. Bla € 0 que se oferece e se comunica 20 olha, © que torna visivel e, a0 mesmo tempo, o que pode~ e deve a qualquer custo ~ ser fixado em uma substinciae em uma diferenga especifica para que possa eonstituir uma identidade. Pessoa significa originarlamente méscara, ot seja, algo eminentemente es- peclal. Pata sta v scitidy dus provasos teulégives, psicoldgleos e socials, {que revestem a pessoa, nada € melhor do que 0 fato de os ceélogos cristios terem recorrido a esse termo para tracluzicem 0 grego /ypostasi, ou seja, para ligater a mdscara a uma substincia (eés pessoas em uma substincia). A pessoa € a captura da espécie e a sua vinculagao a uma substineia com o objetive de tomar possivel sua identificagio, Os documentos de identidade contém uma fotografia (ou outro dispositive de eapeura da espécte) © especial deve ser reduzido em qualquer lugar ao pessoal, © este a0 subs- tancial. A transformagio da espécie em principio de identidade e de classfica- $80 € 0 pecado original da nossa cultura, 6 seu dispositivo mais implacdvel. S4 personalizamos algo ~ referindo-o a uma identidade ~ se sacrficamos a sua cspecialidade. Especial é assim, um ser— um rosto, um gesto, um evento — que, néo se assemelhando a stenfum, se assemelha a todor os outros. O ser especial é delicioso, porque se oferece por exceléncia 20 uso comum, mas nfo pode ser objeto de propriedade pessoal. Do pessoal, porém, néo sio possiveis rem uso nem gozo, mas unicamente propriedade e ciime. (O ciumento confunde o especial com o pessoal, o bruto canfunde pesoal com ocspecial.A jeune fill clusmenta desi mesma. A mulher valorosabrutaliea O ser especial comunice apenas a propria comunicabilidade. Mas esta aca- ba separada de si mesma e constinuida em uma esfera auténoma. O especial transforma-se em espeticulo, O espeticulo é a separagio do ser genético, ou soja a impossbilidade do amore o tiuafa do cide. ey O AUTOR COMO GESTO Fm 22 de fevereiro de 1969, Michel Foucault proferiu sua conferéncla O que é um autor? perante os membros ¢ 05 convidades da Sociedade Francesa de Filosofia. Dois anas antes, a publicagio de As palevrase ar coisas 0 havia torna- dio famoso subitamente, e entre. piblico (estando presente, entre outros, Jean \Wabl, queapresentou 0 conferencista, Maurice de Gunilla, Lucien Goldmann « Jacques Lacan) nio era ficil fazer a distingio entre a curiosidade mundana e asexpectativas pelo tema anunciado, Logo depois das primeira frases, Foucault formula, com uma citagio de Beckett (*O que importa quem fala, alguém disse, o que importa quem fal”), a indiferenga a respeito do autor como mote ou prinefpio fundamental da ética da escritura contemporinea, No caso da lceratura —sugere ele~néo se trata tanto da expresso de um sujelso quanto da abertura de um espago no qual o sujeito que escreve nio pira de desaparecer: “a marca do autor esté unicamente na singularidade da sua auséncia’, Porgm, a citagio de Beckete apresenta no seu enunciado uma contradic que parece lembrar ironicamente o tema secreto da conferéncia, “O que im- porta quem fala, alguém disse, 0 que importa quem fala.” Ha, por conseguin- te, aguém que, mesmo continuande anénimo esem rosto, proferiuio enunciado, nlguém cem qual 2 ter, que nega s importance quem fala, néo teria podido ser formulada. © mesmo gesto que nega qualquer relevancia & identi dade do autor afirma, no entanto, a sua irreduttvel necessidade, [Nessa altura, Foucault pode exclarecer 0 sentido de sua operagéo. Ela se fundamenta na distingéo entre duas nogbes que feeqtientemente so confuundi- «das: o autor como individuo real, que ficarérigorosamente fora de campo, a 35 Fiangao-autor,a iniea na qual Foucault concentsaté tod a sua anise. O nome deautor nao é simplesmente um nome préprio como os outros, nem no plano da descrigéo nem naquele da designagio. Se, por exemplo, me dou conta de que Pierre Dupont néo tem olhos azuis, ou néo nasoeu em Pais conforme acreditava, ou nio exerce a profssio de médico—o que, poralgum motivo, Ihe atribufa -, 0 nome préprio Pierre Dupont continuaré para sempre referindo- se mesma pessoa; mas se deseubro que Shakespeare nio escreveu as tragédias que the sio atribuidas ¢, pelo contritio, esereveu 0 Organon de Bacon, certa- mente ndo se poderd dizer que 0 nome de autor Shakespeare nfo tenha muda- do sua funcao. O nome de autor néo se refere simplesmente ao estado civil, indo “Val, como acontece com 0 nome préprio, do interior de um discurso para © individuo real e exterior queo produziu’; ele e situa, antes, “nos limites dos textos", cujo estatuto e regime de circulagéo no interior de uma determinada sociedade ele define, “Poder-se-ia afirmar, portanto, que, em uma cultura como « nossa, hi discursos dotados da Fungo-autos, ¢ outros que si desprovidos dela. A fungfo-autor caracteriza © modo de existéncia, de circulagio e de fancionamento de certos discursos no interior de uma sociedade. isso nascem as diferentes caracteristicas da fungio-autor no nosso tempo: uum regime particular de apropriacio, que sanciona o dircico de autor e, 20 mesmo tempo, a possibilidade de distinguir ¢ sclecionar os discursos entre textos lterdrios e textos cientficos, aos quais correspondem modos diferentes dla prépria funglo; a possiblidade de autenticar os textos, constituindo-os em cinone ou, pelo contrétio, a possibilidade de certificar o seu carter apscifo; Aispersio da fungéo emunciativa simultaneamente em mais sujetos que ocupam lugares diferentes: ¢, por fim, a possibilidade de conseruir uma furngae trans- discursiva, que constitui 0 autor, para além dos limites da sua obra, como “instaurador de discursividade” (Marx € muito mais do que o autor de O eapic Jal, © Preud & bem mais que 0 autor de Jnterpretae des somes). Dois anos depois, ao apresentar na Universidade de Buffalo uma ve rmodificada da conferéncia, Foucault opée ainds mais drasticamente o auror- individuo real & fungéo-autor. “O autor nio € uma fonte infinita de signfica- dos que preenchem a obra, 0 autor no precede as obras. I! um determinado principio funcional através do qual, em nossa cultura se limita, se excui, se 56 releciona: cm uma palavra, & © principio através do qual se etiam obsticulos pata a livre circulasio, a live manipulagio, a livre compasigia, decompasigao © recomposigio da fiegio.” Nessa divisio entre o sujeito-autor ¢ os dispositivos que consolidam a sua fungio na sociedade, volta a aparccer um gesto que marca profundamente a estratégia foucaultiana, Por um lado, ele repete com alguma freqiténcia que nunca deixou de tabalhar sobre 0 sujeito: per outio, no contexte das suas pesquisas, 0 sujcico como individuo vivo sempre est presente apenas através dos processos objetivos de subjetivagio que o constituem e dos dispositivos que 0 inscrevem e capturam nos mecanismos do poder. Provavelmente € por esse motivo que criticos hostis puderam questionar em Foucault, ¢ no sem incoeréncia, a presenga contemporinea de uma absolutaindiferena pelo indi- viduo em came € esto, ¢ de um olhar decididamente estetizante a respeito da subjetividade, Aliés, Foucault tinha plena conscigneia dessa aparente aporia ‘Ao apresentat, no inicio dos anos 80, © proprio método para 0 Dictionnaire des philosophes, ele escrevia que “tejeitar © recurso flossfico a um sujeito consti tuinte nao significa agir como se 0 sujeito néo existsse, © Fazer disso uma abstrago a favor de uma pura subjetividade; tl rjcigfo tem, sim, por objetivo fazer aparecer os processos préprios que definem uma experiéncia na qual 0 sujeito ¢ 0 objeto ‘se formam e se transformam’ um em relagio a0 outro eem fungio do outro”. E-a Lucien Goldmann que, no debate apds a conferéncia sobre autor, the atribufa a intensio de eancelar 0 sujeito individual, ele pod responder ironicamente: “definie como se exeree a fungio-autor(..] nio equi- vale a dizer que o autor nao existe [..] Retenhamos, portanto, as kigrimas” [Nessa perspectiva, a fungio-autor aparece como processo de subjetivagio mediante o qual um individuo € identificado ¢ eonstituido como autor de um certo corpus de textos. Falta dizer que, desse modo, toda investigagio sobre 0 sujeito como individue parece ter que ceder 0 lngee 20 reget’, que define as condigéese as Formas sob as quais sujeito pode aparecer na ordem do discur- so, Nessa ordem, segundo o diagnéstico que Foucault nfo pra de repetin, “a *Ragesto © uma coletinea de aras e documentos, resumidos ou tuanscritos em suas partes consideradas essencais, ou entio um resumo de um determinada dacumen- tw histérico. (N-T) sr cabe 0 papel do morto no jogo da escritura’. O autor nfo esti mort, mas por se coma autor significa ocupar o lugar de um morto. Existe um sujeito-auton, da sua auséncia «6; no entanto, ele se atesta unicamente por meio dos Mas de que mancira uma auséncia pode ser singular? I © que significa, para ‘um individuo, ocupar o lugar de um morto, deixar as proprlas marcas em um lager vazio? Na obra de Foucaule talvez haja um s6 texto no qual essa dificuldade brota tematicamente na conscigncia, em que a ilegbilidade do sujeito aparece por tum instante em todo 0 seu esplendor. Trata-se de A vida dos homens infames, concebido originalmente como preficio de uma antologia de documentos de arquivo, registros de invernagio ou lettres de cachet, em que o encontro com 0 poder, no mesmo momento em que as deixa marcadas de infimia, arranca da noite edo siléncio existéncias humanas que, do contritio, nao teriam deixado nenhum sinal de si. O gesto de escdenio do sacristio ateu e sodomita Jean- Antoine Touzard, internado em Bicétre em 21 de abril de 1701, €0 obscuro € obsrinado vagabundear de Mathurin Milan, internado em Charenton em 31 de agosto de 1707, brilham apenas por um instante no feixe de luz que projeta sobre eles 0 poders no entanto, naquela instantines fulguragio, algo ultrapassa a subjetivagéo que os condena ao oprébrio, ¢ fica sinalizado nos enunciados lacBaicos do arquivo como o sinal luminoso de outra vida e de outra histéra CCertamente as vidas infames aparecem apenas por terem sido citadas pelo dis- curso do poder, fixando-as por um momento como autores de atos ediscursos celerados; mesmo assim, assim como acontece nas Fotografias em que nos olha © rosto remoto ¢ bem proximo de uma desconhecida, algo naquela inflmia exige 0 préprio nome, testemunha de si para além de qualquer expressio e de qualquer meméria, [De que manecita esas vidas estio presentes nas anotagSes miopes ¢ cursivas ‘que as legaram para sempre a0 arquivo impiedoso da infimia? Os escribas andnimos, os funcionérios menos graduados que redigiram tais observagées, certamente nfo pretendiam nem conhecer e nem representar; seu nico obje- ‘ivo era marcar de inflmia, No entanto, pelo menos por um instante, as vidas 58 | bwilham naquelas paginas com uma luz negra, ofuscante. Porventura se dirs por isso queai elas encontraram expressio, que, mesmo de forma drasticamen- ceabreviada, de algum modo nos foram comunicadas, dadas a conhecer? Pelo conttirio, o gesto com o qual foram fixadas parece subtra-las para sempre de toda possivel apresentagio, como se clas comparecessem na linguagem apenas sob a condigio de continuarem absolucamente inexpressas. E possive, entéo, que o texto de 1982 contenha algo parecido com a chave de leitura da conferéncia sobre 0 autor, que a vide infame constitua de algum modo © paradigma da presenga-auséncia do autor na obra. Se chamarmos de esto 0 que continua inexpresso em cada ato de expresso, poderiamos afirmar centio qu, exatamente como 0 infime, © autor est presente no texto apenas ‘em um gesto, que possbilica a expresso na mesma medida em que nela instala tum vazio central ‘Como se deve entender o modo dessa presenga singular, em que uma vida nos aparece unicamente por meio daquilo que a silencia ¢ distorce com uma careta? Foucault parece se dar conta dessa dificuldade, “Néo encontrateis qui”, escreve, “uma galeria de retratos; trata-se, pelo contririo, de armadilhas, ar- mas, gritos, gestos,atitudes, asticias, intrigas, cujo instrumento foram as pala~ veas, Vidas reais foram ‘postas em jogo’ (jouée) nessa frases; nfo quero dizer aque ali foram figuradas ou representadas, mas que, de fato, a sua liberdade, a sua desventura, muitas vezes eambém a sua morte e, em todo caso, seu destino foram, ali, pelo menos em parte, decididos. Eses discursos realmente atraves- saram vidas; essas existéncias foram efetivamente riscads e perdidas nessas palaveas”. Ji-era ébvio que néo pudesse se tratar de retratos nem de biografias; 0 que ccostura as vidas infames com as escassasescrituras que as registram no é uma relagto de represemtagto ou ce simbolieagto, masalgo diferente mals esencll: clas foram “postas em jogo” naquclas frases, nelas a sua liberdade e a sua des- ‘ventura foram riscadas e decididas. ‘Onde esti Mathurin Milan? Onde esté Jean-Antoine Touzard? Néo nas Jacdnicas observagées que registram a sua presenga no arquivo da infimia. [Nem sequer fora do arquivo, em uma realidade biogeifica de que literalmente 39 nada sabemos. Hles estio no umbral da exto.em que foratn posters em jo ‘quem sabe, a sua auséneia, 0 seu volear as costas para nés para sempre se péem nas bordas do arquivo, como © gesto que, 20 mesmo tempo, © cornou possivel ¢ lhe excede e anula a intengio. “Vidas reals foram ‘postasem jogo’ (jouées)” 6, nesse contexto, uma expres- sdo ambigua, que as aspas procuram sublinhat. No tanto porque jouer tam- bém tem um significado teatral (a frase podria significar também “foram colocadas em cena, recitadas”), mas porque, no texto, o agente, quem pos em jogo as vidas, fica intencionalmente na sombra. (Quem pés em jogo as vidas? Os préprios homens infames, abandonando-se sem reservas, como Mathurin Milan, 20 seu vagabundeat, ou Jean-Antoine Touzard, a sua paixto sodomita? Ow entéo, come parece mais provivel, a conspiracéo de familiares, Fanciondtios anénimos, de chanceleres e policiais, que levou & intemagéo dos mesmos? A vida infame nao parece pertencer integralmente nem a uns nem a outros, nem 40s registros dos nomes que no final deverio responder por isso, nem aos Fun- sionirios do poder que, em todo caso, ¢ no final das contas, decidirto a respei- to dela. Ela €apenas jogads, nunca possuida, nunca representada, nunca di por isso ela éo lugar possivel, mas vazio, de uma ética, de uma forma-de-vida © que significa, porém, para uma vida, pOr-se ~ ou ser posta ~ em jogo? ‘Nastasja Flippoyna — no /diota de Dostoievski ~ entra na sala de visitas de sua casa na noite em que decidird sobre sua vida. Prometeu a AfanasijIvanovie ‘Tockij,o homem que a desonrou ¢ manceve até entio, dar-Ihe uma resposta t sua oferta de casar com o jovem Ganja em troca de 75 mil rublos. Na sala de visitas estio presentes todos os scus amigos e conhecidos, também o general Epantin, também o inefivel Lebedey, 0 venenoso Ferdyitenko, 0 principe Myékin, também RogoZyn, que em certo momento entra testa de um bando Inapiescutivel, uacendo mas mos um pacote de cem mil rublos, destinados a Nastasja. Desde o inicio a noitada tem algo de doentio, de febril. De resto, a dona da casa néo cansa de repeticlo: tenho febre, estou mal. Ao accitar jogaro desagradével jogo de sociedade proposto por Ferdyaéenko, ‘no qual cada um deve confessar a propria abjecio, Nastasja poe imediatamente toda a noitada sob o signo do jogo. E é por jogo ou capricho que fard com que «sua resposta a Tockijseja dada pelo principe MySkin, que para ela & quase um o desconhecido, E depois, tudo pressiona, cada precipita, Impravisadamence ela accita se casar com o principe, para se desdizee imediatamente ¢ escolher © brio Rogodyn. E, a certa altura, como se estivesse perturbada, a © pacote ‘com os cem mil rubles ¢ 08 joga no Fogo, prometendo ao dvido Ganja que 0 dlinheito seré seu, se 0 conseguir retirar das chamas com as suas mos. (© que dirige as agées de Nastasja Filippovna? Certamente os seus gestos, por mais exageradas que sojam, sfo incomparavelmente superiores aos cileu- los ¢ aas modos contidos de todos os presentes (com uma tinica excegio, que é ‘Myikin). [No entanto, ¢ imposstvel divisar neles algo parecido com uma decl- sio racional ou um principio moral, Nem sequer se pode aflrmar que aja para se-vingat (de Tock, por exemplo). Do inicio ao fim, Nastasja parece omada pelo deliti, conforme os seus amigos no se cansam de observar (“mas 0 que cstis dizendo, tens um ataque”, "ndo a entendo, perdew a cabess"). Nastasja Filippovna pds em jogo a sua vida ~ ou, talvez, permitiu que ela fosse posta em jogo por Myikin, por Rogofyn, por Lebedev e, no fundo, pelo proprio eapricho. Por isso, 0 seu modo contido é inexplicével, por isso ela fica perfcitamente ilibada e incompreendida em todos os seus atos. Fica nfo é 2 vida que simplesmente se submete i lei moral, masa queaceita,ireevogavelmente ccsem reservas, pdr-se.em jogo nos seus gestos. Mesmo cortendo 0 risco de que, dessa mancira, venham a ser decididas, de uma vez. por todas, a sua felicidade a sua infeicidade. (© autor marca 0 ponto em que uma vida foi jogada na obra. Jogada, néo expressa;jogada, néo realizada. Por isso, o autor nada pode fizer além de conti- nnuar, na obra, néo realizado € nfo dito. Ble €0 ilegivel que torna possivel a leiturs, 0 vazio lendaio de que procedem a esericura eo discurso. O gesto do autor éatestado na obra a que também df vida, como uma presenga incongruen- te © catranbs, exacamente como, segundo os tebricos da comédia de arte « teapaga de Arlequim incessantemente interrompe @ histéria que se desenrola na cena, desfizendo obstinadamente a sua trama, No entanto, precisamente como, segundo os mesmos tedricos, a trapaca deve set nome a0 fato de que, como tum lago, ee volta cada ver a reatar 0 fio que soltou e desapertou, assim também o gesto do autor garante a vida da obra unicamente através da presen @ irredutivel de uma borda inexpressiva, As 6 rmutismo, come Arlequim na sua trapaga, cle volta infatigavelmente ase lech no aberto que cle mesmo criou. E assim como em certos livros velhos que reptoduzem a0 lado do frontispicio o retrato ou a fotografia do autor, pprocuramos em vio deciftat; nos seus tragos enigmticos, os motivas e o senti- do da obra como o exerga intrativel, que pretende ironicamente deter 0 seu inconfessivel segredo. [No entanto, precisamente o gesto ilegtvel, o lugar que ficou vazio & 0 que torn possivel a leitura. Isso acontece cam a poesia que comeca com Padre polvo que suber de Exparia, Sahemos—ou, pelo menos, assim nos foi dito — que cla foi escrita em algum dia de 1937, por um homem chamado César Vallejo, aque havia nascido no Peru em 1892. que agora esti enterrado no cemitério de Montparnasse, etn Pats, a0 lado de sua mulher Georgette, que Ihe sobreviveu por muitos anos e¢ responsivel, pelo que parece, pela mé edigéo daquela poc- sine dos outros escritos péstumos, Tentemos identifica arelagio que constitui 4 pocsia como obra de César Vallejo (ou César Vallejo como autor daquela poesia). Deveremos entender tal relagio no sentido de que, um dia, aquele sentimento particular, aquele pensamento incomparivel, passou por um stimo nna mente ¢ no espirito do individuo com o nome César Vallejo? Nada é menos certo. E provivel, pelo contritio, que s6 depois de ter escrito ~ ou enquanto eserevia ~ a poesia, aquele pensamento ¢ aquele sentimento se The tornaram rcai, precisoseindesapropridveisem cada detalhe, em eada mata (assim como s¢ 05 tornam para nbs apenas no momento em que lemos a poesia). Porventuta isso significa que o lugar do pensamento ¢ do sentimento esté za propria poesia, nos sinais que compéem o seu texto? Mas de que maneira ‘uma paixo e um pensamento poderiam estar contidos em uma folha de pac pel? Por definigéo, um sencimento e um pensamento exigem um sujito que os pense e experiment, Para que se Gaui presente, importa, pots, que alguém come pela mio 0 livro, atrisque-se na leitura. Mas isso pode significar apenas ‘que tal indi iduo ocupard no pocma exatamente o lugar vazio que o autor ali deixou, que ele repetiré o mesmo gesto inexpressivo através do qual 0 autor tinha sido testemunha de sua austncia na obra (© lugar — ou melhor, o ter hugar— do poema nio esté, pois, nem no texto znem no autor (ou ne leitor) esti no gesto no qual autor e leitor se poem em a jogo no texto ¢, 20 mesmo tempo, infinitamente fogem disso. O autor nio & ‘mais que a cestemunba, o fiador da propria falta na obra em que foi jogados € « leitor néo pode deixar de soletraro testemunho, ndo pode, por sua vez, deixar de transformar-se em fiador da préprio inexausto ato de jogar de néo se ser suliciente. Assim como, segundo a filosofia de Avertbis,o pensamento é tinico « separado dos individuos que, de cada ver, se unem a ele através das suas Iimaginagdes ¢ dos seus fantasmas, também autor leitor estio em relagio com a cobra sob a condisio de continuarem inexpressos, No entanto, 0 texto nfo tem ‘outea luza nao ser aquela ~opaca ~ que irradia do restemunho dessa auséncis, Precisamente por isso, porém, 0 autor estabelece tambéin o limice para além do qual nenhuma interpretagéo pode ir. Onde a leitura do poetado en- ‘contra, de qualquer modo, o lugar vazio do vivido, ela deve parar. Pois tio ilegitima quanto a tentativa de consteuir a personalidade do autor através da obra é.a de tomar seu gesto a chave secreta da leitura, “Talvea, nessa altura, a aporia de Foucault esteja comerando a ficar menos, cinigmética. O sujelto— assim como 0 autor, como a vida dos homens infarmes — indo é algo que possa ser aleangado diretamente como ums realidade substancial presente em algum lugar; pelo contritio, ele €0 que resulta do encontro e do corpo-2-corpo com os dispositivos em que foi posto — se pos — em jogo. Isso porque também a escritura ~ toda escritura, © nfo s6 a dos chaneeleres do arquivo da infamia ~é um dispositivo, ea histéria dos homens talvez no seja tnada mais que um incessante corpo-a-corpo com os dispositivos que eles mes- mos produziram — antes de qualquer outro, a linguagem. E assim como 0 autor deve continuat inexpresto na obra ¢, no entanto, precisamente desse modo testemunha a pr6peia presenga ittedutivel, também a subjetividade se ‘mostra e resiste com mais forga no ponto em que os dispositives a capturam ¢ (pOcun ent jogo. Unis subjetividade praduzse onde o ser vivo, ao encontiat a Tinguagem ¢ pondo-se nela em jogo sem reservas, exibe em um gesto a prépria irredutibilidade a cla. Todo o resto é psicologia e em nenhum lugar na psicolo- gia encontramos algo parecido com um sujeito ético, com uma forma de vida, a ‘Serio aco, de Michelangelo Mer da Caravaggio tela de 1603-4 Galleria del Uta, Rorenca ELOGIO DA PROFANAGAO. ‘Os juristas romanos sabiam perfeitamente o que significa “profanar”, Sagradas ‘ou religiosas eram as coisas que de algum modo pertenciam aos deuses. Como tas, clas eram subteaidas ao live uso ¢ a0 comércio dos homens, néo podiam servendidas nem dadas como fiansa, nem cedidas em usuftuto ou gravadas de servido, Sacrflego era todo ato que violasse ou transgredisse esta sua especial indisponit caso cram denominadas propriamente “sagradas") ou infernais (nesse caso era simplesmente chamadas “religiosas"). E se consagrar (sacvare) era 0 termo que lade, que as reservava exclusivamente aos deuses celestes (nesse dlsignava a saida das coisas da esfera do direito humano, profanar, por sua vez, significava restitu(-las 20 livre uso dos homens. “Profano” — podia escrever © grande jurista Trebicio ~ “em sentido proprio denomina-se quilo que, de sagrado ou religioso que era, é devolvide ao uso ¢ 4 propriedade dos homens”, E “puro” era o lugar que havia sido desvineulado da sua destinagio aos deuses dos mortos e jd nfo era “nem sagrado, nem santo, nem religioso libertado de todos os nomes desse género” (D. 11, 7,2) Puro, profano, livre dos nomes sagrados, € 0 que é restituide a0 uso co- mum dos homens. Mas o uso aqui no aparece como algo natural lids, s6 se tem acesso 20 mesmo artavés de uma profanagio. Entre “usar” e “profanar” parece haver uma relagio especial, que € importante esclarecet Pode-se definir como religiéo aquilo que subtrai coisas, ngares, animais ou pessoas a0 uso comum e as transfere para uma esfera separada, Nao s6 nfo hi teligiio sem separagéo, como toda separacio contém ou conserva em si um inicleo genuinamente religioso. O dispositive que realizae regula a separagio é 6 ‘ sactificio: através de uma série de Fituais minuciosos, diferenciados segundo 1 variedade das cule Tuber e Mauss inventariaram pacientemente tle estabelece, em todo caso, a passagem de algo do profano para o sagrado, da cofera humana para a divina. E essencial 0 corte que separa as duas esferas, 0 linviar que a vitima deve atravessar, nfo importando se num sentido ou nou- tvo, © que foi separado ritualmente pode ser restituido, mediante o rito, & cfeta profana, Uma das formas mais simples de profanagio ocorte através de contato (comtagione) no mesmo sactificio que realiza e regula a passagem da sitinua da cafes lasnnana pase a diving, Uma parce dela (as entranhas, exae: © figado, 0 coragfo, a vesicula biliar, os pulmées) estd reservada aos deuses, en- ‘quanto o restante pode ser consumido pelos homens. Basta que os participan- tes do rico toquem essas carnes para que se tornem profanas © possam ser simplesmente comidas, Hé um contigio profano, um tocar que desencanta ¢ devolve 20 uso aquilo que o sagrado havia separado petrificado, © termo religio, segundo uma etimologia a0 mesmo tempo insipida e ine- ata, no deriva de religare (0 que liga € une © humano ¢ 0 divino), mas de relegere, que indica a atieude de eserpulo e de atengéo que deve caracterizar as rclagdes com os deuses, a inquieta hesitagéo (o “reler”) perante as formas—eas formulas que se devem observar a fim de respeitar a separagio entre o sagra~ do eo profano. Religio nfo €o que une homens deuses, mas aquilo que cuida para que se mantenham distintos. Po iso, 4 religifo nfo se opéem a incredu- lidade e a indiferenga com relagso ao divino, mas a “negligéncia’, uma aticude livre e “distrafda” — ou soja. desvincuilada da religio das normas — diante das coisas ¢ do seu uso, diante das formas da separacio e do seu significado. Profa- nar significa abrir a possibilidade de uma forma especial de negligéncia, que ignora a separacio, ou melhor, faz dela um uso particular. A passagem do sagrado ao profano pode acontecer também por meio de tum uso (ou melhor, de um reuso) totalmente incongeuente do sagrado. Trata- se do jogo. Sabe-se que as esferas do sagrado e do jogo vinculadas. A maioria dos jogos que conhecemos deriva de an cestretamente sacras, de rituals e de préticas divinatérias que outrora pertenciam & esfera religiosa em sentido amplo. Brinear de rode era originalmente um rito matti- 66 a monial; jogar com bola reprodux a lata das deuses pela posse do sol; os jogos de azar derivam de peiticas oraculates: pio e o jogo de xadzer eram instrumentos de adivinhagio. Ao analsar a relagio entre jogo € rto, Eaile Benveniste mostrou que 0 jogo nfo s6 provém da esfera do sagrado, mas também, de algum modo, representa a sua inversio, A poténcia do ato si ‘grado ~ escreve ele ~ resicle na conjungio do mito que narra a histéria com © Fito que a reproduz ¢ a pée em cena. O jogo quebra essa unidade: como ludus, ou jogo de agio, fax desaparecer 0 mito e conserva 6 tito; como jocus, fu Joga de palavras, ele cancela 0 ito e detxa sobreviver o mito, “Se 0 sagra- do pode ser definido através da unidade consubstancial entre 0 mito ¢ 0 sito, poderlamos dizer que hi jogo quando apenas metade da operagio si- grada é realizada, traduzindo s6 0 mito em palavras e s6 0 rito em agbes” Isso significa que o jogo libera e desvia a humanidade da esfera do sagrado, mas sem a abolir simplesmente, © uso a que 0 sagrado & devolvide & um uso especial, que néo coincide com 0 consumo utiliarista. Assim, a “profanagio” do jogo néo tem a ver apenas com a esfera religiosa. As criangas, que brincam ‘com qualquer bugiganga que lhes caia nas méos, transformam em brinquedo também o que pertence 3 esfera da economia, da guerra, do direito e das outras atividades que estamos acostumados a considerar sérias. Um automé- vel, uma arma de fogo, um contrato juridico transformam-se improvisada- ‘mente em bringuedos. E comum, tanto nesses casos como na profanagéo do sagrado, a passagem de uma religi, que jd € percebida como falsa ou opresso- 1a, para a negligéncia como vera religo. E essa nfo significa descuido (nenhu- rma atengio resiste ao confronto com a da crianga que brincs), mas uma nova dimensio do uso que criangas ¢ filésofos conferem & humanidade. Tiata-se de um uso cujo tipo Benjamin devia ter em mente quando escreveu, em O nove ‘advogado, que 0 diteito no mais aplicado, mas apenas estudado, € a porta da justigs, Da uesine Gouusa que a regi wiu mais ubscrvad, ss juga abie do dircito © da politica, desativadas em jogo, tornam-se a porta de uma nova felicidade, porta para 0 uso, assim também as poténcias da econo! (O jogo como érgéo da profanagio esté em decadéncia em todo lugar. Que fo homem moderne jé nio sabe jogar fica provado precisamente pela mul cagio vertiginosa de novos e velhos jogos. No jogo, nas dangas e nas festas, ele “7 procura, de mania desesprerada c obstinada, precisamente o contririo do que ali paderia encontrar: « possibitidade de voltar& festa perdida sagrado © as seus ritas, mestno que Fosse na forma das insossas ceriménias da nova religido espetacular ou de uma aula de tango em um salio do interior esse sentida, os jogos televisivos de massa fazem parce de uma nova liturgia, « secularizam uma intengéo inconscientemente religiosa. Fazer com que 0 jogo volte & sua vocagio puramente profana € uma tarefa politica. E preciso, nesse sentido, fazer uma distingio entre secularizagso ¢ profana- fo, A secularizagio & uma forma de remogao que mantém intactas as Forgas, ‘que se restringe a deslocar de um lugar a outro. Assim, a secularizagao politica de conceitos teolégicos (a transcendéncia de Deus como paradigma do poder soberano) limica-se a transmutar a monarquia celeste em monarquia terrena, deixando, porém, intacto 0 seu poder: ‘A profanagéo implica, porsua vez, uma neutralizagio daquilo que profana, Depois de ter sido profanado, 0 que estava indisponivel eseparado perdea sua aura eacabs resticuido 2o uso. Ambas as operacéessio politicas, mas a primet- ra tem a ver com o exercicio do poder, o que é assegurado remetendo-o a um modelo sagrado: a segunda desativa os dispositivos do poder e devolve 20 uso comum 0s espagos que ele havia confiscado, Os filélogos néo cansam de fcar surpreendidos com o duplice ¢ contradi- X6rio significado que o verbo profimare parece ter em latin: por um lado, tor- nar profano, por outro ~ em acepgio atestada sé em poucos casos — sacrificar, “Tiata-se de uma ambigtiidade que parees inerente ao vocabulirio de sagrado como tal: 0 adjetivo sacer, com um contra-senso que Freud ji havia percebido, significaria anto “augusto, consagrado aos deuses", como “maldito, excluido da comunidade”. A ambigitidade, que aqui estd em jogo, nfo se deve apenas a lum equivoco, mas é, por aint dizet, wonstiuciva da operayao profasaudria (ou daquela, inversa, cla consagragio). Enquanto se referem a um mesmo obje- co que deve passar do profano ao sagrado e do sagrado ao profino, tais opera- g6es devem prestar contas, cada ver, 2 algo parecido com um residuo de profanidade em toda coisa consagrada e a uma sobra de sacralidade presente «em todo objeto profanado. Veja-seo termo sacer. Ele designa aquilo que, através do ato solene da sacratio cy r ‘ow da devotio (com que o comandante consagra a sua vida avs deuses do infer ‘nn para assegurar a vt6ra), foi entregue aos deuses, pertence exclusivamente a sles, Contudo, na expresso home sacer, 0 adjetivo parece desigaar um indivi- duo que, cendo sido excluido da comunidade, pode ser morto impunemente, ‘mas no pode ser sacrificado aos deuses, © que aconteceu de fato nesse caso? Um homem sagrado, ou seja, pertencente aos deuses, sobreviveu ao rite que 0 separou das homens ¢ continua levando uma existéncia aparentemente profic nacentre eles, No mundo profano, €inerente 20 seu corpo um residuo irredutivel de sacralidade, que 0 subtrai a0 coméreio normal com seus semelhantes ¢ 0 expe & possibilidade da morte violenta, que o devolve aos deuses 20s quais realmente pertence; considerado, porém, na esfera divina, ele nso pode set sactificado e & excluido do culto, pois sua vida jé & propriedade dos deuses ¢, ‘mesmo assim, enquanto sobrevive, por assim dizer, a si mesma, ela introduz um resto incongruente de profanidade no ambito do sagrado. Sagrado e profa- no representam, pois, na méquina do sacrifico, um sistema de dois polos, no qual umm significance flutuante transita de um Ambito para outro sem deixar de se referit ao mesmo objeto. Mas é precisamente desse modo que « maquina pode assegurat a partilha do so entre os humanos 0s divinos e pode devolver eventualmente aos homens 0 que havia sido consagrado aos deuses. Dat nasce a promiscuidade entre as duas operagSes no sacrificio romano, na qual uma parte da prépria vitima consagrada acaba profanada por contgio e consumida pelos homens, enquanto outra é entregue aos deuses. Nessa perspectiva, comamese talvez. mais compreensiveis 0 cuidado obses- sivo e a implacivel seriedade de que, na religito cristi, deviam dar mostras cedlogos, pontifices ¢ imperadores, a fim de garantirem, na medida do posst- vel, a coeréncia ea intligibilidade da nogio de transubstanciagio no sacrificio dla missa, e das nogdes de encamagio ¢ omousta no dogma trinitétio, Ali estava em jogo nada menos que a sobrevivéncia de um sistema religioso que havia envolvido 0 proprio Deus como vitima do sacrificio ¢, desse modo, havia in- troduaido nele a separagio que, no paganismo, tinha a ver apenas com as coi- sashumanas. Tiatava-se, portanto, de resists, através da contemporinea presenca de duas naturezas numa tiniea pessoa, ou numa 96 vitima, & confusio entre divino e humano que emeagava paralisar a miquina sacrifical do cristianismo. A doutina da encarnagio garantia que a natureza divina ea humana estives sem presentes sem ambigiidade na mesma pessoa, assim como a tr Lanciagilo garantia que as espécies do pio e de vinho se transformassem, sem residuos, no corpo de Cristo. Acontece assim que, no etistianismo, com a cnttada de Deus como vitima do sacrificio ¢ cam a forte presenga de tendén- cas que colocaram em erise a distingio entre o sageado € 0 profa- no, a miquina teligiosa parece aleangar um ponto limitrofe ou uma zona de indecidibilidade, em quea esfera divina esté sempre prestes acolapsar na esfera humana, ¢ 6 homem jé transpassa sempre para 0 divino, O capitalismo como religida é 0 tivalo de um dos mais profundos fragmentos postumos de Benjamin, Segundo Benjamin, o capitalismo nfo representa ape- nas, como em Weber, uma secularizagio da f& protestante, mas ele préprio 4 essencialmente, um fendmeno religioso, que se desenvolve de modo para~ sitdrio a partir do cristianismo, Como tal, como religito da modernidade, ele é definido por tés earacteristcas: 1. uma religio cultua,talver a mais extrema © absoluta que jamais tenha existido, Tudo ncla tem significado unicamente ‘com referéncia ao cumprimento de um culto, e nfo com respeito a um dogma ou a uma idéia, 2, Esse culto é permanente; é "a celebrasio de um culto sans snéve t sans merci". Nesse caso, néo & possivel distinguir enere dias de festa e lias de trabalho, mas hi um tinieo einineerrupto dia de festa, em que o traba- Iho coincide com a celebragio do culto. 3. O culto capitalists nfo esti voltado para a redengio ou para a explagio de uma culpa, mas para a prépris culpa © capitalismo €talver 0 finico caso de um culto nfo exptador, mas culpabilizance [-.J Una monstruosa consciéncla culpivel que nto conhece redengéo teansforma seem culto, nfo pars expiar com clea sua culpa, mas para torné-la universal {J € para, 20 final, envolver o préprio Deus na culpa [..] Deus nfo etd morto, mas fa inworporado av destino do homer, Precisamence porque tende com rodas as suas forgas nfo para a redengso, ‘mas para a culpa, nfo para a esperanga, mas para © desespero, o capitalismo ‘como religifo nfo tem em vista a transformagio do mundo, mas a destruigéo «do mesmo, E 9 seu dominio & em nosso tempo tia total que também os trés grandes profetas da modernidade (Nietzsche, Marx ¢ Freud) conspiram com cle, segundo Benji . sendo, de algum modo, solidirios com a religiéo do 70 desespero. “Esta passagem do planeta homem, através da casa do desespero, para a absoluta solidio do seu pereurso € 0 ethos que define Nietzsche, Este hhomem é o Super-Homem, ou seja, 0 primeiro homem que comega conscien- temente a realizar a religido capialista” Também a teoria freudiana pertence 10 sacerdécio do culto capitalisa: “o removido, a representagio pecaminosa {.-] 60 capital, sobre o qual o inferno do inconsciente paga os juros”. E em Marx, © capitalismo “com os juros simples e compostos, que slo fungio da culpa [..] transforma-se imediatamente em socialismo”, Procuremos continuar as reflexdes de Benjamin na perspectiva que aqui nos interessa. Paderiamos dizer entio que o capitalismo, levando ao extrema uma tendéncia jé presente no cristianismo, generaliza ¢ absolutiza, em toda Ambito, a estrutura da separagio que define a religiéo, Onde o saciffcto mat- cava a passagem do profane ao sagrado edo sagrado ao profano, esté agora um ‘inico, muktforme e incessante processo de separaglo, que investe toda coisa, todo lugar, toda atividade humana para dividi-a por si mesma e & totalmente indiferente & cisio sagrado/profano, divinofhumano. Na sua forma extrema, 2 religigo capitalista resliza a pura forma da separago, sem mais nada a sepatat ‘Uma profanagéo absoluta esem res{duos coincide agora com uma consagragio igualmente vazia ¢ integral. E como, na mercadoria, a separagio faz parte da propria forma do objeto, que se distingue em valor de uso e valor de troca € se transforma em fetiche inapreensivel, assim agora tudo o queé feito, produzide « vivido também o corpo humano, também a sexualidade, também a lingua~ gem — acaba sendo dividido por si mesmo e deslocado para uma esfera separa- da que jé nao define nenhuma divisio substancial e na qual todo uso se torna duravelmente impossivel. Esta esfera é0 consumo. Se, conforme foi sugerido, denominamos a fase extrema do capitalismo que estamos vivendo como espe- ticle, na qual tala wo coisas sfo exbidas na sua separagio de ai meamas, entéo espeticulo e consumo sio as duas faces de uma tinica impossibilidade de usar. que no pode ser usado acaba, como tal, entregue a0 consumo ou & exibisao cespetacuilar. Mas isso significa que se tomou impossvel profanar (ou, pelo me- nos, exige procedimentos especiais). Se profanar significa restituir a0 uso co- mum o que havia sido separado na esfera do sagrado, a religito capitalista, na sua fase extrema, estd voltada paraa eriagio de algo absolutamente Improfandvel, n © cAnone teoldgico do consumo come impossbilidade do uso foi fixado nny século XIII pela Caria Romana no contexco do eonflito em que ela se opds i Ordem dos Franciscanos, Na sus reivindicagio da “alissima pobreza”, os Tranciscanos afirmavam a possbilidade de um uso totalmente desvinculado da cslera do direito, que ees, para o distinguir do usuftuto e de qualquer outro dliveito de uso, chamavam de wus fact, uso de fato (ou do fato). Contra eles, Joo XXII, adversivio implacivel da Ordem, escreve a sua bula Ad conditorem satnonum, Nas coisas que sio objeto de consumo — argumenta ele, como 0 allmento, as toupas ete, néo pode haver um uso diferente daquele da proprie- dade, porque @ mesmo se define integralmente no ato do seu consumo, ou seja, da sua destruigso (abun). O consumo, que destréi necessariamente a coisa, no & eno a impossibilidade ou a negagio do uso, que pressupse que a substincia da coisa permanega intacta (salva ret substantia). No 36 isso: um simples uso de fato, distinto da propriedade, nZo existe naturalmente, nio é de modo algum, algo que se possa “te”. "O proprio ato do uso ndo existe naturalmente nem antes de o exerees, nem durante o tempo em que se exerce, nem sequer depois de tt-o exercide. © consumo, mesmo no ato do seu exer- écio, sempre € jé passado ou futuro e, como tal, néo se pode dizer que exista haturalmente, mas apenas na meméria ou na expectativa. Portanto, ele nio pode ter sido a nfo ser no instante do seu desaparecimento.” ‘Desa mancira, com uma profecia inconsciente, Joio XXII apresenta o paradigma de uma impossibilidade de usar que nto muitos séculos depois na sociedade dos consumos. Essa obstinada negagio do uso pereebe, porém, a sua natureza mais radicalmente do que eram capazes de faze-lo os que © reivindicavam dentro da ordem franciscana, Isso porque © pio uso aparece, na sua argumentagao, ndo tanto como algo inexlstente ~ ele caste, de fo, instantancamente no ato do consumo ~ quanto, sobretudo, como algo que nunca se pode ci, yue uunics pode constieair ama proprledade (dominium), Assim, 0 uso & sempre relagéo com o inaproptiével,refetindo-se is coisas enquanto nio se podem tornar abjeco de posse. Desse modo, porém, © uso evidencia também a verdad: a natureza da propriedade, que nio é mais ‘que o dispositive que desloca o live uso dos homens para uma esfera separada, nna qual € convertido em direito. Se hoje os consumidores na sociedade de ‘massas sfo infelizes, ndo &s6 porque consomem objetos que incorporaram em n sia propria no-usabilidade, mas também e sobretudo porque acreditam que ito de propriedade sobre os mesmos, porque se tornaram. incapazes de os profinar. A impossibilidade de usar tem o seu lugar tépico no Museu. A muscificagio do mundo é atualmente tum dado de fata. Uma apés outra, progressivamente, as poténcias espirituais que definiam a vida dos homens ~a arte, a religiéo, a flosofia,a idéia de naturea, até mesmo a politica ~ etiraram-se, uma a uma, docilmente, para 0 Museu. Museu nfo designa, nesse caso, um lugar ou um espago fisico determinado, mas a dimensio separada para a qual se transfere 0 que hé um tempo era pereebido como verdadeito ¢ decisivo, © agora jd nio ‘© Museu pode coincidit, neste sentido, com uma cidade inteira (Evora, Veneza, declaradas por isso mesmo pacrimbnio da humanidade), com uma regio (de- clarada parque ou ofsis natural), ¢ até mesmo com um grupo de individuos (enquanto representa uma forma de vida que desapareceu). De forma mais geral, cudo hoje pode tornar-se Museu, na medida em que esse termo indica simplesmente a exposigio de uma impossibilidade de usar, de habitar, de fzer cexperineta Por essa razio, no Museu, a analogia entre capitalism ¢ religiéo se toma evidente. © Museu ocupa exatamente o espago ea fungio em outro tempo reservados ao Templo come lugar do sacrificio, Aes fitis no Templo ~ ou 20s peregrinos que percortiam a terra de Templo em Templo, de santuério em santuitio ~correspondem hoje os taristas, que vigjam sem trégua num mundo cestranhado em Museu, Mas enquanto os igs ¢ os peregrinos participavam, no final, de um sacrificio que, separando a vitima na esferasagrada, estabelecia as justas relagdes entre 0 divino ¢ © humano, os turistas celebram, sobre a sua prépria pessoa, um ato sacrifical que consiste na angustiance experiéncia da Uestiuiyay de wlo possivel usw, Se os et trangeitos sobre a terra, porque sabiam que tinham no oéu a sua patria, os adeptos do novo culto capitalsta néo tém pitria alguma, porque residem na forma pura da separagio. Aonde quer que vio, cles encontrarso, multiplicada ¢ clevada ao extremo, a prépria impossibilidade de habitas, que haviam conbeci- do nas suas casas nas suas cidades, a prépria incapacidade de usar, que haviam experimentado nos supermercados, nos shopping centers € nos espeticulos dos cram “petegilies", ou seja, es a televisivos. Por isso, enqan representa o culto eo altar central da religiio Capitalists, o turismo é atualinentea primeira indGsteia do mundo, que atinge anvalmente mais de 650 milbées de homens. E nada é mais impressionante do «que © fato de milhées de homens comuns conseguirem realizar na propria ‘carne talvez a mais desesperada experiéncia que a cada um seja permitido rex lizats a perda irrevogével de todo uso, a absoluta impossbilidade de profanar. E possivel, porém, que © Improfanivel, sobre © qual se funda a religiéo capitalsta, nfo sea de fato tal, e que atualmente ainda haja formas cfcazes de profanagio. Por isso, é preciso lembrar que a profanagio néo restaura simples- mente algo parecido com um uso natural, que preexistia & sua separagio na cafora religioss, econémica ou jusfdica. A sua operacéo ~ como mostra com clareza 0 exemplo do jogo ~ é mais astuta ¢ complexa e nfo se limita a abolir a forma da separagio para Yoltar a encontrar, além ou aquém dela, um uso néo contaminado. Também na natureza acontecem profanages. O gato que brin- «a.com um novelo como se fosse um rato ~exatamente como a crianga fizia com antiges simbolos teligiosos ou com objetos que pertenciam & esfera eco —usa conscientemente de forma gratuita os comportamentos préprios da atividade predatéria (ou, no caso da crianga, préprios do culto religioso ou do mundo do trabalho). Estes nfo sio canceladas, mas, gracas 3 substituicio cdo novelo pelo rato (ou do brinquedo pelo objeto sacto) eles acabam dlesativados «dessa forma, abertos a um novo € possivel uso, ‘Mas de que uso se trata? Qual &, para o gato, © uso possivel do novelo? Ble consiste em libertar um comportamento da sua inscrigio genética em uma csfera determinada (a atividade predatéria, a caga). © comportamento liberta- do dessa forma reproduz ¢ ainda expressa gestualmente as formas da atividade de que seemancipou, esvatiando-as, porém, de seu sentido e da relaglo impos- ta com uma finalidade, abrindo-as ¢ dispondo-as para um nove uso. © jogo com 0 novelo representa a libertagio do rato do faro de set uma presa, © & libereagao da atividade predatéria do fato de estar necessariamente voltada para a captura ea morte do rato; apesar disso, ele apresenta os mesmos comporta- ‘mentos que definiam a caga, A atividade que dai resulta torna-se dessa forma um puro meio, ou seja, uma pritica que, embora conserve tenazmente a sus nacureza de meio, se emancipou da sua relagio com uma finalidade, esqueceu m slegremente o seu objetive, podendo agora exibir-se como tal, como meio sem fim, Assim, a ctiagio de um nove uso s6 & possivel ao homem se ele desativar co velha uso, tornando-o inoperante, A separagio di-se também e sobretudo na esfera do corpo, como repressio « separagio de determinadas fungées fisiolégicas. Umas delas € a defecasio, que, em nossa sociedade, ¢ isolada e escondida através de uma série de disposi- tivos ¢ de proibigées (que tém a ver tanto com os comportamentos quanto com a linguagem). O que poderia querer dizer: profanar a defecagio? Certa~ mente nio encontrar nisso uma pretensa naturalidade, nem simplesmente desfruté-lo como forma de transgressto perversa (0 que, aliés, é melhor do que nada). Teata-t sim, de alcangar arqueologicamente a defecagio como campo de tensGes polates entre natureza e cultura, privado e piiblico, singular e co- mum, Ou melhor, tata-se de aprender um novo uso das fezes, assim como as criangas estavam tentando fazer a seu modo antes que interviessem a repressio ea separagio. As formas desse uso 58 poderio ser inventadas de mancira cole- tiva, Como observou certa ver Italo Calvino, também as fezes sio uma produ- gio humana como as outras, 86 que delas nunca se fez. uma hist6ria, For esse ‘motivo, qualquer tentativa individual de profand-las pode ter apenas valor de parddia, a exemplo da cena da defecagio em volta de uma mesa de jantar no filme de Bufivel, ‘As fezes ~ é clato ~aparecem aqui apenas como simbolo do que foi separa- do e pode ser restituido a0 uso comum. Mas € possivel uma sociedade sem separacio? A pergunta caver esteja mal formulada. Profanar néo significa sim- plesmente abolir ¢ cancelar as separagées, mas aprender a fazer delas um uso novo, a brinear com elas, A sociedade sem classes nfo é uma sociedade que abo- liu ¢ perdew toda meméria das diferengas de classe, mas uma sociedade que soube desativar seus dispocttivos, a lm de tomar possterl nm ane so, para transformié-as em meios puros. Nada é, porém, tio frigil ¢ precirio como a esfera dos meios puros. Tam- bbém o jogo, na nossa sociedade, cem cariter epis6dico, depois do qual a vida normal deve retomar seu curso (e 0 gato. sua caga), B ninguém melhor do que as criangas sabe como pode ser atroz ¢ inquietante um brinquedo quando aca- bouo jogo de que era parte. O instrumento de libertagio converte-se entio em 75 tum pedlage de madeira sem graga, ea boneca para a qual a ina dis seu a-se um gélido e vergonhoso bonece de cera que um mago malvado pode captirar e enfeitigar para servir-se dele comtea nds. Fase mago malvado 6 0 grande sacerdore da religio capitalista. Se 0s dis positives do culto capitalista so tio efieazes & porque agem nio apenas € nnem sobretudo sobre os comportamentos primérios, mas sobre os meios pu- ros, ou seja, sobre comporcamentos que foram separados de si mesmos e, a5- sin, sepaies dia oa slay Gout wine Diulidade, Na sua fase ext capitalismo néo é senfo um gigantesco dispositivo de caprura dos meios pu- ros, ou seja, dos comportamentos profanatérios. Os meios puros, que repre- sentam a desativagio © a ruprura de qualquer separagio, acabam por sua vez sendo separados em uma esfera especial. Exemplo disso é a linguagem. Certa- mente o poder sempre procurou assegurar © controle da comunicagao social, servindo-se da linguagem como meio para difandir a prépria ideologia e para Iinduzir a obediéncia voluntésia. Hoje, porém, tal funcio instrumental — ainda cficaz is margens do sistema, quando se verficam situagées de perigo © de excegio — deu lugar a um procedimento diferente de controle, que, a0 ser separado na esfera espetaculas atinge a linguagem no seu codar no va scja, no seu possivel potencial profanatério. Mais essencial do que a fungio de propaganda, que diz respeito 4 linguagem como instrumento voltado para um fim, & a captura e a neutralizagio do meio puro por exeeléneia, isto é, da in- juagem que se emancipou dos seus fins comunicativos e assim se prepara para Os dispositivos mididticos tém como objetivo, precisamente, neutralizar esse poder profanatério da linguagem como meio puro, impedir queo mesmo abra a possibilidade de um novo uso, de uma nova experiéncia da palavra. A Tgreja, depoi dJos dois primeiros aéculos de eeperanga ede expectaiva, jf cinha concebido sua fungio com o objetivo essencial de neutralizara nova experién~ cia da palavra que Paulo, 20 coloci-la no centro do antincio messtinico, havia denominado pistis, f. Da mesma maneia, no sistema da religito espetaculas, fo meio puro, suspenso ¢ exibido naesfera midiética, expée 0 préprio vazio, diz apenas 0 préprio nada, como se nenhum uso novo fosse possivel, como se renhuma outea experiéneia da palavra ainda fosse possvel, 16 qualquer outta, parcee ter realizado 0 sonho eapitalista da produgio de um Innprofanivel. Trata-se da pornografia. Quem rem alguma familiaridade com a hhistéria da forografia erética sabe que, no seu inicio, as modelos mosteam uma expressio romantica e quase sonhadora, como se a objetiva as tivesse surpreen- dido, « nfo visto, na insimidade do seu boudoir. As vets, preguigosamente cestendidas sobretm eanapé, fingem estar dorminda au até mesmo lendo, como acontece em alguns nus de Braquehais ¢ de Camille d’Oliviess outras veres, © FotSgrafo indiscreto flagrou-as precisamente quando, sozinhas consigo mes nas, se esto olhando no espelho (€a muse-en-seénepreferda por Auguste Belloc). Muito cedo, no entanco, acompanhando a absolutizagio capicalista da merca- doria e do valor de troca, a expressio delas se transforma ¢ se torna desavergo~ rnhadas as poses ficam complicadas eadquirem movimento, como seas modelos cexagerassem intencionalmente a sua indecéncia, exibindo assim a sua cons- ciéncia de estarem expostas frente & objetiva. Mas é apenas em nosso tempo aque tal processo aleanga 0 seu estigio extremo. Os historiadores do cinema registram como novidade desconcertante a seqiiéncia de Monika (1952) na ‘qual a protagonista Harriet Andersson mantém improvisadamente fixo, por alguns segundos, o seu olhar voltado para a cimara (“aqui, pela primeira vex na histéria do cinema’, irs comentar retrospectivamente 0 diretor Ingmar Bergman, “estabelece-se um contato despudorado e direto com 0 espectador”) Desde entio, a pornografia certamente banalizou o procedimento: as pornortart, ro preciso momento em que executam suas caricias mais intimas, olham reso Iucamente para a objetiva, mostrando maio: interesse pelo espectador do que pelos seus partners Dessa maneira, realizase plenamente © principio que Benjamin jé havia enunciado em 1936, ao excrever o ensaio sobre Fuchs: “o que nestas imagens tua como extimulo sexual nfo ¢ tanto a visto da nudes quanto a iddia da exibigio do corpo nu frente objetiva’. Um ano antes, a fim de caracterizar a transformagio que a obra de arte softe na época da sua reprodutibilidade téc- nica, Benjamin havia eriado © conceito de “valor de exposigéo” (Austellan- .grwert), Nada poderia caracterizar melhor a nova condigéo dos objeros e até ‘mesmo do corpo humano na idade do capitalismo realizado do que esse con- crite, Na oposigio marxiana entre valor de uso e valor de troca, o valor de n incitos. Nio se eta le valor de uso, porque © que esté exposte & como tl, subtraido & eslera do uso; nem se trata de valor de troca, porque no mede, de forma alguma, uma forga-trabalho. Mas é talver sé na esfera do rosto humano que o mecanismo do valor de ‘exposigio encontra o seu devido lugar. E uma experiéneia comum que 0 rosto de uma mulher que se sente olhada se torne inexpressivo. Saber que ‘sti exposta ao olhar eria 0 vazio na consciéncia e age como um poderoso dlesagiegudon dos processus expreasives que wustuucliasteute auiiain o 19st Trata-se aqui da descarada indiferenga que, antes de qualquer outra coisa, as manequins, as pornostars ¢ as outras profissionais da exposigéo devem apren- der a conquistar: nao dar a ver nada mais que um dar a ver (ou seja, a prépria e absoluta medialidade), Dessa forma, o rosto carrega-se até chegar a explodir de valor de exposigio. Mas exatamente através dessa aniquilagio da expressividade © erotismo penetsa ali onde nao poderia ter lugar: no rosto humano, que nao conhece nude2, porque sempre jd est nu, Exibido ‘como puro meio para além de toda expressividade concreta, ele se torna dlisponivel para. um novo uso, para uma nova forma de comunicagio erética ‘Uma pornoster, que presta seus servigos em performances actisticas, levou recentemente tal procedimento ao extremo. Ela se faz forogeafur precisa mente no momento de realizar ou softer os atos mais obscenos, mas sempre ‘de tal manera que seu rosto fique bem visivel em primeiro plano. E, em vez de simular © prazes, segundo 2 convencio comum nesses casos, ea simula © exibe — como as manequins ~ a mais absoluta indiferenga, a mais estdica atataxia. A quem fica diferente Chlo® des Lysses? Certamente ao seu permer, Mas também aos espectadores, que, com surpresa, se dio conta de que a sar, mesmo sabendo perfeitamente estar exposta ao olhar, nfo tem com cles quer a minima cumplicidade, © seu semblance impasaivel rompe assim toda relagio entre o vivido e a esfera expressiva; nfo exprime mais nada, mas se di a ver como lugar imaculado da expresso, como puro meio. © que o dispositivo da pornografia procura neutralizar € esse potencial profanatério, O que nele acaba sendo capturado ¢ a capacidade humana de fazer andar em circulo os comportamentos ex os, de os profanat, separando- cs do seu fim imediato. Mas enquanto, dessa manera, os mesmos se abriam 8 para um possivel uso diferente, que dia respeito nao tantoao prazer do partner ‘masa um novo uso coletvo da sexualidade, a pornografiaintervém nessa atu ra para bloquear e para desviar a intengSo profanatéria. O consumo solitirio ¢ desesperado da imagem pornogrifica acaba substituindo a promessa de um “Todo dlispositivo de poder sempre é duplo: por um lado, isso resulea de um comportamento individual de subjetivacio e, por outro, da sua captura numa csfera separada. Em si mesmo, o comportamento individual néo traz, muitas vyezes, nada de reprovavel e até pode expressar uma intengto liberat6riasrepro- vvivel é eventualmente ~ quando néo foi obrigado pelas circunscdncias ou pela forca — apenas o fato de se ter deixado capturar no dispositivo. Nao & 0 gesto impudente da pornostar nem o rosto impassivel da manequim, como tais, que devem ser questionados; infames sio, isso sim — politica e moralmente — 0 dispositivo da pornografia, 0 dispositive do desfile de moda, que os desviaram do seu uso possivel © Improfanivel da pornografia ~ qualquer improfandvel — baseia-se no aprisionamento e na distragio de uma intengéo autenticamente profanatéria, Por isso ¢ importante toda ver arrancar dos dispositivos ~ de todo dispositivo ~ a possibilidade de uso que 0s mesmos capturaram. A profanagio do impro- fandvel & a tarefa politica da geracio que vem. Imagem profanada de Nossa Senhora de Belém. em loca de culto catdco na Core, apés um ataque israelese, em 2004 ‘Acervo do govene da Palestina, OS SEIS MINUTOS MAIS BELOS DA HISTORIA DO CINEMA Sancho Panga entea num cinema de uma cidade do interior, Esté procurando ‘Dom Quixote ¢ o encontra sentado isolado, fixando o teléo, A sala esti quase cheias a galeria ~ uma espécie de “galinheito” — esté totalmente ocupada por criangas barulbentas. Apés lgumas nites tentativas de chegar a Dom Quixote, Sancho senta-se de mé vontade na platéia, 20 lado de uma menina (Duleinéia?), ue the oferece um lambe-lambe. A projego comesou: é um filme de época: sobre o telio correm cavalciros armados, ¢ num certo momento aparece uma ‘mulher em perigo. De repente, Dom Quixote se ergue em pé, desembainha a sua espada, se precipita contra o telio ¢ os seus golpes comegam a cortar 0 tecido, No teléo aparecem ainda a mulher ¢ os cavaleiros, mas o corte pret aberto pela espada de Dom Quixote se alarga cada ver mais, devorando impla- cayelmente as imagens. No final, quase nada sobra do telfo, vendo-se apenas a cestrutura de madeira que o sustentava. O piiblico indignado abandona a sala, ‘mas no “galinheiro” as eriangas no param de encorajar fanaticamente Dom Quixote, Sé a menina na plata o fixa com teprovasio. (© que devemos fazer com nossas imaginacies? Amé-las, acreditar nelas a ponto de as devermos destrui, fasificar (ert talves, o sentido do cinema de Orson Welles). Mas quando no final se evelam vazias, insatisfeitas, quando rmostram o nada de que sio feitas, s6 ento (importa) descontar 0 prego da sua verdade, compreender que Dulcinéia ~ que salvamos ~ néo pode nos amar. a ‘cma, carta de idadb0 Kane, estriado Orson Wales na cinema (184). Aa lado, Francico Reiguera intrpetanco Dom (Quiote em 1955, na econstrucio petsonalisima ds obra cenantina que o genial eto devou Sota Um en aaa soa Shen cag aia v inacabade, _ Indice dos principais nomes ¢ termos citados na ans Sine J sonar Apoharastass— temo ego designicaes varios, dependendo do tbo (ligioso ou filosien) «em gue € sido, iteralmente significa "vol a edo ign, “entegraso", Na doutrinn cebica,equivle ao “rtabelecimento” do wnitesa 20 seu extado arigindeo, ae vincula doutrina do “cero rrano do ema". O trma stor no citansma dos primelrossécoos, sobrerado com Origenes: no fim do tempos, acontecert redengio universal, © todas as rats, inclusive Stans ea Mort, seri reinteradasnaplenimade do divna.Aeé mesmo infeoo sera pufctrioe paseo. A doutrins fot posteriormente onsidrads hex, ‘Ariel nome pprio de origem hebrics, que sigs "eso de Deu, aqui peronagem do limo dma exc por Wiliam Shalespeace, A tnpetde Nusa pt, Ace do "Espeiea do A ut ser misteriow que vag em volta de Pidspro popsleislo dah, eacompanho embate deste om Caliban. Arieéceles (384 «.C-322 1.C) ~fundador da cidnla que cs conhecida come lgia, fo entre ‘osflsofos da Gréia antiga o que mais influnciu a eliza ocdentl. Diipulo de Paso, deixow importantes etadorsobrea natures eo mando fixe. B eonvderado mentor dos rss ¢ dos penendoresplidco «morals inelinads cnc ea eas, Arnaut Daniel ~rovadorprovengal que vives ente a segunda mate do culo XT ea comaga do ‘sulo XIIL £0 mals fumoso representance do eso chamado mobar la, tendo sido tambon reconcile como criador da esting, Dame considerou Amuut to imporae & pono de coloo nostu “Pungaéxs",enguanco porta Petrara.ochamou de"gande mesuede amo", Stated te Auguste Belle (1800-1867) ~ forgrafa fiancé que especial em ms femininos, ‘Bacon [Fras Bacon] (1561-1626) —fléso,exrtore plc ings, crow “sla dos flo © “primelro dos modemos eo kim dos antgn®’,coniderdo também fundador dscns moder edo empleo 20 lado de Gaile, Su obra matimportnes 8 Noon npn (1620), Beckett [Samos Beckest] (1906-1989) ~ dramaturg ¢ escrtor itlandts, vencedor do Primi Nobel de Literatura en 1968, fo fortementenflunciad por James Joyce, que conhess em Batis, Paricipou di Rete Geet © no queria vive o pevioda male Intenso de na 83 un sa poss Fp Cio (SAA) © Pn de pid (1990) eres caren edo hurl, Benjamin (liter Bene Shinn Renin (18921940) ~ fo tion teria sen ii do, ioe te a ab tr pret eis rm wnt 9 anda Unc o os de us ator publedos no Bra eno Pages (2006) ws clerics, inundo ses tetot sobre «aie sobre 9 sentido ds hina Exece grade influ mt a de Gongio Agim. erga (Er agar Berga] (1918) lho de pater lero, enous um doe grande dios de eat clea do flo XX. Ee us penis oa desta se Ui veo ‘omnia (1959). Serio dew ee de ee 2993), Ot 1 (1997 Morag sere (1957), Baye lesan (1982). ‘ragoshas [gre Bruno Braquchss) (1823-1875) Ford Hanes considera precursor do fojoralime. rages notable pea cobertura da Commun de Paris, qu Ihe rend sri de"Fotigrafo da Comans alin (Joep Baling) (1744-1810) ~ shade asco i um ds grandes amigor de WEA, Maat cen que gsi ethercino compostormantese conespondénca "Vier bose vier Fis ~esreveu Monae 4 Buligs em 1778 ~ "so dae cis dienes. Vier Fl exge ag" Con ulings, Mosartcomnto também ae op Saburg. dade io paqens para eu lee Buscando Burkhal) (1818-1897) ~ nacido Sus, fo um dos mais portant Nevado do sfzlo XIK. Catz da mode side inh econo tennis isis hors do mundo aac dese tempo, cborouo que paso asetcoabesbo come Keli its da cura redo ctu ose de clo). Ene sas obas son coi cc etd Remained, Haid cosa, Codec sobre bite ised, Maeve vacuo, ou etanhs, ania com Frc Niche: "bh, de Fic, deda gue Buscar ate tani ms io Calas - temo oid deel (eal, gabbalecbbas, cba, hate, ha, Able sig floseo que lava mens diva. Kabbalah (QBLE) é una galas de ong heb que sige exept. a verte mite do dao, doveina cards que via conker Deus ¢ Unio, filando de uma redo seserada apenas a pvlegidos. i amb vss es (apr do suo CVI e vss nepagis de sii eosin qe a pl nab Camille fOtier [i-Cail Oi] (1827-1870) ~ exudou pias an Puts com Leon Cognit (17941880 enero por Frozen de 1850. A pte de 1853s ceri Soc Phngaphique pris indir esos pts atts € tos icra fon, Caer-Brspo [Hen Caner Bson) (1908-2004) ~ mesue blo dag ur 0 feanots Cane-reson eabalhou em coema, como autnte de Jen Reno tornouse Ey ; MoM de Pablo Picasso © lent Mat gaps en 1946, Fanlon c Ret Capa, a Mgnim Photon, [Nowa York, Her inimera epotagens fotografi aris com sericones como Pua Vly, Jean-Paul Sate, Simone de Bexswoire Albert Cann ‘Cervantes [Migual de Cermncss Staves) (1547-1616) ~ excitoreepankel que combats cot ‘epant ena Aft, Pere mio equend, fol encucerado exomngade, publics romances Facasados ad sleanga elebriade com O engenho ial Dom Quis dele Manche, cua primeira pac ft publica em 1605 e inaugurou um novo abner lero © romance. Nese bra, Dom Quisot vie sua aga com o fl escudel, Sancho Panga, ea amada Dalen (César Vago (César Abraham Vallejo Mendoza) (1892-1938) ~ consierado 0 grande poess da parade, Noses meee Pert sen 101? talento pam’ Time.onde Jeng primeiro liv: Lor hems maps (1918). Madouse em 1923 pats Pats, fondo slguias vagens a Unio Svc, Fspanba ¢ outs pales eutopeus. lows ae Pata Comunica da spanks © acompanhou as acontesimentas da Guerrs Givi, expatica que reso em seu ema mals politic: "Espana, sparta de mi este ela". Sua obts podtics ext em Pais publicdh postumamente com titulo: Poemasbumoas (1989). (Chlod des Tyee (1972) —atrr porn ances, fol compu co fotigrafe Dahmane Benantcus debe por sation. bli Sal rao cori poe files (2006), entre outros es Gioero (Marcus Tiss Cicero] (106 2.043 aC) ~ politico romano, etudow Blas na Grécin © fer cutelra como juts em Roma, Durante a Guera Civil entre Pompeu © Ca, alire 20 primeir, Quando César €asusinado, opée-se x Marco Antinio ¢sp6ia Orie, Em ounubio de Rd guts re Bats + Lagi Frame Eagar lees imios ecabeps cords cxbids a foro rman. (Cooma Cprian —lembeua por Umber Bea em O name da ris, Coma Grant (A cia de (Cipri) & uma hiséianascida na Europa a pimeiza ade Midis, entre or séulos Ve VI, € ‘que mls rare fo registadsem teat adn, Euma nara ence pia x aleporine asa, sobre pasagens da Biblia, Conta gus o el venta Joe emia pars suas mpg cm Cand da Gala, personagens do Antigo do Novo Testamento, Depots de teem kta sex mupsial, Joel di-se cont de um fur ¢ ondena que toot 0 con dos procures lado. Ele & Acar, fiho de Carme. Os coavivascondensm o ciminaso 4 monte. Acar ¢ escutado enters Imediatamente pelos eoidados Dana wadigo cit reintrprecot unt ste de elementos da antigidade clés; ent eles gir do anjoda gual, edaborne do antigo aahmom pula nero iecionul Ini, ¢ que rab deu origem A figura do demo, um impo que ot eva so mal, De ‘oma semelhants, Duena 6 nt angelologi tna, uma epéce de menina ¢arqutina celeste que marca a ejeiia de cad ser human, es Danaides ~ pa mitlogs greg, a+ Danes so as cingens fas de Dana, irmio gémeo de lpr. Egipco cinha cingdene fhos, que foram insruidos estes com as Danae Danao prefer fie para Argos, mas fl segudo poles filhos de Egjpe. A fim de evar um {serra em Argos, Dana conconlon quea lbsseesasser,Poném, ondenou que las matasem 85 Dane tenpoliayeitnaterag ite Argo imposible mlstafc do Toa ae [Dane Alighierl (1265-1321) ~ sett liana, ator de wn dae mais importante bras st Tieraurs univer, Aine comédi, be considera alse da linge tana sod, Fonusou telogi €flosofiae em sua juventude engajouse nas movimeatagies polite de lors. Condensdlo ao exo pelo paps Benificio VIMY, em 1302 madousse para Verona © depots para Ravens de onde somal sia Dondero (Mato Dende} (1929) fetal de orgem genovis, um dos principe reprerentants Ao fecjomalismo contemporines Autor de inagem quesetorrouedlebe, en 1959, petstndo Alin Rebbe-Grile, Claude Stpoa, Claude Mauris, Jexome Lindon, Robert Pang, Sal ‘echte, Natale Saraute e Claude Ole dane da sede ds ations de Minul, em Pai. Dorian Gray ~pessonagem de Orc de Doin Gry (1891), romance mas Fanos do esior lands Oscar Wide (1854-1900) Wilde em aids pubzadosem poruguts O pipe fle, Salomé O fincas de Canterilee muitos outros romances, poemas onto Dosoleal [Fidor Mibhalovtch Dest] (1821-1881) —cor tase, fbo dem propietsio rural Ingresou nos melos progress peas mies do eileo Vissvlon Balls, a quem deve sexs primeira sucenor:Descreves sua experincia nam campo de ebalhos Foxgados Sibi rm coast der morte (1852). Vir dle suas obs como Cree ste, O ina e (+ irmtes Karamazov, so consieradas vewudeas obrasprimax, Vives sempre com ith liicldade esl a vgn consante da pli. [Edgar Auber ~ vids amorast de Marcel Prowse continua butante missles, Desde lice, cle ‘mand ages matcslinar que merecem carts de amor, Mesmo Ftsencanda mare come Jeanne Pouquerou Laure Hayman, 2 que pretalece so reas om joven como Elgar Aube «depois compesior Reynaldo Helin, cos quam vive uma paix intenn de dois anos, eam Léon, flho de Alphonse Daud, Obviamente cl slit vistas como condenéves moral € secialmente. A morte do pa, Marcel pe srever “alo pont ego ds via dl’ Emile Benveniste (1902-1976) ~ linghsta feanets conhectdo por seus extudos do indo- ceuropes, trabalho no Collage de France fundou, com Claude LéviStrauss Pierre Gourou, a revista Lomrne Sua principal obra ¢ Problema de lnghnica gral, publicada em dois volumes (1966 e 1974). Epierema.—tetmorlacionado’ coméda preps amiga tase dem dieune na qialsantagrice efende sua tse, segundo a Indiages do cosa, E um elemento da patibase da coma, ssomento da neenagio em que o cot s die as especadorer par critic om ecamecer de ecerminados cidade de nsriges pablics, Freud [Sigmund Feud (1856-1939) ~ neurologia astiaco ¢esador da psicandis, fio de Judcus pequeno-burgueses. Morou em Viens até invso nazis, em 1938, Em 1835, em olboraio com Breve, escreveu Hud brea hiera, no qual ese concsios isco da psleaniie. A prima obra propriamente pcan que eieeven 6 interpret deston, 86 le 1900, Vou a anes problemas divi erection ala ah worn do incite exec forte impacto sole a eur do sul XX. Fedich Schlegel (1772-1825) —esrtor do Romantisme leno, Sablegel considera ofngment ‘us foonagensna da ilo exe. Autor de muitoslives, tem publcados no Brall Diao ds igpenter «Consens sobre apes, Fortin (Franco Lats) (1917-1994) ~ensaits, exo leo tadutore poet ano deFormasio ‘ars, Franco Fortin éconsiderado ue dos incelctuis mais desacads d panorama cus) ‘do Nevecento,colubotox com publicasser como Ese Les Temps Modems (de Sate) € Us Maree, Trai obs de Bartle Brecht, Georg Laker, Marcel Prous, Frans Kall fo amigo de Cesite Paves, Per Polo Paolini © Roland Barthes, Publicou, ene ours obs, Himesinenasareatina (1959) Foucault (Michel Fowsssl] (1925-1984) ~ filduofo fancts, de quem Giorglo Agsmben se diz continaadar. Sus obra, A eres denominada psesrutuslisa, deiobra-se em dus (oe) Tasessobretudo mareadas plas sordagensarqueoigic © genelégica A fase al & marca ‘ambi pla sugesto de uma ics (lo cud de e por wma estén (de amizace),Publicon, ‘nt outros ios, Anuclaia da saber (1965) Vier puir (1975). Os ext mas rcenes de Pouca, references kim fede sua aba (compost sbrerudo de confertacias cure), sds no vera ssa publleago conclu, Gadda [Cato Emilio Gada) (1893-1973) — engenheiro eetotéenico, tomou-se um importante scrtriliano, Serpe vive solieeae separado do mundo “normal” Avid atormenrada © sola iro tema de seu vos As vers inconcuids. Leveu tempo para set recoahecdo, scuhindo por tornarse modelo par a neovenguatda lana, lao Calvino deine Gada wm ‘exemple moder do romance contempotince como enciclopsi Gonicaly— no capita 7 do lv de Matthew Bates, A conturbads hia da bibtects (2003), ise qu gonzo (ceptécule) designs uma seputara provishela de ivrose pigs rasgadas de pocmas iting pac aguasam paras convenientementeenterados Anim govisasimbalzn uma biblioteca, mas que armizena iro ¢ textos ao pars so farm, e sim conservando documentos descarsados 8 etragados. Sema blocs os materas eso sutos 0 manus, 4 pend © ac Frc, 0 gosh, a eer edesobero, se romna ur tesouro hisdice Importane Bxemplo & 0 Cairo Genimah, eeunizn de cere de 200 mil manusctasjudsins, adquiidos receatemente por tiasbiblioteascurpéig ¢nowte-amerieans Golem um serartficl mic, associa 3 enim udm, pareularmente bas, ‘que pode ganar via po meio de urs proano mic. O golem & uns posse nspiracio para ‘uti sees elas aeficalment, al como o homens algimis, co moderne Fankensiia (a obra de Mary Seley). No foleore jude, golem & um ser anlmado feko de material Jnana, nits ves ist como um giant de peda, No hebraico modo, 2 plas goles Sipifia tol, nibs etd, CO me é um deriva derma glo qucsigifon mats prima, No Biblia, oermo goon feta wm emis ou subtincia incomples. Demodo geal, tocoeo glo sere pasirmoe a Deu, so Frmadas x put da ama, 3 semalhangs de Ads 7 (Ginga be Leoni (80 8.6875 C2) ~ Ct profane vere, pena ©erml vce en nn Bila on es ales ges Estee Tein, loa ce ‘morte ao 105 anos Ea Fragment canserecn dasa bra Teal Nao Sn Giga i yo Ser nao sas também que, 0 Sr east, no pode ser perma, H 0 Berforsagomete if pollen ra epee, Dew Se ee cae 1rviamente todos os fldsofox Sua impornca como soft & ress por Pato, que the doce ui do seu ie iniporantes disloges, Gorge Gorm [Gugino Gori (1945) ~ & docent de Ellin lana na Universidade de Rota. Tem pblicads ubulhos impotence salue Dane coutos stare alsa, com Cast Emile Gade Hades — na miologi greg, Hades C0 deus do mundo infor, saberano dos motos, Nao 0 deus ta mote, na da plranorte.C nome lads era utd para dexigaar tanto deus (o lve) ‘como sus dominios. lads era um deus de poucas plavas eu nome iasptava tanco edo _qoras pessoas procuravam nto pronuncilo. Era escite como asteocimpiedoso, insesivel 2 prec ou sells, lncimidador e distant. No im da lia contra os tik, vencids os _advrscos, Zeus, Poseldon e Hades parilhatam ences imple do univeso, Zeus flow com edu tea, Poseidon herlou 8 sino dor ma ¢ Hades torneuseo deus dat profunders, dos shvernens, dos inferno. “Hgemone de Thats ~ fol um scr grog da antiga coma. Sabe-se que era mit moan na época da Guera do Pelopones. Arisstles Jembra que Hogemone de-Thasosioventou uma spe de parti, idicusizandow que sublime: Conserantsc dete astoralgune ragientos Horio [Quintus Horas Faces) (65 2-2.) —Risofaepoctaltna, considera un dos ‘lores poets da Roma antiga. Autor de ode, sti ecpitol Ente sus poems rzidos para. 0 poruguts exe “Arte pict. Huber [Hens Hur (1872-1927) -anqucdlog vce fins, conhicido porsuacontingia nos estudos comparativos sobre religider © por seu trabalho a rexpelto dos celtas (Agree doco). Soa colaboragio es. amlade com Marcel Maus esuliarannapublieas0 do Bsa soe nature sci do racic (1899), Thinaget da Moc (Ab Puaar abated ~ € 2 dors principal de Ton-Arabi (1165-1240), misc efsof, chumado ainlzadamente de ger mapmusdo sufso, wags mica do ‘lamismo. © uae wornou-se unaespécedeadvogado da toler eligi. Fscreven cea de tnerntasabrastormando-s nao dctameate mse de muitos dseiplor, mas trnsormanlo- seem mesue do pensanentoepstual do mundo abe, tiene per Notas anos, br le TbArabi ver sod cada ver mals estudads 20 Ocidee, end so era una sociedad seadénie com ses name Italo Calvino (1923-1985) — um dosexctores mai importantes do pr gues Nescido tm Cuba, de pals ellans, madou-e para ei nda na infnci,Petences a Pata Comunista, memo da Ressncia lana durant Segunda Gaers com o fim do confi, sudowse ats Tsim, onde se formou em eraturaao nes tempo que abalhavanojoral Uinta 88 ‘lor Hinai Ses wanes de juve foray nfhancadn pel eo-caisn, No Bexsl ‘tio publi © eau inesinemt (1993) As cidade iis (1990), entre tos irs Jrmouch [Gusev Janouch) (1903-1968) —esrtorcheco que publican Convesarcom Kafe angado no Beal em 1983), conser recolhida entre 1920 1923, um ane anes cde morte do autor de A mecamefie, Jarry [Alfie Jey) (1873-1907) ~ eicdor da patti, post, romance dramacvngo Fane Foi um dos ispradowes do sursealamo e do texto do aheurdo, Ene 1885 © 1888, waits Jovem, campunha coms em prose Yen. Inpirado nose Heber, xu profesor de ca ‘encima de "todo grotesco queens no mundo, Jaryesreveu na coms, Ler Panay ‘verso mals antiga de Ubu re ora que tomo aos oclavo deumatung rants, Jy vive de mance insle, com su billet, novice da poca, seu revere absinvo, Breve uaa bra curiss, Gute etopinion du deter Feuarlpatapyicion (1911), publica pstumamente, a qual apie s pac,» ciéncn dae wlugsesimagindsias Jean Wahl (2888-1974) ~ 6s0f0 fancts, imporante estdiogo da fenomenslogia ¢ do teistencallsmo, que s¢tornou foro tabi por seus tabalhos a repeito do pensamento jover de Hegel e sobre oedlog feo dimamarquésS, Kleskegand, Como jude, esteve por ‘mos regs nos Estados Unidos. Fo dictor de cnhecda Rove de Métuphytiucet de Morale Fn ~cermo Sesh csjo corespondente em ports "gio". Na mitologia rae préilimica © Ilo, wm mm um memo dor on una rg de cates, Deacon coms mstloga os Hi foraracrados2 ml anes anes ture de Ao, eta pensions delead oslo 20 paris, quae igual dos ans emabora nahieraruia celeste foe provavelmente considers Infeioresiqucles, Dizse que cram fetos de ar ogo, Contd, depo que Deus er Ado sob aliderangs do seu onli fier Iblis, os joni seeusram sea curvurse dated no rata ‘Teast mi cond on oram expulsos do prs, tenando-se sees petrenor eas uersos, Tis atirado com cles ar, trnowaeoequvalete de Satan, Jilen Green (1900-1998) ~ somancita frances (sida nox Estos Unidos) deovigcm cic, toe de livros como List soromei! (1931), Fa portuguts enconeram-se publicados, entre ‘us Lead @ Moin, afl [Franz Kaa) (1883-1924) — nase em Prag, fol nas palaven de Borges“ mar estar ‘lseo deste rumulonde eestanho séeuo". Sua obra const um dos pontos mals los da prota abel JO eto Revised asain eli, acetone desnk amunds, Seuslitos—O proce, A metzmoie~cibenimpoténca do homem diane da oganizagso soca gual et submit Kant (Immanuel Kan) (1724-1804) ~peneador lero que defini o fdsof como “eiladorem ‘nome da rao humana’, autor de obra einai como Cie denice parm, Ciba eanacs itis ¢ Crit de juin Lando [Tommaso Landolfi (1908-1979) —fol ese, narrador eum dos mainesradutores do "asso part oialiana, Por mas rebuseada que sj sua mais deexctever,tomouse ponto de 8 sha dhs cla XX refrtocn et se ston cto ayia de jot a jogo prong importante eg de seus isos Legos cero gro que sgifies paiva ou ratio. Lucien Goldman (1913-1970) — liso esoislogo Fanets de oxigen juako-romens. Disp de Lies fi peofisor da Sorbonne em Pais tornando-e un inluene pensidor mans que ‘earl sobre 0 romance, sobs Lables, Racine, Adoeno e sobre a epsemolopi das iénclas ‘hurnanas. Tem publicados no Bes erie outros vrs, Dili exlane (1991) © Cicer en laf (1993). Mahalia Mahal prntido, seguro x ezeneaesatoica defendida peta maioria dos chamados imames, € Muhammad al Mahl, © duodéclmo e Gitmo ini chef) Ele teria aascido ¢ empareedo com pouea Wade, posém recornaria mals tarde, Tease le uma cape de rmesianismo conc jdce om earcterseas milena. Pas mora dos ios no “entanto, 0 coneito de Mahdi vincuaae wma esatolgla diferente, pots embors ise negue 1 profi, nose admice que fsse uma pesca concrcta qu bouvese exis, De qualquer modo, periodieamente surgem pesoas ques auto-intclam Md Manganell(Clocgio Mangal (1922-1990) ~um dos mais eonceinas critics leitos do p-gucer talino, Membro do movimento vanguandista conhoeldo como Grupo 3, éamtorde extensors, em que se destacam os lvot Hise (1964), Lorene come monsogns {1967}, Amore (1981) « Dalla (1985). ‘Maus tal Tlefvich Mara (818 1893) — lof, economies polities ea ales. pssou 1s maior pace ds vida ealdo em Landes, Dowtorow-eem 1841 pela Universidade de Beli, ‘com wma texe sve Epicuro, Foi liga 4 equerdahepeliana © ao materasmo de Feuerbach Em 1844 eooheceu Fiedich Engels e cm 1848 redig com ele O Manifeso Comunits ‘Desecwolveu uma idéia de comunismo lida & sua coneepeto da hsSta © a uma reso ineervego a lca poi, slidra com 9 movimento operii. Suat obras mas famoss so (0 capitl iene ale esa esesia em colboracio com Engel) Maus Gandilse (1906-2006) lula chisoriador Fama, docene de gery de soos Sosbonn de Pais, Dieiplo de Sse, rmow-ae eudleso de Niclen de Case (1421-1464) ¢ rmescredas eno eudantes Fousasle, Detrids, Tyeard, Althusere Deleuze. Fol o primeito teadutor de Benin para francs Mos [Marcel Maus] (1572-1930) such ssnytag anes sbrinhode Evils Din TE considerado opal da enologia fancesa. Tnssiu em que a representagbes incviduls so 0 objet ch pieslogfa enquanta a aber cd cic social devem ser arepresentageseneivas de ‘eatterstinomoe Inconscent para. prpioindviduo que as possi, Seu Fao bree dom (1925-4 torow-e pauadigmacn para os stds etnogricas Melero gogo que significa moti, Mince potatorumn os Mice pear (Miss don cbdre) so textos compostosentie 1200 © 10, em gue se paraineams ot tetas da Krrgi es, usando como tena as euni6es de 0 Fetes hemcrager a des Race, Nea alg exp, Na figs panei 400, ese: "an pve pvndrans, Steamer” (Torte ope. Cama de jell es ligarda ocean inj "Pr ern sede lr tee Cade ‘atin orate. Arn) Onsen “Grier apomar ae Back” Dos pagar deus aco") em lar" rar anes Deo narra” Dersos raga ao nose Daw’, Inteesante 8 ‘quests Mae poetrion, em geal, foram conserve plas comin rligions cits Mocante (Hs, Moran (1918-1985) ~ importante aucora alana, fol ead com 0 exon © Intec Abetto Morava (Or fren) e mance eacionamento com dzto de cnems Luchino Visconti Pbliou,enteoutos iro, it de Arturo © La Sia Maran foi amin de Per Inolo Pasolini ede Giorgio Agamben. Mozart [Wolfgang Amadeus Mozart} (1756-179!) ~ compesitor autica considerado umn dos _malors gnios da misica de todos os tempos. Comps snfonas, concertos, serena eer, como Don Giovanni eA euta mdi Necromante sto adept necomaneis ow igromancl po ce magi que reson emunicagio ‘om as mortos para adivinhaio,Algune relatos sm 0 comsgo des pétca na Amc, Una tho indigena cera areca corp de um chefe de utes tb algamashorss depo de sia ‘moxe, Calocaram os restr moras em tm chou desenhad 1 rer © comoyara 3 Fner exguanas bee o facto eas possibildads deca, Esprits ori mult comune na costa Jeste ds Ami elo Nort, mat hi cxerplos dla no Antigo Texcrear Nieczche [Fries Wiel Nicesche] (1844-1900) ~ depois le pid cares como filo, Aediconse &esrevere deixou uma obra sé e teria das mals importantes. Breve farismos, como Asin fou Zarrua (1884), estudos sobre mais, como O navn da ghia no epic mite (1871) e@autobiogyico Fae home (1888), More em estado de focus, em 1900. Ninetto Davoli (1948) ator deseberto poe Per Paolo Pasi, Tsblhow em visio limes sce Aico rornando-se sino da filmografia pasliniana. Foi Nineto quem rconheces 0 conpo de Pasolini quando ese oi encomtado mors em 1975. (Origenes (185-254) fs grog, considerate © memibro maiseminente da sxcolade Alana, sustentva em scusensinunentos que Deu épuramente pel e que tanacendea venade, azo ¢0 ser Retomando eampliando a nogfo de Clemente, contpira Desa um pedngogo out sem soos gue poi «lip meester per omg om pac (Orson Welles (1915-1985) — odo cinema feos owes, produtorestor Nomtametcano de nascimeno, Wales ineasedobroua Hollywood. Seu flme de esa, Cidade Kane (1941), bnscado avid do magnaca da comunicagies Wns Rasa Hearst, éconsierado um dos smaisimpostans de todos 05 tempos, Em Dom Quist de Orn Wl (1955/192),oenvalire «Sancho Pasa interagers na Espanha da dca de 1950, Paribese— na coma greg, €© momenus em que tds of stores sam do pala, Reando em cena penssos components do cat, quese diiger drtamene 90 piblico. Andaman seu papel a1 de gene epee at odo pen lard ‘nats spit de asst da vid pl Poli [Pir Pole Polio (1922-1975) ~ cnet «eto allan que er de sun ate uma stv ean socpitaiame quaneoivehas formas de comb la, Tide come ass lito, hang peioguido foi antes de tudo um intelectual enguada que produsia poesia, mance, ine ene extos teria textos formality para tate. Entre ses lice mais importa eto. O cane ands ao Mateue( 1964), Sal anor 120 die de Sudeme(1973), iio rei (1967), Made (1969), Decameron {197%}, Or conto de Canterbury (1972), Poly [0965], Do Hoon de nn ato, dastacarste Teas (nnn tla de Ble, Le rn Gra Ragen ve Davi [feo pavi] ~ nome dado pelos cents destuigo pucal de um corpo humane plo Fogo, sem ques chamna se epale pars objeto oreo deizando ps emios inact Esta 20 lado cs expicapes sobrenaturi, uma hips pao femeno chamado “combutio humans espotines’. Na coop uno, goidurs anu como subtacia inlamével soups vk ou seus cabs funcionam como paso. A gondura, dered peo alo, ensops a rout eage como cera, marten aqua lta do avi. Penna [Sandro Penn] (1906-19771 ~ pots iano, ambém lgado por amizade 8 eacsiora Eh “Morante a Psonic ao peta Saba (Umberto Pol. Defra burgucs, exec ras prises antes de doticaree 5 posi, depos de conhose Umber Sab, Em cantsta com importantes revi, sa br comsa er dala, merecendo ae alguns prémloe nacional ome post. Peerates [Pancesco Pesta) (1304-1374) posta floentno, aba tod vida naeaborato ‘dos poemas que formam O cecionso (a data definitive de publicagso & 1374, Frmade por 317 sonetos 29 cng 9 seta, 7 baladare 4 madi, com seus 366 poem Pspero—pesonige de tempetade(1612} de Wim Shakespesce, Peper a due lands qe, depos pe emo, provoc, com ajuda da mag, ua rampestade pura ier naulager bursoet ques encontam oemto casabeith fim dee omar govemante da hs na qual se all: Nese hig confonae com mati Calhaneeom o cfs Avi Proust [Mare Prous] (1871-1922) ~exthor fanets, autor da magia Bm buds tompo pide, cua publica integral deuse apenas apse mua more. Oba consderads por alguns como 0 sue do romance do seul XTX por outros come pecuora dl séeula XX. Sem vida € ust dasa emblems ds tert francs Robbe-Gallt [Ain Robhe-Grll) (1922) ~ incageante do Noweau Roman, roterta do Blme Oa pasado em Marionbad (1561) eautor, en outs von, de Fa ali (1957), Por qe same Bares (1995) e Ossias da de Coins (1997) Robert Cpa [Ene Fredinan] (1913-1954) ~nasceu em Budapest, em 1933, refugion seer ars onde adotou opreudnimo de Robert Capa par dba antes, Frog sdesembarque dis ropas nore americans ma Normand, em 1944, epublcou vs lives. 92 Saba [Une Ii (1883-1957) importante pots eta quer parte da culo de aman dd Eka Morante e Ptr Pas Palin por su vez amigos de Giorgio Agumben Sade [Donatien Alphonse Frangols onde de Sade, cto Manguts dl (1740-1814) —escitor anes, ator de obras como 0 120 dias Sedoma (1782-1785), ane ox a infidel (1791) flea ne aw (1795).ncompreendio em suadpoc, Sade ves ob renee ‘muitos anos depos polar surreias. Saraute [Naha arose, ou organ Nate Teheniak] (1900-1999) seta Fancast de ovigem rsa Insplrando-se om Prowse Viginls Wool, pol de tabalar como jor, ‘Nathalie Sactute publica Tope (1938) obra que sed louvada por Sst. Ea 1956, publica ire pen Po ecda te, exe a al so cvenyoen adios romance, Pasa a ize parce do que econvendonou chamar de Nouveas Roman, so lado de Alain Robbe-Giile, Chu Simone Sn Becker ‘Sealgeo [Giallo Cesare Boone] (1484-1558) —inleemal renascentit, mdi de formas, Iriel sa ensca de exert em 1581 com uma steulo XVI, Brain de Rocrdts On pro Crone cons Eneonson. Eta conc po seus studs sobre botinica esubre ania. ‘Sebastio Salgado (1944) — fotdgrafo brasiro, reconecido Inwznaclonamente como tm dot principals em avidade, Redou a sie Tixbeliadoe, em prst-cbsance, documento © Aiscucindo o Fim do tabalbo manual em grande excala em 26 pales Bm 1994 fondo naa lpia agin, « Amazinia Imager. Renuncios os distos de seprodugio de vias de sas cobras em Freee de causes avin sac Moris hn Tillodunes Rare Sem Tera (MST). Atalmente vive em Pace. ‘Shakespeare [Willa Shakespeare] (1564-1616) ~ poss dramacargo inglés Com ox dois lange ;poemas que deicou a conde de Southampton, obtevedineio sulliente pas tomar cto ‘da companhia acral Lord Chamberlain Men. Sus obras comple fram publica por dois antigo colegasde palo sete anos ap ous more, ‘Simon [Claude Simon] (1913-2005) —vencedr do Ptmlo Nobel de Literature 1985, 0 fants (Clade Simon lnogou, om as estore: Nath Sorraute, Robert ngs, Seuel Becket, Jean Ricardou, Claude Oller ¢ Alain Robbe Geile, grupo liter Nouwenu Ronan na décade dd 1950. Dsgh a Batons de Minviepublicou entre uss lias, Lnttaton (1987) Simonson [Gilbert Simondlon] (1924-1983) ~ flésoo fanets, um das grandes tericos de cvolug tenis © dos procenos de indivduasso, Autor de Du made ditece des objets ecbniquese Lindi er ens ple bioleqne, obras as quai lcions x ettea coma Alogi dtc. Soli-Rethel [Aled Sohn-Rethel (1899-1990) ~ economist filisofo marsisa que combine ‘sto da epstemologade Kant com arc da cconoria pltcade Mart. Cunhow a caneke> \eabstrao rel um process de abst nfo cxeutado por mela da conscénca de pesos somo ato de pensament,esim presupestno penareagic Autor de Zeon and clas race of Gormen fscion (1978), cote outs lives rs conta humanist male cle do 93 iv Rob — wma ds ages si amos aa Mb a cine, Rel & pares no Final de Cid Kee (1941), de Oso Welles, cm princi i ‘momento em que o tend ext quinine © no me das cham dsc w sig de Rossa ‘Wider [Robert Wales) (1878-1956) ~ cctor suo de lingua alemd,auror de mikes poems, romanees (estar quato apenas ~ a6 un publicdo n0 Beal, O aon), mlx ont De wide crete, acaba em snat, onde nada mais ecrcve; no pens em rads, spans fa. longs eaminsdas, Autor sdaieado por Kafka, Rabe Musil e Walker Benjamin, Agamben decara que WaseeEum teliage que descrve forma gues da exstncn que dexaram de se ‘humus, nscale divas ou animales, figs gue vive pray da anasto on da _saio, como etvesam no limbo, ‘Weber {Manian Cart Emil Weber (1864-1920) ~ ello, hsoradoreccnnomistalemio, ennsderado um dos fundadores da sociologia. Fs dos prieirosclenistassocas leva oma importnsia da sligiio nn economia pollen. Weber no acecava as teses de Mans sobre 2 acurmlago primitive sia aba mais impoctante—A én protestant eo epi da capitlions (19045) — refute 8 cede que 0 capital nascerasomente da explora do homer poo home. 4 Sobre 0 autor ‘Gini Agamben seem Rano 1913 Bm dent impormi «pln ef da stutldade,Foonouse pela Unvenidade de Roma, em 1965, com urate sie © pees pola de Simone Wail No ino da ada de 1960, tment amigo da extra Ha Mor do jtlacu ines Pir Paolo Pun chegando a mse no fle O enon pds so ‘Masa (1969, no papel do spol Felipe, Bae 1966 «1968 ania ace bres seinen sobre Hegel © Herc prfeidr por Martin Heidegger em Le'Thot. Na dicada de 1970, eco m5 exudes dling cau medio, prime en Pu depose Lone, nt ‘Wau ste bay Enquano pcs susios, Agamben fete 1986 1993 datoe 4: programa no Callie Iteration de Pioopie (ode enable incl de xade om Jean-Luc Nan ecgues Dea cea Fagot Lyotard Nese peal, profesor anc so de Esa na Univesiade de Mecca (1988-192), Dees deer taalado como decete dle Enica na Unieade de Von (1983-2003), afer pca Voc, edonando a mesma ‘nus na Fao dt Dag rt dela TUAY (azo Universtarn dt Arcs nr) Em 2003 eommourse DuanguedPrfsar du New Yor Universi, sng a0 qu renin em protetncont 8 (bi) Sua produto centre nas rliges ene losfa, dito e ate em gel (incuindo lectus e pos). A puis da década de 1990, Agamben dedices prindpalmente sofia polices, fiendo uma releiura do pensamento assoc heplno, e isprando-se nas sls de Waker Benjani, Cal Sebi, Hanah Arend, obreudo, de Michel Fousal ry 2006 reseu o Prt Batopéen de Esa “Chale Valo” pelo enn dew or ick mig do govern noste-ameicno Boca somo seven content (1970; 1994); Stance (1979; 2006; Ima srl (1979; bas Infinciae Hira Denraiio da xpi da Hira, 205); I ngage mare (1982; dba. magento ae cero sbi ng nat, 2006; Laine dl pene (4982); fda dele prose (1985; 2002); La comarit che en (1990; 2007); Brey be fra dell cretion (com Giles Deleune, 1993); Homo sae (1995; ed. as. Home sce O poder ssberan ea vid nua 2002) Mees tena fn); Cg taiene (1998); Image cr mdi (1998); Quechee di Arte (1998) Poe (2000; emp eta (2000); Lape (2002); Home cee (com Valeria Pana, 2003); Sata Eerie (2003; es, iad deez, 2008); I goo del ine (2004; Cia 2004) La pac del poser (208) Profanazioné (2005; eras. Profi, 2007}: Ce nin dpe? (2006); Ning (2007), regia eghria,Pr su geal lagi 95 Pee eee ee pee Poco enry on f oo a eaten ete ey Peer ett ent Pee eee mete Pe eee ee See ie ee eco) ee profiniar signifi Petty Teeter oer Imagen ae eet: eee fa Reapropriando ere

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