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CAPITULO 11 Teoria Cinética dos Gases Panorama do capitulo Por volta de 1840, varios cientistas chegaram a conclusio de que o calor ndo € uma substincia mas uma forma de energia que pode ser convertida em outras formas. Dois destes cientistas, James Prescott Joule ¢ Rudolf Clausius, foram ainda mais além: uma vez que o calor pode produzir energia mecinica e a energia mecinica pode produzir calor, eles admitiram que a “energia calorifica” de uma substincia simplesmente a energia cinética dos seus atomos ¢ moléculas. Neste capitulo, ver-se-’ que, em larga escala, esta ideia é correcta, consti- tuindo a base da chamada teoria cinético-molecular do calor. Todavia, 0 conceito de tomo € molécula no era aceite por todos, no inicio do século passado. Na realidade, admitindo que a matéria era formada por porgdes muito pequenas, elas teriam que ser to pequenas que nao pudessem ser observadas separadamente, mesmo com 0 auxilio dos microscépios mais poderosos. Nestas circunstancias, nao podendo os cientistas do século xix observar os movimentos das molé- culas, também nao podiam verificar directamente a hipotese de que o calor € a energia cinética molecular. Primeiramente, tiveram que deduzir desta hipdtese algumas previsdes sobre o comportamento de quantidades mensuraveis de matéria, comprovando, em seguida, tais previsdes por meio de experiéncias. Por razdes que serdo explicadas mais adiante, € mais ficil restar tal hipotese a partir da andlise das previsdes que & possivel fazer relativamente as propriedades dos gases. Por conse- guinte, este capitulo trataré, em primeiro lugar, da teoria cinética aplicada aos gases. © desenvolvimento da teoria cinética dos gases no século xx proporcionou o ultimo grande triunfo da mecanica de Newton. Usando um modelo tedrico simples de um gis ¢ aplicando as leis de Newton do movimento as moléculas gasosas como se elas fossem miniisculas 8 Get ‘As moléculas sio as menores porgées de uma substincia — podem ser combi- rages de moléculas de substincias mais simples. 6 Teoria Cinética dos Gases bolas de bilhar, os istas deduziram equagdes relacionando proprie- dades dos gases facilmente observaveis — tais como pressio, densidade: € temperatura —com propriedades nao directamente observaveis — tais como as dimensdes ¢ as velocidades das moléculas. Por exemplo, a teoria cinética dos gases forneceu. (1) A explicagdo de regras estabelecidas previamente por métodos de aproximagdo (como a “lei de Boyle” que relaciona a pressio e 0 volume de um gis). 2) A predigiio de novas relagdes (por exemplo, o resultado surpreen- dente de que o atrito entre camadas gasosas movendo-se com velocidades diferentes aumenta com a temperatura, mas é independente da densidade do gas). (3) Valores de dimensdes ¢ velocidades das moléculas gasosas. Deste modo, os éxitos da teoria cinética mostraram que a mecinica de Newton proporcionava uma maneira de compreender os efeitos € 0 comportamento de moléculas invisiveis. Contudo, a aplicagio da mecinica de Newton a um modelo mecénico dos gases conduz a algumas previsdes que ndo correspondem aos factos. Isto €, 0 modelo nio € valido para todos os fendmenos. Por exemplo, segundo a teoria cinética, a energia de um conjunto de moléculas deverd ser igualmente partilhada pelos diferentes tipos de movimentos das moléculas e dos étomos que as constituem. Mas as propriedades dos gases deduzidas deste principio de “partilha igualitaria” esto em completo desacordo com a experiéncia. A mecinica de Newton pode ser aplicada com éxito a uma larga gama de movimentos ¢ de colisdes de moléculas num gis, mas ndo aos movimentos de atomos no seio de moléculas. Uma teoria adequada do comportamento dos tomos — “mecinica quantica” — s6 foi desenvolvida no século xx (na Unidade 5, so apresentados alguns conceitos de mecinica quintica). A teoria cinética baseada na mecdnica newtoniana depara com outra dificuldade resultante do facto de a maioria dos fendmenos ndo serem reversiveis. Uma colisdo inelédstica constitui um exemplo de processo irreversivel; outros exemplos sio a mistura de dois gases ou a preparagio de um ovo mexido. Na teoria de Newton, o reverso de um acontecimento & tio aceitivel como 0 proprio acontecimento. Poderdo os processos irreversiveis ser descritos por uma teoria bascada na mecdnica de Newton, ou fario apelo a alguma nova lei funda- mental da natureza? Ao discutir tal problema do ponto de vista da teoria cinética, ver-se-4 como o conceito de “acaso” intervém na fisica. 5 fisicos contemporiineos no tomam muito a sério a concepsio que assimila as moléculas a “bolas de bilhar” —tal como aconteceu com muitos fisicos do século pasado. Todos os modelos sio ultra icados ¢ hi que estar preparado para constatar que as hipoteses simples de um modelo devem ser modificadas de tempos a tempos, a fim de estabelecer uma teoria adaptada aos dados experimentais. No obstante, a teoria cinética é ainda muito itil; os fisicos gostam dela ¢ apresentam-na muitas vezes como um exemplo da maneira segundo a qual uma teoria fisica deve ser desenvolvida. Na Secgao 11.5 apresenta-se uma das dedugdes matematicas que & possivel fazer a partir do modelo usado na teoria cinética, Tal dedugdo ndo € apresentada para ser Seoedo 11.2 7 memorizada em pormenor, mas pretende se uma ilustragéo de um raciocinio matematico baseado em modelos que os fisicos consideram iiteis para compreender muitos fenémenos naturais. QI_ As formas primitivas da teoria cinética molecular baseavam-se na hipdtese de que a energia calorifica & (a) um liquido (b) um gi (©) a energia cinética das moléculas (a) composta de moléculas. Q2 Verdadeiro ou falso: Na teoria cinética dos gases, tal como se encontrava desenvolvida no século x0, admitia-se que as leis de Newton do movimento se aplicavam ao estudo do movimento das colisdes entre moléculas. Q3. Verdadeiro ou falso: No século xx, verificou-se que a mecinica newtoniana era aplicavel ndo s6 ao estudo do movimento das molécula mas também do movimento dos atomos no seio das moléculas. 11.2 Um modelo para 0 estado gasoso Quais so as diferencas entre um gis ¢ um liquido ou um sélido? Através da observaco, sabemos que um liquido ou um solido tém volume definido; mesmo que a forma varie, a porgdo de espago ocupada € sempre a mesma. Pelo contrério, um gis expande-se até encher todo © espago em que esta contido (por exemplo, uma sala) ou, no caso de no estar confinado, escapa-se e dispersa-se em todas as direcgdes. As densidades dos gases sio pequenas comparadas com as dos liquidos € as dos sdlidos — em regra, cerca de 1 000 vezes menores. Considera-se que as moléculas gasosas estdo usualmente muito afastadas umas das outras € que 36 colidem ocasionalmente. Segundo o modelo da teoria cinética, as forgas entre moléculas apenas actuam em distin- cias muito curtas, de tal maneira que € possivel supor que as moléculas se movem livremente durante a maior parte do tempo. Em contra- partida, nos liquidos as moléculas encontram-se bastante proximas, pelo que as forcas entre elas actuam continuamente ¢ impedem-nas de se afastarem. Nos s6lidos, estio normalmente ainda mais préximas € as foreas de interacgdo mantém-nas dispostas de forma ordenada e definida. Por conseguinte, 0 modelo inicial dos gases € um modelo muito simple segundo 0 qual as moléculas se comportam como bolas de bilhar miniaturizadas — isto ¢, esferas minisculas ou grupos de esferas que no exercem quaisquer forcas umas sobre as outras excepto quando entram em contacto, Além disso, supde-se que todos os choques entre estas esferas so perfeitamente elisticos, ou seja que a energia cinética total de duas esferas € a mesma antes € depois do choque. Convém notar que a palavra “modelo” é utilizada em ciéneia com dois sentidos. No Capitulo 10, foi referido 0 modelo da maquina de Newcomen dado a reparar a James Watt. Tratava-se de um modelo Baldo de transporte de aparcthagem usado para a previstio do tempo. (Os gases podem ser confinades sem recor reraum vaso. Uma estrela, por exemple 4 uma massa de gis confinada pela forga agravitica. Outro exemplo é a atmos cristal “Modelo” muito simplificado dos trés cestados da matéria. (General Chemis- try, segunda edicao, por Linus Pauling W. H. Freeman and Company, 1953)

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