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eT %, BRUCE L. a FoOpovode | BEUS AS | Wy pe YZ BRUCE L. SHELLEY a IGREJA: opovo de _ DEUS Por que a igreja? Um livro que responde as perguntas feitas por muitos hoje: e Posso ser cristéo sem pertencer a igreja? e Como a minha fé est4 ligada ao batismo? e Qual a importancia da filiagao a igreja? e As igrejas que observo hoje dificilmente se assemelham aquelas do Livro de Atos. O que aconteceu? e O que a igreja deve fazer por mim? e@ Quem é responsavel pela conquista de almas — eu, ou a igreja? O Dr. Shelley, um historiador da igreja que passou 19 anos pesquisando as paginas da histéria e das Escrituras, acredita que precisamos entender tanto a Biblia como a histéria da ‘igreja para compreender como a nossa fé deve associar-se com a igreja atual. eo Bruce L. Shelley diplomou-se pelo Columbia Bible College (B.A.), Fuller Theological Seminary (M. Div.), e University of Iowa (Ph.D.). Ele tem es- crito muito para numerosas publicacées cristas, é editor da Série KNOW & BELIEVE, e também autor do livro Four Marks of a Total Christian (Victor Books). Bruce Shelley é professor de Histéria da Igreja no Conser- vative Baptist Theological Seminary de Denver, Colorado, U.S.A. A IGREJA: O POVO DE DEUS Bruce L. Shelley A IGREJA: O Povo de Deus Bruce L. Shelley SOCIEDADE RELIGIOSA EDICOES VIDA NOVA Caixa Postal 21486 Sdéo Paulo - SP 04698 Titulo do original em inglés: The Church: God’s People Copyright ©1978 pela SP Publications. Inc. Traducdo: Neyd Siqueira Revisdo: Julio Paulo T. Zabatier MATIN RODRIGUES 10 ll 12 INDICE Prefcio . 0... ee eee teen 7 A Igreja: Mitos e Significados 6.0... 6... eee eee ee 9 A Igreja como 0 Povo de Deus... 6... eee eee eee 19 A Salvacdo ea Igreja sce eee eee 31 O Crescimento da Igreja.. 1... eee eee eee eee 43 A Forma da Igreja.. 6. ec eee eee 55 A Filiagdo A Igreja. 20. e eee eee 67 A Adoragio ea lgreja . 1... eee tees 79 A Maturidade da Igreja «6... eee 91 O Ministério da Igreja 2.6... eee eee 103 A Lideranga na Igreja ... 2... a a 113 A Missao da Igreja. so... eee ee eee “beeen 123 O Destino da Igreja .. ee ee eee 133 PREFACIO “Cristo... amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela” (Ef. 5.25). Todo cristo precisa estar de acordo com esse texto. Se Jesus amou a igreja, eu também devo amé-la. Se olharmos ao nosso redor, encontraremos igrejas e igrejas. Muitas das organizagSes religiosas de hoje ndo podem exigir nossa dedicagio e obediéncia, pois obedecé-las seria desobedecer o evangelho. Elas simples- mente ndo sdo expressGes adequadas da graga e poder de Deus. Nao pretendo, portanto, uma aprovacdo de todo corpo religioso que reivindica hoje o titulo de igreja. Defendemos neste livro a idéia de que as formas institucionais, por si mesmas, ndo fazem a igreja. No Novo Testamento, a igreja sé pode ser compreendida como um produto do evangelho da graga sobrenatural de Deus. Esta é a espécie de igreja de que falo nas paginas seguintes. Por outro lado, nao acredito que a Biblia apédie as manobras de muitos cristdos evangélicos. Em sua rejeigdo das corrupgGes:da igreja em nossos dias, descritas no Novo Testamento, muitos evangélicos tentam argumentar que a “verdadeira” igreja” ndo é institucional”. Em minha opiniao, a Biblia ndo sustenta essa idéia. As razGes em que me baseio encontram-se nas paginas deste livro. 8 A Igreja: O Povo de Deus Antes de iniciar, desejo agradecer alguns de meus auxiliares. Minha defendéncia de inameros outros livros fica evidente em quase toda pagina deste pequeno volume. Devo igualmente um agradecimento especial 4 revista Eternity por permitir que fizesse uso de material modificado extrafdo de trés artigos que escrevi para a mesma, tratando da fé, espe ranga e amor. 1 AIGREJA: MITOS E SIGNIFICADOS Um conto de fadas pode parecer um inicio extravagante para um livro sobre a igreja, mas o mundo de “Alice no Pais das Maravilhas” con- tém uma importante ligdo para nés. Vocé pode estar lembrado que no curso de suas aventuras, Alice encontrou um ovo que crescia cada vez mais. Ela logo descobriu que ele era Humpty Dumpty. Na conversa que tiveram Humpty Dumpty usou a palavra gloria, e Alice lhe disse: “Nao sei o que quer dizer com gloria”. “£ claro que no, até que eu lhe conte... Quando fago uso de uma palavra,” Humpty Dumpty exclamou em um tom bastante zombeteiro, “ela significa exatamente o que quero que signifique, nem mais nem menos”. “A questdo é, “respondeu Alice, “se vocé pode fazer com que as palavras signifiquem coisas diferentes.” “A questdo é, “disse Humpty Dumpty, “quem manda mais — isso é tudo.” Esse didlogo merece reflexdo. Humpty Dumpty estava inteiramente certo. O significado das palavras muda mesmo, “O ideal do ‘inglés eter- no’,” escreveu o erudito inglés, C.S. Lewis em uma de suas Cartas a Mal- colm, é tolice absoluta. Nenhuma Ifngua viva pode ser eterna. Seria o mes- mo que querer um rio imével” (Harcourt, Brace & World, 1964, p. 6). Mas 10 A Igreja: O Povo de Deus Humpty estava completamente errado por imaginar que era o senhor das palavras e podia impor-lhes um significado segundo os seus caprichos. O significado de um termo hoje é com freqiiéncia muito diferente do que indicava ontem. Mas o fato de reconhecer tal coisa ndo nos permite confundir os dois, ou ler o significado de hoje na palavra de ontem. Tudo isto sugere que qualquer estudo mais sério da igreja deve escla- recer os significados atuais dos termos, assim como 0 que indica o Novo Testamento. Este o propésito deste primeiro capitulo. Quando usam o termo igreja, muitas pessoas tém em mente um prédio, o qual possui caracteristicas peculiares que o distingiiem de outros: vitrais, colunas na entrada, talvez uma torre, mas sempre, ao que parece, uma hipoteca. Podemos apontar para ele, como farfamos com um banco ou teatro, e dizer: “Ali esta uma igreja”’. Nos Estados Unidos, os individuos religiosos usam freqiientemente © termo igreja para designar uma organizacdo que inclui varias congrega- gGes e prédios. Ela geralmente os reine em algum programa de colaboragdo e ministério. A igreja, neste sentido, é uma denominagdo, como a Igreja Evangélica Livre da América ou a Igreja Luterana Apostélica Finlandesa da América. Outros ainda usam igreja para indicar cristianismo. Essas pessoas possuem percep¢do social ou cultural, pois esto sempre falando sobre a influéncia ou os ideais cristfos na sociedade. De tempos a tempos po- demos ouvi-los dizer: “A igreja deve manter o padrao moral em nossa comunidade”, ou alguma outra declaragao nesse sentido, revelando suas idéias sobre influéncia em sua cidade ou estado. A Biblia jamais faz uso da palavra igreja em relagdo a um prédio, uma denominagao, ou 4 influéncia crista na sociedade. O termos representa outra coisa. Se quisermos tomar a Biblia como nosso padrao, existem entdo outras idéias ainda mais perigosas do que essas. Ninguém ird ficar prova- velmente muito prejudicado em sua vida cristd por pensar em um prédio a ao usar o termo igreja. Mas outras nogGes podem constituir ameagas sérias 4 comunidade cristé responsdvel. A Igreja: Mitos e Significados 1 O Mito da Igreja como Irmandade Esta é uma visao da igreja distorcida pelo individualismo. Ela afirma que sempre que grupos cristdos se reunirem em comunhio espiritual, ali estd a igreja. O mito tem aparéncia de verdade por basear-se num texto biblico, citado por misticos, liberais, evangélicos e carismaticos: “Porque onde estiverem dois ou trés reunidos em meu nome, ali estou no meio deles”. Este é 0 texto de prova infalivel para os defensores do cristianismo em pequenos grupos. O versiculo agha-se em Mateus 18.20, e como todos os textos possui um contexto. Como todos os contextos, este é essencial para a compre- ensio do significado do texto. No contexto, o Senhor Jesus nos diz que se nosso irmao pecar contra nés, devemos procuré-lo em particular e tentarmos a reconciliagdo (v. 15). Se nao quiser atender, pediremos a um ou dois indivfduos que nos acom- panhem para que “toda palavra se estabelega, pelo depoimento de duas ou trés testemunhas” (v. 16). Se mesmo assim recusar-se a ouvir, Cristo diz entdo: “Dize-o a igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano” (v. 17). Os dois ou trés ndo s4o considerados como a igreja, que é identificada como um corpo maior, reunido local- mente de modo a que lhe possam contar 0 acontecido e o individuo des- viado possa dar-lhe atencdo. Esta passagem particular faz uma clara distin- ¢do entre o pequeno grupo de cristos ¢ a igreja (local). Além disso, o v. 20, no contexto, sugere que Jesus est4 no meio de duas ou trés testemunhas, ndo para congregar-se mas para decidir a veracidade ou falsidade de declaragdes feitas nas tentativas de recon- ciliar diferengas entre crentes. Ele age mais como juiz do que como amigo e companheiro. Este versiculo muito citado no apéia entdo a idéia da esséncia da igreja concentrar-se em uns poucos crentes reunidos em fraternidade intima. A linguagem do Livro de Atos, onde lemos a respeito de varios pequenos grupos de cristaos, ¢ igualmente cautelosa. Vejamos, por exem- plo, a ocasiéo em que Paulo viajou de Filipos a Tréade com um grande grupo composto de Sépatro, Aristarco, Secundo, Gaio, Timéteo, Tiquico e Tréfimo (At. 20.4), juntamente com Lucas, e provavelmente Tito. 12 A Igreja: O Povo de Deus Temos uqui um grupo destacado de cristZos que poderia muito bem ser considerado com base em uma definigfo casual (embora ndo-biblica), como a “igreja no barco”. Mas o registro mantém uma clara distingdo entre os viajantes e as igrejas por ele visitadas. Mais tarde, 0 mesmo grupo chega a Mileto e Paulo manda chamar em Efeso “os presbiteros da igreja”, mas no que se segue, fica perfeita- mente claro que a igreja se acha em Efeso e nao na conferéncia dos pres- biteros com Paulo e seus companheiros. Parece existir uma distingao biblica entre o que pode ser adequa- damente descrito como uma igreja e varios outros grupos definidos (“ad hoc”) de crist&os, embora todos eles possam ser crentes verdadeiros, membros da igreja universal. Numa época em que o individuo com freqiiéncia sente-se perdido e insignificante, pequenos grupos de crentes podem exercer um ministério vital. As igrejas deveriam fornecer oportunidades aos membros e seus amigos para manifestagGes {ntimas de suas lutas e vitérias pessoais. Mas, esse é justamente o ponto. No Novo Testamento, pequenos grupos serviam as igrejas; eles ndo eram a igreja. Separados da vida orde- nada da igreja, pequenas fraternidades intimas no geral transformavam-se em reunides pouco sadias de individuos problematicos. Em uma de suas cartas, o deménio-chefe de C.S.Lewis, Screwtape, da instrugdes ao seu subalterno, Wormwood, sobre as vantagens dos pe- quenos grupos em destruir a fé possufda por um jovem convertido e fazé-lo voltar ao seu mau caminho. Todo grupo pequeno, ligado por algum interesse que os demais depreciam, diz ele, tende a desenvolver-se em uma estufa de admiragio mitua. “Queremos que a Igreja permaneca pequena, nfo sO para que menos homens possam conhecer o Inimigo, mas também para que aqueles que o fagam adquiram a ansiosa intensidade € a auto-retidfo defensiva de uma sociedade secreta ou panelinha” (C.S. Lewis, Screwtape Letters, Macmillan, 1951, Letter seven). Encontrei dizias de cristéos que jamais reconheceram a obra de Satands em seu meio. O Mito da Igreja Invisivel Esta é a visdo da igreja distorcida pelo gnosticismo. O termo gnosti- A Igreja: Mitos e Significados 13 cismo exige uma explicagdo. Nos primeiros dias do cristianismo, surgiu um grupo que desafiou grandemente os cristdos quanto a revelagdo bfblica. Este grupo foi chamado de Gnéstico, por alegar conhecer as verdades secretas do universo. E este conhecimento dos ensinos gnésticos era 0 suposto caminho da salvagdo. Um dualismo acentuado era fundamental ao sistema gnéstico, isto é, uma filosofia que enfatiza um mundo real, invisfvel — um reino do espirito — e um mundo fisico contrastante, o reino do mal. Desde que nao havia contato significativo entre esses dois reinos, o sistema é chamado de dualista. Podemos descobrir imediatamente porque o gnosticismo desafiou téo profundamente o cristianismo biblico. O pecado é uma questao de ignorancia? Se os corpos ffsicos sio maus por si mesmos, como poderia Deus ter-se encarnado? A maioria dos cristdos sentiu o conflito apresentado pelo gnosti- cismo quanto 4 verdade biblica. A sua tejeiggo refletiu-se no que veio a ser chamado de Credo dos Apéstolos, que comega: “Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do céu e da terra...” Os cristéos ortodoxos insis- tiram em que a Biblia ensinava que a natureza fisica e a historia humana eram esferas de atividade divina auténtica. A Biblia declara que Deus entra no tempo e no espago e age para a nossa salvagdo. Tudo isto € um pano de fundo necessdrio para revelar o erro dos que buscam uma igreja verdadeira além do tempo e do espago. Quando alguém diz: “Nao pertengo a igreja alguma, sou membro do corpo de Cristo,” ele esté fazendo da filiagdo em Cristo um assunto particular, mistico, um relacionamento obtido em separado de qualquer pritica, instituigdo ou cerimGnia terrenas. Uma pessoa assim tem a grande vantagem de nfo assumir qualquer responsabilidade pelas igrejas organizadas na terra. Todo pecado e falha nas igrejas podem ser postos de lado como algo que a natureza humana nao-espiritual pratica, mas deixa a alma do verdadeiro crente intocada —e despreocupada. O elemento demonfaco nesta linha de pensamento é claro na corres- pondéncia de Screwtape com Wormwood. Em sua terceira carta, ele diz a Wormwood para manter a mente do convertido desviada dos deveres mais elementares, dirigindo-a para os pontos mais avancados e espirituais. 14 A Igreja: O Povo de Deus “Agrave essa caracterfstica humana deveras Util, o horror e a negligéncia do 6bvio”. Se ndo puder impedir que o jovem ore por sua mae, aconselha Screwtape, verifique que “ele se preocupe sempre com o estado da alma dela e nunca com o seu reumatismo... Tenho tido pacientes tao bem con- trolados por mim, que podiam mudar de um minuto para outro de uma oragdo comovida pela “alma” de uma esposa ou filho, passando a espancar ou insultar os mesmos na vida real sem qualquer escripulo” (C.S. Lewis, Screwtape Letters, Macmillan, 1951, Letter three). Esta super-espiritualidade possui, entretanto, uma desvantagem, sendo estranha as igrejas do Novo Testamento, que foram ensinadas a considerarem coisas terrenas como dédivas generosas em dinheiro como sendo “gragas” e que um copo de 4gua dado a um irmfo sedento podia ser oferecido, de fato, ao Senhor (Mt. 25.34-40). As igrejas do Novo Testamento foram recipientes do poder e com- panhia invisiveis, mas elas mesmas eram tao terrenas como as l4grimas, © sangue e 0 cansago. O Mito da Igreja Original Esta € uma visio da igreja deturpada pelo primitivismo. Este mito encontra-se entre os que apelam constantemente para a “igreja do Novo Testamento” — como se o primeiro século tivesse conhecido apenas uma igreja, sendo ela o ideal para todas as eras. Esta é uma forma de primiti- vismo crist@o. Ela considera o original como modelo. Todas as igrejas sub- seqiientes si0, por definigdo, cépias inferiores, do mesmo modo que as reprodug6es de um Rembrandt s4o inferiores ao original. O mito falsifica uma importante convicgdo evangélica — a revelagao peculiar da Escritura. A Palavra de Deus é a norma para todo ensino e comportamento cristao. Sola Scriptura! Este importante princfpio da Reforma refere-se, porém, 4 verdade de Deus encontrada na Biblia. Jamais foi uma aprovagao geral de todos os atos dos homens — cristdos e ndo-cristdos — registrados na Escritura. As igrejas apostélicas — lembre-se de Corinto — com freqiiéncia afastavam-se do original. Divisio, heresia, imoralidade e imaturidade eram quase sempre mais vis{veis do que a graga de Deus. A Iereja: Mitos e Significados 15 O infeliz produto deste mito do original é uma critica das igrejas de nossa época. A censura & quase inevitével, desde que é praticamente impossivel para as igrejas de hoje se compararem a uma igreja modelo que nunca existiu. O Mito da Igreja como Doutrindria Esta visdo da igreja fica obscurecida pelo intelectualismo. Trata-se de uma distorgdo encontrada entre os cristdos que insistem interminavel- mente sobre uma doutrina correta ou “dividir corretamente a Palavra da verdade” e que sentem em seus coragGes que sem um evangelho “cem por cento puro” nao existe uma igreja verdadeira. Lesslie Newbigin, Bispo de Madras, na India, traca esta “super- intelectualizagdo” da f6, como remontando aos reformadores protestantes e sua insisténcia em definir a igreja em termos de doutrina “pregada cor- retamente”. “A Palavra”, disse Lutero, “é a tnica marca perpétua ¢ infalivel da igreja”. Quem quer que leia, porém, os escritos do monge transformado veré que a Palavra significava para ele mais do que doutrina corretamente formulada. A Palavra que produzia fé, na opiniao dele, era dinamica e ativa na alma dos crentes. Nao obstante, o acordo doutrindrio logo tornou-se a base da unidade protestante contra os erros de Roma e a fé veio a ser definida em termos de acordo com a doutrina da igreja. Muitos outros evangélicos nos Estados Unidos possuem uma heranga de conflito com o liberalismo. Sua visfo da igreja € moldada pelo passado e tendem a pensar nela em termos de “verdades profundas” das Escrituras. Os cultos sfo quase sempre salas de aula em que a Brblia é estudada com um bloco de notas e uma caneta na mao. Uma béngdo, neste ambiente, geralmente significa a descoberta de alguma nova idéia da Escritura. E desde que a experiéncia é principalmente uma questao de pensamento e raciocinio, fitas-cassete da mensagem do professor podem ser distribui- das a centenas de outros cristaos fora da sala de aula. , Quantas vezes igrejas cristés foram destrogadas por individuos ou grupos que tentaram impér seus mitos sobre o corpo! Quantos crentes zelosos foram vencidos pela desilusfo quando deixaram de encontrar numa comunicade crist@ a realizagao de seus sonhos! 16 A Iereja: O Povo de Deus Deus nao permitira que nem mesmo tragédias assim sejam a palavra final. “SO aquela fraternidade que enfrenta uma tal decepgdo,” diz o te6logo alemao Dietrich Bonhoeffer, “com todos os seus aspectos infelizes e feios, comeca a ser aquilo que deve ser aos olhos de Deus, comeca a agarrar pela fé a promessa que Ihe é feita” (Life Together, New York: Harper and Row, 1954, p. 27). Antes de encontrarmos a igreja como Deus a designou, devemos vencer os mitos de nossa propria imaginagdo. E por esse motivo que necessitamos identificar nossas falsas concepgGes da igreja — para vermos mais claramente a realidade oferecida por Deus a todo verdadeiro crente em Jesus Cristo. O Que E a Realidade? Antes de discutirmos a forma e as fung6es da igreja, devemos iden- tificd-la. Talvez o ponto inicial seja o reconhecimento de que a igreja é uma sociedade de seres humanos, uma comunidade visfvel entre outras comu- nidades humanas. Ela tem fronteiras. Os tedlogos geralmente se preocupam com os que morreram na fé, com a “igreja vitoriosa”, mas 0 Novo Testamento raramente (ou talvez nunca) olha para o céu, a fim de observar a igreja. Ele parece satisfeito em deixar os mortos nas mfos de Deus. O interesse principal da Biblia € 0 povo de Deus na terra. Esse é certamente 0 curso da responsabilidade crista. Somos instados a nos unir 4 comunidade visivel de Deus neste planeta e a promover o seu avanco. Como veremos mais tarde neste capitulo, o nicleo da historia biblica € o chamado e cuidado desta comunidade visfvel, primeiro em Israel e depois na igreja crista. Num sentido muito real, os 66 livros da Escritura formam um Unico, a Biblia, porque através de suas paginas existe uma sociedade real, vis{vel, terrena chamada de “povo de Deus”. Nosso Senhor Jesus Cristo é o “Superestar” da Escritura porque, como mencionou Lesslie Newbigin, Ele nao deixou um livro, um credo, um sistema de pensamento, ou uma regra de vida, mas uma comunidade visivel — a igreja.” A Igreja: Mitos e Significados 17 Esta comunidade ¢ especial justamente por causa de Jesus Cristo. A frase “‘igreja de Deus” (ekklesia theou) ou “igreja de Cristo” (ekklesia Christou) revela o significado essencial da igreja. A palavra igreja (ekKlesia) por si s6 no significa mais do que simplesmente “reunio”. Mas “igreja de Deus” indica que 0 cardter desta assembléia nao esté em seus membros mas em seu Cabeca. E a assembléia ou reunifo de Deus. O Novo Testamento ensina que todos os que sfo levados para a fé, numa nova relagdo com Cristo, descobrem que passam a assoCiar-se com uma por¢do de outros. A sensag&o de pertencer a Cristo inclui, imediata e inseparavelmente, um sentido de unido com o povo de Cristo. Em ampla escala, esta é uma comunidade de confiss@o, desde que se acha baseada numa confissio comum, feita através dos labios e da vida, que Jesus ¢ Senhor. Numa escala mais estreita, é uma comunidade Jocal, desde que o crente se encontra, na verdade, reunido com aqueles que vivem nas vizi- nhangas e professam esta mesma fé ¢ lealdade a Jesus Cristo. Quando os escritores do Novo Testamento falam entdo da igreja (ekklesia) sempre englobam um ou outros desses sentidos. E, com freqiiéncia, nio podemos sepraré-los completamente. E. Glenn Hinson, um professor do Semindrio Batista do Sul em Louisville, U.S.A., sugere que a relacdo entre a igreja universal e local é como examinar um objeto através das duas extremidades de um telescépio. De um lado o objeto multiplica seu tamanho e de outro este é reduzido. Em todos os aspectos, exceto 0 tamanho, temos a mesma entidade (The Church: Design for Survival, Nashville, Broadman, 1967; p. 55). O Novo Testamento jamais fala de uma igreja universal como a soma total de todas as igrejas locais. Trata-se da totalidade de um povo remido e nao de uma organizacdo de congregacées locais. Além disso, o Novo Testamento nunca sugere um conflito entre a comunidade universal confissional e a reunifo da comunidade local. Os escritores do Novo Testamento pensavam em uma igreja Gnica porque s6 existe um Salvador e Senhor da igreja. Paulo sublinhou esta unidade em Efésios 4 quando escreveu: “Hé somente um corpo e um Espirito, como também fostes chamados numa s6 esperanga da vossa vocagdo; hé um s6 Senhor, uma s@ fé, um s6 batismo; um s6 Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e estd em todos” (Ef. 4.4-5). 2 A IGREJA COMO O POVO DE DEUS A maioria de nés recorda como escolhia 9 seu lado preferido num jogo infantil. Fazendo um retrospecto, pensei mais de uma vez como éramos cruéis ao escolher o nosso time para um jogo de futebol. O dltimo menino escolhido era atirado de um lado para outro como um sinal de generosidade. Nunca pensivamos como ele se sentiria por ser o ultimo, ou, pior ainda, ficar na reserva. Ele jamais se queixava, por que quem quer ser deixado compfetamente de fora? Essa lembranga me veio 4 mente outro dia enquanto lia as palavras de Pedro: “Antes ndo éreis povo, mas agora sois povo de Deus, que nfo tinheis alcangado misericérdia, mas agora alcangastes misericérdia’” (I Pe 2.10). Uma das coisas belissimas que nos acontecem por pertencer igreja, € o reconhecimento de que somos escolhidos. Vacé nao é deixado de fora, estd dentro. Existem duas maneiras distintas de considerar a igreja. Podemos vé-la como parte do plano de Deus que corre através da Biblia, de Génesis até Apocalipse. Este é 0 conceito da salvaco pessoal. Queremos vé-la no primeiro sentido neste capitulo. No préximo nés a veremos no segundo. Ambos s4o sugeridos por este texto de Pedro. 2 A Igreja: O Povo de Deus “Sois povo de Deus.” O que Pedro queria dizer com isso? Com base no proprio versfculo, ele queria indicar que todos os que receberam a misericordia de Deus na salvagdo, todos os qué renunciaram ds suas reali- zag6es morais e oraram, como 0 publicano: “O Deus, sé propicio a mim, pecador” (Le 18.13) — so “o povo de Deus”. Este € 0 conceito pessoal da salvagao e da igreja. Pedro indica, porém, mais que isto? Est4 ele sugerindo alguma rela- io entre a igreja ¢ 0 Israel dos tempos do Velho Testamento? Os crist&os muitas vezes lutaram com as indagagOes que cercam esta relagdo. A igreja é o cumprimento do plano divino para Israel? Ou seré ela um segundo povo de Deus e uma alternativa? O tnico objetivo de Deus € introduzir na igreja os judeus, individualmente, como cumprimento das promessas feitas 4 antiga Israel, ou mantefé Ele um propésito futuro para o Israel corporativo? Essas so perguntas importantes para o tstudioso da Biblia, mere- cendo nosso estudo cuidadoso. Mas, para o propésito deste livro, basta dizer que o conceito — 0 povo de Deus — quando aplicado 4 igreja, s6 pode ser compreendido a luz dos tratos de Deus com o Israel do Velho Testamento e especialmente seus alvos no primeiro aparecimento de Jesus de Nazaré. Como uma melodia sinfénica, as referéncias a0 povo de Deus correm através desses acontecimentos que inspiram reveréncia e marcam o nasci- mento de Jesus. Quando 0 anjo contou a José que o Espitito Santo era o respons4vel pela gravidez de Maria, ele ordenou ao mesmo que desse a crianga o nome de Jesus — versfo grega de Josué no Velho Testamento, significando “o Senhor é Salvador”. Esse nome tinha um significado especial, explicou o anjo, porque Jesus “salvaré o seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21). Assim sendo, o nome Jesus, tao caro aos cristaos, forneceu um elo entre 0 povo de Deus no Velho Testamento € 0 povo de Deus no Novo Testamento. A crianga na mangedoura de Belém foi tanto o cumprimento da promessa de Deus a Israel como 0 alicerce do plano de Deus para a igreja. Ambas as idéias aparecem nos eventos da natividade. O marido de Isabel, Zacarias, quando ficou cheio do Espirito profetizou a respeito de A Igreja Como o Povo de Deus 21 Jesus, ainda nfo nascido: “Bendito seja o Senhor Deus de Israel, porque visitou e redimiu 0 seu povo”. O velho sacerdote parecia estar falando de Israel. Pouco mais tarde, porém, outro ancido de Israel, viu na crianga “salvaco... a qual preparaste diante de todos os povos; luz para revelagdo aos gentios, e para gloria do teu povo Israel” (Le 1.68 e 2.30-32). A visio que Simedo teve levou-o ao novo povo de Deus, a igreja. A vida de Jesus marcou entdo claramente um ponto critico no drama do povo de Deus nas Escrituras. NEle, as promessas feitas a Abrao, Moisés e Davi encontram cumprimento e um novo povo de Deus é criado. Pode- mos aprender muito sobre a igreja, estudando as idéias bdsicas que cercam © conceito do povo de Deus. Trés dessas idéias bdsicas sero exploradas neste capitulo. Um Povo Chamado Aprendemos, em primeiro lugar, que a igreja é uma comunidade de pessoas — 0 povo de Deus — que deve sua existéncia e peculiaridade a um fato fundamental — 0 chamado de Deus. O chamado foi feito primeiro a Abraao. Deus lhe dissera que aban- donasse seu pais e parentela e fosse para outro pafs onde faria dele um outro povo. A tribo de Abrado seria 0 meio de todos os povos da terra serem enriquecidos por parte de Deus (Gn 12.1-3). O Senhor confirmou varias vezes essa alianga da gfaga — este acordo espiritual — com Abrado (Gn 22.17-18). Ela foi confirmada mais tarde a Isaque filho de Abraio e Jacé, filho de Isaque. Mas Jacé morreu no cativeiro no Egito, como aconteceu com José, seu filho notavel. Esta série de dificuldades explica a nota prosaica colocada no final do Livro de Génesis. José morreu, foi embalsamado e “posto num caixdo no Egito” (Gn 50.26). A promessa de Deus moveu-se rapidamente para 0 seu cumprimento sob Moisés, que descendia de Levi, filho de Jacé. Moisés dirigiu os escravos desprezados, tirando-os do Egito, mediante um éxodo milagroso e trés meses depois de terem sido libertados do Farad, eles entraram no deserto do Sinai. Nesse local o Senhor ordenou que fosse dito ao povo: “Tendes yisto... como vos levei sobre asas de 4guias, ¢ vos cheguci a mim. Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz, e guardardes:a minha alianga, 22 A Igreja: O Povo de Deus entdo sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos, porque toda a terra é minha; vés me sereis reino de sacerdotes e nacao santa”. (Ex 19.4-6). “V6s sereis 0 meu povo,” disse o Senhor, “se obedecerdes a minha voz”. Israel, foi entdo criado e sustentado pela voz de Deus, a palavra que foi até eles no deserto. Deus queria que seu povo soubesse que sua peculiaridade entre as tribos do deserto e as nagdes do Oriente Préximo repousava sobre 0 fato deles ouvirem e obedecerem 4 sua Palavra. Eles nao escolheram seguir a Deus; Deus foi quem escolheu chamé-los, Sua obediéncia 4 Lei dada no Sinai jamais foi um meio de assegurar o favor divino. No existe sugestdo de que Deus os tenha amado por serem bons. Sua obediéncia foi o modo de vida apropriado para um povo libertado. Mais tarde, com o brago estendido de Deus, eles conquistaram Canad e ainda depois disso estabeleceram uma monarquia; a qual, infelizmente, acabou em desastre. O povo de Deus quebrou a sua alianga, rejeitou a sua Lei e desprezou os seus profetas, até que ndo houve mais remédio. O juizo de Deus caiu sobre eles e comegou o cativeiro na Babilénia. O Senhor nao abandonou, entretanto, 0 seu povo. Com o tempo, fiel 4 sua promessa de abengod-lo, Ele os chamou da Babilénia, como fizera no Egito, e levou-os de volta a sua terra. Conforme disse Deus atra- vés de Jeremias: “Portanto, eis que vém dias, diz o Senhor, em que nunca mais se diré: Tao certo como vive o Senhor que fez subir os filhos ce Israel do Egito; mas: Tdo certo como vive o Senhor, que fez subir os filhos de Israel da terra do Norte, e de todas as terras para onde os tinha langado. Pois eu os farei voltar para a sua terra, que dei a seus pais” (Jr 16.14-16). Mas Deus também prometeu através de seu povo abengoar todas as nagGes da terra. A desobediéncia de Israel tornou isto impossivel até “a plenitude dos tempos” e a vinda de Cristo. O chamado de Deus para a terra de Cana, primeiro da famflia de Abrado de Ur e Hard, depois os descendentes de Jacé do Egito, e o remanescente de Judé da Babilonia, todos eles foram uma sombra de um chamado mais alto e superior reden- go. Mediante a morte e a ressurreigéo de Jesus, o propésito de Deus é chamar do mundo um povo para si mesmo, remi-lo do pecado e conce- der-lhe a salvagdo prometida. Este chamado é 0 nicleo do conceito do Novo Testamento sobre igreja. A idéia acha-se impregnada no termo usado com maior freqiéncia A Igreja Como o Povo de Deus 23 para designar a igreja. O termo grego ekklesia é construido da raiz do verbo kaled que significa chamar. A ekklesia, ent@o é a assembléia ou congregaga4o chamada para reunir-se. A igreja, portanto, é mais do que uma agregagao — pessoas que decidem reunir-se. Ela é uma congregagdo — pessoas que foram chamadas para reunir-se pela Palavra de Deus. Nesse sentido, Deus vem primeiro. O seu chamado precede a assembléia. O corpo retine-se para ouvir a voz de Deus e nao para partilhar sews pensamentos e opinides. O Novo Testamento insiste enfaticamente neste ponto. Deus nos chamou “a comunhio de seu Filho” (I Co 1.9), nos chamou de fato para pertencer “a Cristo Jesus” (Rm 1.6). Este chamado divino é uma “santa vocagdo” (2 Tm 1.9) ou um chamado “em santificagdo” (I Ts 4.7) que nos separa do mundo e nos torna “‘santos” (I Co 1.2) em cardter e conduta. Trés ligdes praticas surgem deste chamado especial do povo de Deus. Primeiro, se a igreja ¢ chamada por Deus, ela deve reunir-se. A Palavra de Deus € um convite aos pecadores ¢ solitérios para deixarem 0 mundo e encontrar ndo apenas perdao, mas também comunidade nEle. Ele nos chama de nosso isolamento pard nos unirmos a um povo, reunido para louvor, cuidado e missdo. Esta é a principal raz4o biblica para a adoracao corporativa. Nao freqiientamos a igreja para nos distrair. Vamos a igreja para dar expressao visivel e audivel daquilo que somos, membros de um corpo peculiar, separados do mundo, o povo de Deus. Segundo, se a igreja é chamada pela Palavra de Deus, a Biblia deve ter entao um lugar central nas reunides de seu povo. Aprendemos sobre a necessidade de salvacdo, e sentimos o aguilhdo de uma consciéncia con- denada, descobrindo o caminho da‘santidade mediante a pregago e ensino da Escritura. Terceiro, o chamado de Deus deve destruir nossa complacéncia espi- ritual. Os santos jamais chegam 40 término, eles nunca chegam. A igreja est4 sempre a caminho. A atitude de Paulo é nosso modelo aqui: “Nao que eu 0 tenha ja recebido, ou tenha jd obtido a perfeigéo; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus” (Fp 3.12). Deus sempre chama seu povo para que se torne'mais semelhante a Cristo e sirva de modo mais abnegado, pois “o prémio da soberana voca- ¢ao de Deus’’ é Jesus Cristo, nada menos. 24 A Igreja: O Povo de Deus Um Povo da Alianga A igreja é igualmente uma comunidade de pessoas — o povo de Deus — ligados uns aos outros por estarem ligados a Deus — numa alianga. As aliangas eram 0 meio comum das pessoas entrarem num acordo no mundo antigo. Uma alianga ligava amigo a amigo (I Sm 18.3), esta- belecia os direitos 4 4gua entre dois lideres tribais (Gn 21.22-32), ou ex- pressava os termos de paz entre dois reis (I Rs 20.34). Uma alianga veio entfo a representar, naturalmente, a relagdo entre Deus e Israel (e mais tarde a igreja). Ha muito tempo atrds, nossos pais na fé reconheceram o lugar espe- cial da alianga na historia bfblica quando diferengaram entre a Velha e a Nova Alianga ou, como a chamamos hoje, o Velho e o Novo Testamento. O titulo indica que a realidade subjacente que une a Biblia é a alianga. Nao € a idéia de alianca, porém, que une as Escrituras, mas a alianga em si, um ato praticado por Deus na historia, que resulta num relacionamento intimo entre o Senhor e seu povo. A Velha Alianca, criada pelo Bxodo e pelo Sinai, sustentou Israel. A Nova Alianga, criada pela morte e ressurrei¢do de Jesus, sustenta a igreja. Esta posigaéo central da alianca nos impele a examinar a natureza da mesma e seu significado, primeiro para Israel e depois para a igreja. O primeiro elemento da alianga foi o seu cardter pessoal. A alianga envolvia atos especiais de um Deus pessoal com uma nagdo de pessoas. Nao foi a descoberta de certas leis espirituais pelos judeus da antigiiidade. Nem foi a criago de um conjunto de idéias religiosas por alguns homens de talento religioso destacado. Tratou-se, porém, da disposig¢do voluntaria de um povo para entrar numa relacdo peculiar com Deus num momento decisivo de sua histéria. E provavel que tenha sido o acontecimento mais importante na historia da vida de Israel. Deus disse a Israel no Sinai: “Vos levei sobre asas de dguias, e vos cheguei a mim” (Ex 19.4). Esse o amago da alianga. Idéias e leis ndo falam. Elas nfo podem atrair-nos. Sé uma Pessoa viva pode fazer isso! Na igreja, o cardter pessoal da alianga é retido pela fé pessoal dos membros na morte e ressurreigéo de Jesus. Nao existe cristianismo por procuracdo. Cada um de nés deve render-se ag Senhor pessoalmente — A Igreja Como o Povo de Deus 25 por reconhecermos nossa escravidfo ao pecado e nossa necessidade de redengdo. Uma menininha atravessou certa vez uma poga de dgua e ficou com as meias sujas. Depois de examinar o desastre com olhos criticos, ela perguntou 4 mie: “Para que serve a lama?” A mao buscou rapidamente uma resposta convincente e encontrou-a: “Para fazer tijolos, querida”. “E 0s tijolos, para que servem?” “Para fazer casas, meu bem.” “E as casas?” “Para as pessoas.” A menina parou um momento e depois fez uma pergunta para a qual a mae nao teve resposta. “E as pessoas para que servem?” A idéia basica por tras da alianca com Deus tem a resposta para essa pergunta. A alianga, primeiro com Israel e depois com a igreja, diz: “Essas pessoas sao para Deus!” O segundo elemento na alianga foi a sua origem. Ela foi estabelecida por Deus e depois recebida pelos homens. Nao se tratava de um acordo entre iguais, uma transagio que o homem fizesse com o Todo-poderoso. As religiSes pagas nas circunvizinhangas de Israel tinham essa idéia de acordo. Seus devotos procuravam desesperadamente agradar seus deuses de alguma forma, a fim de apazigud-los e fugir 4 sua ira. Em surpreendente contraste a isto, a alianca de Israel ndo era algo que oferecessem a Deus, mas que Ele lhes oferecia. Deus tomou a iniciativa e apresentou-lhes o acordo. Ele os escolheu como seu povo antes que eles O escolhessem como seu Deus. O terceiro aspecto da alianga era a sua base. Ela achava-se funda- mentada na miseric6rdia divina e ndo no mérito ou empreendimento do homem. Israel jamais poderia alegar que fora chamado para ser 0 povo de Deus devido ao seu nimero, poder, bondade ou sagacidade. Pelo con- trdrio, eles eram o objeto indigno do amor inconcebfvel de Deus. Eram os recipientes de graca espantosa. “Nem vos escolheu, porque fosseis mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os Ppovos, mas porque o Senhor vos amava” (Dt 7.7-8). Tratava-se de algo jamais ouvido na historia. Outros deuses aterro- rizavam seus adoradores e os homens tentavam febrilmente suborné-los com ofertas de sacrificios. Mas em Israel um Deus cheio de amor entrou na hist6ria, quebrou as algemas da crueldade do Egito e fez povo aquele que ndo era povo. 26 A Igreja: O Povo de Deus Quando a igreja sente que Deus fez o mesmo a seu favor, ela levanta a sua voz e canta com o autor de hinos, Samuel Davies: Possa esta graga estranha, incompardvel, Este milagre divino de amor, Encher toda a terra de louvor e gratiddo, E todos os coros de anjos lé no alto. Quem é um Deus perdoador como Tu? Quem oferece graca assim tao grande e graciosa? Alguns estudiosos da Biblia ignoraram esta nota de graga na Velha Alianga. Em seu desejo de engrandecer a graga de Deus no evangelho, eles argumentaram que Israel entrou num relacionamento legal com Deus no Sinai. Israel tinha de alguma forma de ganhar o favor de Deus guardan- do a Lei, segundo eles. Isso seria porém aceitar o ponto de vista fariseu da Lei como sendo o de Deus. O relacionamento da Velha Alianga no estava baseado no empreendimento ou recompensa. Ele era assegurado pelo poder e miseri- cérdia de Deus, demonstrados no éxodo da escraviddo. A Lei no estabe- leceu a relagao entre Israel e Deus, ela elaborou 0 estilo de vida do povo remido do Senhor. Os escribas e fariseus veriam com o tempo a Lei e todas as suas tra- digdes como um meio de ganhar a aprovacdo divina. Mas 0 propésito de Deus parecia claro no Sinai. Ele livrou o seu povo da escravidao e a seguir deu-lhe a Lei. A ordem é importante. Exodo 20.1-3 diz: “Falou Deus... Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito... Nao terds outros deuses diante de mim”. A historia posterior de Israel foi, infelizmente, marcada por deso- bediéncia cada vez maior a Deus. Os profetas advertiam ¢ censuravam 0 povo de Deus mas, nas palavras de Oséias, o coragdo deles estava dirigido para outros amantes (Os 2.7). Eles amavam o seu pecado. Jeremias ndo viu finalmente qualquer esperanga exceto numa nova alianga: “Porque esta é a alianga que firmarei com a casa de Israel... diz o Senhor. Na mente lhes imprimirei as minhas leis, também no coragdo thas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serdo 0 meu povo” (Jr 31.33). Pessoas como José e Maria, Simedo e Ana viveram 4 luz desta esperanca até que Deus decidiu enviar o seu Filho, “o fiador” desta “superior alian- ga” (Hb 7.22). A Igreja Como o Povo de Deus 27 Nao ha dévida que os primeiros cristdos viam-se como herdeiros desta tradicdo em Israel. Eles eram o remanescente fiel que ndo olhava para a sua prdpria pureza religiosa, mas para a graga de Deus como sua esperanca de salvag4o. A promessa de Jeremias apdia certamente a idéia dos primeiros cristaos no sentido da Ceia do Senhor ser a “Nova Alianga” (2 Co 11.25; Mt 26.28). A morte de Cristo, simbolizada no cdlice da tefeig¢do comunitaria, 6 a base de uma nova relagdo com Deus. Este rela- cionamento é igualmente expresso pela Lei de Deus — mas a Lei nao se acha mais escrita em tdbuas de pedra, e, sim, gravada no coragdo do novo povo de Deus, a igreja de Jesus Cristo. Um Povo Escolhido Aprendemos finalmente que a igreja ¢ uma comunidade de pessoas — 0 povo de Deus — escolhidas por Deus para refletir a sua gl6ria e espa- Ihar 0 evangelho a todos os povos. Considero ser esse 0 ponto central da doutrina biblica da eleigdo. A palavra eleiggo deixa muitas pessoas inquietas. Ela conjura imagens de cal- vinistas sombrios e puritanos com negros capuzes. Jonathan Edwards que pregou o sermao “Pecadores nas Maos de um Deus Irado”, nao acreditava na eleigéo? Quem quer retroceder a esse ponto? Tais temores tém um certo fundamento. A doutrina da elei¢@o nas m4aos de certos cristaos tem sido deturpada, tornando-se irreconhecfvel biblicamente. A tradigao calvinista, em particular, a partir de um desejo justificado de eliminar todos os pensamentos no sentido do homem ganhar a salvacdo por seus proprios méritos, salientou a liberdade soberana de Deus em eleger e regenerar quem Ele quiser.'Ela tem freqiientemente defendido a eleigéo, no entanto, como um decreto arbitrério de Deus estabelecido na eternidade. Nesta forma de pensamento, a verdadeira igreja torna-se facilmente uma companhia misteriosa dos eleitos invisiveis, s6 conhecidos de Deus. O resultado desta conclusdo é muitas vezes a remog4o da igreja na terra do lugar central que ocupa nos registros do Novo Testamento e em especial o deslocamento da tarefa missiondria do centro de interesse e obediéncia cristas. 28 A Igreja: O Povo de Deus Sob a influéncia das aventuras do Capitao Cook nas Ilhas dos Mares do Sul, e as instrugGes de seu amigo, Andrew Fuller, William Carey come- ou a pregar sobre as obrigagSes universais do evangelho. Numa reunido de ministros, ele propds que os pregadores discutissem a necessidade de Jevar as Boas Novas para aqueles que jamais as tinham ouvido. O idoso John Ryland agastou-se com ele por interferir nos assuntos de Deus. “Sente-se, jovem,” falou ele. “Quando Deus quiser converter os pagios, Ele o fard sem a sua ou a minha ajuda.” Essa é uma doutrina de eleig&o sem apoio neo-testamentario, cons- trufda sobre conclusées filoséficas em lugar de revelagdo biblica. A eleigdo no Novo Testamento acha-se arraigada em fatos histori- cos, especialmente em Jesus Cristo que foi crucificado sob Péncio Pilatos. Ele € 0 Eleito de Deus, o Filho amado do Pai (Mt 3.17). Nossa elei se faz apenas por causa de nossa unido com Ele, Nao somos escolhidos isoladamente, como individuos, mas como membros do seu corpo, a igreja. O instrumento da escolha de Deus na Biblia é a pregacdo do evan- gelho da morte e ressurreigdo de Jesus. Foi assim que Paulo entendeu. Ele recapitulou seu ministério para os Tessalonicenses e fez com que se Jembrassem dos resultados do mesmo: “Reconhecendo, irmaos, amados de Deus, a vossa eleigo, porque o nosso evangelho ndo chegou até vés tdo somente em palavra, mas sobretudo em poder, no Espirito Santo e em plena conviccao” (I Ts 1.4-5). Os tedlogos crist¥os tém-se interessado geralmente pelas razdes ou falta de razGes na eleicdo. A Biblia, porém, ndo nos oferece razGes, Ela enfatiza o propésito da eleico, permitindo que o mistério da escolha de Deus continue inexplicado, e se concentra em vez disso na qualidade de vida que a igreja deve manifestar. Deus disse a Israel no Sinai: “Vs me sereis reino de sacerdotes ¢ nado santa” (Ex 19.6). E Paulo escreveu aos Efésios que Deus nos es- colheu em Cristo “antes da fundacdo do mundo, para sermos santos e irrepreensfveis perante ele” (Ef 1.4). A Escritura ndo sugere em ponto algum que eleito signifique “fa- vorito”. Se for o caso, eleito representa “instrumento”, porque Deus escolheu Israel pafa ser um “reino de sacerdotes”, isto é, um povo que serviria de mediador das misericérdias divinas Aqueles que ndo tém espe- ranga de misericérdia. A Igreja Como o Povo de Deus 29 Essa distingio € absolutamente imperativa. Lesslie Newbigin a reforga quando escreve: “Toda vez em que o carter missiondrio da dou- trina de eleigdo & esquecido; sempre que esquecemos termos sido esco- lhidos a fim de sermos enviados; ... sempre que os homens pensam que © propésito da eleigdo é sua propria salvagaéo em lugar da salvagdo do mundo; entéo o povo de Deus tera trafdo a sua confianga” (The House- hold of God, New York: Friendship Press, 1954, p. 111). A doutrina da eleigao longe de ser antiquada e irrelevante, é uma explica¢do fundamental da razfo da existéncia da igreja. Se a igreja é a companhia dos eleitos — e ela é realmente — nao tem motivo para vangloriar-se, pois a verdade e a graga de Deus sao nossas para passar adiante e ndo para guardar. O convite para receber o evangelho é também uma ordem para passé-lo adiante. Esse 0 motivo pelo qual a nica igreja de que a Biblia fala é uma igreja missiondria. Isso nos leva de volta ao ponto inicial porque na passagem que inaugurou este capitulo — I Pedro 2.9-10 — 0 apéstolo tocou nesta nota missionaria. Ele lembrou os leitores de que eram “povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos cha- mou das trevas para a sua maravilhosa luz” (I Pe 2.9). Essa é uma nota digna de ser soada repetidas vezes. 3 A SALVACAO E A IGREJA Nos idos dos anos 60 um botdo apareceu na Calif6rnia. Como cen- tenas de botdes naqueles dias, ele continha uma mensagem: “Jesus, Sim! Igreja, Nao!” Uma das maiores barreiras que impede o ser humano (homens e mulheres) de aproximar-se de Deus é a propria igreja. Para a maioria das pessoas a igreja nao passa de uma instituigdo humana. Ela luta com o poder e o orgulho, com a cobiga e a lascivia, nfo apenas no individuo obscuro e oculto, mas nos mais altos escaldes da lideranga religiosa. “A igreja € como arca de Noé”, dizia um manuscrito medieval: “Se ndo fosse a tempestade 14 fora, nfo seria possivel suportar o cheiro dentro dela”. Isso é realismo cru! Em nossos tempos muitos poderao até mesmo preferir a tempestade ao cheiro. Uma verdade bdsica foi apresentada no ultimo capitulo: a salvagdo de um povo — 0 povo de Deus — um corpo unido — sempre foi e continua sendo 0 grande propésito de Deus no tempo. 32 A Igreja: O Povo de Deus Argumentamos que sob a Velha Alianga, preparada no Sinai depois do Exodo do Egito, Deus proveu a salvacdo de Israel. Sob a Nova Alianga, assegurada no Calvario e no tamulo de José, Deus estendeu a salvagdo a igreja. Tentamos mostrar que a igreja € crucial para o plano de Deus na histéria humana. Neste capitulo vamos discutir que a igreja ¢ igualmente central para os propésitos de Deus no coragdo humano. Se for verdade que Deus precisa de um povo especial para testemunhar ao mundo, é, do mesmo modo, verdade que o crente necessita de uma familia para crescer. O Cristianismo 6 Corporativo Poucas pessoas em nossa época acreditam que 0 alvo de Deus seja criar um corpo de crentes e fazer uso dele para enriquecer as pessoas. Até mesmo os cristfos tém dificuldade em apreender essa idéia. A fim de evitar o embarago criado pela igreja, alguns crentes ten- taram fazer com que a verdadeira igreja fosse algo acima das falhas e pecados do povo que constitui a mesma na terra. Nao permitir criticas 4 fé! Isentd-la do tempo, espago e pecado. Numa palavra, separar Cristo da igreja, Jesus, sim! A igreja, nfo!” A forma mais popular deste expurgo da fé é tornar o cristianismo algo puramente individual — e limitar as relag6es espirituais com as expe- tiéncias ad hoc. Assista a uma conferéncia biblica ou a um concerto de “tock cristio”, mas nfo fale sobre a filiacdo a igreja. Desse modo poderé ter Jesus, sem nenhuma responsabilidade. + Esta perspectiva compara-se de certo modo com o amor livre. Quan- do sentir o impulso de fazer amor, nfo se refreie, avance! Mas iamais con- verse sobre casamento, jamais pense no amor como uma responsabilidade. A grande dificuldade com esta visio altamente individualista da teligido € nao oferecer qualquer protec¢do contra o engano da psique do individuo (Jr 17.9). Se eu me tetirar para o amago de minha alma, quem me livraré de mim mesmo? Como distingiiir entre a voz do orgulho ea voz de Deus? A Salvagao e a Igreja 33 Felizmente, a maioria dos cristaos ndo avanga a ponto de rejeitar inteiramente a igreja. Eles continuam prejudicados, porém, por uma perspectiva individualista da salvacdo, que vé a igreja apenas em termos de proveito pessoal, +} Essa atitude surge ds vezes em nossa adverténcia aos novos cristaos. Dizemos a um jovem cristdo que a fim de crescer na fé, ele deve ler a Biblia e orar todos os dias. E desde que necessita de amigos, deve fre- qlentar a igreja. Mas, nao ser4 essa uma razdo bem frdgil para freqtientar a igreja? Nao teremos j4 plantado a semente da destruigdo quanto ao culto verda- deiro — que vantagem terei nisso? Se continuarmos com nossa analogia sobre 0 amor e 0 casamento, aplicaremos a mesma linha de pensamento a este ultimo. Vocé pode imaginar-se dizendo a um noivo: “Estou contente por que vai casar-se, ird aproveitar muito”? Os casamentos ndo foram feitos para os que espe+ ram receber, mas para os que estdo preparados para entregar-se, dar de si mesmos. O que acontece se a igreja deixa de oferecer companheiros para o novo convertido? E se ele gostar mais de uma comunidade religiosa do que da igreja? Os novos convertidos precisam saber que a igreja faz parte inte- grante da verdadeira salvagdo, assim como o casamento estd inextricavel- mente ligado ao verdadeiro amor. Amar realmente significa assumir res- ponsabilidade pelo ente amado. Isso é casamento. Ser verdadeiramente salvo significa ser acrescentado a um corpo de pessoas salvas. Isso é a igreja. Nao quero que me entendam mal. Nao estou negando o ponto apre- sentado no capitulo anterior sobre a alianga estabelecer uma relacdo entre pessoas. Afinal de contas, 0 que poderia ser mais pessoal do que a expe- riéncia evangélica da alma salva? Essa nota pessoal é com certeza um tema auténtico na religido biblica. O pecador sobrecarregado e carente ndo pode aproximar-se de Deus por meio de um representante. Nao cantamos: “Quando nds contempla- mos a cruz maravilhosa”;O meu maior ganho é que é contado como perda. Sou eu que devo aproximar-me sozinho do trono de misericérdia. 34 A Salvacao e a Igreja Mas, muito embora a fé salvadora seja um assunto intensamente pessoal, jamais é uma questdo puramente particular. O homem, como Deus o fez, é um ego individual, mas nao isolado. Segundo a Biblia, o isolamento concentrado em si mesmo, é a corrupgdo da natureza humana; trata-se da suprema ilustragdo do pecado e nao da graca. O propésito da redengao é justamente este: livrar-nos de nosso egoismo. Cristo morreu na cruz e o Espirito veio no Pentecostes para destronar o “eu” pecador e atrair-nos para uma nova comunidade. No Novo Testamento, a vida do crist@o ndo é acidentalmente, e sim, neces- sariamente comunitdria. Mesmo que um membro do corpo dissesse: “Nao pertengo ao corpo,” ndo deixaria de modo algum de fazer parte do corpo (I Co 12.15). O Pecado Na Igreja Se a vontade de Deus para os crentes é viverem numa comunidade crist4, como podem ser respondidas as acusagGes contra a igreja? Como pode ser explicado o pecado na igreja? Os cristaos sofrem com freqiiéncia o peso desta acusacdo. Os ted- logos catélico-romanos, por exemplo, afirmam muitas vezes que desde que a igreja € o corpo de Cristo, ela néo pode pecar. Os membros pecam, mas a igreja como tal esta livre de pecado, e nos sacramentos da peni- téncia a igreja tem o meio de tratar com os pecados de seus membros. Esta linha de argumentagdo, na verdade, foge do problema. Qual a pessoa sincera que pode negar ter a igreja, como uma sociedade visfvel, de mostrar-se culpada de orgulho, incredulidade e cobiga? A distingio entre a igreja e seus membros é uma abstracdo. Lutero reconheceu isto quando disse: “A face da igreja é a face do pecador”. O Novo Testamento ensina claramente que a igreja peca. A mesma igreja de Corinto, Paulo escreveu: “Vés sois corpo de Cristo” (I Co 12.27) e “Sois carnais” (I Co 3.3). Além disso, o Novo Testamento sugere que a igreja pode pecar tanto e com tanta freqiiéncia, a ponto de colocar-se em perigo de morte. O Senhor da igreja disse 4 igreja de Sardes: “Tens nome que vives, e estas A Salvagdo e a Igreja 35 morto” (Ap 3.1). E ele advertiu os efésios: “Moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso ndo te arrependas” (Ap 2.5). Nao basta, portanto, o uso da palavra igreja. Uma igreja pode deso- bedecer a Deus e pecar contra o Espirito Santo a ponto de ultrapassar a linha de sua existéncia como igreja. Ela pode deixar de ser igreja. Nao podemos negar entdo que a igreja tem pecado e peca realmente. Mas buscar uma igreja irrepreensivel é perder de vista 0 propédsito de sua existéncia. A igreja é uma comunidade entre as eras — entre a pri- meira e a segunda vindas de Jesus. A vida em Cristo é tanto um dom de Deus jd aceito como uma realidade ainda incompleta. A nova vida do Espirito € uma espécie de pagamento parcial pela nossa heranga completa que esté ainda para vir (Ef 1.13-14). A igreja vive ento da esperanga. Ela sabe que nesta era presente jamais pode reivindicar a vit6ria final sobre 0 pecado, sendo necessdrio aguardar a volta do Vencedor. Até entdo, a igreja esta sob a Cruz. A graca de Deus e o poder de Deus s6 vém através da morte. Essa a razdo pela qual nosso testemunho jamais aponta o mérito da igreja, mas a graca e o poder de Cristo: Nada trago em minhas mdos, Apego-me simplesmente a tua cruz. Cantamos estas linhas na igreja, por ndo mais pensarmos nela como uma sociedade perfeita. Num certo sentido, como disse certa vez o puri- tano Richard Baxter, é um simples hospital. Quanto tempo faz que vocé ouviu alguém criticar o hospital, considerando-o deficiente, pelo fato de seus internados estarem doentes? Vamos concordar entéo que a vontade de Deus para o cristdo é a vida na fraternidade da igreja e que esta comunidade de crentes, deste lado da volta de Cristo, esta sempre necessitando da graga de Deus devido as manchas do pecado. O Retrato da Igreja Se a fraternidade da igreja representa sempre uma semelhanga borra- da do plano‘final de Deus para 0 seu povo, 0 que poderemos razoavelmen- te esperar de uma congregacao de crentes? 36 A Igreja: O Povo de Deus Ao descrever o cardter da comunidade cristé, 0 Novo Testamento geralmente recorre a figuras de linguagem. Nés as chamamos de metéforas. Ao examinar essas imagens, precisamos reconhecer que elas sdo tanto descritivas como prescritivas. Elas descrevem o que a igreja é, da forma designada por Deus, e descrevem o que ela deveria ser quando Cristo molda a sua experiéncia num determinado ponto, num periodo particular. Jesus, como é natural, falou de seus seguidores em termos tomados de empréstimo ao Velho Testamento. Trés dos mais pitorescos so noiva, vinha e rebanho. Qualquer judeu aceitaria perfeitamente a idéia do Senhor de Israel escolher a sua noiva, plantar a sua vinha e dirigir 0 seu rebanho. Isafas escrevera: “Como 0 noivo se alegra da noiva, assim de ti se alegraré o teu Deus” (Is 62.5). Jesus adotou esta figura para explicar porque o jejum ndo era adequado aos seus discfpulos. Ele, o noivo, conti- nuava junto aos convidados (os discipulos) e eles tinham toda razdo para estar felizes. O dia estava para chegar, porém, em que 0 noivo seria afasta- do deles e entdo jejuariam (Mc 2.18-20). A imagem da vinha também se encontra em Isaias: “O meu amado teve uma vinha num outeiro fertilissimo”, cantou o profeta. “Sachou-a, limpou-a das pedras e a plantou de vides escolhidas... Ele esperava que desse uvas boas, mas deu uvas bravas” (Is 5.1-2). Jesus fez uso desta imagem em sua pardbola dos lavradores maus, que espancaram os servos do Proprietério da vinha e mataram seu Filho (Mc 12.1-11). Mas Ele estendeu também a idéia a um outro contexto, alegando ser Ele mesmo a Vinha, cujos ramos podiam produzir fruto apenas se permanecessem nele (Jo 15.1-11). A idéia de rebanho, como as outras duas, pode ser encontrada em Tsafas. Na passagem imortalizada pelo Messias de Handel, o profeta prog- nosticou: “Como pastor apascentard o seu rebanho; entre os seus bragos recolher4 os cordeirinhos, e os levard no seio; as que amamentam, ele guiaré mansamente” (Is 40.11). Nos ensinos de Jesus, Ele é 0 Bom Pastor que se aventura no de- serto em busca de uma tnica ovelha perdida (Le 15.3-7). Ele leva as ovelhas a pastos verdejantes e finalmente da a sua vida pelas ovelhas Jo 10.1-18). Com base nessas trés metdforas podemos concluir que os seguidores de Jesus sfo (1) unidos a Ele por uma alianca espiritual, (2) devem ser A Salvagao ea Igreja 37 produtivos, isto 6, agraddveis ao Senhor, e (3) protegidos e alimentados pelo proprio Jesus, porque Ele os ama até a morte, O apéstolo Paulo usou outras trés figuras para esclarecer melhor a idéia de igreja: o corpo, a familia, e o prédio. O Corpo de Cristo A imagem favorita de Paulo para a igreja era 0 corpo, a tnica meté- fora do Novo Testamento sem qualquer base no Velho. O apéstolo fez uso dela em Efésios, Colossenses, Romanos ¢ I Corintios. Qual © significado do termo? Muitos crista@os evangélicos julgam que nao significa mais do que 0 corpo de cristdos, isto 6, um grupo de crentes individuais. O termo pode certamente incluir todos os que se encontram em Cristo, mas a Biblia nado diz “o corpo de cristaos” e sim “o corpo de Cristo”. Outra possibilidade € “a comunidade que pertence a Cristo”. Este ponto de vista toma “de Cristo” como um possessivo e separa assim a igreja de todos os demais corpos. O corpo de/Cristo pode finalmente significar “o organismo que se acha unido a Cristo”. O corpo é mais do que uma simples colegio de individuos, Trata-se de um organismo espiritual. Os crentes em Cristo sdo unidos em seu corpo porque, mediante a regeneragdo, eles se unem ao Cabega. O terceiro caso é provavelmente o significado proposto por Paulo. Embora seja verdade que a igreja pertence a Cristo — Ele “comprou-a” com © seu sangue (At 20.28) — a unido de Cristo com seu povo e sua unidade uns com os outros é 0 significado bdsico de Paulo. Em Efésios e Colossenses, 0 apéstolo parecia considerar 0 corpo em suas mais amplas dimensdes porque viu-o unido ao seu Cabega exal- tado. Paulo afirmou em Efésios 1.22-23 que Deus “pds todas as coisas debaixo dos seus pés (de Jesus) e, para ser o cabeca sobre todas as coisas, o deu a igreja, a qual € o seu corpo, a plenitude dAquele que a tudo enche em todas as coisas”. 38 A Igreja: O Povo de Deus O apéstolo parece sugerir que a exaltagdo de Cristo tem um pro- posito césmico. Trata-se certamente de uma visio da igreja que ultra- passa a congregacdo local; mas sem, naturalmente, negar a igreja como uma congregacdo. Em Romanos e I Corintios, porém, a assembléia local de crentes era o alvo dos pensamentos de Paulo. Seu ponto principal ao empregar a figura do corpo foi o de salientar a diversidade dos membros dentro da unifo do corpo, a igreja. Romanos 12.4-5 resume melhor a idéia: “Porque, assim como num s6 corpo temos muitos membros, mas nem todos os membros tém a mesma func¢4o; assim também nds, conquanto muitos, somos um s6 corpo em Cristo, e membros uns dos outros”. O cardter essencial da igreja nado é o resultado de varios membros concordarem em constituir um corpo, como devemos notar. Os membros representam a diversificagdo e nfo a unidade. A unidade do corpo é um produto de Cristo apenas. Apesar da aceitagfo ampla da idéia nos Estados Unidos, a igreja nfo é uma associagSo de voluntarios. Os membros nfo sfo acrescentados nem afastados por escolha pessoal. Se pertencem a Cristo, pertencem entao uns aos outros desde que Ele, e nfo eles, constitui a unicidade. Como declarado por Paulo em Romanos, formamos um corpo em Cristo. Se os cristéos conseguissem apreciar essa verdade, ela os tornaria mais tolerantes em relagdo aos seus irmdos e irmas na igreja com quem nao concordam. A diversidade nao é algo a ser rejeitado, mas a ser aceito. Deus quer que ela seja um meio de ministrar a0 corpo-e, por meio deste, ao mundo. Cada membro é, pois, importante aos olhos deDeusy A Familia de Deus A segunda imagem utilizada por Paulo para descrever a igreja é familia. Isto sugere a idéia de que a igreja é uma sociedade de amor e aceitagdo. A idéia est4 implicita no pensamento, usado com freqiiéncia por Jesus, de que Deus é nosso Pai. Mas, em Efésios 2.19, Paulo declarou claramente que ndo somos mais estrangeiros e inimigos, e sim “membros da famflia de Deus”. . A Salvagdo ea Igreja 39 Isso indicaria que tornar-se cristo é como contrair casamento. Vocé comega a amar, os dois assumem um compromisso, seus interesses e desejos se tornam um s6; e vocé adquire sogros e cunhados. A Biblia simplesmente nao reconhece um cristianismo individual. John Wesley, o fundador do Metodismo, menciona em seu “Journal” © conselho que Ihe deu um “homem sério” ndo nomeado. “Sr.,” disse o homem, “quer servir a Deus e ir para 0 céu? Lembre-se de que ndo pode servilO sozinho. E preciso entdo buscar companheiros ou fazé-los; a Biblia desconhece a religifio isolada.” Os evangélicos norte-americanos possuem uma heranga estimulante na histéria do reavivamento. Este movimento de evangelismo em massa, tendo como alvo a converso de individuos, deixou sua marca no cardter americano. Ele domesticou a selva e moldou a moral publica durante um século depois da Guerra da Independéncia. O reavivamento, no entanto, criou a impress4o que decidit-se por Cristo era o inicio e o fim da experiéncia crista. Tudo o mais ficava em segundo plano, caso tivesse mesmo algum valor. Muitos crentes continuam acreditando que ser salvo é tudo que diz respeito a vida crista. Ninguém deve por em divida a importancia crucial de uma conver- so. O proprio Jesus disse a Nicodemos: “Se alguém no nascer de novo, nado wae ver o reino de Deus” (Jo 3.3). Mas 0 novo nascimento inclui uma famflia. Como podemos ter Deus como nosso Pai sem aceitar ao mesmo tempo 0s filhos de Deus como nossos irm4os e irmas? A igreja € 0 meio usado por Deus para satisfazer uma necessidade profunda do coragéo humano, a necessidade de pertencer. O escritor de Génesis colocou isso de maneira penetrante mas simples quando re- gistrou a criagio do homem. Apés cada dia da criagéo, Deus observou sua obra e declarou-a boa. As estrelas, os animais, as plantas, os peixes. Mas quando chegou ao homem, Ele disse: “Ndo ¢ bom que o homem esteja s6” (Gn 2.18). O ntimero de clubes, sociedades, alojamentos \¢ fraternidades criados pelo homem confirmam sua necessidade social ~ o Clube dos Pessimistas, a Sociedade Real dos Ratos Almiscarados, a Comunidade Césmica dos Nascidos Duas Vezes. A lista é infindavel. “Unir-se” é uma aflig¢do humana porque Deus nos fez famintos de companhia. 40 A Igreja: O Povo de Deus Qual o maior castigo em nossas instituigdes penitencidrias? O confi- namento individual, a solitéria. Por qué? Por que a soliddo é um inferno. Deus nos criou para a comunhfo e a imagem obscura de Deus no homem continua testemunhando esta sede que nao pode ser saciada. A igreja, porém, como Deus a designou, € uma antecipagdo das delicias de uma cidade com fundamentos, uma cidade santa, em que Deus viverd com seu povo (Ap 21.24). O Templo do Espirito A terceira imagem de Paulo para descrever a igreja foi o prédio, ou mais particularmente, “o templo”. A figura aparece em sua Primeira Carta aos Corintios (3.10-17) e na correspondéncia aos Efésios (2.20-22). En- contramos nas duas passagens trés verdades sobre a igreja: Primeiro, a igreja possui um fundamento imutdvel. O seu cardter é determinado eternamente pela sua pedra angular, Jesus Cristo; assim como pela revelagao dada por Deus, de uma vez por todas, através dos apdstolos e profetas inspirados (I Co 3.10; Ef 2.20). O homem pode construir sobre um fundamento — 0 evangelho do Senhor Jesus Cristo — mas homem al- gum pode remové-lo ou colocar outro. Segundo, o prédio, a igreja, continua em construgdo. Nao foi ainda terminado, devendo ser sempre aceito pelo que é em seu estado incomple- to. Deus insiste em que aprendamos a viver o mais proximo possivel da plenitude do ediffcio. Essa é a vida de fé. Entretanto, algumas pessoas rejeitam justamente isso. Como jé vimos, existem alguns que desejam uma igreja “sem mancha nem ruga” agora. Essa atitude deixa de lado um ponto de grande importancia: a igreja, como 0 crente individual, s6 pode ser compreendida na graca, A igreja no € para aqueles que j4 chegaram; ela é composta de pere- grinos que estZo a caminho. Terceiro, o templo, a igreja, é a habitacdo de Deus. Ele a enche com sua presenca e gloria. A maioria de nds jamais esteve num templo, sendo entdo dificil recap- turar as atitudes e emog6es que os judeus sentiram em seu santo lugar. Uma passagem biblica nos revela a reveréncia experimentada por um homem. A Salvagéo ea Igreja 41 “No ano da morte do rei Uzias,” escreveu o profeta, “eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes (gloria) enchiam o templo” (Is 6.1). Se a igreja é o templo de Deus, nossas congregagdes, acima de tudo o mais, devem ser um lugar em que os homens véem Deus. Estaremos de algum modo obscurecendo a visio de Deus? Quando os homens e mulheres perdem os seus “Rei Uzias” poderao encontrar Deus em nossas igrejas? Isafas ouviu também uma voz clamando: “Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra est4 cheia da sua gléria”. E o profeta clamou por sua vez: “Ai de mim!... sou homem de labios impuros” (Is 6.5). Quando Isafas viu a gléria de Deus no templo, ele percebeu o seu proprio pecado. A igreja ndo deveria também refletir a gloria de Deus, a fim de que os homens pudessem ver o seu pecado e clamar “Ai de mim?” Estou certo de que foi esse o pensamento do apéstolo quando chamou a igreja de “templo de Deus”. A congtegacdo de Corinto, como sabemos, estava sendo perturbada por partidos rivais, cada um seguindo um lider cristdo diferente. Eles haviam perdido o senso de unidade em Cristo, achando-se em perigo de destruir a igreja. A esses Corfntios em conflito, Paulo escreveu: “Nao sabeis que sois santudrio de Deus, e que o Espirito de Deus habita em v6? Se alguém destruir o santud4rio de Deus, Deus o destruiri; porque 0 santudrio de Deus, que sois vés, € sagrado” (I Co 3.16-17). Quando reco- nhecemos que Deus est4 no seu templo, habitando em sua igreja, somos freqiientemente levados a nos ajoelhar, confessando o nosso pecado. Isafas descobriu uma Ultima coisa no templo. Um dos serafins tomou uma brasa ardente do altar e tocou com ela os labios do profeta. “A tua iniqiiidade foi tirada”, disse ele. Ele ouviu entfo a voz do Senhor, dizendo: “A quem enviarei, e quem h4 de ir por nés?” O profeta respondeu: “Eis-me aqui, envia-me a mim”. Isafas viu o Senhor, reconheceu o seu pecado e a seguir descobriu © propésito de Deus para a sua vida. Tudo isto no templo de Deus! “Ago- ra,” diz o apéstolo Paulo, “vocés, a igreja, sfo o templo (santudrio) de Deus.” Que visio para 0 povo de Deus! Que sublime chamado para qual- quer congregacio de crentes! 42 A Igreja: O Povo de Deus Essas so as razGes pelas quais o Novo Testamento desconhece a “religifo solitaria”. Ele compreende que a necessidade bdsica do homem € a restauracdo da comunhio, companheirismo com Deus ¢ a reconciliagdo com seus semelhantes. Por esse motivo, a salvacZo plena sempre significa vida na famflia de Deus, a igreja de Jesus Cristo. O CRESCIMENTO DA IGREJA -Em uma das minhas histérias favoritas em Peanuts, Lucy exige que Linus mude de canal de TV e depois o ameaca com o punho se néo atendé-la. “O que faz vocé pensar que pode ir chegando aqui e dando ordens?” pergunta Linus. “Esses cinco dedos,” diz Lucy. “Individualmente eles de nada valem, mas quando os junto assim curvados, formam uma arma terrivel de se ver.” “Que canal vocé quer?” pergunta Linus. Voltando-se, ele olha para seus dedos e diz: “Por que vocés nfo podem organizar-se desse modo?” Mobilizar-se para uma agdo eficaz é sempre um problema. Encon- tramos porém o padr@o para uma igreja eficaz em Atos 2.36-46. “Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que a este Jesus que vos crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo. Ouvindo eles estas coisas, compungiu-se-lhes 0 coragdo e perguntaram a Pedro e aos demais apés- tolos: Que faremos, irmdos? Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, cada um de vds seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissio dos vossos pecados, e recebereis 0 dom do Espirito Santo... Ent&o os que lhe 44 A Igreja: O Povo de Deus aceitaram a palavra foram batizados; havendo um acréscimo naquele dia de quase trés mil pessoas. E perseveravam na doutrina dos apéstolos e na comunhio, no partir do pao e nas orag6es” (At 2.36-38, 41-42). Temos aqui a igreja em todo o seu vigor, quando a meméria de Jesus mantinha-se fresca e o dom do Espirito Santo era uma novidade. Deus nos d4 aqui um modelo de uma igreja em crescimento. Ao fazer isso, Ele nos deixou uma lembranga eterna de que a igreja é mais do que uma reunido informal de individuos salvos. Ela é uma comunidade de fé 4 qual os mem- bros sfo acrescentados. A medida que o Espirito Santo convence os ho- mens de pecado e eles confiam em Cristo para a sua salvagdo, sdo batizados e recebidos na igreja. Quatro princfpios relativos ao crescimento da igreja ficam claros nesta passagem., A Intensidade da Pregagéo A mensagem de Pedro no Dia de Pentecostes tinha como objetivo convencer a mente de seus ouvintes (At 2.36). Ele nao se satisfez com uma decisfo vazia, desejando que a resposta deles estivesse firmada em raz6es sOlidas. Pedro fez porém mais do que simplesmente informar, visando o seu senso moral. Seu alvo era convencer a consciéncia deles do erro e “compungiu-se-lhes o coracdo” (v. 37). Eles viram as conseqiiéncias mo- rais de sua rejeigdo de Jesus. O apéstolo concluiu comunicando a esperanga do evangelho. “Para vos outros é a promessa”, disse-Lhes (v. 39). Ele ofereceu-lhes perddo por seu hediondo crime de matar o Senhor da Gldria, e prometeu-lhes o dom do Espfrito que hes daria poder para mudar. Com uma pregacao desse tipo, nfo é de admirar que a igreja recém-nascida crescesse, ndo por unida- des de dois ou trés, mas por milhares! De tempos a tempos, a pregacdo, como tudo o mais associado 4 igreja crista é alvo de criticas. Alguns céticos questionaram seu lugar na igreja. Em sua obra Incendiary Fellowship (Fraternidade Incendiéria), © educador e autor cristéo Elton Trueblood, diz: “Acho provavel que os homens que depreciam a pregag4o sejam, em sua maioria, aqueles que nao sabem fazé-la bem” (New York: Harper and Row, 1967, p. 48). Quer isso seja verdadeiro ou falso, a igreja interessada-na obediéncia biblica O Crescimento da Igreja 45 nao pode rejeitar a pregacdo; pois a mesma, conforme planejado por Deus, vive e cresce pela proclamagao e pratica do evangelho. “A fé,” diz Paulo, “vem pela pregagio e a pregagdo pela palavra de Cristo” (Rm 10.17). O estilo da pregagdo pode mudar, mas jamais 0 seu poder. A prega- ¢do, no sentido de levar a Palavra de Deus ds mentes e consciéncias dos homens, tornando-a valiosa para eles, é a esséncia de uma igreja em cres- cimento. O maior risco que corremos é fazer da pregag4o a provincia dos prdsperos. Precisamos de profissionais, mas a pregacdo na Primeira Igreja era pouco mais do que “mexericar o evangelho”. Um mendigo contando a outro mendigo onde encontrar pao. No segundo século, Celso, um critico franco do cristianismo, queixou-se dos cristdos que no trabalho, na lavagem de roupas, na sala de aula, nas esquinas, estavam sempre “tagarelando” sobre Jesus. Em um sentido, o crescimento da igreja nado é um grande mistério. Vocé pode fazer duas coisas. Ou vocé leva os famintos até o Pao ou leva o Pao da Vida aos famintos. A tarefa do pregador é fazer com que a demanda e 0 suprimento se encontrem. Um dos testes mais simples da pregacio eficaz de que jd tive conhe- cimento, ndo veio da parte de um pregador mas de um autor de pecas teatrais. Arthur Miller, o famoso escritor e critico foi inquirido certa vez: “Como vocé sabe que a pecaé boa?” Ele respondeu: “Quando sou forgado a me endireitar e dizer: ‘O Deus, fui eu que fiz!” ” Foi assim que Pedro pregou e os ouvintes disseram: “Que faremos?” A Integridade da Filiagaéo O que essa irmandade apostélica fazia com os convertidos? £ ne- cess4ria essa pergunta porque grande parte da evangelizacdo em nossos dias acaba na alma do convertido. Muitas decisdes a favor de Cristo ndo tém qualquer relacdo com a filiagdo a igreja. Isso ndo acontecia na evangeli- zagdo apostélica. Atos 2.41 mostra que os que responderam 4 mensagem de Pedro fizeram trés coisas: (1) aceitaram o chamado de Pedro ao arre- pendimento, (2) confessaram sua fé em Cristo pelo batismo, e (3) foram acrescentados 4 igreja. 46 A Igreja: O Povo de Deus O arrependimento € uma mudanga de opinifo, uma reviravolta moral. E concordar com a condenagdo de nossos crimes contra 0 céu feita pelo evanglho. Esse é um termo que raramente ouvimos hoje. Fala-se muito de como Deus nos ama, mas nado de quanto o odiamos. Qualquer evangelho salvador, porém, torna os homens piores antes de tornd-los melhores. Como disse certa vez Vance Havner, um evangelista do sul: “Ninguém pode exclamar: ‘Louvado seja Deus,’ até que tenha dito: ‘Ai de mim!’ ” E esse “ai de mim” torna-se uma caracteristica do estilo de vida cristdo. Os jovens casais que tém éxito no casamento, descobrem bem cedo que sua unido ndo sobrevive apenas por causa dos documentos legais. No atrito didrio de duas personalidades egocéntricas, eles apren- dem a dizer: “Estava errado e pego perdao”. O que acontece no casamento se repete na igreja. Haverd pouco crescimento quando as pessoas recusam-se a dizer: “Sinto muito”. Quan- tos conflitos, discérdias e separagdes poderiam ser evitadas se os pres- biteros, administradores, didconos, pastores e membros do coro fossem homens e mulheres dispostos a se arrependerem e afirmar: “Estava errado e pego perddo”. Esses convertidos foram também batizados. Os apéstolos sabiam que n4o se constréem igrejas nas areias movedicas da simples decisdo. Nada é menos est4vel do que as boas intengdes do coragdo humano! Essa a razdo da necessidade de instituigdes. Pedro disse a esses convertidos que o batismo significa duas coisas: o perddo dos pecados e o dom do Espirito Santo. Isso ¢ interessante porque as duas doutrinas que desafiam o ponto de vista biblico do ba- tismo hoje s4o (1) a regeneragdo batismal e (2) 0 batismo do Espirito subseqiiente 4 conversio. Pedro, entretanto, ndo ensinou qualquer delas. A frase “para (eis em grego) remiss#o” ndo deve ser entendida no sentido de propdsito — como se a 4gua em si purificasse nossos pecados — mas “na base de” o perddo. A regeneracao pela dgua nao faz sentido aqui onde o batismo € tao intimamente unido ao chamado para o arrependimento. A doutrina moderna do batismo do Espfrito meses ou anos apés a conversdo é também estranha ao Novo Testamento. O batismo nas dguas do Novo Testamento era em si mesmo um sinal de que o corivertido fora O Crescimento da Igreja 47 batizado pelo Espirito, sendo assim unido espiritualmente 4 familia de Deus, d comunidade dos nascidos de novo. Depois do arrependimento e batismo, esses convertidos sao acres- centados 4 igreja. Jesus e os apéstolos sabiam que raramente, se é que isso acontece alguma vez, as decisOes sobrevivem a uma vida afastada da co- munidade cristd. Os cristdos isolados ndo perseveram. Esses crentes foram convertidos a Cristo, sendo entdo acrescentados 4 igreja. Um dos muitos pontos positivos no crescimento da igreja é a énfase sobre a idéia de “ser acrescentado”. Grande nimero de Ifderes missiondrios est4 agora enfatizando que a evangelizagao que nao leva 4 filiagdo numa igreja local € deficiente. Em nosso ambiente n4o-institucional, alguns acham diffcil aceitar isso. Como um jovem pregador ainda na facuidade biblica, eu costumava ficar perturbado quando meus colegas de ministério relatavam em nossas reuni6es de ministros sua Ultima lista de batismos e adig6es a igreja. Mas eu era demasiado espiritual para meu préprio bem. Acabei descobrindo que as “adigGes pelo batismo” feitas por eles eram bem mais permanentes do que minhas “decisGes por Cristo”. A Vitalidade da Comunidade Alguns criticos do movimento a favor do crescimento da igreja tentaram separar o crescimento na qualidade do crescimento na quan- tidade e afirmaram que o ntmero de pessoas acrescentado a igreja nado €na verdade tao importante quanto o crescimento espiritual. Os Ifderes do crescimento da igreja, porém, recusam-se a aceitar esse tipo de divércio artificial porque a Biblia no o apéia. O crescimento da igreja compara-se ao de uma crianca. Queremos que o Junior amadurega nas suas atitudes em sociedade e em inteligéncia, mas quando o seu peso estaciona durante trés anos ficamos ansiosos — por mais esperto que parega. O peso fisico nao é tudo, mas € um bom indicador da satde da crianga. Isso dé-se também nas igrejas. As adig6es sao um indice de satde. A qualidade e a quantidade dao-se as m&os. Uma das razes por que a igreja apostélica conseguiu que os de fora viessem a crer em Cristo foi pelo fato de Cristo estar vivo e ser uma realidade para os de dentro. 48 A Igreja: O Povo de Deus Trés sfo as praticas que mostram a vitalidade desta igreja: eles eram dedicados (1) ao ensino dos apéstolos, (2) 4 fraternidade, e (3) ao partir do pfo e as oracgdes. Podemos chamar as mesmas de discipulado, frater- nidade e adoragao. Esta dedicagdo ao ensino apostdlico é digna de nota porque as igrejas nem sempre foram exemplos desse discipulado. Demasiadas vezes elas se voltaram para alguma filosofia contemporanea ou para certos valores sociais aceitaveis. Mas o padr4o de autoridade para as igrejas do primeiro século era o ensino apostélico. Se a vitalidade das primeiras comunidades cristés foi mantida pela dedicagdo 4 Palavra de Deus, cremos realmente que as nossas possam prosperar de qualquer outro modo? A autoridade da Palavra de Deus, porém, representa mais do que crengas aceitdveis. A ortodoxia, por si s6, nfo garante o crescimento da igreja. Jesus ndo ordenou que ensindssemos os crentes a ouvir a Palavra, mas a observé-la, praticd-la. Se me permitirem que cite Linus de novo, penso que ele explanard bem: melhor este ponto. Lucy o descobre fazendo um boneco de neve. Ela pergunta: “O que vocé faria se eu derrubasse 0 seu boneco?” “Nada,” responde Linus. “O que eu poderia fazer? Vocé é maior e mais forte do que eu. Vocé é mais velha... pode correr mais depressa... Eu realmente nfo poderia impedi-la. Compreendo que estou 4 sua mercé em coisas deste tipo. Tudo o que posso fazer é simplesmente esperar que decida n4o agir assim.” Lucy vai embora. E Linus diz ao boneco de neve: “Aos poucos vou ficando perito na arte de responder”. Isso progresso. Isso é crescimento espiritual. A vitalidade desta igreja apostélica mostrou-se também evidente na sua fraternidade. Poucas palavras no vocabulério cristéo de hoje sao mais abusadas do que esta: fraternidade. N6s chegamos a associd-la com um perfodo de entretenimento na igreja. Referimo-nos aos prédios onde nos divertimos como “saldes de fraternidade” e as ocasiGes em que come- mos juntos como “horas de fraternidade”. Mas no Novo Testamento o termo fraternidade representava a vida comunitéria no Espirito. Ela in- clufa a oferta de dinheiro aos necessitados, a orag4o pelos fracos e a par- ticipagfo na tristeza dos que sofriam. A fraternidade abrangia toda a O Crescimento da Igreja 49 escala de experiéncias de uma familia crista, porque a fraternidade crista, como a famflia cristd, participa de uma vida comum. Ela é unida pelo nascimento e parentesco. Em seu livro The Congregation in Mission (“A Congregagio em MIssdo”), George W. Webber, um pioneiro dos ministérios urbanos, faz uma observagdo importante sobre a fraternidade. Ele nota que muitas pessoas acham-se hoje envolvidas no desenvolvimento de pequenos grupos, mas prediz para grande parte deles apenas decepgdo e fracasso. “Quando um grupo é organizado para crescimento espiritual, fraternidade, ou en- corajamento mituo,” escreve Webber, “esses sdo objetivos concedidos apenas como um dom de Deus e no através dos esforgos dos homens. Eles so subprodutos desejaveis, mas orientados de forma tao subjetiva que levam apenas a expectativas impossiveis quando sfo 0 objeto imediato das reunides de pequenos grupos” (New York: Abingdon, 1964, p. 122). Existe lugar para os pequenos grupos nas igrejas, mas Webber reco- mend& que seus propésitos sejam definidos em termos objetivos gue en- volvam trabalho a ser feito e alvos a serem atingidos, e nao fraternidade. Isso soa como um bom conselho para mim. Talvez devamos pensar mais em termos de fraternidade ligada 4 evangelizacdo. Essas nfo so duas coisas realmente tao diversas, pois a verdadeira fraternidade se estende em diregfo a outros e a verdadeira evangelizacao enriquece ¢ aprofunda a comunidade crist. ‘Vamos notar, finalmente, que a vitalidade desta fraternidade apos- t6lica era sustentada pela adoragdo. Duas expressOes — “partir do pio” e “oragdes” — referem-se 4 adoragao. O partir do pao tefere-se evidentemente a uma refeigfo, mas é possivel que ndo compreendamos o que essa refeicao significava para aquele povo. Os povos do Oriente Préximo consideravam a refeigéo como um acontecimento especial. Comer pfo com outra pessoa criava um lago que n4o podia ser quebrado — algo como fumar 0 cachimbo da paz com os indios. Foi por isso que os fariseus se aborreceram quando Jesus recebeu pecadores e comeu com eles (Lc 15.1-2). Na primeira igreja, uma refei¢do comunitéria tornou-se entdo nfo apenas um emblema mas um selo de amizade. Os cristdos expressavam sua alianca mGtua e com o seu Senhor ressuscitado e presente, comendo juntos — suas festas de fraternidade 50 A Igreja: O Povo de Deus ea Ceia do Senhor. Deus era real para eles, nao s6 pessoal como corpora- tivamente. E nés: A adoracéo é uma rotina previsivel que praticamos simples- mente por ser o dia e a hora certos? Padronizamos e racionalizamos 0 mistério da presenga de Deus com base em nossas reunides? A Nova Alianga, que nos torna um povo especial diante de Deus no mundo, é mais do que uma frase usada aos domingos? Estamos realmente conven- cidos de que Deus é a base da igreja viva? Qualidade do Estilo de Vida As igrejas, como os individuos, tém personalidade. Elas fazem as coisas de uma certa maneira, refletindo seus valores e atitudes em seus servigos, seus orgamentos, suas atividades. . Esta fraternidade apostélica também agia assim. Note que a primeira coisa mencionada por Lucas é sua autenticidade. Atos 2.43 indica que um temor reverencial caiu sobre 0 povo 4 medida que os apéstolos davam evidéncia da mao de Deus sobre eles. Jesus realizara milagres para mostrar que o reino de Deus viera com poder. Os apéstolos operavam milagres para estabelecer suas credenciais como mensageiros peculiares do reino. Deus nfo iré, provavelmente, operar esse tipo de milagre em nossas igrejas, mas continuamos com o problema de estabelecer autenticidade. Os pastores e 0 povo leal da igreja esto em constante perigo de se torna- rem artificiais, de praticar um cristianismo de estufa. Nossas atitudes podem facilmente tornar-se enfadonhas e nossas palavras vazias. A artifi- cialidade é 0 primeiro sinal de uma igreja agonizante. . Mas, como resistir a ela? Estou convencido de que devemos usar sabiamente o testemunho de pessoas que tenham tido uma experiéncia recente com Deus. Lembro-me de um domingo hd alguns anos atrés quando 0 meu pastor comegou sua mensagem lendo a pagina de esportes. Ela fora tirada de um jornal suburbano impresso dias antes, sob o titulo, “Treinador de Gindstica Pede Demissdo para Seguir Carreira no Ministério”. Um jovem treinador obtivera com sua equipe uma série de sucessos nos jogos estaduais e depois disso lancara a sua bomba pessoal. O Crescimento da Igreja 51 “Nao, nado vou voltar a treinar o meu grupo no préximo outono,” disse ele ao repOrter, confirmando rumores que se haviam filtrado entre os seus admiradores. “Vou para o semindrio nessa época,” explicou. “Pensei muito no assunto e finalmente decidi-me.” “Gostei muito de trabalhar com esses jovens durante o ano,” con- tinuou, “mas sempre foi uma coisa transitéria para mim. S6 aceitei o cargo sob a condigdo de arranjarem outra pessoa para me substituir nessa ocasiao,” A noticia do jovem treinador foi o acontecimento mais dramético daquela série de jogos, principalmente quando a sua equipe que ja era favorita pulou para a lideranga e terminou com 308 pontos de vantagem sobre o rival mais proxirno que alcancou apenas 293. Depois que o pastor leu a histéria, ele chamou o treinador ao pil- pito, a fim de contar como Deus tratara com ele. Apesar de ter comprado uma casa nova, apesar de desejar ter uma familia depois de quatro anos de casamento, Deus 0 chamara — e Deus proveria. Ninguém pediu qualquer evidéncia concreta do evangelho naquela manha! Devemos notar também a generosidade desta comunidade apostélica (At 2.45). Firmados em sua profunda unido eles contribuiam livremente, a fim de satisfazer as necessidades de outros. Alguns tentaram incluir aqui a idéia de comunismo. Mas nao existiam leis nesse sentido, nenhuma co- munhio forgada de bens, mas sim uma resposta espontanea por parte de pessoas que descobriram: “De graga recebestes, de graga dai’. Vocé vé isto acontecendo em nossas igrejas hoje? Nao na maioria delas! Nao permitimos que as necessidades venham 4 superficie em nossas reunides, mantendo todas as falhas e necessidades fora de vista. O culto bem sucedido nfo tolera falhas e mantemos entdo as igrejas numa beleza antisséptica que nega 0 pecado e portanto a graca. Uma coisa esté porém errada. A igreja jamais pode crescer nesse tipo de ambiente, porque ela existe para servir. Na igreja em crescimento, os membros nao perguntam: “Que vantagem levo nisso?’”” Mas, sim, “O que posso dar, como posso contribuir?” E o estranho compreende, ele pode sentir qual a atitude que predomina. 52, A Igreja: O Povo de Deus Note finalmente a adaptabilidade desta igreja. Em Atos 2.46 lemos que eles reuniam-se diariamente no templo. Isso revela as suas raizes no passado. Continuavam no seu estilo de vida judeu. Mas o versiculo também diz que eles partiam 0 pao de casa em casa. Isso marca 0 infcio da vida congregacional na igreja. O vinho novo do evangelho estava sendo derramado nos odres velhos do judafsmo. Com o passar do tempo, os odres rebentariam coma expan- sio da nova vida em Cristo. Mas, nesse intervalo, os crentes tiveram 0 bom senso de nao perder a oportunidade para dar testemunho e ministrar junto a seus parentes e amigos. Eles nao viram necessidade de esmagar a tradigdo sob o entusiasmo de sua nova fé, adorando entdo no templo e em suas casas. Algumas igrejas infelizmente deixam de crescer porque nunca apren- dem a ajustar-se 4s mudangas, elas preferem ndo ser incomodadas! Elas preferem cantar “Como foi no principio é agora e serd para sempre... esquecendo-se de que isto refere-se a Deus e ndo 4 igreja. E tragico pensar que quando a seguranca daquilo com que estamos familiarizados torna-se nosso valor mais alto na vida, nés passamos a ser idélatras, deixando de seguir a Jesus Cristo. Por outro lado, conhego igrejas que seguem o que est4 em ‘moda. Elas fazem fdolos dos caprichos do momento e inovam a igreja, fazendo-a praticamente desaparecer. As igrejas em crescimento descobrem um meio de relacionar-se com a mudanga. Elas nao a introduzem simplesmente pela modificagao em si mesma, mas quando chega 0 crescimento conseguem enxertar nova vida na forga do passado e produzir ainda mais fruto para a gloria de Deus. Se esperamos produzir igrejas crescentes, nds também devemos “entregar-nos 4 intensidade da pregacdo, a integridade da filiagdo, a vita- lidade da comunidade genuina, e 4 qualidade de um estilo de vida auten- ticamente cristao. Quando resumo nesses quatro aspectos a igreja crescente, sinto quao terrivelmente inadequadas sdo essas propostas e lembro-me de uma histéria que o conhecido comentarista, William Barclay, contou em seu livro, The Promise of the Spirit (“A Promessa do Espirito’). Um salvacionista negro foi encontrado certo dia ajoelhado 4 frente de uma mesa na igreja, comemorando a conversio do General Booth que se dera naquele local. O Crescimento da Igreja 53 “O, Senhor, faga isso de novo,” orava ele repetidamente. Quando lemos a historia de Pentecostes e pensamos no mundo de hoje e-na impoténcia da igreja, a mesma oragdo subird aos nossos labios, “O, Senhor, faga isso de novo” (William Barclay, The Promise of the Spirit, Philadelphia: West- minster Press, 1960, pp. 117-118). A FORMA DA IGREJA Hi alguns anos atrds, Joseph Bayly escreveu um livro engragado, com 9 titulo The Gospel Blimp (“O Dirigivel do Evangelho”), Ele falava de un grupo entusiasta e simplério de crist&os que tentou evangelizar os vizinhos fazendo subir um dirigfvel sobre a cidade com faixas de propaganda do evangelho voando por tras dele e folhetos evangelisticos sendo langados para a terra. A hist6ria provocou muitas risadas, quando as pessoas liam sobre a interferéncia do dirigivel nos programas de TV favoritos e sobre © uniforme azul com botdes brilhantes e dourados do Comandante para projetar uma boa imagem sobre o pablico. Por baixo do humor, porém, achava-se uma boa lic¢do. Nossas me- lhores tentativas de divulgar o evangelho com freqiiéncia se tornam as maiores barreiras 4 sua aceitagdo. Em termos da igreja, as proprias orga- nizag6es que criamos para estimular 0 testemunho a favor de Cristo no geral mostram ser 0 maior obstdculo ao seu recebimento, A solugdo simples seria evitar todas as organizacdes, mas isso é impossivel e 0 Novo Testamento em parte alguma nos encoraja a buscar uma fraternidade sem forma. A’'Importancia da Forma Toda vida na terra parece exigir alguma espécie de forma. E dificil pensar numa vida informe. Mesmo a 4gua-viva tem uma forma basica. 56 A Igreja: O Povo de Deus Nos afazeres humanos o espfrito tem certamente de expressar-se em estruturas visiveis antes que possa contribuir para o drama da histéria em avango. Essa a razdo pela qual a igreja ndo tem um espirito imaterial. O Es- pirito Santo, que é a fonte da vida eterna, é invisivel, de fato, mas a igreja deve funcionar na esfera do tempo e do espago mediante recursos visiveis. Se o cristianismo fosse uma filosofia de vida, entao os gurus pode- riam viajar informalmente por toda parte, iluminando os discfpulos dedi- cados. Mas 0 cristianismo é mais do que um ideal moral; trata-se de um movimento com uma missao. Os homens perdidos precisam ouvir o evangelho, portanto, teste- munhas devidamente preparadas tém de ser enviadas. O significado do evangelho para a vida deve ser ensinado aos que créem, exigindo assim alguma forma de educagdo crista. Os cristaos tém de expressar a unidade de sua fé, € para isso é necessdrio 0 desenvolvimento de algum meio de adoracdo publica. E preciso cuidar dos infelizes necessitados, sendo necessario criar canais de ministério nesse sentido. Em resumo, se a vonta- de de Cristo, mesmo reduzida a um minimo, deve ser cumprida na terra como € no céu, a igreja tem o dever de organizar-se de alguma forma obje- tiva, a fim de manifestar-se naquelas dreas em que as pessoas vivem.;. A histéria da igreja nos oferece numerosos exemplos do fato de que ela nao pode viver exceto como um corpo visivelmente definido organizado com uma organizagdo continua. Nosso passado cristao esta cheio de movimentos que se iniciaram como explosdes de reavivamento espiritual, irrompendo e se revoltando contra a estrutura endurecida de um corpo mais antigo e clamando, em nome do Espirito Santo, liberdade das formas e instituigdes externas. Os Quacres, os Pietistas, os Irmaos de Plymouth e os Discipulos de Cristo estavam entre eles. A histéria mos- tra qudo rapidamente esses movimentos desenvolveram suas préprias formas, seus costumes distintos, suas crengas, estrutura organizacional e formas de governo. Se ndo podemos, pois, escapar de alguma forma de organizagao para a igreja, que ajuda o Novo Testamento nos oferece? Forma das Igrejas do Novo Testamento Podemos tragar no Novo Testamento um movimento de renovagao que se espalhou de Jerusalém a Roma (At 1.8), deixando o seu passado A Forma da Igreja 57 judaizante cada vez mais para trés. Os velhos odres foram incapazes de guardar o vinho novo do evangelho. Congregagdes dispersas surgiram também no caminho do movi- mento que se ampliava, representando a personificagao do mesmo em um dado lugar. Nao sabemos tudo o que gostarfamos de saber sobre esses primeiros cristaos, mas o padrao geral de sua vida em conjunto fica claro. O corpo da igreja reunia-se num dia designado, chamado Dia do Senhor, o pri- meiro dia da semana (At 20.7; Ap 1.10), e sob Iideres nomeados eles liam e estudavam as Escrituras (1 Tm 4.13), cantavam hinos (C1 3.16), ofereciam orag6es a Deus e€ recebiam ofertas (1 Co 16.1-2). O dinheiro era utilizado para ajudar os pobres e as vitivas (At 6.1) assim como para o sustento dos lideres (1 Tm 5.17-18). Os novos convertidos eram acrescen- tados 4 igreja pelo batismo (At 16.33) e toda a igreja juntava-se para observar a Ceia do Senhor (1 Co 11.17-26). Podemos extrair uma conclusdo pela evidéncia fragmentdria do Novo Testamento. As igrejas apostélicas nfo se compunham de assem- bléias ndo-estruturadas, aut6nomas, para os crentes fervorosos. Tratava-se, porém, de reunides organizadas, com propésito definido, para os discipu- los confessos e batizados. O cristianismo do Novo Testamento nao é uma fé informe. Ao mesmo tempo, o material do Novo Testamento sugere que enquanto a igreja deve ter alguma organizagao, nenhuma estrutura unica além da congregacao local é necessdria para a sua existéncia. Do mesmo modo que nenhuma forma de estado faz o estado, nenhuma forma de igreja faz a igreja. O estado é vdlido se expressar a vida organizada do povo em qualquer dado momento. Ele pode ser democratico ou repu- blicano, uma monarquia constitucional ou uma ditadura, a forma parti- cular nao faz o estado. A vida do povo pode expressar-se de varias formas. O mesmo acontece com a igreja. O Novo Testamento nao revela um governo eclesidstico uniforme na Era Apostdlica. Segundo Atos 13.1-4, a igreja de Antioquia possufa certos aspectos carismaticos. Os profetas e professores transmitiam a igreja a mensagem de Deus. 58 A Igreja: 0 Povo de Deus As igrejas na Asia Menor, sob a supervisio de Paulo, adotaram provavelmente um estilo de lideranca baseado na pluralidade de pres- biteros (At 14.23). Jerusalém manteve lealdade para com a familia de Jesus e consi- derava o meio-irmao de Jesus, Tiago, como uma contraparte cristd do principal da sinagoga (At 15.13). Tiago foi substitufdo por outro meio-ir- mio, Simedo. Também sabemos que Tito e Timéteo, embora nao fossem apés- tolos, assumiram um tipo de superintendéncia sobre algumas das con- gregacdes orientadas por Paulo (Tt 1.5 e Fp 2.19-24). A histéria da igreja, assim como o Novo Testamento, nos ensina que a igreja pode e tem sobrevivido 4s mudangas dos tempos e as cul- turas contrastantes, adaptando sua mensagem bdsica a formas diferentes, O critério final que define a igreja ndo € uma forma especial, mas o evan- gelho, ativado pelo Espirito Santo. Em seu zelo de restaurar a igreja do Novo Testamento, certos evan- gélicos americanos tém insistido recentemente na idéia de que o Novo Testamento sé conhece um padrao de governo da igreja, deixando im- plicito que s6 as igrejas que seguem essa forma estdo seguindo completa- mente a Biblia. A natureza da igreja e sua missfo no mundo, que nos é revelada no Novo Testamento, deve ser sempre o nosso padrdo. Mas a insisténcia em um molde rigido de governo para todas as igrejas locais e suas estru- turas interligadas parece irrefletida por duas razGes: primeiro, focaliza a atengdo no ponto errado, Ela tende a exaltar a organizacdo externa que o Espirito Santo usou como vefculo do evangelho em lugar do evan- gelho em si. A igreja que faz isto est4 correndo o risco de perder o evan- gelho. Segundo, deixa de ser suficientemente flexivel para adaptar-se ao melhor meio de evangelizar em culturas diversas. Um dos Primeiros Pais da Igreja do segundo século, Irineu, con- seguiu apreender a énfase do Novo Testamento quando disse: “Onde estiver o Espirito de Deus, esta a igreja e toda graga”. A forma é essen- cial, pois 0 espfrito deve ser incorporado, mas 0 evangelho de Cristo e a presenga do Espirito sao mais importantes do que as formas particulares através das quais eles acham expresso. A Forma da Igreja 59 Deturpagées da Forma da Igreja O Novo Testamento ndo nos leva a uma organizacdo unica e rigida para as igrejas de todos os tempos, mas a principios basicos arraigados no evangelho e na natureza da igreja como uma comunidade remida. Dessas duas fontes, o evangelho e a igreja, podemos reconhecer duas deturpagdes da forma da igreja: de um lado o institucionalismo, e do outro o individualismo. Os institucionalistas, aqueles que consideram alguma forma de or- ganizacdo como a marca da verdadeira igreja, tendem a dar grande énfase 4 relagdo do ministério oficial com a existéncia da igreja. Para eles, a igreja é 0 ministério, quer seja o papa, bispo, presbfteros, ou pastores-professo- res. A igreja é menos 0 povo de Deus do que uma classe oficial de minis- tros através de quem os membros véem estabelecida sua relagio com Deus. A mediagdo da graga de Deus é¢ vital. Ouvi ha alguns anos atrés um conhecido pastor batista, Kenneth Chafin, falar a respeito de uma reunido administrativa da igreja. O pastor levantou-se e disse: “Esta recomendacao é feita pelo comité do pessoal, pelo comité financeiro e pela junta de didconos. A administragdo da igreja votou com unanimidade. Sentimos ser essa a vontade de Deus. Alguém quer fazer alguma pergunta?” Isso é institucionalismo com um sorriso amdvel. A resposta cldssica a esta posi¢ao é a doutrina do sacerdécio dos crentes. Mesmo no Velho Testamento, Israel era o sacerdécio, como um povo. No Monte Sinai, quando os Dez Mandamentos foram dados, Deus falou a todo 0 povo, dizendo: “Vés me sereis reino de sacerdotes e nagdo santa” (Ex 19.6). Foram apenas propésitos praticos que fizeram com que um grupo fosse posto de lado em Israel como classe sacerdotal (Nm 3.12- 13). O Novo Testamento s6 reconhece um sacerdote, Jesus Cristo. Ele foi o escolhido para fazer a oferta final e perfeita a Deus pelo povo. Ele apresentou-se como 0 Cordeiro do sacriffcio (Hb 7.26-27; 1 Pe 1.18-19), removendo para sempre qualquer necessidade de sacerdotes num sentido literal. Por esse motivo, o Novo Testamento nao faz uso do termo sacer- dote para designar uma classe especial de oficiais da igreja. Esses cargos sdo desnecessarios. 60 A Igreja:O Povo de Deus Todas as referéncias a sacriffcio e ofertas dentro da igreja so espiri- tuais e realizadas por todo o corpo. O uso feito por Pedro da descricao de Israel no Velho Testamento é tipico: “Vés (plural) sois raga eleita, sacer- décio real, nagdo santa, povo de propriedade exclusiva de Deus” (1 Pe 2.9). Habitada pelo Espirito, a igreja cumpre agora seu sacerdécio no mundo. A idéia popular de um sacerdécio de intercessdo ¢ estranha tanto a letra como ao espirito do Novo Testamento. Trata-se de uma volta ao legalismo que os homens decafdos consideram atraente, quer se chamem de catélicos ou protestantes. Estamos sempre em perigo de procurar lide- res que nos déem todas as respostas e fornegam maior seguranca do que aquela encontrada numa comunidade de fé sob a autoridade da Palavra de Deus. Esta é a nossa inclinagdo, mas n@o a provisdo de Deus. Nos Estados Unidos, os cristéos tenderam a contrabalangar a ameacga do institucionalismo com outra distor¢do: o individualismo. No individualismo, a pessoa do crente é da maxima importéncia. Formas exteriores e instituigSes corporativas da igreja visivel tendem a ter importancia secundaria. A igreja é essencialmente uma reunifo de pessoas que tém fé em Cristo. Qualquer pequeno grupo de individuos crentes pode ser praticamente chamado de igreja. A forga do individualismo esté na verdade de que a igreja nao faz os crentes serem como so; mas, eles sfo 0 que sfo pela graga e poder de Deus. A parte vem antes do todo no sentido de que sem as partes ndo haveria um todo. O individualismo, porém, sofre de algumas deficiéncias fundamentais. Em seu protesto contra o institucionalismo, ele enfrenta o perigo do subjetivismo. Em primeiro lugar corre o risco de uma independéncia que perde de vista a unidade em Cristo. A liberdade espiritual degenera rapidamente em algo local e sectirio. Por mais importante que seja a reuniao de frater- nidade, ela jamais abrangeu toda a verdade sobre a igreja, pois esta é tam- bém chamada para adorar e cumprir sua missdo. A seguir vem o perigo de um perfeccionismo que se transforma facilmente no pecado do orgulho espiritual e termina com o pecado da divisdo. Penso aqui nas palavras surpreendentes de Calvino em defesa do povo comum de uma paréquia ou cidade que no fez qualquer ales gagdo no sentido de ser “demasiado justa”. Para permanecer fiel ao Novo A Forma da Igreja 61 Testamento, a igreja local precisa participar da vida da igreja universal. Uma igreja “independente” € uma contradigéo, negando a unidade do Espirito. . Paulo, que enfatizou tantas vezes a integridade da igreja local, teve cuidado em opor-se a qualquer tendéncia ao isolacionismo das igrejas que ajudou a estabelecer. A carta que contém maior evidéncia disto é 1 Corintios. Ele adverte contra a independéncia em sua saudagao inicial: “Paulo... 4 igreja de Deus que estd em Corinto... chamados para ser santos, com todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo” (1.1-2). Ao colocar o ensino bdsico diante dos Corintios, Paulo aplicou-o repetidamente a assuntos prdticos em sua carta. O problema de permitir que mulheres orassem em ptiblico sem véu é um bom exemplo. Ele con- denou a pratica dos Corintios, referindo-se aos costumes nas outras igrejas. Nao reconhecemos tal pritica, diz ele, “nem as igrejas de Deus” (1 Co 11.16). Fica claro que Paulo esperava que a congregacdo de Corinto tivesse em mente a prdtica crista apropriada em uso noutros lugares. O Argumento a Favor das Denominacédes Isto nos leva ao modo em que as igrejas nos tempos modernos bus- caram expressar a unidade do Esp/rito além da igreja local. Desde 0 conflito entre fundamentalistas e modernistas na década de 20, o termo denominagdo n&o encontrou boa aceitagao entre os muitos evangélicos conservadores. Isto é uma infelicidade, pois ele representava originalmente um importante principio — a colaboragéo com outros cristdos sem a transigéncia de convicgdes fundamentais. A idéia remonta a uma ala minoritdria do partido puritano na In- glaterra do século 17. Na Assembléia de Westminster (1643) havia um grupo de Independentes semelhante aos Congregacionalistas americanos. Esses homens chegaram a conclusdo de que a condi¢&o pecaminosa do ser humano, até mesmo dos crist4os, tornava impossivel a compreensio da plena e clara verdade de Deus. Desse modo, nenhum conjunto tinico de crengas poderia jamais representar plenamente a exigéncia total de Deus sobre a mente e 0 corag4o dos crentes e nenhum corpo unico de 62 A Igreja: O Povo de Deus crist¥os poderia afirmar ser a verdadeira igreja de Deus sem considerar outros crentes em outros grupos. Assim sendo, na mente desses puritanos, a palavra denominagdo implicava em que um corpo particular de cristdos (digamos, por exemplo, os batistas) era apenas uma parte da igreja cristd total, chamada — ou denominada — por seu nome especial, Batista. ‘A idéia denominacional da igreja representava originalmente uma importante verdade biblica. A igreja é una. S6 hd um Salvador, um evan- gelho, um Espirito, portanto, s6 pode haver uma igreja. As divisSes devem ocorrer ent%o dentro do corpo uno, e nao separando-se dele. De outro modo o préprio Cristo ficaria dividido ¢ isso é inconcebivel (1 Co 1.12-13). Exultante nesta teoria denominacional, o Rev. Albert Barnes, reno- mado ministro presbiteriano e comentarista bfblico, declarou em 1840: “O espirito deste pais est4 em que a Igreja de Cristo nfo se acha sob a forma episcopal, batista, metodista, presbiteriana ou congregacional ex- clusivamente; todas elas devem ser, para todos os intentos e propésitos, reconhecidas como partes da tnica igreja santa e catdlica”. A maioria dos evangélicos do século 19, pelo menos antes da Guerra Civil, teria concordado. Segundo o conceito denominacional, ent&o, muitos cristaos apren- deram como colaborar dentro das verdades fundamentais de Deus e de sua redengdo através de Jesus Cristo, enquanto permaneciam denomi- nacionalmente leais. 4s doutrinas referentes a igreja e 4 vida cristd — sem transigéncias. As diferengas denominacionais podem nao ser de suma importancia, mas nZo sdo igualmente adiaphora, “assuntos in- diferentes”. As deficiéncias da forma denominacional da igreja surgem de duas diregdes. Uma denominagdo pode reivindicar 0 monopélio da graca de Deus e considerar os demais cristéos como espiritualmente inferiores. A essa fraqueza chamamos sectarismo. Por outro lado, uma denominag4o pode buscar téo zelosamente a unidade crist& que transige na verdade biblica essencial. O Linus da historia em-quadrinhos de Charles Schultz expressou muito bem esta idéia quando disse: “Nao importa 0 que vocé creia conquanto seja sincero”. Essa éa fraqueza da indiferenga. A Forma da Igreja 63 Tipos Basicos de Governo Dentro do conceito denominacional da igreja, podem ser encontra- dos trés tipos principais de organizagdo. O primeiro € 0 episcopal. Este tipo enfatiza grandemente o episcopado histérico ou a continuagdo de uma classe de clero superior — os bispos. Eles so os guardifes da tradigfo e as autoridades finais na vida da igreja. Alguns adeptos desta forma insis- tem em que a existéncia da igreja depende de seu episcopado histérico. “Nenhum bispo, nenhuma igreja” ou “sem bispos ndo hd igreja”. Para outros ela é simplesmente desejaével para a satide da igreja, a melhor ma- neira dela governar a si mesma. O segundo tipo é o presbiterial, ou representativo. Neste tipo, todos os ministros acham-se no mesmo n{vel. A autoridade é investida nos repre- sentantes escolhidos pelo povo, tanto ministerial como leigo, que agem em seu nome. A igreja local é governada pelo pastor, ou pastores se houver mais de um, e ancios eleitos pela congregagdo. Em todos os niveis acima da igreja local, os representantes que agem pela igreja sfo igualmente di- vididos entre clero e laicado, demonstrando assim sua igualdade. O terceiro tipo é congregacional, ou democrdtico. Como a forma presbiterial, o congregacional s6 aceita um nivel de clérigos. A autoridade, porém, nao é investida em representantes escolhidos que agem pelo povo, mas fica a cargo da agdo direta do proprio povo. A igreja existe na con- gregacdo local, unindo-se com outras congregagdes na base de comunhfio voluntdria e ndo organicamente; de’ cuja comunhfo a igreja pode retirar-se a qualquer tempo, permanecendo mesmo assim como igreja. O propésito original da forma congregacional era permitir a lideranca direta do Espirito Santo em cada igreja local. Um quarto tipo é aquele em que toda forma externa possivel é abandonada no interesse da atuagdo livre e imediata do Espirito Santo. Os quacres so representantes deste tipo. O ministério, os sacramentos e todas as formas estabelecidas de adoragdo foram abandonados. Até mesmo a Biblia fica em segundo plano quando comparada 4 “luz inte- tior” da orienta¢do direta do Espfrito Santo. Este quarto tipo de governo jamais foi muito bem aceito na igreja. Ele deixa de salientar suficientemente 0 fato de que no mundo de hoje as formas sfo necessdrias para que o espirito possa expressar-se. O sistema episcopal nfo é baseado nas Escrituras, mas na tradig4o da primeira igreja 64 A Igreja: O Povo de Deus que veio a desenvolver-se. Tanto as formas presbiterial como congrega- cional, todavia, alegam apoio bfblico. Onde se aplicam as Escrituras seré em grande parte determinado pelas pressuposigdes mantidas pelos opo- nentes, cada um de per si. Agentes Pr6é-Igreja Sob o impacto do liberalismo teoldgico nos primeiros anos do sé- culo 20 as diferengas tradicionais entre os evangélicos quanto ao governo da igreja tenderam a desaparecer debaixo de pontos mais importantes de doutrina. A forma de colaboragéo em que muitos eyangélicos vieram a ex- pressar seu interesse nas reformas evangelisticas ou sociais foi a sociedade interdenominacional voluntdria. Em anos recentes, adotaram o titulo de “para-eclesidsticas”. No século 19, esses eram grupos de crist4s individuais — a maioria procedente de igrejas, mas que néo atuavam sob a autoridade das mesmas — que se reuniram em sociedades para a prega¢o do evangelho ou algum ministério de caridade. Uma vez adotadas na América, essas sociedades tornaram possivel uma rapida resposta as necessidades espirituais e mostraram ser um meio eficaz de conseguir apoio. Os individuos das varias denominagdes podiam participar do trabalho sem fazer surgir as perturbadoras questées relativas a natureza e missdo da igreja. As sociedades voluntérias canalizaram a energia gerada pelo ardor do reavivamento para causas missiondrias, educativas e reformadoras. Em atividade nos Estados Unidos antes da Guerra Civil achavam-s¢ ‘as seguintes: American Home Missionary Society, the American Education Society. the American Temperance Society, the American Tract Society, the American Peace Society, the American Sunday School Union e diversas outras. Orestes Brownson, um ministro da Nova Inglaterra, queixou-se de que “as coisas chegaram a um tal ponto que um homem pacato mal pode aventurar-se a comer ou beber, ir para a cama ou. levantar-se, disci- plinar seus filhos ou beijar sua esposa” sem a aprovacdo ou instrugGes de alguma sociedade. A Forma da Igreja 65 Na década de 20, quando os fundamentalistas perderam a luta pelo controle de varias das maiores denominagGes, eles voltaram-se para as agéncias interdenominacionais existentes e criaram ainda outras para cumprir seus ministérios educacionais, missiondrios e de servigo social. Deste modo, os fundamentalistas e evangélicos vieram a confiar quase exclusivamente no modelo de colaboragdo da sociedade voluntiria. “Youth for Christ, Inter-Varsity Christian Fellowship, the Christian Business Men’s Committee,” e numerosas outras organizagdes seguiram o plano anterior. As vantagens da forma de colaboragao para-eclesidstica foram faceis de verificar. Durante séculos, os cristaos tinham discordado com respeito a varios detalhes da doutrina da igreja, tais como batismo, ordenagao e © significado da Ceia do Senhor. Evadindo todas essas questées, as socie- dades voluntirias apelaram diretamente aos individuos para conseguir apoio, tanto financeiro como pessoal. Esta manobra permitiu-lhes evan- gelizar, distribuir literatura, estabelecer orfenatos, tudo isso sem necessi- dade de pedir autorizagdo das autoridades eclesidsticas. As agéncias para-eclesidsticas, todavia, sofreram por falta de pre- cedente biblico e tém sido com freqiiéncia vitimas do individualismo. Algumas vezes, lideres poderosos construfram verdadeiros reinos reli- giosos; outras vezes, a lealdade a uma agéncia substituiu a lealdade a igreja, criando agéncias anti-igreja e ndo pré-igreja. Quando analisamos as varias formas da igreja além do nivel local — como fizemos neste capitulo — vemos quao facilmente podom tornar-se “um dirigivel do evangelho”. Elas so destinadas a promover o testemunho de Cristo, mas no geral obscurecem esse testemunho. A tnica solucdo, ao que parece, é a renovacao continua de nossas estruturas organizacionais, segundo os padrées biblicos e as necessidades evangelisticas. Além disso podemos dar gracas porque Deus faz uso de “vasos de barro”. 6 A FILIAGAO A IGREJA Ha varios anos atrds, quando desempenhava um ministério no “cam- pus”, estava ensinando uma classe de jovens cristdos sobre os fundamentos da vida cristé. Uma das alunas, Karen, procurou-me depois da aula para discutir um ponto mencionado por mim. Ela tomara recentemente a decisio de seguir a Cristo, mas nfo estava certa da necessidade de ser” batizada e filiar-se a igreja. Posso lembrar-me ainda da expressio no rosto de Karen quando usei uma analogia que venho empregando desde entao. “O que é o casamento, Karen?” perguntei. Ela sorriu porque jd estava dando alguns passos sérios nessa diregdo. “Bem, é amor, penso eu.” “Ser cristfo também é assim,” afirmei. “E uma relagfo pessoal entre vocé e o Senhor Jesus Cristo. Mas, existe alguma outra coisa além disso no casamento?” “Claro,” respondeu Karen, “é uma ceriménia nupcial.” E seus olhos brilharam, revelando seus jubilosos pensamentos nesse sentido em relago ao seu proprio enlace. “Naturalmente,” disse eu. “O que & o amor verdadeiro sem os votos que o protegem e tornam permanente aos olhos de Deus e dos 68 A Igreja: O Povo de Deus homens? Ser cristéo € isso. Existe um lado pessoal e outro cerimonial. O batismo € essa cerimOnia, seguida da filiagdo 4 igreja. Ela no pode criar o amor, mas pode tornd-lo respons4vel e publico. Karen entendeu bem o que eu quis dizer, mas o seu conflito é comum. Para a maioria dos cristdos, a primeira vez que a igreja tedrica encontra a igreja de fato € na filiaco 4 igreja. Poucos crentes compre- endem quanto tempo Satands passa 4 porta da igreja. E como se ele sen- tisse que nela se trava uma grande batalha com as pessoas que “se deci- diram por Cristo”. C.S. Lewis reconheceu isto em sua correspondéncia de Screwtape. “Meu querido Wormwood,” escreve ele, “noto com grande desprazer que seu paciente tornou-se cristdo... Nao hd necessidade de desespero... Um de seus grandes aliados é a prépria igreja... Tudo o que seu paciente vé € a inacabada e pretensa construcdo gética na nova propriedade... Quando chega ao seu banco e olha ao seu redor vé apenas aquela selegdo de vizinhos que até ent#o evitou. Vocé deve apoiar-se muita nesses vi- zinhos... Em seu presente est4gio, veja bem, ele tem em mente uma idéia de ‘cristdos’ que supde ser espiritual mas que, de fato, é em grande parte imagindria.” Satands nos engana fazendo com que busquemos algo mais elevado do que uma comunidade local de crentes comuns em Cristo? Se a divisio nas fileiras cristds € 0 alvo de Satands ele teve éxito mais de uma vez nessa frente. O povo da igreja no pode sequer concordar quanto ao significado de sua filiagdo. Posigées na Filiagao da Igreja O povo da igreja toma trés posigGes basicas nesta questo. O ponto de vista mantido pela maioria dos cristaos pode ser cha;’ mado de institucional. Esta posigZo vem sendo adotada ha muito tempo. Muitos catélicos romanos, luteranos e cristdos reformados a mantém hoje. Ela considera a igreja basicamente como uma comunidade em que os individuos se tornam cristdos. Podemos compard-la a uma escola de enfermagem que aceita jovens de ambos os sexos sem conhecimento algum sobre o cuidado de pacientes ou de combate as doengas. Durante alguns anos, a escola ensina e treina esses jovens até que recebam seu diploma certificando que sao enfermeiros. A Filiagdo a Igreja 69 Os cristaos institucionais créem que Deus estabeleceu a igreja e lhe concedeu graga especial para a salvagdo dos homens, mulheres e criangas. Esta graga é distribuida aos membros da igreja mediante os sacramentos da mesma. Esses sacramentos so cerimOnias especiais ordenadas por Deus para serem observadas pela igreja, a fim de ensinar e treinar os membros na vida crista. O primeiro sacramento que 0 membro pode receber € 0 batismo. De fato, segundo os cristos institucionais, € 0 batismo que faz (ou comeca a fazer) da pessoa um cristéo. Desde que a graca salvadora de Deus chega ao individuo através do sacramento, a maior parte dos crist&os institu- cionais acredita que até os bebés podem receber 0 batismo e tirar proveito dele. Ele fornece uma espécie de filiagdo preliminar. Mais tarde, por volta dos 10 ou 12 anos, a crianga deve ser instruida sobre o significado da fé cristd e recebe filiagao plena, fazendo a sua primeira comunhio (Ceia do Senhor). Através dessas ¢ de outras ceriménias e classes, os cristdos institu- cionais estZo buscando ensinar seus filhos e outras pessoas que a igreja é a escola de cristianismo de Deus, a tnica instituigdo estabelecida para o ensino da retiddo. Um segundo ponto de vista sobre a filiacdo a igreja é mantido por ctist&éos que poderfamos chamar de batistas. O nome n4o é realmente apropriado porque sugere a idéia de que apenas os batistas aceitam o mesmo. Embora os batistas 0 aceitem e componham o maior grupo desse tipo, muitos outros crist4os também créem e praticam esse ponto. Entre estes acham-se muitas igrejas pentecostais e congregacionais. O nome, de qualquer forma, nfo é to importante para o nosso propésito quanto a idéia. A visdo bdsica da filiagdo a igreja mantida por esses cristéos é mais exclusiva no sentido de que a filia¢4o é reservada para os que se dispdem a expressar essa f€ no batismo evangélico, confirmando assim sua fé pessoal em Jesus Cristo. E necessério chamé-lo de batismo evangélico porque os crist@os créem que a igreja e o batismo representam mais do que uma escola de cristianismo e o ato de matricular-se nela. Os cristdos batistas acreditam que a igreja é mais como uma familia do que uma escola. Vocé nfo se matricula nas familias; vocé é acrescenta- do a elas pelo nascimento. Assim sendo, os cristdos batistas insistem que uma pessoa deve nascer de novo para ser acrescentada 4 igreja, a familia 70 A Igreja: O Povo de Deus de Deus.-Além disso, 0 batismo nao é 0 nascimento mas uma confisso do evangelho pela qual o crente torna-se um filho de Deus. Os cristaos batistas tentam entdo reservar o batismo e a filiag@o a igreja para os ho- mens, mulheres e criangas que tém fé pessoal em Jesus Cristo. Um terceiro ponto de vista da filiagdo a igreja é mantido por uma pequena minoria de cristéos que poderfamos chamar de cristaos ndo-filia- dos. Nenhuma das denominag6es principais mantém este ponto de vista, mas muitos cristaos independentes créem nele. Eles afirmam que 0 cristéo pode ser batizado se quiser, mas sua fé pessoal j4 fez dele um membro da verdadeiro igreja. Nenhum ato extemo ira acrescentar nada a isso. Desde que a decisfo fntima é a tinica exigéncia aos olhos de Deus, a maneira externa em que é feito o batismo nao importa. Pode ser aspersio, imersio, derramamento, ou nada. Por essas posigGes fica claro que os cristdos preocupados em seguir os ensinos do Novo Testamento enfrentam duas perguntas: Existe a filia- ¢do a igreja no Novo Testamento? Caso positivo, quai a relagdo entre 0 batismo e a filiagao0? A primeira pergunta exige uma definigdo de termos.O que queremos dizer com filiago 4 igreja? Estamos falando de lista de membros? Certi- ficado de filiag40? Ou uma relagdo responsdvel com um grupo especifico? O Novo Testamento faz habitualmente distingao entre grupos de cristfos movimentando-se no mundo mediterraneo e igrejas localizadas em certos lugares. Além disso, o Novo Testamento nao considera o fato de manter listas de membros como falta de espiritualidade. Segundo Lucas 10.20 isso é feito no céu. Existe até mesmo evidéncia de que as primeiras igrejas também faziam listas — pelo menos de algumas de suas vitvas (1 Tm 5.9,11). Os escritos do Novo Testamento também indicam que algo parecido com cartas da igreja era usado para recomendar um crente a outra igreja. Em varias ocasides Paulo recomendou Timéteo (1 Co 16.10), Tito (2 Co 8.23), Febe (Rm 16.1), e Marcos (Cl 4.10). Ninguém pode naturalmente discutir que as prdticas do primeiro século eram exatamente iguais 4s nossas. Segundo tenho conhecimento, nenhuma lista de membros do primeiro século existe hoje. Mas, o Novo Testamento sem diivida oferece evidéncia suficiente para desafiar o ponto de vista que nao aceita a idéia de filiagdo. O amor s6lido ensinado aos cristéos do Novo Testamento exigia a filiago a igreja por ser a espécie de amor que assumia responsabilidade A Filiagao a Igreja wal pelos irmfos e irmas. Nao se tratava de palavras gerais oferecidas aos cris- tdos em geral. Era amor oferecido aos outros membros por reveréncia a Cristo e aos Ifderes respeitados que cuidam das almas dos componentes do corpo (Hb 13.17). A revista “Moody Monthly” fez ha algum tempo uma observacio adequada a respeito de um “carona”. Trata-se de um cardter interessante. Ele quer viajar de graca. Ndo assume responsabilidade pelo dinheiro ne- cessdrio para a compra do carro, da gasolina para abastecé-lo ou do custo da manutengdo. Espera viajar com conforto e seguranga. Supde que o motorista tenha um seguro para cobri-lo em caso de acidente. Nao acha demais pedir para ser levado a um lugar determinado, mesmo que isso signifique uma volta extra ou inconveniéncia para o proprietario do carro. Existe, porém, uma situagdo ainda pior do que essa. Consideré a pessoa que exige todos os beneficios e privilégios da igreja sem sentir a menor responsabilidade pelo seu sustento em termos de dinheiro, tempo ou setviga. E se néo obtiver tudo o que pensa que seja seu por direito natural, € geralmente a que faz maiores exigéncias e criticas. Esse indivi- duo é também um “carona”. O Novo Testamento nfo admite, entretanto, nenhum “carona” no reino, porque o amor provocado pelo evangelho é responsivel, abran- gendo até mesmo o exercfcio da disciplina na igreja. De todas as praticas das igrejas apostélicas, a disciplina é a que fala mais forte a favor da filia- ¢do a igreja. Como poderia um irmfo ou irma.ser expulso da comunhio da igreja se ndo houvesse filiagdo? Em seu livro Adoragdo na Igreja Primitiva, o Professor Ralph P. Martin pesquisa o material do Novo Testamento sobre a vida interior da igreja e conclui: “Se a igreja primitiva fosse uma sociedade de livres-pen- sadores em que cada um tinha liberdade para acreditar naquilo que pensava ser aceitdvel e para viver como bem entendia, sem orientagdo doutrindria nem padrdes de comportamento ético, as Epistolas do Novo Testamento seriam bem diferentes daquelas que conhecemos” (Adoragdo na Igreja Primitiva, Séo Paulo, Ed. Vida Nova, 1982, p. 65). A maioria das igrejas ficou convencida com este tipo de argumenta- ¢do. Nada existe na filiagdo a igreja que nao seja espiritual. Pelo contrdrio, a Gnica maneira de ministrar 4 igreja visfvel na terra e através dela é ter algum meio de identificar quem pertence ou no pertence 4 mesma — deixando todas as excegdes com Deus. 2 A Igreja: O Povo de Deus Qualquer valor que a idéia de uma igreja invisivel fora da igreja visi- vel possa ter para propdsitos teolégicos, ao tratar de congregac6es vis{veis, tem bem pouca importancia. Ficamos entfo com a escolha entre duas igrejas visiveis. Existem aquelas igrejas visfveis que encontram sua identidade em algum tipo de estrutura institucional: a ordenagdo adequada, a doutrina correta, ou o sacramento valido. Os eclesidsticos tendem a dar menos atengdo 4 quali- dade da filiago quando ela se apdia visivelmente nessas formas institu- cionais. Se nfo houver o cuidado devido com a condi¢do espiritual dos membros, quase sempre surge a pergunta: “Quando o mundo vencerd a igreja?” Outras igrejas visiveis procuram manter seus membros convertidos. A sua preocupacdo com a qualidade da filiagdo 4 igreja significa que elas enfrentam o problema de distingiiir entre joio que se assemelha ao trigo € 0 trigo que parece joio. O Novo Testamento propriamente dito, entretanto, parece apoiar a pratica da filiagdo a igreja e a exigéncia de fé pessoal em Cristo como um pré-requisito. Embora exemplos claros de listas de membros do Novo Testamento nao tenham sido conservados, a atitude com relagdo a igreja reunida em assembléias locais é tal que os relacionamentos com 0 corpo local de crentes implicavam em responsabilidade. Vamos voltar agora para a segunda pergunta bdsica: Qual a rela¢ao entre o batismo e a filiacdo a igreja? Perguntas a respeito do batismo surgem de todas as diregdes. Nos circulos evangélicos americanos, é necessério comecar com certas obje- Ges ao batismo nas dguas. Objecdes ao Batismo Sob o impacto do reavivamento, com sua grande énfase nas con- versdes pessoais genufnas, muitos evangélicos passaram a duvidar do valor do batismo nas Aguas. Eles dizem que ¢ Cristo quem salva mediante a fé somente e nfo a igreja através de cerimGnias, Esses crentes baseiam 0 seu caso em trés argumentos extrafdos do Novo Testamento. Uma distingo entre a verdadeira espiritualidade e o batismo em Agua é quase sempre feita. O argumento com freqiiéncia apela para a A Filiagao a Igreja 73 promessa de Jesus quanto ao batismo que viria. Jesus disse: “Porque Joao, na verdade, batizou com dgua, mas vés sereis batizados com o Espirito Santo, nfo muito depois destes dias” (At 1.5; veja também a promessa do proprio Joao, Mc 1.8 e Le 3.16). Serd isto, de fato, apoio para um batismo cristao sem Agua? Fica claro o propésito de um contraste: o batismo de Jodo com agua e o batis- mo do Espirito Santo prometido por Jesus. Os discipulos de Joao sé conheceram o batismo de arrependimento caracterizado pela dgua; os discfpulos de Jesus iriam conhecer mais do que o batismo de arrependi- mento, conheceriam também o batismo do Espirito. Este batismo do Espirito exclui entao a 4gua como um simbolo ou instrumento do Espirito. E claro que nao, pois o Livro de Atos mostra os crentes recebendo o Espfrito e sendo batizados em agua. O texto nao estd, portanto, contrastando a 4gua e o Espirito e sim o batismo praticado por Joao com o batismo cristao. Um segundo argumento que alguns evangélicos utilizam para depre- ciar o valor do batismo na Agua se apdia no comentario de Paulo 4 igreja de Corinto: “Dou gragas (a Deus) porque a nenhum de vos batizei... Porque ndo me enviou Cristo para batizar, mas para pregar o evangelho (1 Co 1.14,17). O argumento insiste que Paulo minimizou a importancia do batismo e salientou o significado da pregacdo e recebimento do evangelho. Mas este raciocinio é falacioso, Paulo ndo estava se opondo ao batismo em si, mas afirmava que 0 batismo é a base da uniao da igreja! (v. 13). O proble- ma nao € o batismo e sim a falsa lealdade aos que ministravam 0 mesmo, como Paulo, Apolo e Pedro, homens a quem os partidos de Corinto admiravam e ao redor de quem estavam se reunindo. Um terceiro argumento freqiientemente apresentado por alguns evangélicos se prende a uma compreensfo especial do corpo de Cristo. Eles afirmam que nfo é necessdrio ser batizado para entrar no corpo de Cristo e néo devemos ent4o exigir mais do que o proprio Deus. Se, com este argumento, esses evangélicos est@o tentando enfatizar a idéia de que o batismo n4o é o elemento constituinte no corpo de Cristo, est4o provavelmente certos. Mas, eles est4o na verdade perdendo de vista o alvo. Nem o batismo nem a fé fornecem uma base para o corpo. O nt- mero total de membros nfo constitui o corpo de Cristo. O corpo de Cristo 714 A Igreja: O Povo de Deus tem como fundamento o préprio Cristo e o Espirito dado por Ele cria aunidade do corpo (veja 1 Co 12.12-13). Esta verdade, porém — a esséncia divina da igreja — jamais é usada no Novo Testamento para depreciar o batismo ou a filiagdo responsdvel na igreja visivel na terra. Pelo contrdrio, esta doutrina ¢ empregada em 1 Corintios 12 para neutralizar as divisSes na assembléia local, criadas pelas rivalidades em relag4o aos dons espirituais. O Novo Testamento ndo fornece uma base real para os que tentam diminuir o lugar adequado do batismo, apelando a uma super-espirituali- dade, Esses evangélicos dedicados que buscam evitar qualquer idéia da Agua em si produzir a nova vida (regeneracdo batismal), tornam a salvagdo mais pietista do que o proprio Novo Testamento. O Significado do Batismo Se ndo pudermos rejeitar completamente o batismo numa base justa, devemos continuar investigando quanto ao seu verdadeiro significado. Alguns dizem que significa a lavagem do pecado original. A gua tem real- mente o poder de conceder a vida espiritual, até mesmo a uma crianga. Eu pessoalmente nao encontrei nenhum elo no Novo Testamento entre a remogdo do pecado original e a aplicagdo de dgua. A idéia de um sacerdécio especial capacitado pela ordenagdo a dispensar a graga salvadora — que € com freqiiéncia a base desta visio do batismo — é um conceito posterior do ministério, sendo demasiado institucional para pertencer aos apéstolos. Outros cristéos afirmam que o batismo é o sinal da alianga. Ele é, dizem eles, a alternativa do Novo Testamento para a circuncisdo do Velho. Ele assinala nossa qualidade de membros do povo de Deus e inclui nao s6 os pais crentes como os seus filhos. Desde que o batismo nfo indica a presenga da f€ salvadora pessoal mas a promessa divina de béngdos’de fé, a crianga pode ser inclufda. Ela talvez venha a crer ou nao mais tarde, dependendo de sua vontade. Embora esta posigao tenha a vantagem de enfatizar a unidade do povo de Deus nas Escrituras, ela enfrenta pelo menos duas objegGes prin- cipais. Primeiro, ndo existe um caso explicito de batismo de criangas no Novo Testamento. E, segundo, a pratica do batismo tanto de prosélitos A Filiagao a Igreja 5 judeus como o de Jofo Batista exigia que o candidato compreendesse © significado do mesmo. O elo entre a circuncisfo e o batismo, como alguns argumentam, ndo se evidenciava automaticamente de modo algum. Outros cristdos mantém que o batismo representa a aceitacdo pessoal pela fé de uma nova vida que nos é oferecida por Jesus Cristo. Em suma, eles sdo adeptos do batismo do crente. Apesar de compreender como os outros cristéos podem aceitar outros pontos de vista, acredito que esta posigfo tenha mais apoio biblico. £ provavel que ninguém possa explicar adequadamente o pleno significado do batismo como praticado pela igreja apost6lica, mas trés idéias parecem repetir-se. Primeiro, o batismo é uma expressfo simbélica da aceitagio do evangelho. O Novo Testamento liga consistentemente esta ceriménia com a apresentagdo das Boas Novas sobre Jesus e com o arrependimento e a f€ manifestados pelo crente. “Colhemos do registro em Atos dos Apéstolos,” escreve o Professor Martin, “que a conversdo e o batismo foram considerados como 0 lado interior e exterior da mesma experiéncia” (Adoragao na Igreja Primitiva, p. 70). O relato mais completo de um batismo do Novo Testamento é 0 do eunuco etiope (At 8.26-38). O eunuco estava lendo a grandiosa escritura profética em Isafas 53. “A quem se refere o profeta?” perguntou ele a Filipe. Isto deu a Filipe a oportunidade que queria, e comecando “por esta passagem da Escritura” (onde melhor poderia comegar?), “anun- ciou-lhe a Jesus”. Deve ter havido alguma referéncia ao batismo em sua conversa porque quando se aproximaram de um local onde havia 4gua, o eunuco perguntou: “Que impede que eu seja batizado?” Ao que Filipe respondeu: “fi licito, se crés de todo coragdo”. E ele replicou a Filipe: “Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus”. Entdo pararam o carro, “ambos desceram 4 Agua, e Filipe batizou o eunuco”. A resposta de Filipe 4 pergunta do eunuco sobre os termos do batismo nfo faz parte do texto original da narrativa, como notado em vérias tradugdes modernas, mas ela representa sem divida a opinido de copistas da Igreja Primitiva, e a indaga¢o do eunuco deve ter sido respondida de modo semelhante ao sugerido. Esta e outras passagens mais curtas tornam claro que a verdade mais fundamental ilustrada no ato do batismo é a unifo espiritual do crente com o Senhor Jesus em sua morte, sepultamento e ressurreicdo. Estar 16 A Igreja: O Povo de Deus “em Cristo” significa partilhar espiritualmente dos atos salvadores de Jesus. O crente morreu para a sua velha vida, seu passado foi sepultado, e ele foi agora levantado com Cristo para uma nova vida sob o controle do Espirito (Rm 6.3-4; Cl 2.12). Quando os ouvintes de Pedro clamaram no Dia de Pentecostes: “Que faremos?” ele Ihes disse que se arrependessem de seus pecados e fossem batizados em nome de Jesus. Pedro indicou também que o batismo fala de perddo dos pecados e do dom do Espirito (At 2.38). O batismo, disse ele, simboliza duas realidades espirituais: A libertagao do crente do pecado, com a morte de Jesus; e seu poder para uma nova vida, porque Jesus foi levantado e enviou o seu Espirito. Podemos dizer, teologicamente, que o batismo representa a justificagdo pela fé no sangue de Jesus e a santifi- cagao pela fé no poder de sua vida ressurreta. Segundo, o batismo é a evidéncia de uma purificagéo moral. O elo entre o uso da dgua e a experiéncia de purificagdo do pecado é natural. “‘Levanta-te, recebe o batismo”, disse Ananias a Paulo, “e lava os teus pecados, invocando o nome dele (do Senhor)” (At 22.16). Mais tarde, ao fazer um apelo moral aos Corintios, Paulo lembrou-os de que os injus- tos ndo herdardo o reino de Deus — “Tais fostes alguns de vés; mas vés vos lavastes” (1 Co 6.11). O batismo nao € o meio de purificacdo em si, mas um sinal desta. A purificagdo expressa pelo batismo é moral, sendo uma obra do Espirito Santo no coragao do crente. O batismo do crente em dgua é, porém, extremamente importante. O batismo, como um ato publico, toma a experiéncia interior da purifi- cacao e lhe d& expresso concreta. O que pode parecer um capricho pas- sageiro do convertido, um momento de entusiasmo, torna-se um evento publico que nenhuma emogao modificada pode apagar mais tarde. O ba- tismo ergue entdo a fé das areias incertas dos caprichos religiosos internos e a consolida num ato de compromisso e obediéncia. A fé, como o conver- tido vem a aprender, no é simplesmente uma opiniao particular, mas‘uma vida de discipulado na vontade de Deus. . © batismo é finalmente um ato de iniciagado. A unido com Cristo sig- nifica unido com o seu povo. Os primeiros cristdos estavam familiarizados com as idéias de iniciagdo do judafsmo, caso nao fossem as das religides pagas, e eles sem dtivida consideravam o batismo como a ceriménia de iniciagdo cristi. Paulo apontou nesta diregéo quando escreveu: “Pois, A Filiagao a Igreja 77 em um s6 Espirito, todos nés fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres” (1 Co 12.13). Neste sentido, o batismo é a porta de entrada da igreja. Através dele, homens e mulheres sdo unidos em um corpo, a fraternidade confessa de todos os que amam o Senhor Jesus; e, portanto, na assembiéia local. q AADORAGCAO E A IGREJA Em seu livro, “Church — Who Needs It?” (“A Igreja? Quem Precisa Dela?”’), David Allan Hubbard nos faz lembrar que 0 mundo gosta de feriados. Seria diffcil, diz ele, ir a qualquer lugar e encontrar pessoas, se nao houvessem feriados. “Para alguns, os feriados estao ligados as esta- ges, como os grandes festivais de vero na Escandindvia ou os carnavais de inverno em Minnesota. Para outros, os feriados recordam os grandes acontecimentos hist6ricos, especialmente o dia da independéncia ou liber- tagao da tirania, como o Dia da Bastilha na Franga, o Cinco de Maio no México, ou o Quatro de Julho nos Estados Unidos” (Glendale: Regal Books, 1974, p. 14). Embora todo mundo goste de um feriado, nao existe feriado algum que seja realmente universal. A maioria deles est ligada a tradigGes nacio- nais ou tribais, ou ligada 4 historia de um grupo especifico. Num certo sentido, os feriados sdo celebragdes dentro do grupo que tém pouco ou nenhum significado em outra parte. O mais proximo de um feriado universal é 0 dia que tomamos por certo — o domingo. Apesar da maré crescente de secularizagdo no mundo ocidental durante os dois iltimos séculos, o domingo é observado por mais pessoas do que qualquer outro dia santo conhecido pelo homem. Os cristdos vém fazendo isso h4 dois mil anos por encontrarem o significa- do da vida na adoragéo dominical de Jesus Cristo, “o primogénito dentre os mortos””. Um poeta desconhecido escreveu certa vez: 80 A Igreja: O Povo de Deus De todos os prémios Que o mundo pode oferecer, Este é o melhor: Encontrar-te, Senhor, Uma presenga viva e préxima, E descansar em Ti. Este anseio dentro de uma congregacdo cristd faz com que ela seja diferente de todas as demais reuniGes humanas. Outros se encontram por prazer, estudo, ou para fazer planos. A igreja encontra-se para adorar. A adoracdo pode envolver alegria, instrugdo e planos de agdo — mas © Amago de tudo é sempre o fato de Deus e a relagdo dos adoradores com Ele. A alegria da adoragao est4 em Deus. Sua instrugdo est4 na vontade de Deus. Seus planos de aco acham-se ligados aos propésitos de Deus. A centralidade de Deus faz da adoragao aquilo que é. O Significado da Adoragdo Crist& A adoracao é 0 ato da igreja reunida em que louvor e honra sdo dirigidos a Deus pelo seus dons preciosos a seu povo em Jesus Cristo e através dele. A chave da verdadeira adoragdo nao é o homem, mas Deus. O Deus da Biblia revelou-se de tal maneira a nés que a natureza do culto cristo é determinada pelo seu cardter. A Bfblia nos ensina que Deus procura homens que O adorem em espirito e em verdade (Jo 4.23) e que Ele removeu de uma vez para sempre as barreiras que impediam a comunhdo com sua pessoa. A verdadeira adoragdo crist@, portanto, ndo é algo que o homem faz para Deus; mas nossa aceitag3o agradecida daquilo que Deus jé fez por nés na morte e ressurrei¢ao de Jesus Cristo. A adoragdo bfblica é peculiar. As formas de adoragdo de Israel nos tempos do Velho Testamento eram exteriormente semelhantes as formas de culto das nagdes vizinhas, mas o significado interior diferia grandemen- te. Os pagios iniciavam eles mesmos os atos de adoragfo, na esperanga de fazer alguma coisa que pudesse obter o favor dos deuses. A adoragdo dos hebreus era uma resposta a0 que Deus jé fizera por eles, nio tendo o propésito de alcangar o favor de Deus, Tratava-se simplesmente do alegre reconhecimento de que um Deus cheio de amor jé oferecera, por sua propria iniciativa, sua miseric6rdia e graga. A Adoragao e a Igreja 81 A adoragdo, como a aceitagdo agradecida da graca divina, € quase sempre acompanhada de louvor e culto. “Alegrei-me quando me disseram: Vamos 4 casa do Senhor” (SI 122.1). “Rendei gragas ao Senhor, porque ele é bom, porque a sua misericordia dura para sempre” (SI 118.1). Este tom € caracteristico do culto biblico. Frases como “Louvai ao Senhor”, “Cantai ao Senhor” e “Rejubilai-vos no Senhor” correm como fios de ouro através da adoragdo da Biblia. Louvor e adoragdo sdo simplesmente a resposta do crente a Deus. Desde que Deus é Criador, Redentor e Senhor, 0 povo de Deus prostra-se diante dele em adoragdo e agdes de gracas, reconhecendo que a vida e todas as boas dadivas sio tecebidas da sua mao. Reconhecer Deus como Criador e Redentor é glorificd-lO; € engrandecer seu valor supremo. Infelizmente, muitos de nds merecem a acusagfo do falecido Peter Taylor Forsyth: “Em lugar de colocar-se ao servigo de Deus, a maior parte das pessoas quer um Deus que esteja a seu servico” (The Cure of Souls: An Anthology of P.T. Forsyth’s Practical Writings, editado por Harry Escott, Grand Rapids: Eerdmans, 1971, p. 59). A verdadeira adoracdo, porém, deve ser sempre para a gloria de Deus. Nos cultos modernos, muita atencdo é dirigida para o que acontece com o adorador. As igrejas recorrem a som, luzes, simbolismo, liturgia encenagdo, a fim de provocar sentimentos emocionais no adorador. Os que participam tendem a avaliar o culto em termos de como ele os edificou ou fé-los sentir-se bem ou os inspirou. Precisamos vigiar neste ponto. E possivel confundir entretenimento com adoragdo, substituindo 0 que alguém chamou de “afeicdo subjetiva” em lugar de “confianga objetiva”. Podemos tomar o prazer estético que sentimos ao ouvir o coral, ou a beleza arquiteténica do prédio da igreja, por uma verdadeira experiéncia de adoracdo. C.S.Lewis escreveu muito bem: “O bom calgado é aquele que vocé no nota. A boa leitura torna-se possivel quando vocé nao precisa pensar conscientemente sobre os olhos, a luz, a impress40, a pronincia. O culto perfeito da igreja seria aquele que passasse praticamente despercebido; nossa atengao estaria voltada para Deus” (Letters to Malcolm, New York: Harcourt, Brace, and World, 1964, p. 4). 82 A Igreja: O Povo de Deus Os evangélicos americanos, penso eu, enfrentam outra corrupcdo do culto verdadeiro. Como um movimento doutrindrio, eles geralmente consideram a apresentagdo de algumas novas verdades biblicas como uma béngdo na adoracdo. Isto transforma a mesma numa experiéncia intelec- tual. A adoragdo biblica nao é insensata — como argumentou Paulo em 1 Corintios 14 — mas o Deus que adoramos serd sempre maior que os nossos pensamentos, mesmo a respeito da Biblia. O Livro de J6 ensina que Deus esté proximo de nés mesmo durante aqueles momentos em que temos raz4o para duvidar de que Ele nos ama. Os seus caminhos esto além de nossa compreensdo. Avaliar a adoragdo pelo que acontece ao adorador € fazer dos ho- mens € néo de Deus, o centro da mesma. Isto seria usar Deus para fins humanos. Mas o propésito final de Deus nao € glorificar 0 homem e tornd-lo feliz para sempre. Mas, pelo contrdrio, o propésito final do homem € glorificar a Deus e gozar dEle para sempre. Esta a finalidade principal de toda a verdadeira adoragao. A Necessidade da Adoragdo Conjunta O cardter corporativo da salvagdo que discutimos no capitulo 3 se relaciona especialmente com a adoragdo. Esta néo é um solo, mas um coro. B a famflia de Deus reunida na sua presenga para concretizar a uni- cidade do povo de Deus. “Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e ds boas obras” diz a testemunha apostélica. “Nao abandonemos a nossa propria congregagdo, como € costume de alguns; antes fagamos admoestagdes” (Hb 10.24-25). Esta ndo é simplesmente a opinido de um escritor do Novo Testa- mento, nem o conselho de um ministro ambicioso que deseja uma boa freqiiéncia para incluir em seu relatério anual. E a expressio da natureza corporativa da igreja. Ser salvo significa que pertencemos 4 companhia dos salvos. Jodo Calvino viu isto claramente quando escreveu: “Em separado do corpo de Cristo e da fraternidade dos santos, ndo pode haver esperahca de reconciliagéo com Deus”. O Espirito Santo ndo foi dado a indivfduos isolados, mas 4 igreja. Se temos o dom do Esp/rito Santo, estamos vitalmente unidos 4 comunhio do corpo a quem o Espirito Santo é concedido. Fora deste corpo nfo ha salvagdo. Deixar de adorar regularmente com o povo de Deus e partilhar da A Adoragio ea Igreja 83 vida do seu povo, afirmando mesmo assim ser um cristo, é uma clara contradicdo. Quaisquer que sejam as excegdes a esta regra, elas apenas confirmam o fato de que os casos excepcionais nao anulam a regra. Eles geralmente revelam a falta de compreensao por parte de alguém quanto 4 sua propria fé. “Todos os que creram estavam juntos” é a primeira des- crigdo da igreja (At 2.44), sendo uma marca permanente da vida da igreja em todas as gerages. O Ritual na Adoracdo A adoragio na igreja faz surgir a questao do lugar do ritual, “‘a forma ou formas de conduzir a adoragdéo”. A congregacdo dificilmente pode evitar o uso de um ritual. A diferenga esta na quantidade e nos tipos em- pregados em cada igreja. Alguém chamou o ritual de “maneiras 4 mesa de Deus”. Isso é atil, faz com que nos lembremos de aproximar-nos de Deus de maneira ordena- da e cortés. Devemos porém sublinhar trés adverténcias. Primeiro, embora as maneiras 4 mesa sejam boas, elas nao devem sufocar os membros. Na inti- midade do lar a aspereza ndo tem vez, mas todos devem sentir o calor da aceitagdo. A demasiada formalidade transforma a familia em uma reuniao de conhecidos afetados. Em seu ensaio de maneiras, Ralph Waldo Emerson insiste em que as melhores maneiras tem como base a absoluta sinceridade. Ele declarou que a pessoa pode deitar-se no chao e brincar com uma crianga na sala de visitas e mesmo assim ter boas maneiras se sua atitude for sincera. Ter boas maneiras na casa de Deus nem sempre significa seguir formas impressas com exatiddo, mas sim a expresso simples e sincera de amor e um fluxo jubiloso de comunhido com Deus na forma mais adequada para a ocasiao. Desde que a adoracdo conjunta inclui toda a familia da igreja, os indivfduos no grupo devem controlar a sua individualidade a fim de evitar ofender outros. A confusfo e o caos nao glorificam a Deus. A “manifes- tagdo do Espirito”, disse Paulo, é dada “a cada um, visando um fim pro- veitoso” (1 Co 12.7). No corpo, os pés, as maos, orelhas e olhos devem ser coordenados para funcionar conjuntamente. Paulo aconselhou: “Seja tudo feito para edificagao... para todos aprenderem e serem consolados... porque Deus ndo é de confusio; e, sim, de paz” (1 Co 14.26,31,33). 84 A Igreja: O Povo de Deus Dentro dos limites da dignidade adequada 4 presenga de Deus, de- vemos ter porém liberdade de deixar de lado ou modificar nosso ritual estabelecido sob a lideranga do Espirito Santo. Maneiras 4 mesa, sim; mas nao do tipo rigido que sufoca a comunhdo intima da familia de Deus. Uma segunda precaugao sobre o ritual é que as boas maneiras ex- ternas quando nao expressam os verdadeiros sentimentos do coragio, tornam-se hipocrisia. Elas degradam em vez de exaltar os relacionamentos humanos. Da mesma forma, o ritual religioso realizado com corregao exterior mas simplesmente para manter uma tradigdo de longa data, tor- na-se um espetdculo religioso abominado por Deus. Isafas proclamou o juizo divino sobre os israelitas, dizendo: “este povo se aproxima de mim, e com a sua boca e com os seus labios me honra, mas 0 seu coracdo est4 longe de mim” (Is 29.13). Jesus declarou que Deus preferia a rebelido aberta dos publicanos e prostitutas do que a pratica religiosa exibicionista dos fariseus (Mt 21.31). Durante geragdes, o ritual tem com freqiiéncia substituido o senti- mento religioso do coragdo. Repetidamente os profetas acusaram 0 ritual sem uma base religiosa real. “De que me serve a mim a multidao de vossos sacrificios?” clamou Deus através de Isafas. “Estou farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de animais cevados” (Is 1.11). O ritual pode tornar-se um manto para ocultar 0 pecado, Jesus tocou na mesma nota quando disse aos homens meticulosos quanto 4 observancia do ritual: “Ide, porém, e aprendei, 0 que significa: Misericérdia quero, e ndo holocaustos” (Mt 9.13). Os profetas diziam que quando o ritual deixa de expressar a relagdo sincera entre o adorador e Deus, ele se torna uma barreira e ndo uma ajuda, um escudo para esconder a verdadeira condigdo da alma em vez de meio de aproximagdo de Deus. Devemos examinar continuamente nossos cultos de adoragao a fim de fazer deles canais de verdadeira devogdo em lugar de substitutos para a mesma. Uma terceira adverténcia com respeito ao ritual é que ele deve ser usado para revelar a graca de Deus e nao algo feito pelo homem ou’em nome dele. No Livro de Exodo, a adoragdo seguiu a redengdo ¢ a lei. Em primeiro lugar, Deus agiu a favor do homem quando ele se achava incapaz de fazer algo por si mesmo. Isto é graga — um ato livre e imediato de Deus para a libertagio do homem, imerecida por este. Segundo, a concessdo da Lei. O homem deveria mostrar desse modo a sua gratiddo — obedecendo a A Adoragao ea Igreja 85 Deus em sua vida. Finalmente, o Senhor instituiu a adoragao. Ela tinha como propésito lembrar 0 povo da redengao recebida de Deus, ilustrando o fato de que Ele era seu Redentor onipresente, dando-lhes um meio de expressar seu agradecimento pela sua salvagdo, e promovendo sua obe- diéncia 4 vontade divina. Esta é a finalidade do ritual, quer fagamos ou nao uso amplo dele na adorag4o. Seu propésito é proporcionar um modo ordeiro de relembrar- mos a misericérdia redentora de Deus e 0 mandamento de obediéncia 4 sua vontade que a sua graga nos impés. Quando o ritual se torna um espe- tdéculo humano, um fim em-si mesmo, focalizando 0 homem e nao Deus, devemos resgatd-lo dos ritualistas e transformé-lo num instrumento para a gloria de Deus. Os Elementos da Adoragao Na adoragao evangélica a Palavra de Deus & sempre central. Mas, 0 que é a Palavra de Deus? Na Biblia, mais do que simples frases, a Palavra de Deus é a sua agao; e o primeiro lugar em que agiu para a nossa salvagdo foi em Jesus Cristo. Jesus, de modo supremo, é a Palavra de Deus. O na- drao pelo qual medimos a adoragdo é o grau em que ela confronta os homens com a Palavra de Cristo e os leva seja para a salvago ou para 0 juizo. Mas, de que maneira os homens sdo confrontados por Cristo? Lendo, pregando e ensinando a Bfblia. A autoridade da Biblia nao é exterior. O Espirito Santo, usando as palavras da Escritura, nos fala hoje. O Espi- tito de Deus aplica o evangelho aos nossos coragGes e nos confronta com o amor redentor de Deus em Cristo. Em seu livro Journey into Light (“Jomada para a Luz”), Emile Cailliet, um professor do Semindrio Teolégico de Princeton, nos fala sobre seus dias de estudante e da filosofia naturalista que encontrou nas escolas européias. Durante a Primeira Guerra Mundial ele passou longas noites de vigilia nas trincheiras, ansiando estranhamente por “um livro que o com- preendesse”. Depois de ter sido ferido por uma bala e passado nove meses num hospital, Cailliet continuou seus estudos. Certo dia sua noiva recebeu uma Biblia de um ministro francés. “Agarrei literalmente a Biblia e corri para 86 A Igreja: O Povo de Deus meu escritério com ela,” contou Cailliet. “Nao podia encontrar palavras para descrever minha reveréncia e admiragdo. Subitamente entendi que aquele era o Livro que iria compreender-m Continuei a ler noite a dentro, principalmente os evangelhos. Enquanto os examinava, Aquele de quem falavam, Aquele que falava e agia neles, tornou-se vivo em mim” (Grand Rapids: Zondervan, 1968, p. 18). Esse é 0 motivo pelo qual a igreja aceita a Biblia e a torna central na adoracdo. Ns a lemos, pregamos e ensinamos. Até mesmo os canticos da congrega¢do dio testemunho da sua mensagem e as oracGes devem transpi- tar a sua atmosfera. Todo 0 servigo de adoragao deve tornar real e con- temporanea a Palavra redentora de Deus. A maneira mais eficaz de gravar a verdade biblica no coragéo dos homens é através da pregacdo. Na verdadeira pregacdo, Cristo, a Palavra viva de Deus, revela-se através das Escrituras apresentadas pelo pregador. O préprio Deus fala por meio delas e oferece aos homens a sua salvagdo. “E assim, a fé vem pela pregacdo e a pregacao pela palavra de Deus” (Rm 10.17). O sermao deve ser, portanto, o ponto alto da adoragdo, em lugar de um discurso aborrecido tolerado pelos ouvintes. Se as congregagGes pensaram na adoragao em termos de coros litar- gicos, paramentos dos sacerdotes ¢ vitrais, e na pregagdo como uma prova de paciéncia, isso talvez acontega porque o pregador esqueceu 0 objetivo da verdadeira proclamagao. Ela deve exaltar a gloria de Deus em seu amor, santidade e poder. Deve declarar os atos poderosos de Deus, operados a favor dos homens e de sua salvagdo. Deve apresentar Jesus Cristo como o Salvador encarnado, crucificado e exaltado dos individuos sem rumo e sem forgas. Quando isso é feito, o coragdo dos ouvintes é edificado, ge- rando sentimentos de gratiddo e esperanga. Isso é adoragdo. Tal coisa acontece, naturalmente, apenas quando os pregadores apre- sentam o Cristo das Escrituras, pois s6 assim o Espirito Santo toma as suas palavras e aplica a Palavra de Deus ao corago dos que o ouvem. Quando a Biblia é pregada e o Espfrito Santo faz uso das palavras do pregador, a pregacdo torna-se um instrumento eficaz pelo qual Deus oferece o seu amor ao poyo e 0 chama 4 adoragao. A Adoragao ea Igreja 87 Além da leitura das Escrituras e da pregacdo e ensino baseados nelas, os cristaos sempre reconheceram outros elementos de adoragdo. Ao canta- rem salmos e hinos, os homens respondem 4 graga de Deus em louvor e adoragao. O valor dos canticos, quer corais ou congregacionais, nao est4 na qualidade da musica, mas na sinceridade e inteligéncia do canal do ver- dadeiro louvor. Cantar em palavras que nao sejam claras, portanto, ou com palavras sentimentais ou centralizadas no homem em lugar de ser um reflexo da gléria de Deus, deve ser rejeitado na adoracdo evangélica. A oragdo € também uma parte definida da adorago. Na oragdo, os membros da congregacao se prostram unidos diante de Deus. Essa é a ma- neira em que 0 homem reconhece que todas as suas fontes esto em Deus, que em separado dEle o ser humano nada pode fazer. Maxie B. Dunham, em seu livro Channels of Challenge (“Canais de Desafio”), citou alguém chamado Frederick B. Speakman como dizendo: “O homem que nada tem 4 sua frente para inclinar-se, ira algum dia ser esmagado pelo seu proprio peso” (Nashville: Abingdon Press, 1965, p. 35). A oragdo é também um meio de oferecer-nos a Deus como instru- mentos de sua vontade, como servos obedientes cujo propésito na vida é esforgar-se em realizar aquelas coisas que Deus quer que sejam feitas. A maioria dos cultos de adoragdo inclui também uma oferta. A ofer- ta ndo é uma intrusio de assuntos seculares no culto, mas uma oportuni- dade dos crentes darem expressdo concreta de sua resposta obediente graga de Deus. Amamos a Deus pela sua graga? Desejamos que sua vontade seja feita na terra como no céu? Nossa resposta se baseia mais no que oferecemos do que naquilo que dizemos. A Ceia do Senhor O elemento supremo da adoragao biblica, porém, é a celebragao da Ceia do Senhor. O Novo Testamento torna claro que Jesus pretendia que esta refeigdo especial fosse observada repetidamente pela igreja. Os cristdos evangélicos tém enfatizado freqiientemente que a Ceia do Senhor nao é um sacrificio oferecido a Deus para expiagdo do pecado. Eles sabem que s6 Cristo “sofreu de uma vez por todas... para conduzir-nos a 88 A Igreja: O Povo de Deus Deus” (1 Pe 3.18), e que “temos sido santificados, mediante a oferta do corpo de Jesus, uma vez por todas” (Hb 10.10). A igreja, argumentam eles, ndo tem poder na Santa Comunhfo para criar de novo ou reapresentar o sacrificio de Jesus. Podemos conceder tudo isso e mesmo assim perder o significado da Mesa do Senhor. Qual é ele: E uma mensagem de salvacdo dirigida aos crentes de forma visfvel. O que o evangelho é para nossos ouvidos, a Ceia do Senhor é para nossos olhos. Ela fala de um acontecimento passado, uma experiéncia presente e uma esperanca futura. O evento passado é o sacriffcio de nosso Senhor no Calvario e seu triunfo no Témulo. Embora nao desejemos esquecer nada mais do que Ele fez, foi este o ponto focal quando disse: “Fazei isto em meméria de mim” (1 Co 11.24). Neste acontecimento a grande amizade foi reatada; Deus recebeu os homens pecadores. Deus estava em Cristo reconciliando o mundo consigo (2 Co 5.19). A igreja crente aceita mais uma vez 0 perddo de Deus enquanto todos participam da Ceia do Senhor. A experiéncia presente da Ceia envolve trés realidades: proclamagao, alianga e comunhfo. Paulo disse aos Corintios: “Porque todas as vezes que comerdes este p#o e beberdes este cdlice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha” (1 Co 11.26). A Ceia é um sermfo atuante, a encenagao do evangelho. A igreja reunida proclama de maneira clara o evangelho da graga de Deus, e Cristo € apresentado publicamente como crucificado. A Ceia € também uma alianga. “Este célice,” disse Jesus, “é a nova alianga no meu sangue” (I Co 11.25). A Velha Alianga era, naturalmente, a relaco peculiar estabelecida por Deus com Israel durante 0 Exodo ¢ no *Monte Sinai. Israel tornou-se.o povo especial de Deus mediante o sangue do cordeiro sacrificado e o poder de sua libertagdo da escravidao no Egito. A Ceia do Senhor apresenta uma nova relagao divino-humana, ela n4o escreve leis sobre pedras, mas amor sobre 0 coracdo. “Na mente thes imprimirei as minhas leis, também no coragdo thas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles sero o meu povo” (Jr 31.33). Jeremias disse isto de acor- | do com uma visio, mas Jesus estabeleceu essa alianga. A igreja é agora d povo especial de Deus, pertencendo a Ele pelo sangue de Jesus e pelo poder do Espirito. E a congregagdo celebra esta grandiosa realidade quan- do observa a Ceia do Senhor. Os cristdos muitas vezes discutem como Deus se une a esse povo na Santa Comunhdo. Os que dizem que Cristo estd presente fisicamente no A Adoragéo e a Igreja 89 pao e no vinho, ultrapassam as simples declaragdes do Novo Testamento e atribuem a Paulo idéias teolégicas de uma era posterior. Em 1 Corintios 11.23-26, Paulo nao fez uma simples equagdo: 0 corpo é igual ao pao, o vinho é equivalente ao sangue. Em lugar de pao e vinho, o paralelo de Paulo é pao e cdlice. A idéia de beber sangue seria provavelmente to re- pulsiva a Paulo como a qualquer outro judeu. Além disso, a nogdo de que ao comer e beber os elementos ele estivesse consumindo Cristo, de alguma forma verdadeiramente presente, seria também desagradavel. Cristo nao esté entdo presente na Ceia no pio e no vinho, mas no seu povo enquanto se reine para partir 0 po e beber 0 clice. Seu ato simbé- lico nfo é simplesmente um memorial mas um meio de tornar 0 aconteci- mento passado da morte de Cristo presente e real para a familia da fé. Em sua reunido, na meméria e esperanga do evangelho, eles tem comunhdo com Jesus Cristo e uns com os outros (1 Co 10.16). O maior abuso da Ceia entre os evangélicos talvez seja o mesmo dos corintios — falha em “discernir 0 corpa”. Sob o impacto do individualismo americano, muitos evangélicos passaram a pensar na comunhdo em termos estritamente pessoais. Muitos pastores contribuem para esta disposigdo, en- fatizando a frase “que o homem examine-se a si mesmo”, ao servirem os elementos. A discusséo de Paulo sobre a conduta apropriada 4 Mesa em 1 Co- rintios, mostra entretanto que discernir 0 corpo significa reconhecer que os eventos salvadores da Ceia — a morte, ressurreigfo e volta de Cristo — sdo retratados na igreja. A Ceia do Senhor é supremamente um ato corpo- tativo, uma refeicdo em familia, um corpo participante. O pecado dos Corfntios foi sua falha em compreender isto. Eles vol- taram as costas ao verdadeiro significado da Ceia quando deixaram de agir com amor em relagéo aos seus irmfos em Cristo. Alguns comegaram a comer antes dos outros terem chegado. Alguns se empanturravam enquan- to outros passavam fome (1 Co 11.21). Essa conduta, afirmou Paulo, era escandalosa. Bébados 4 mesa do Senhor! E, pior ainda, homens embriaga- dos, com uma falsa sensagdo de superioridade e indiferentes 4s necessida- des dos irmfos ent Cristo! Segundo o apéstolo, a tentativa de celebrar a Ceia do Senhor sem re- conhecer Cristo em meio 4 sua igreja, unindo-a no amor de Deus, era co- mer e beber sem discernir 0 corpo. “Examine-se o homem a si mesmo” significa que o crente deve viver a luz da presenga de Cristo com o seu povo. Amar a Cristo é amar seu povo. 90 A Igreja: U Povo de Deus A evidéncia final de que a Ceia do Senhor é uma participagdo no evangelho encontra-se na nota de esperanga. Paulo disse aos Corintios: “Anunciais a morte do Senhor, até que ele venha” (1 Co 11.26). O apos- tolo jamais pensou na morte de Cristo em separado de sua ressurreigdo; e a ressurreigao representava esperanca. Algumas pessoas procuram um tom de tristeza na Ceia — lembrando a morte do Senhor. E claro que a sua observancia nao é um ato de levian- dade, mas 0 grito da vitéria se faz ouvir. Os crentes devem participar da alegria e expectativa da volta de Cristo, pois a exclamagdo dos primeiros crist@os — Maranata, “Vem, Senhor’”’ — também faz parte da Nova Alianga. A riqueza da mensagem do evangelho retratada pela Ceia do Senhor € capturada nas palavras do hino da Sra. Rundle Charles: Nao existe evangelho como esta festa, Preparada por tua igreja para Ti; Nem profetas nem evangelistas Pregam as boas novas com maior liberdade: Tudo que nossa redengo custou, Tudo que tua redengdo ganhou; Tudo que ela obteve para nés, os perdidos, Tudo que custou para Ti, 0 Filho. 8 A MATURIDADE DA IGREJA Gettysburg tem um lugar especial na meméria dos americanos. Essa pequena cidade ao sul da Pennsylvania foi teatro de uma das maiores bata- las tiavadas no hemisfério ocidental. A 3 de julho de 1863, o General Robert E. Lee, nesse local, esperando obter o reconhecimento do exterior para os estados confederados, ordenou que 15.000 homens sob o comando do General George Pickett atacassem o Exército da Unido do Potomaque. Sob fogo cerrado, os homens atravessaram um campo aberto e subiram as encostas de Cemetery Ridge. Uma fragao dos homens chegou ao cume e durante 20 minutos eles mantiveram sua posigao. A seguir, cedendo as forgas superiores, comegaram a recuar. O ataque de Pickett tem sido muitas vezes chamado de “ponto alto da Confederagao”, embora fosse um ponto decisivo, Nunca mais o General Lee conseguiu reunir forgas para uma ofensiva de porte. O conflito conti- nuou, mas depois de Gettysburg o resultado da Guerra Civil j4 era co- nhecido. A moral crista tem um ponto critico similar. O Novo Testamento ensina que a batalha decisiva no conflito espiritual da igreja foi travada e ganha no Calvario. A guerra nao acabou. Nés continuamos lutando contra “os dominadores deste mundo tenebroso” (Ef 6.12). Mas o resultado da guerra j4 € conhecido. Cristo vencera! 92 A Igreja: O Povo de Deus O sinal supremo de que a vit6ria futura de Cristo ja pertence a igreja é a ressurreigdéo de Jesus dentre os mortos na primeira manhd de pdscoa. Se o timulo nao estivesse vazio nessa manhf, nao teria havido igreja. Mas encontrava-se vazio e apontava para longe. Cristo é as primicias de uma colheita que vird (1 Co 15.20). A vitéria de Cristo sobre a maldigao do pecado, o poder da morte e as garras de Satands permanece como um sinal oculto nesta nossa era, Deus, em sua misericérdia, mantém suspensa a plena manifestacdo de sua soberania para que os homens possam arrepender-se e crer. Até o dia da volta de Cristo em gléria, a igreja vive entdo pela fé, amor e esperanga. Essas sdo as trés marcas da vida ressurreta de Cristo numa congregagado do povo de Deus, Durante séculos os tedlogos vem chamando a fé, o amor e a esperan- ¢a de trés virtudes teolégicas. O termo virtudes dé lugar a certas interpre- tagGes erradas, por sugerir que os cristos as produzem extraindo-as de seu proprio carter moral. O Novo Testamento deixa, porém, sempre claro que elas s4o impossfveis em separado da graca de Deus. Os cristaos real- mente as possuem, mas a fé, o amor e a esperanca sempre apontam para além de si mesmo, para a batalha decisiva no Calvario e a vit6ria final na volta do Senhor. Estarfamos mais préximos do ensino do Novo Testamen- to se as chamdssemos de gragas. Mas quer virtudes ou gracas, elas repre- sentam as marcas da maturidade dentro da igreja nesta era. “Damos sempre gragas a Deus, quando oramos por vés,” escreveu Paulo aos Colossenses, “desde que ouvimos da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes para com todos os santos; por causa da esperanga que vos est4 preservada nos céus” (C1 1.3-5; veja também Gl 5.5-6 e Rm 5.1-5). Em outra ocasido, quando ele estava tentando impedir que a igreja de Corinto exercesse seus dons espirituais com uma atitude de arrogancia e sectarismo, 0 apéstolo os fez lembrar que as profecias, as I{nguas e 0 conhecimento cessariam, mas a fé, a esperanga e o amor, permaneceriam para sempre (1 Co 13.8-13). Os dons espirituais tém valor apenas tempo. . r4rio, mas essas trés gracas nos fazem contemplar as coisas eternas. De maneira semelhante, Pedro, escrevendo aos santos perseguidos no Ponto, Galacia, Capadécia e Bitinia, lembrou-os de que eles tinham renascido para uma esperanga viva mediante a ressurreigdo de Jesus, para uma heranga reservada nos céus para aqueles que s4o guardados pela fé e que amam a Cristo embora nao 0 tendo visto (1 Pe 1.1-9). A Maturidade da Igreja 93 Finalmente, podemos recordar que quando Paulo pensou na igreja de Tessalénica, ele agradeceu a Deus pela sua fé, amor e esperanga (1 Ts 1.3). A presenga das trés gracas na igreja, entretanto, nao impediu que o apdsto- Jo insistisse com os Tessalonicenses para revestirem-se da “couraga de fé e amor, e tomando como capacete, a esperanga da salvagdo” (1 Ts 5.8). Ao que parece, € possfvel possuir essas gracas e todavia acrescentar a elas. Como revelam as citagdes dos apéstolos, a ordem das trés virtudes pode variar, dependendo da énfase que o escritor inspirado deseja dar. Todavia, a ordém aos Tessalonicenses: fé, amor e esperanga, é digna de ser notada. A fé pertence ao infcio da fé crista, o amor a sua continuagao, e a esperanca 4 sua plenitude. Em outras palavras, a fé olha para o passado, para o que Deus jé fez; o amor considera o presente, o que Deus estd fazendo agora; e a esperanga o futuro, o que Deus faré. Em conjunto, essas trés qualidades espirituais falam do ideal moral em cuja diregdo toda igreja se esforga, pois testemunham acerca da vida ressurreta da igreja entre a primeira e a segunda vinda de Cristo. AFé A maioria das pessoas do mundo ocidental tem infelizmente tentado viver sem fé, desde hd muitas geragdes. Por mais de trés séculos a civiliza- ¢4o ocidental tém vivido num universo dividido. O pavimento térreo — © mundo da ciéncia e da tecnologia -- pode demonstrar a verdade por con- seguir medi-la, O pavimento superior — 0 mundo do espirito — nao podia ser medido, nao contendo assim verdade. Para o homem moderno, a fé vive —- se é que ela existe — no andar superior, alimentando-se apenas de sentimentos e intuicao, e nao de verdade. Hoje em dia, a promessa do evangelho materialista é a vida boa. Supde-se que ela se encontre numa comunidade planejada, perfeitamente suprida de esporte, natagao, equitagao e guardas de seguranga. A salvagao do materialismo ocidental consiste numa vida sem cuidados. Mais @ mais pessoas, no entanto, estao descobrindo que o materialis- mo, como alguns dos reis do petréleo suburbanos, esté a beira da faléncia. O vazio da vida sem f€ nos atinge geralmente por meio de alguma tragédia pessoal — divércio, talvez, ou escdndalos financeiros ou perda da sadde. Quando as vidas construfdas sobre sonhos vazios desmoronam e tomam conhecimento do fato do egofsmo humano, as pessoas descobrem que a confianga no poder do homem para controlar o seu mundo nio basta. A £6 em Deus é fundamental. E isso que a igreja ensina. 94 A Igreja: O Povo de Deus + Os cristaos argumentam que a infelicidade do homem estd arraigada em sua tentativa febril de inventar uma felicidade sem Deus. Mas ela ndo funciona! A razao é simples: Deus nos fez para Si mesmo. O peixe foi feito para viver na agua. Ele nao pode sobreviver em qualquer outro lugar. Tire-o da 4gua e ele morre. Do mesmo modo, o homem foi feito para viver em Deus. Ele é 0 elemento necessério ao nosso espirito. Sé isso. Quando a igreja diz, a fé é essencial, isso significa fé num sentido especial. A fé é freqiientemente usada de maneira geral, quase um sindni- mo de confianga: confianga em Deus, em nosso pais, ou em nés mesmos. Mas isso é muitas vezes um apelo para descobrir algo em nosso proprio intimo, e a Biblia nos adverte sobre esse tipo de confianga. A fé na Biblia tem dois sentidos. O primeiro é a crenga, aceitando como verdadeiras as doutrinas cristas. O homem é um feixe de conflitos interiores, todos relacionados com o seu afastamento de Deus. Jesus Cristo é nosso nico Salvador. Sua morte e¢ ressurreig&o sfo um convite de Deus para que encontremos o perdao de nossos pecados, O Espirito Santo é nosso poder para uma nova vida. E Cristo voltard para estabelecer justica na terra. Tudo isso parece bastante simples — pelo menos para quem cres- ceu na igreja. Mas, de fato, em nossa época de relativismo, ndo é tao sim- ples assim. A idéia corrente de verdade é “‘verdade para vocé”. A verdade é © que um ponto de vista representa para vocé, nada tendo a ver com o que as coisas so de fato. A igreja, porém, nao deve dizer que a histéria de Jesus é verdadeira porque ajuda vocé a viver melhor — como se fosse uma coisa sua — en- quanto uma‘outra pessoa pode preferir Conficio, vida campestre ou tra- balhos de agutha. Segundo a Biblia, a histéria da vida, morte e ressurrei- gdo de Jesus 6 verdadeira para todos os homens de todos os tempos porque Deus estava nesses acontecimentos, criando o tnico caminho da vida para toda a humanidade. O segundo sentido da fé biblica é confianga, A fé bfblica nao ‘6 possui um elemento racional — supGe-se que seja verdadeira como dou- trina — mas também um elemento pessoal. Trata-se de uma relagdo entre Deus e seu povo. Esse 0 motivo pelo qual os cristdos prevéem apenas sofrimento para aqueles que buscam a felicidade em coisas, na boa vida, num viver descuidado. A Maturidade da Igreja 95 A fé, no sentido biblico, ndo é autoconfianga — uma espécie de vida proclamando continuamente ‘“‘acho que posso, acho que posso”. Ela se assemelha mais ao rosto radiante da noiva que diz “sim” ao jovem a quem confia a construgdo de seu futuro. A fé crista é uma relagdo entre pessoas vivas e um Deus Todo-poderoso. A igreja que estd crescendo em Cristo deve sempre concentrar-se nesses dois aspectos da fé. Ela deve desenvolver sua compreensao das ver- dades a respeito de Deus, Cristo, o Espirito, a salvagdo e o homem — todas reveladas na Biblia. Isso é educago crista, nutrigo da familia e pregagdo doutrindria. Mas a vida de fé significa igualmente a aplicagdo das verdades bibli- cas as nossas crises conjugais, perfodos de desemprego e noticias do apa- recimento de um cancer. A fé deve representar mais do que um sinal de acordo com a cabeca num culto da igreja; deve ser nosso andar com Deus nas sombras. Isso significa cuidado pastoral e uma comunhao de oragao, assim como uma conviccdo pessoal crescente de que Deus estd préximo — tanto em nossas tragédias como em nossos triunfos. Isso é fé. Os cristdos estéo sempre discutindo idéias sobre o que os leva ao céu — boas obras ou fé somente. A fé que nao leva em conta o que Cristo diz e nos ordena fazer, nao é o tipo de fé que a Biblia recomenda para o céu. As realidades da vida crista so invisiveis, mas nao nos oferecem nenhum meio de fuga das responsabilidades desta vida. Pelo contrério, elas nos animam a ser 0 sal e a luz do mundo. O Amor A segunda graca espiritual — 0 amor — soa em nossos ouvidos hoje através de incontdveis escritores de cangdes e bilhdes de discos. Mas, estardo eles cantando sobre a virtude crista? Certa vez passei uma tarde num acampamento de montanha ao sul da California, ouvindo um testemunho notdvel de um jovem chamado Estévdo. Descedente de uma familia sfrio-judia, Estévao freqientara a Escola de Belas-Artes na cidade de Nova Torque. Ele usou, porém, 0 dinheiro da bolsa de estudos para entrar no cendrio dos téxicos — expe- rimentando todos eles. “© que vocé estava procurando quando comegou a tomar drogas?” 96 A Igreja: O Povo de Deus “Bstava procurando um meio de fugir ao sentimento de culpa,” disse-me ele. “Alguma coisa na vida que no me fizesse sentir culpado.” “Por que pensou que as drogas eram a resposta?” “Bem, elas foram apresentadas como sendo uma chave para o amor, para Deus e para 0 universo. Decidi tentar. E muito mais facil engulir uma pflula do que pér-se de joelhos diante de Deus.” Estévéo mergulhou no inferno do LSD. Viu seu amigo de 17 anos morrer depois que alguém the deu veneno de ratos como se fosse heroina e ouviu o Livro Tibetano da Morte (Tibetan Book of the Dead) sex lido A sua cabeceira enquanto fazia “viagens” provocadas por alucinégenos — tudo em busca do amor. A fome de felicidade de Estévdo poderia ser multiplicada milhares de vezes, porque a necessidade de amor é a procura mais universal do homem. Nés temos necessidade dela desde 0 momento em que respiramos pela primeira vez. Os hospitais descobriram que a ala da matemidade pode ter o equipamento mais aperfeigoado, o pessoal mais competente, os me- dicamentos mais sofisticados — mas nada disso pode produzir uma crianga saudavel como o faz a simples dieta de amor mateo. O que é, porém, amor? O amor deve ser a palavra mais abusadaem nossa lingua, Usamos o mesmo termo para descrever tudo, desde o mais elevado ato de sacrificio até a forma mais inferior de luxtria. A lingua grega, usada no Novo Testamento, possuia quatro termos para amor. O piimeiro deles era eros, do qual obtivemos “erético”. Ele signi- fica paixdo e amor romantico, fisico. Storgé € o segundo, significando “afeigdo”, sendo usado mais vezes no sentido de afeicao familiar, entre filhos e pais é vice-versa. Philia & 0 terceiro termo, uma palavra calorosa sugerindo “carinho” por alguém. Ele indica intimidade e afeic¢&o por alguém que est4 proximo € nos é caro, como no companheirismo, na amizade. Por mais importante que a paixdo, afeto e companheirismo sejam, nenhum deles descreve o amor cristdo. Eros, storgé e philia sio palavras que expressam uma emogdo. Sao termos que falam do coragéo, uma A Maturidade da Igreja 97 experiéncia que surge sem que a busquemos, uma espécie de amor que nfo podemos impedir — ele acontece sozinho. O termo caracteristico do amor de Deus, usado para identificar a virtude crista, € agape. Agapé 6 o amor que nfo surge simplesmente em nosso coragéo, ndo é um princfpio uma emog4o. Agapé € uma expressio da vontade, o poder de amar os que nfo sfo dignos de amor. E necessario fazer esta aguda distingdo entre o amor como emogéo como vontade, em vista de tanto sentimentalismo ter-se desenvolvido ao redor do termo. Para muitas pessoas, o amor crist4o significa “tratar bem os outros”. Significa gostar de todo mundo, passando por cima de todas as faltas e tendo um sentimento positivo para com todos. O fato de gostarmos de algumas pessoas e ndo de outras tem pouco a ver com o amor cristéo. Este sentimento natural ndo é um pecado nem uma virtude, da mesma forma que o fato de vocé gostar de péssego ou de queijo nao é pecado nem virtude. Mas, naturalmente, o que fazemos com a nossa apreciagdo ou rejei- ¢ao pode ser um pecado ou uma virtude. Se gostamos de alguém é mais facil am4-lo no sentido cristo, isto é, desejar o seu bem. Mas quando se trata de agapé, a regra para todos nés é simples. Nao perca tempo pensan- do se gosta ou’ nao da pessoa, faga apenas o que for melhor para ela. O ministro. presbiteriano, Wesley Baker, em seu livro More Than a Man Can Take (Mais do que um Homem Pode Suportar), conta sobre uma noite emr que um bébedo foi a seu escritorio pedir ajuda. Nos termos do homem, ajuda significava dinheiro para outro gole. Baker, porém, tinha outra ajuda em mente. Ele levou o homem a um hospital, onde ele mos- trou-se violento. Debateu-se, deu pontapés na enfermeira e esbofeteou o médico no rosto até que foi finalmente dominado, tomou sedativos e recebeu tratamento. Depois disso tudo, Baker desculpou-se com eles pela cena desagraddvel. “Nao foi nada,” respondeu o médico; “o pobre homem precisava de nosso auxilio” (Philadelphia: Westminster, 1966, p. 140). Esse € um vislumbre de agape. O médico nfo aprovava os atos do homem, mas fez por ele 0 que era necessrio. A Biblia torna perfeitamente claro que eu ndo possuo o amor agapé em meu coragdo. Em lugar disso, sou impulsionado pelo egoismo € emogGes instdveis. O amor como paix4o, como afeigdo e até como compa-

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