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LEITURAS AFINS As Ciéncias Sociais na Escola Maria Teresa Nidelcoff Cuidado, Escolat Desigualdade, domesticarlo fe algumas satdas Paulo Freire © outros Desafio Educacional Japonés © compromisso com a infancia Merry White Ensino Superior Brasileiro Transformacbes perspectivas Carlos B. Martins ‘A Escola ¢ a Compreensio ‘da Realidade Maria Teresa Nidelcoft Estado, Escola e Ideologia Tia Z. Machado Colegio Primeiros Passos (© que € Educagio Carlos R. Brando © que € Ideologia Marilena Chau (© que € Método Paulo Freire Carlos R. Brando Clélia Martins O QUEE >» POLITICA EDUCACIONAL 28 edicao editora brasiliense Copyright © by Clétia Martins, 1993 Nenhuma parte desta publicagao pode ser gravada, ‘armazenada em sistemas eletrOnicos, fotocopiada, reproduzida por meios mecinicos ow outros quaisquer sem autorizagao prévia da editora ISBN: 85-11-01282-6 Primeira edigio, 1993 25 edigio, 1994 Preparagio de originais: Touché! Editorial Revisdo: Marcia Leme e Ana Elisa Choueri ‘Capa: Emilio Damiani ‘p iF EDITORA BRASILIENSE S/A RUA AIR, 22 - TATUAPE ‘CEP 03310-010 - SAO PAULO-SP TELEFONE E FAX; (Oxx11) 218-1488 ‘e-mail: brasilienseedit@uol.com.br home page: www.editorabrasiliense.com.br SUMARIO Polavras iniolals ..... 0. ...es..ee seen Politica educacional e relagdes de poder... 14 Economia e politica educacional . Politica educacional e indiistria cultural... 51 IndicagSes para leitura . pee 4 voes, letra PALAVRAS INICIAIS As paginas que se seguem nao constituem um hist6rico da politica educacional. Se fosse esse 0 pro- pésito desta obra, seria necessario um relato muito ‘extenso, abordando a prépria historia da educagao, ‘@ mesmo assim, devido as dimensdes do livro, 0 texto ficaria superficial. ‘A pretensao deste trabalho é introduzir para 0 publico leitor uma compreensao do que é politica edu- cacional, mas sem a preocupagao de elaborar um bom conceito que a defina e sem delimitar um senti- do Unico para ela. Mesmo porque isso ndo é possi- vel, pois ndo hé um conceito que defina politica educacional de maneira completa. Na verdade, nao 6 apenas um conceito que permite compreendé-la, jé que ela 6 em si um processo que engloba varios ou- tros processos e conceitos, néo sendo por isso definivel através de um s6 termo. = 5 CLEA MARTINS (©. QUE € FoLINCA EDUCACIONAL ® ‘A politica educacional também ndo pode receber ‘uma definigdo terminal. Como processo, ela se revela ‘em cada época hist6rica, em cada contexto, em cada momento dado da organizagao dos seres humanos em uma ou varias formas concomitantes da ago humana, com uma dinamica, uma forga motora pro- pria, que a impulsiona e dita sua relagéo com as de- mais esferas do mundo social. Essa relagao da politica educacional com as de- mais esferas do mundo social ocorre justamente por- ‘que ela trata de algo basico para a existéncia de qual- quer agrupamento humano: a educagao. O verbo ‘educar ver do latim educare, derivado de educere, que quer dizer eduzir, conduzir, revelar valores @ oa- pacitar 0 espirito humano a crié-los. Mas isso nao nos Butoriza a pensar que politica educacional seja um processo voltado para a elucidacdo, a criagao © a Tevelagao de valores, e no transcorrer do texto voce ‘entender 0 porque. 2 ‘A polltica educacional é um processo que 0 existe quando a educagao assume uma forma organizada, seqiencial, ditada e definida de acordo com as finali- dades ¢ 08 interesses que se tem em relagdo 40s aprendizes envolvidos nesse processo. ‘A distingZo entre politica educacional e educagao 6 essa. A educacao, diferentemente da politica edu- cacional, pode existir livre e entre todos, como uma das maneiras que as pessoas encontraram para tor- nar comum — comunicar — o saber, externando na- turalmente as suas crengas. A politica educacional, por sua vez, pressupée organizacao, seletividade criteriosidade sobre o que sera ou nao transmitido. Por exemplo: em 1967, 0 Estado decidiu implantar como obrigat6rias nas escolas brasileiras as discipli- nas Educagao Moral e Civica (para o primeiro grau), Organizacao Social e Politica do Brasil (OSPB, para ‘© segundo grau) e Estudos de Problemas Brasileiros {EPB, no ensino de nivel superior). Essa medida, um determinante concreto de politica educacional, foi re- sultado de um proceso em que os critérios e a seletividade dos contetidos foram cuidadosamente estudados ¢ elaborados. ‘Com essas observagdes, pode-se ver claramente ‘© seguinte: a politica educacional atua sobre a educa- G0, mas nao tem, como pode parecer num primeiro momento, o dominio sobre ela. Ao contrario, é a pro- pria educagaéo — como pratica social que ultrapassa ‘a escola — que pode atuar e interferir na politica edu- cacional. ‘A politica educacional é um dos instrumentos para se projetar a formagao dos tipos de pessoas de que uma sociedade necessita. Ao contrario da educagao, que ajuda a pensar tipos de homens e mulheres, a politica educacional ajuda a fazer esses tipos, defi nindo a forma e o contetido do saber que vai ser pas- | i i ] 10 ‘CLEA MARTINS (© QUE E POLITOA EDUCACIONAL " sado de pessoa a pessoa para constituir ¢ legitimar seu mundo, e visando, com isso, assegurar a sobre- vivéncia dos diversos tipos de sociedade. Isso quer dizer que a politica educacional ¢ carre- gada de intengdes, e sao justamente as intengdes 0 que ha de comum em todos os tipos de politica edu- cacional, Aprendendo a ler as intengdes de uma polt- tica educacional, vooé se toma capaz de perceber que tipo de gente a sociedade est querendo, qual 0 projeto de ser humano que nela predomina. ‘A politica educacional nao retira a forca criadora da educagao, apenas a canaliza para fins especificos, ‘embora possa também fragilizar 0 processo pedagé- gico, impossibilitando uma ago criadora @ reflexiva. Muitos daqueles que elaboram a politica educacio- nal imaginam que servem ao saber e a todos os en- volvidos nesse processo — educadoras(es) e apren- dizes. Essa era a crenca dos jesultas quando ‘executaram sua politica educacional com os indige- nas brasileiros, que acabou resultando em um proces- so de aculturagao © dominagao. Esse era, afinal, 0 Préprio objetivo da Igreja, e por isso essa politica foi considerada um verdadeiro sucesso. Este exemplo foi citado com a finalidade de chamar a sua atencao para um outro aspecto da politica edu- cacional: a sua relacdo ambigua com o imaginario das Pessoas e com a ideologia dos grupos sociais. Ao mesmo tempo que interfere na constituicéo do imagi- nario @ na reprodugao da ideologia, ela também se constitui e 6 conseqiiéncia desses processos. Assim 6 possivel que muitas politicas educacionais, na teoria, tenham como objetivo transformar, por meio da educago, os individuos e a sociedade em algo melhor. Todavia, ao se concretizarem, ao se materia- lizarem (quando deixam de ser um rol tedrico de fina- lidades e passam a ser uma soma de atividades pré- ticas), elas podem desencadear um processo que nao ensino, mas deseducagao. Quando uma politica educacional opera com 0 pro- cesso de deseducago ao concretizar-se, acaba for- mando meninos e meninas que serao futuros “tob6s humanos’, ou entdo simplesmente deixa de formar, paralisando a massa cinzenta de cada crianga ainda no inicio do processo pedagégico. Essas criangas, na idade adulta, serao como “autématos”, que sempre fazem aquilo que querem que eles fagam e nunca contrariam seu grupo social. Esse tipo de pessoa pode ser encontrado em grande quantidade nas so- ciedades civilizantes e industrializadas. Em sociedades como a nossa, a politica educacio- nal, muito mais que um rol de metas e planos setoriais, é um processo complexo que ndo se esgo- ta em programas de governo, mas esta presente e atua na subjetividade humana. Ao tratar da educagao, que deve ser transmitida de geragdo a geragao, a politica educacional esta interferindo no corpo de re- gras sociais constituintes da moralidade de um grupo, 2 ‘CLELIA MARTINS (0 OU € POLITICA EDUCACIONAL 19 podendo incluir ou excluir valores, ¢ acaba delimitan- do, assim, 0 préprio processo de formagao subjetiva, do ser humano, que envolve os sentimentos e as dis- posigdes emocionais que vao regular a sua conduta. Pensar em politica educacional 6 também pensar nos seres humanos de hoje ¢ do futuro, enfocando principalmente os aspectos social, civico e individual. Essa interferéncia na constituigao da subjetividade humana 6 pouco explicita na politica educacional, pois sempre o que esta mais evidente 6 a sua ado sobre 0 processo de organizag4o do trabalho, que consiste em delimitar a forma como a crianga ou 0 adolescente vo adquirir 0 conhecimento necessério para 0 exercicio de uma profissdo — no caso do pro- ‘cesso escolar institucional — ou de uma fungao ou ‘um oficio — no caso do processo de treinamento e onvivio continuo no local de trabalho. No segundo capitulo, voc conheceré 0 papel da politica educacional no processo de organizagao do trabalho, sabendo como é arquitetada a presenca dessa politica no mercado de trabalho e na estrutura econémica. ‘politica educacional conta com um poderoso alia- do para atingir-nos interiormente, em nossos pensa- mentos e costumes. Esse aliado é a “industria cultural”, e na Ultima parte deste livro vocé aprendera um pouco sobre essa relagdo téo permanente da politica educacional com a industria cultural. No préximo capitulo, serdo abordadas as formas bésicas de elaborago da politica educacional, suas formas de “existir” entre 0 Estado e a sociedade e também de estruturar relagdes de poder no sistema escolar. (©.0Ue € POLINA EDUCACIONAL, 6 POL{TICA EDUCACIONAL E RELAGOES DE PODER Como ja se sabe, ndo ha uma forma unica nem um nico modelo de educaeao. Tampouco a escola 6 0 nico lugar onde acontece a educagéo. O ensino es- colar nao é a Unica prética educacional, nem o pro- fessor escolar é 0 Unico tipo de educador. Em fungao disso, ao se pensar a politica educacional, surgem, de imediato, duas questées que aparentemente se contradizem: * A politica educacional diz respeito a educagao escolarizada? Ela se restringe aos muros e as pare- des caps jas, se a politica educacional diz respeito @ edu- ‘cago e a educacao esté em diversos lugares, entéo @ politica educacional também 6 abrangente e esta ‘onde esta a educagdo? A Altima questo deve ser respondida negativa- mente: ndo se pode pensar dessa forma. Se se acreditar que onde ha educagao ha politica educaci ‘onal, corre-se 0 risco de jamais detectar os sinais dessa politica, jamais localizé-la nem decifré-ta. Quanto a primeira questo, sabe-se que a educa- ‘eo existe em todos os grupos sociais. Onde existem formas, maneiras de aprendizado @ o que aprender, conhecimento a ser transmitido de pessoa a pessoa, existe educago. Com a evolugao da sociedade, a educagdo, que antes se processava sem seriagao escolar, sem clas- ses de alunos(as) e sem professores(as) especi tas, foi se constituindo aos poucos em um processo que envolve escolas, salas, docentes métodos pe- dagégicos. Um processo que exige objetivos e uma certa direcdo (definicao do caminho a seguir, das eta- pas a percorrer) para atingi-los. E nesse momento que surge a politica educacional. ‘Mas também seria enganoso pensar a politica edu- cacional apenas em relagdo ao proceso pedagégico escolar. Pode parecer estranho, mas as sociedades tribais também fazem politica educacional, embora para que ela se concretize nessas sociedades nao seja necessério um sistema escolar hierdrquico (dis- cursos oficiais e projetos de “educacao nacional”). ‘A diferenga esta na elaboragao da politica educa- clonal. Nas sociedades modemas, essa elaboracao ‘sempre exige conhecimentos de psicologia (como os ‘CLELIA MARTINS (© QUE € FOLINCA EOUCACIONAL ” pressupostos de alfabetizacdo Emilia Ferrero, aplica- dos em muitas escolas publicas brasileiras), sociolo- gia e economia, e deve se basear em dados estatis- ticos e consideragdes sobre 0 momento atual. Ja as sociedades tribais transmitem conhecimento ‘com um determinado fim e por meio de uma metodo- logia muito especifica, geralmente baseada na tradi- ‘do que assegura a educago como proceso. Nes- se tipo de sociedade, os meninos observam os homens adultos fazendo seus arcos e flechas para aprender também a fazé-los, depois treinam a ponta- ria com eles pata, quando atingirem a idade adulta, tomnarem-se guerreiros e/ou cagadores. As meninas aprendem a usar as plantas como remédios, produzir cestos e balaios para utiizagao doméstica, empregar a argila para fazer potes, curtir a pele dos animais ca- gados pelos homens para fazer suas sandalias @ rou- pas, fazer a colheita e cozinhar. E assim que a politica educacional das sociedades tribais vai acontecendo, sem muita sistematizagao @ & medida que seus membros definem os tipos de homem e de mulher que cada sociedade deseja. Isso se dé através da transmissao dos conhecimentos, sobre a relaco com a natureza, sobre o trabalho, sobre o mundo transcendental e mistico de cada tribo. Essa transmissao traduz a politica educacional desses povos € se dé no cotidiano, num processo em. que a observacdo e 0 “aprender fazendo” sao etapas basicas © comuns a todas as tribos. Por isso é que a politica educacional, apesar de do estar em todos os lugares onde estd a educacao (enquanto processo de socializagao), também nao estd apenas no sistema escolar padronizado, pois extrapola os seus limites. A partir dessas consideragdes, vocé ainda pode estar se perguntando onde fica 0 espaco por exce- lencia de realizagao da politica educacional. Nao exis- te um Unico espaco por exceléncia da politica educa- cional, porque ela se processa onde ha pessoas” imbufdas da intengo de aos poucos conduzir a crian- ¢@ a sero modelo social de adolescente e posterior- mente de jovem e ser adulto idealizado pelo grupo so- cial em que ela ocorre. Por isso volto a insistir na intengo. Ela néo tem um lugar fixo e determinado, o seu surgimento de- pende de um momento histérico, de uma conjuntura. Mas, quando se encontra essa inten¢aio em livros e documentos histéricos do passado, em discursos, documentos e projetos oficiais do presente ou em prognésticos do futuro, com certeza se esté encon- trando a formulago de uma ou mais politicas educa- cionais. AA intengao de uma politica educacional pode ser clara e visivel, ou entéo obscura e camuflada. Por ‘exemplo: orientar a maturagdo e a transformacao do 18 CCLELA Mars menino e da menina em homem e mulher, em socie- dades como a nossa, nem sempre implica que a in- tengo seja transformé-los em sujeitos histéricos © so- ciais, em seres humanos emancipados — que o diga a historia da educagao femininal ‘Conhecendo-se a intengao de uma politica educa- cional, poderé ser compreendido um outro aspecto que a envolve — o poder. Toda politica educacional 6 estabelecida e definida por meio de um exercicio pratico de poder. Esse aspecto da elaboragaéo da politica educacional permite associé-la, para uma melhor interpretagao, a duas antiqi(ssimas e também muito atuais vertentes da praxis politica. Primeiramente devemn-se analisar suas fontes — Platao e Aristételes, os dois filésofos mais importan- tes da Grécia antiga. Plato (428 a.C. — 348 a.C.), que teve como preo- cupagdo central de sua vida e de sua obra a critica @ democracia ateniense e a procura de solucdes politi- ‘cas para o mundo grego, preconizou a idéia do ho- mem como consequéncia do meio, definiu o Estado como a suprema figura da sociedade e, como tal, estabeleceu que o Estado ideal seria governado por sébios @ fJ6sofos. Assim, a poliica, segundo Platéo, era a arte de um pequeno grupo, de uma elite. Aqui, politica e elittsmo nao se dissociam. Nesta vertente, & politica educacional nao s6 é formulada por uma pequena elite como também tem entre seus objetivos ‘a formacao de uma elite. (© QUE € POLIMCA EOUCADIONAL é Aristoteles (384 a.C. — 322 a.C.), discipulo de Plato, analisou os trés tipos de governo — monar- quia, aristocracia e democracia —, assim como as corrupgées dessas formas — tirania, oligarquia e de- magogia. Quando examinou tudo isso, ele identificou no ser humano uma forca para modificar 0 meio disse que 0 Estado ideal seria aquele governado por um povo bem-educado e preparado na juventude. ‘Aqui, politica e povo ndo se dissociam. Nesta concep- ‘$40, politica educacional pode ser associada a edu- ‘cago ampla e igual para todos os homens, voltada Para o exercicio equilibrado do poder entre eles. Platdo, em sua obra A Republica, ¢ Aristételes, em A Politica, tragaram os dois caminhos antag6nicos de ‘qualquer atividade politica. Como a politica educacio- nal tem uma estreita relagao com o poder, ela sem- pre terd a ver, sempre serd permeada por uma des- Sas forgas de ago politica, aristotélica ou platénica. Isso quer dizer que, pelo fato de a politica educa- cional ser estabelecida por meio do poder de defini- g40 do processo pedagdgico, em fungao de um gru- Po, de uma comunidade ou de setores dessa Comunidade, ela tanto pode ser resultado de um am- plo processo participativo, em que todos os membros ‘envolvidos com a tarefa pedagégica (professores(as), alunos(as) e seus pais) debatem e opinam sobre. ‘como ela 6, como deverd ser e a que fim deverd aten- der, como também pode ser imposigao de um peque- » COLELIA MARTINS (© 006 € POLITICA EOUGACIONAL a ino grupo que exerce o poder sobre a grande maioria da coletividade. ‘Atualmente, existem duas versées de politica edu- cacional correspondentes as praxis politicas aris- totélica e platonica, Na linha platénica, ha a politica ‘educacional tecnocratica, e, na vertente aristotélica, hé a politica educacional municipalizante. ‘A politica educacional na vertente platénica ndo 6 muito visivel para a sociedade civil, pelo menos de imediato. Aqueles que a elaboram sao representan- tes do Estado — um pequeno grupo de pessoas que também desenvolve a atividade normativa sobre 0 sistema de ensino publico, sem contudo ser respon- sdvel pelo forecimento do ensino Essa elite é conhecida como representante da tecnocracia. “Cracia” vem de krathos, que em grego quer dizer “saber”. Entdo, tecnooracia significa “poder (de saber) dos técnicos”. A tecnocracia na esfera edu- cacional sempre tem um perfil antidemocratico, j4 que continuamente reserva para si o monopdlio das virtu- des necessdrias para a diregdo da educagao. Um exemplo disso foi a politica educacional brasi- Jeira voltada para o segundo grau no perfodo autori- tério pés-1964. Essa politica foi ditada de cima para alxo, e oriada por deciséo de um pequeno grupo de técnicos do Brasil auxillado por técnicos dos Estados Unidos, por meio de um acordo com a AID (Agency International Development). Ela atingiu a grande maioria dos adolescentes brasileiros, expandindo o Segundo grau e procurando dar-ihe um perfil rofissionalizante, sem ao menos consultar a popula- ‘20 para saber se era isso 0 que ela queria. Esta politica ndo se restringiu ao educacional e sig- nificou 0 exercicio de poder de uma minoria sobre a ‘grande maioria social, no ambito do sistema escolar Pabiico. Com o planejamento de cima para baixo da tecnocracia, a politica educacional se reduz a uma ‘Questo técnica, uma tentativa de simbolizar e domi- far a realidade, fragmentando-a em etapas com 0 ‘objetivo de discipliné-la. O planejamento, um instru- ‘mento para a concretizagao da politica educacional, quando é tecnoctético e obedece a uma orientagao platonica, ndo ¢ flexivel, no sofre mudangas de acor- do com a dinamica da realidade. Por isso, quase sem- pre a educacao est desatualizada “um passo atras” em relago ao presente. A politica educacional que a tecnocracia formula de cima para baixo faz-se presente mesmo em perfodos de descentralizagao politico-administrativa de uma sociedade, porque ela sempre adquire novas repre- sentagdes, impondo-se sem o uso da forga, apenas pelo viés da crenga na racionalidade. E ¢ a racio- Nalidade 0 fendmeno que respalda o fato de ‘comumente apenas um circulo restrito de pessoas, uma elite, poder definir a politica educacional na li- nha platénica. 3 2 OLELIA MARTINS ©. QUEE Poca EBUCACIONAL a {A ideologia da competéncia dos tecnocratas justfi- ca a falta de participagdo daqueles que trabalham no processo pedagégico escolar. Segundo essa ideolo- gia, os cidad’ios nao precisam preocupar-se, pois 0 Estado tem um poder que é verdadeiro e legitimo, ja ‘que comporta o saber dos técnicos, e por isso é a nica instancia capaz de tomar decisées coerentes, justas. ‘Na ideologia da competéncia, as dificuldades para uma maior participacdo popular na gestéo das coisas piblicas so comumente explicadas pelo suposto despreparo das camadas populares para a vida de- mocratica, e nunca se referem a privatizago do po- der e ao carter excludente das instituigdes econémi- cas e politicas e do proprio Estado. Isso é 0 que realmente ocorre. Um dos argumentos dos tecnocratas para manter ‘a exclusdo de um proceso participative no planeja- mento da educagdo 6 que os processos democrati- 08 na esfera escolar sdo vagarosos ¢ ineficazes devido a incompeténcia. Aqui é importante admitir que os tecnocratas tém raz4o (embora isso nao justi- fique a pratica da excluséo). Todo processo democra- tico é realmente moroso, lento, j4 que 6 confecciona- do com 0 cadinho de esforgo e opiniao de cada pessoa envolvida, e isso requer tempo. Mas, na ges- tao escolar, a velocidade desse processo 6 muito ‘menor, porque geralmente ele esbarra em uma legis- lagio sempre complicada, enorme e detalhada A legislagao educacional 6 um outro instrumento ‘*écnico da politica educacional, também associado ao, ‘planejamento. Como o técnico fala “pelo povo’, isso ‘=xige um controle, que é feito pela via da elaboragao. leis que regulamentam o sistema escolar, visando 2 sua uniformizagao no Ambito de uma nagao, de um Estado ou de uma regio. A legislacéo educacional garante a homogenei- _ 22040 ideolégica na educagdo e a centralizagao admi- nistrativa. Comumente, os planos de educagao reali- zam-se por meio de uma unificada rede vertical de urocracias regionais (no Brasil, as conhecidas Dele- ‘gacias de Ensino) ligadas burocracia central (secre- ‘arias e Ministério da Educagao), cortando toda e ‘qualquer possibilidade de interferéncia dos grupos Populares na politica educacional. A legislacao educacional desempenha duas fun- es aparentemente paradoxais: ao mesmo tempo que assessora 0 planejamento dos técnicos, ela re- forga a burocracia. Como a burocracia nao compre- ‘ende que participar em politica de educago 6 estar ‘Sempre modificando 0 proceso pedagégico escolar (além de ndo compreender, ela também nao gosta de transformagGes), a legislacao, instrumento da politica ‘educacional, serve mais para bloquear o surgimento de experiéncias novas e altemativas relativas a prati- ca pedagogica do que propriamente para estimular 0 ‘seu surgimento. : Ps CCLELIA mars (0.QUE € FOLINCA EDUCACIONAL 2 Paralelamente, a politica educacional também se vincula & burocracia do sistema de ensino quando estd voltada para a expansao escolar, pois geralmen- te a opiniao que prevalece em politicas tecnocraticas. de ensino pubblico 6 que mais espago, mais alunos(as) mais professores(as) exigem mais organizagao bu- rocratica e mais pessoal de apoio técnico e adminis- trativo. Um exemplo desse fendmeno foi a expanséo do ensino universitario no Brasil entre 1973 e 1988. En- quanto 0 governo federal criou doze universidades Pliblicas, 0 numero de funcionérios técnico-adminis- trativos nessa area passou de cerca de 32 mil em 1973 para quase 90 mil em 1988, ou seja,-em quinze anos aumentou quase 200%. A politica que consegue manter um sistema edu- cacional fundamentado na lei consegue muitas ve- zes, na realidade, manter um sistema burocratizado, no qual se cré ser preciso controlar aqueles que con- trolam. Dai porque com esse tipo de politica educacio- nal a hierarqyia do sistema escolar esta sendo sem- pre ampliada e acaba geralmente se transformando em um fim em si mesma, mantendo um conser- vadorismo burocrético no qual toda critica é conside- rada sinal de oposieao, ofensa pessoal & autoridade imediata. A politica educacional tecnocratica estimula, de certa forma, a existéncia dessa represséo a critica € 2 2040 criativa no sistema escolar. Em contrapartida, 's0 pode provocar uma crescente indiferenga das s da educacdo e gerar um niimero cada vez ‘maior de professores(as) estimulados a buscar titu- "les © cargos a qualquer prego. Tem-se assim uma po- ica educacional que induz os profissionais da edu- 2640 a submissao politica e incentiva o surgimento ‘de professores(as) ignorantes das finalidades da edu- ‘t2ed0 e de seu poder politico e transformador. Vale lembrar que nao é incomum uma pol ‘ducacional acabar atuando as avessas, estimulando ‘9 (as) professores(as) a ficarem muito mais preocu- ‘Pados com suas carreiras do que propriamente com +25 aulas que dao ou 0 aproveitamento e a formagao ‘Ge seus alunos. Uma alternativa a politica educacional tecnocratica ‘de inspiracao platénica é a politica municipalizante. A politica de municipalizagao da educagao se co- ‘teca como uma alternativa as caracteristicas estrutu- ‘ais que sustentam a politica educacional e permite, ‘20 menos no nivel educacional, a devolucdo as bases daquilo que Ihes pertence numa verdadeira democra- ia — 0 poder. Ela implica um poder maior em favor dos locais onde se estabelece a autonomia do com- plexo escolar, o que comumente 6 compreendido, ‘como municipalizacao do ensino. Essa politica ndo se esgota no mbito administrati- ‘yo ou pedagégico, mas pressupde uma reorientacdio do exercicio do poder: 0 recontiecimento da maiori- 3 Leta MARTINS (0 QUE € POLITICA EDUCACIONAL 2 mento de Erase eos Estado, pois isso cesestmuaia entre os diversos parce = que complom a comunidad excl, esate Sssténca do uma gosto democrtca da escola 0 ara que a munipalzagdo signifeasse F ‘@penas “mar local” em sintonia com o poder ‘A politica educacional muni } a ¢ | municipalizante |= 2250s pilblicos desvinculados de pookgies pom ee ete ee ee Frerio por pare da comunidade com a coisa Essa politica 6 democratica porque prevé uma or- ‘@mizacdo da oon que permite aos ee oe frocesso ae paced cates Tats ‘executivos ou Boars crocs ooleadoe om mandaioe crop ea Besos cers ako traces sm assembléias, em ed igorosas prestagdes de contas. A co- BS we eke pekion Sree Sorte ee poder decisério sobre 0 _ Zssim a palicaedueaconl na Alemanha, onde — ie primeiro grau é sempre local ou municipal oar soc Sr palica educacinal dos Estados Unidos, nde 0 er ou aie éda responsabilidade do condado Ja cidade (city), que para ele destinam dade das comunidades municipals é muito mais Ah dade ire zagao administrative. Como Alexis Co TA, cose (1805-1858), pensador poco eureper A cue objoto de suas reflexes a democracr reyenou: “A forga dos povos livres reside 1a ‘comuni- Tocais sao para a liberdade © oe so para a ciencia as escolas primarias’ le S80 Pn Karl Marx, em 1875, na critica ao Progrs, mayo Gotha, defendia uma educagao publica S2°% mma oo estar vinculada ao Estado. Sua propesta conten ensino public néo estatal, sondo Fesporee. bilidade do Estado apenas 0 repasse dos recursos: financeiros e a elaboragao de algumas leis gerais. E claro que o que se contrapoe @ uma educagao pblica nao estatal 6 a paricipagdo socis| no TEE publica i ransformando-a nao em agente do Esta: $e mas em representanto da sociedade as or a participagao social ocorra na eed nae podem prevalecer a duplcacso de compelenc mo foago. do quadro de funcionérios, © excess 0 ncaa ce descontiuidade dos projetos pedagogy burocrariteresses corporativos dos(as) ecucsee, 208g) (geralmente se colocando acima cos Wiaee reson) (ejucagao) nem a limitagao dos, reowsr Ses oeiros o humanos-disponivels para assessore- mento ao processo pedagogic. ‘Uma verdadeira politica ‘educacional_ municipa- eee ago pode permit que 0 repasse de reckree® financeiros a0 municipio seja utilizado como. ‘instru- 2 COLALIA MARTINS (0 QUE € POLITICA EDUCACIONAL 2 ‘fem com suas especificidades. E uma politica edu- ‘cacional de ambito geral, mas que também ¢ tragada ‘=m cada municipio, via elaboragao de um plano com 2 participacéo da populacéo e dos(as) educa- ‘Gores(as) fixando as diretrizes, prioridades e respon- s2bilidades especificas de cada escola. Isso no ocorre ainda nos Estados Unidos, apesar de sua politica educacional bastante democratica. Pelo fato de a escola elementar permanecer em to- ‘dos os aspectos no nivel do condado ou da cidade, 820 ha muita integracao com outras escolas, decor- endo dai que todo 0 processo de ensino fica bastan- t= setorizado. Por isso surgiu nesse pals um movi- ‘mento chamado National Development Education, que admite a escola elementar administrada pelo ‘condado ou pela cidade, mas defende a Iuta pela ins- Suipao de padrdes pedagégicos unificados nos niveis, estadual e nacional. Todavia, nao é decisivo para uma politica educacio- ‘nal democratizante 0 fato de a responsabilidade no- minal pela escolaridade obrigatéria ser do municipio, dos govemos estadual ou do governo federal. A Fran- 2 @ a Itdlia possuem sistemas de ensino pUblico de boa qualidade, e a administragdo desses sistemas 6 centralizada em nivel nacional. Assim, a politica educacional tem muito a ver com. © contexto © a organizacao politica de cada socieda- de, @ 0 seu perfil depende em grande parte desse aspecto da sociedade em que ela existe. itas de impostos sobre a propriedade imobilia- Peas cara em cada cidade ha os boards ‘of education (conselhos de educagao), que elaboram. a politica educacional, contratando @ demitindo diretores(as) de escolas e determinando curriculos normas pedagégicas. Mas esses paises contam com Uma eficaz participagdio da populagao nas decisdes, ‘uma continua fiscalizagao e um forte controle de qua- lidade do servigo prestado pela escola. Esse tipo de politica educacional tem grandes van- tagens: sua descentralizagao nao requer a existéncia da dispendiosa e muitas vezes incompetente burocra- ‘cia. Ha bastante flexibilidade nos curriculos escolares, | permitindo que ocorram mudangas quando e onde elas so fizerem necessdrias. A gestéo de cada uni- | Gade escolar 6 bastante democratica, pois os(@s) diretores(as) de cada escola pertencem & comunida- de em que ela esta localizada, o que faz da figura do ‘administrador escolar uma espécie de ponte entre a instituigio e 0 contexto em que ela esta situada. ‘Uma politica educacignal voltada para a gestao | democratica nas escolas acaba nao sendo definida por um nico agente, do governo ou do Estado, em- bora ela seja também uma politica educacional am- pla porque comporta diretrizes gerais (era essa a tese Ge Marx). O positive nessa politica ¢ a abrangéncia, ‘com a qual ela pode operar paralelamente 20 espago, @ a flexibilidade, que permite que as localidades ope- Se a cultura de um povo 6 democratica e ele atua nas decisées politicas, 6 provavel que sua politica ‘educacional acate as sugestdes os anseios da po- pulagdo, mas em contextos autoritarios, nos quais 0 povo 6 subjugado por uma cultura extremamente dominadora, 6 comum predominar uma politica edu- cacional de cunho platénico. Esse 6 0 caso de muitos paises subdesenvolvidos, nos quais, ao longo da histéria, geralmente prevale- ceu um quadro de instabilidade politica, devido a re- duzida capacidade social de articulago e represen- tagéo e a um contexto de éxcessiva concentragao & poder nas mos de uma elite politico-administrativa, E 0 caso do Brasil. Aqui, a politica educacional ‘municipalizante é defendida por muitos setores socials até mesmo por segmentos representantes do Esta- do. Mas, em muitos casos, as intengdes dessa defesa mais ocultam a pouca vontade do Estado de assegu- rar recursos publicos para 0 ensino elementar do que. propriamente traduzem interesses verdadeiros relati- ‘vos & melhoria da qualidade de ensino por meio da participacao. = NOMIA E POL{TICA EDUCACIONAL, ‘Como ja foi exposto, a politica educacional, ao aju- ‘Gr a formar tipos de seres humanos, visa assegurar ‘sobrevivéncia dos tipos de sociedade. E justamen- t= nesse momento (da constituigao da individualidade ‘bumana para a sustentagdo da esfera social) que a ‘politica educacional revela sua dupla face: politica e ‘econdmica. Hé uma interdependéncia entre ambas as vertentes 2 politica educacional. Nessa interdependéncia, 0 teor econdmico pesa mais que o politico. significado econémico da politica educacional 6 bem mais recente que seu teor politico, que s6 nas- ‘eeu a partir da questo da igualdade social. ‘A temética “educago e igualdade social” existe ha muito tempo. Surgiu na Revolugao Francesa (1789), ‘com a queda da monarquia’ e do feudalismo e a ins- (© QUE € POLITICA EDUCACIONAL 6 Essa 6 a razio do surgimento ao longo do tempo de inimeras politicas educacionais, que, mesmo ‘sendo responséveis pela expansao do ensino (obje- tivando manter um certo grau de equalizagao de opor- tunidades educacionais), néo conseguiram atingir patamares de igualdade social, isto 6, ndo interferiram significativamente na democratizagao socioeconémica das pessoas. Historicamente, ocorreu por meio do sistema esco- lar — tanto em paises de economia capitalista como também no extinto bloco socialista — um processo social de selegdo que até hoje divide desigualmente ‘0s homens entre si. Para manter esse processo, duas condigdes bésicas so necessérias: — as caracteristicas regionais, econémicas e cul- turais de cada grupo social interferem na qualidade da educagao escolar e, por conseguinte, na con- cretizagao da politica educacional; —a forma de piramide dos sistemas de educaeao publica afunila a populagao escolar e divide a politica feducacional em varias outras potiticas educacionais (nem sempre articuladas entre si), sendo as mais co- nhecidas e oficiais na maioria dos paises as politicas educacionais de primeiro e segundo graus e do ens no superior. Trocando em middos, a politica educacional, que teoricamente 6 a’responsavel pela universalizagao do ensino, concretamente, nao consegue assegurar se- ‘oportunidades iguais de escolarizagao a todos cidadaos, quanto mais igualdade social! Agora ja deve estar claro para voc quae utdpico “maginario 6 associar, no nivel de objetivos concre- politica educacional a igualdade social. E 0 es- 80 é constatar as implicagdes ideoldgicas des- utopia: ela existe no plano ret6rico muitas vezes acobertar ou justificar alguns limites da fungao ‘=eondmica da propria politica educacional. Mas quais sao esses limites? Um deles 6 que ne- ‘shuma politica educacional, tecnicamente determina- ‘<2 pelo desenvolvimento econémico, contribui neces- Sariamente para a construgéo de uma sociedade ‘emocrética, com mais igualdade entre os homens @ 2s mulheres, embora possa, 6 verdade, contribuir Para a dinamizagao da economia. E quando politicas educacionais propéem educa- ‘eo para 0 desenvolvimento econémico, comumente na génese dessa proposta hé outro engano: identifi ‘ear 0 enriquecimento da industria com 0 desenvolvi- mento da sociedade, orer que a educagao voltada para o atendimento das necessidades do complexo "industrial favoreceré a sociedade. Esse engano também nos remete aos liberais de hoje, cuja maioria acredita que 0 interesse da indis- ‘ria e da economia é 0 interesse da sociedade. Essa ilusao € partilhade por economistas, mui- ‘tos(as) educadores(as) e tecnocratas definidores das (© GUE € POLITICA EDUCACIONAL a Como mostrou Eric Hobsbawn, historiador inglés, & medida que os pafses se industrializaram e suas ‘economias passaram a ser mais complexas, novas exigéncias se fizeram para a instrugdo publica, for- ¢ando os sistemas educacionais a atender reivindica- goes especificas da diviséo de trabalho requerida ela economia. Assim, a organizagao do trabalho em qualquer sociedade influiu e influi nos objetivos das politicas educacionais e, conseqiientemente, na de- terminagao das funges de cada nivel do sistema de ensino. ‘Um exemplo esté na politica educacional do ensi- no superior no Brasil na década de 60. Esse periodo foi caracterizado por preocupagdes com a ampliagao do parque industrial do pais, e com ele surgiu uma politica educacional renovadora, que propés mudan- {gas para vincular a universidade ao desenvolvimento @ sacudiu 0 modelo elitista europeu, até entao predo- minante no ensino superior do pais. ‘Mas vale ressaltar que se trata de um processo que hd muito era apenas idéia. Embora a légica econdmi- ca sobre os ditames das polfticas educacionais tenha, prevalecido apenas neste século, a relagdo educagao x trabalho, que a referenda, j4 havia sido pensada exposta ha trés séculos, (© economista inglés, Adam Smith, em 1776, de- monstrou a fungéo da educagdo como algo funda- mental para o incremento da produtividade econémi- politicas educacionais e foi se constituindo mente com 0 desenvolvimento da industria, mulou e até mesmo exigiu a gradativa associagéo da | produgdo com a escolarizagao @ com o treinamento em diversas politicas educacionais. Isso ocorreu nes te século em paises do Terceiro Mundo, & medida que fas economias desses paises deixaram de ser ‘agroexportadoras para assumir novas formas de ex- ploragao agricola e industrial. Curiosamente, foi nesse momento que as proprias politicas educacionais, em seu fundamento voltadas, para a expansdo da educagdo escolar para todos, ~assumiram maior relevancia. Foi apenas a partir de |" necessidades derivadas da internacionalizagao da economia que a politica educacional patrocinou a re- Jago da cidadania com 0 trabalho. Relagao essa que. passou a ser intermediada pela educacdo através das Varias formas de ensino profissionalizante. Na combinagdo cidadania x trabalho x educagao (expressa em nogdes como “cidadao 6 todo homem, que trabalha” ou “trabalhador 6 0 individuo alfabeti- zado e especializado”), a extensao da educagéo a todos vinculou-se mais as necessidades econémicas @ exigénoias do processo produtivo do que ao pro- cesso de corregao das desigualdade sociais. A signi ficagao econémica da politica educacional passou a prevalecer sobre seu teor politico. os ‘CLELA MARTINS ‘ea. No livro A Riqueza das NagGes, esse economista ‘compara um ser humano educado a uma maquina. Disso podemos deduzir que, mesmo sem os contor Nos atuais, ja se solicitava naquela época uma politi ‘ca educacional entrelagada as necessidades econd- micas. Mas em geral prevaleceram nos paises europeus € em suas colénias politicas educacionais voltadas Para 0 ensino de humanidades, cujo objetivo era a formagao de elites para a ocupagao de cargos buro- créticos na administragao publica. sso ocorreu em paises que se tomaram indepen- dentes ha poucas décadas, como a india, o Paquistéo e outros paises da Asia e da Africa. Nes- ses lugares, a politica educacional do ensino de se- gundo grau era a responsdvel pela formacao das eli- tes. Para isso, ela ditava 0 ensino de linguas como. basico e formava assim funciondrios de escritério ou. individuos aptos para prestar servigos ao governo. Predominavam entao, nesses paises, politicas edu- cacionais sem vinculo direto com a produgéio econd- mica. Foi também o processo de intemacionalizagaio da economia 0 fator responsdvel pela inversao desse quadro. Um exemplo dessa mudanca esta na implantacao de varias politicas educacionais visando a reforma do ensino de segundo grau, por meio do ensino Profissionalizante ou da introdupao de um curriculo di- “yersificado (por ramos de ensino), no final dos anos 60, em vine coiied @ em muitos outros paises do Terceiro Mundo. ‘As politicas educacionais voltadas para a educagao pprofissionalizante foram elaboradas por planejadores @ servio de agéncias inteacionais, tais como ONU (Organizagao das Nagdes Unidas), Unesco (Organi- zag das Nagdes Unidas para a Educasao, Ciéncia © Cultura), lipe (Instituto Intemacional de Pianejamen- "to de Educacdo), OIT (Organizagao Intemacional do Trabalho), além das agéncias bilaterais e regionais de ‘cooperagao para o desenvolvimento econémico, entre > quais a mais conherida 6 6 USNo Aim States jer for Intemational Development). Serecvicce.e planejadores autores dessas politicas educacionais baseavam-se em algumas teorias entao- desenvolvidas, relativas ao valor econémico da edu- cago, Entre elas, a principal foi a Teoria do Capital Humano, criada por Theodoro Schultz, prémio Nobel de Economia em 1979, Segundo essa teoria, a edu- cago produz capacidade de trabalho e, nesse senti- do, é “um investimento em habilidades e conhecimen- tos, que aumenta futuras rendas” (Schultz, 1961). 0 investimento no fator humano, segundo essa concep- ‘so, auxilia 0 aumento da produtividade e a supera- ‘go do atraso econémicp. 5 Mas, como tantas outras teorias econémicas, a Teoria do Capital Humano ligou direta e mecanica- ————— re ‘OLeLA WaRTINS (© QUE € PoLInica EOUCACIONAL “ Mente educago com processo de desenvolvimento: © nao considerou o fato de existir uma certa autono- mia do desenvolvimento econdmico em relagao & educagao @ vice-versa. __Um pais que nao investiu na visio linear da rela- 80 entre economia e educagao foi o Senegal. Nos: ‘anos 70, a politica educacional desse pais esteve ‘muito relacionada com a politica cultural (de valoriza- 40 do povo, de sua negritude e suas tradig6es), sem, Contudo, desvincular-se do plano geral de desenvol vimento do pais, Procurou-se estabelecer uma ‘complementaridade entre economia e politica educa- ional, em vez de uma relagéo de dependéncia em gue @ primeira subjuga a segunda, da politica educacional, no sentido que quise- dar as iniciativas das agéncias internacionais, jentadas que foram na Teoria do Capital Hu- , ficou bastante fragiizado. Curioso 6 saber que essa fragilizacdo permanece hoje, pois a maioria dos(as) trabalhadores(as) paises ainda esté no setor agricola ou na pro- de servigos. Sua remuneracao aproxima-se do de subsisténcia, as técnicas sao primitivas, e 0 ebalho, intensivo. Esse fato acaba questionando o da qualificago profissional fornecida pelo siste- escolar. ~ Esse fendmeno nao acontece s6 no mundo sub- Gesenvolvido. Em bases um tanto diferentes ele ocor- f= também nas economias desenvolvidas, pés-indus- Wiais, nas quais predomina o avango tecnolégico, eontrariando muitos prognésticos, e nao se exigem. oliticas educacionais direcionadas para um proces- ‘50 crescente de qualificaao. Ora, o emprago de alta tecnologia, como no caso da introducao de equipamentos automaticos no co- mércio, na contabilidade, nos bancos, de um lado fequer um certo ntimero de operadores altamente ‘qualificados, elevando 0 nivel do(a) técnico(a), do(a) ‘engenheiro(a) © do(a) analista de sistemas, mas de ‘outro desqualifica muitas das fungdes médias do pro- ‘cesso de producdo tradicional — até mesmo eliminan- do algumas — e desvaloriza os(as) trabalhadores(as) Assim, 0 governo do Senegal criou estabelecimen- tos de ensino médio geral (CEM) e de ensino secun- dio técnico (CEME) junto a centros culturais (cen- tros de tapegaria de manufatura senegalesa e de artes decorativas) nas varias regides do pals. Em sua maioria, esses centros atingiram um bom indice de Produtividade, mas sempre tiveram (dentro de um Proceso conscientizador de educagao) como objeti- vo maior a valorizagao da negritude como um fato objetivo, sua aceitagao enquanto parte histérica da humanidade e enquanto fato ‘subjetivo, cultural. Todavia, essa experiéncia limitou-se apenas ao Senegal naquele periodo. Em geral, nos paises ‘Subdesenvolvidos, ocorreu que o proprio teor econd- do setor administrativo, que antes eram considera: dos(as) mao-de-obra qualificada, Por isso 6 que nos paises desenvolvidos, onde pre- domina a automatizagao complexa, o trabalho sim- ples 6 eliminado. Como se exige uma alta qualifica- 40 da mao-de-obra (impossivel de ser oferecida pela escola) € a energia produtiva se concentra nas fases reparatérias da produgdo, a tendéncia (como ocorre Na economia japonesa) é a prépria empresa preparar essa mao-de-obra, ou entéo, em grupos segmenta- dos do mercado, criarem-se cursos preparatorios. A maturagao da estrutura da economia resulta tam- bem na sua incapacidade de absorver um numero. crescente de pessoas com formagao universitéria. Dai Por que muitas politicas educacionais, responsaveis pelo grande ntimero de jovens com diploma universi- tério no mercado de trabalho, ndo Ihes asseguram emprego no mesmo nivel de suas qualificagbes. A tendéncia 6 que esses jovens sejam obrigados, cada vez mais, a aceitar trabalhos que tradicionalmente ‘880 exercidos por pessoa com um preparo educacio- nal bem mais fraco. Esse limite da politica educacional pode passar a impressao de que ela esteja deixando de ser neces- sétia ao sistema econdmico, na medida em que a maioria das fungdes de trabalho deixa de requerer as. especializagdes técnicas do nivel secunddrio ou as habilitagdes tradicionais adquiridas no ensino supe- rior. Mas essa impressao ¢ falsa. Hé, de fato, uma grande disténcis ents educacso trabalho, se se pensar que 2 profissionalizaeso na ‘escola 6 precairia, j4 que ndo conseque ssameanhar 2 crescente automagao dos processes sracuiwas. A essa distancia soma-se 0 fato de mentum politica ‘educacional ser o caminho pare @ ScsieragSo ou 0 ‘aquecimento da economia nem pars © aumento das possibilidades de emprego. Um exemplo decorrente desse fenSmens ¢ 0 que ‘ecorria nos Estados Unidos antes Ge steal fase recessiva, Hé alguns anos, um grande mumeens de jo- “yens americanos de classe méci so Sithe interes ‘se em cursar a universidade, poss ——— va que, ao terem seus diplomas. n&o Sanam pare erescente nimero de desempregadas Aiusimente, fesse quadro mudou, ¢ acelere-se 2 promues Go ensi- no superior pelos jovens desse p25. Grease 2 sua " eficiente politica educacional de concessse de boisas de estudo, vista como uma forma Ge SSSeauTar 3 SO- brevivencia. Todas essas observagdes foram ‘tes como Pro- pésito de deixar claro que 2 autoncmis enit= Gesen- “Volvimento econémico e educacSe mem semore 6 compreendida por economisias. empresiriosies) ‘educadores(as) quando defendem = seliaeSo entre educacdo escolar @ treinamento enquamis melaczo Potenciadora de trabalho, geradors cee maton eroduti- vidade, maior desenvolvimento © maior meme. Quer- = AEE: (©.0Ue € POLINICA EDUCACIONAL * se com isso mostrar também que a funcionalidade politica educacional para a estrutura economica 6 preparar mao-de-obra qualficada. E isso vale qualquer tipo de economia, desde a mais desem da até aquela que ainda suporta estagios primarios. ‘Contudo, ao que parece, todos os limites descr nao interferem no fato de a politica educacional ser mais dominada pela logica de uma esfera alheia — ‘economia — do que pela propria esfera de onde of cialmente ela emana — o Estado. “Tanto a igualdade e 0 direito & educago (téo pre sentes nos discursos estatais) quanto a preparagao para o trabalho (defendida por empresérios(as) © 26> nomistas), apesar de serem temas antigos da politt ca educacional, até hoje nao tiveram éxito total ‘Agora voc’ pode estar cheio de duvidas em rela 0 a0 papel da’politica educacional e estar se per Quntando: O que aconteceu? Qual a razao desses fracassos? A politica educacional nao é importante para um pais, um povo, uma nacao? ‘A politica educacional tem validade, sim. Todavia. ‘sua maior forga nao esta na capacidade de assegu= rar um direito social, direcionado para a igualdade entre os seres humanos, ou uma boa qualificagae, profissional, mas est4 sim em um outro fenér presente em suas facetas, embora nunca oficial ‘com seu objetivo maior — a socializagao. ‘A socializagao explica 0 fato de no Japao haver politica educacional que obriga a crianga a fre- jar a escola desde a mais tenra idade até a ado- ncia (catorze anos), em perfodo integral, sem jo inicié-la em conhecimentos ou praticas jalizadas do mundo produtivo nem nas comple- da economia. E, nesse pals, a parcela adul- ‘da sociedade consome a maior parte do tempo tra- ido! ‘A légica da politica educacional fica explicita quan- se percebe que a lacuna por ela deixada, frente a duas dectaradas fungdes (de preparo propedéu- e/ou profissionalizante e de correg&o das desi- ides sociais), 6 de certa forma suprida no sen- pragmatico de garantir condigSes para adaptagao individuos @ divisdo do trabalho, na medida em 6 responsdvel pela socializacao diferenciada. Em outras palavras, a politica educacional, na sua o com a infra-estrutura econémica, procura er a escola como lugar de aprendizagem e situd- ‘entre 0 tipo de estrutura de relages sociais da qual fas) alunos(as) procedem e 0 tipo de estrutura de \9Oes socials a que se supde que estejam desti- 3s enquanto individuos produtivos. © processo de socializagao que as politicas edu- ionais permitem que ocorra na escola é importante a produtividade das pessoas na organizagao do BEE ee « OLELA MARIS (©.QUE € FOLINCA EOUCACIONAL “° ‘Assim, fica claro que a politica educacional néo © sistema escolar produtivo a servigo dos in- indistintamente, no seio de uma sociedade ‘antagonismos (como querem alguns economis- |. também nao mantém o sistema escolar servin- iretamente & economia (como querem os defen- da Teoria do Capital Human) @ tampouco itém 0 ensino piiblico como desnecessério ou tivo. Por fim, chamo sua atengdo para o fato de que, ‘apesar de nao se poder negar a possibilidade de ‘ndlise da politica educacional sem que se tenham ‘em vista as relagdes econdmicas que embasam a sua formulagdo, 6 fundamental saber que as consequén- las dessa formulagao podem ser bastante comple- xas, @ n&io mecdnicas nem previsiveis. Nesse sentido, um exemplo ¢ o resultado das poli- ticas educacionais dos palses ricos (entre os quais, Estados Unidos, Inglaterra, Franga, ex-Alemanha ‘Ocidental e Suécia) na década de 60 e no inicio dos ‘anos 70. Nesse periodo, as politicas educacionais, Por terem conseguido assegurar escolarizacao basi- ca para a grande maioria da classe trabalhadora desses paises, acabaram assumindo um papel im- Pulsionador do descontentamento em torno das con- digdes de trabalho. ‘Assim foi que, naqueles paises, a classe trabalha- dora, sendo escolarizada, teve condigao de expres- Bests né pod sar ccniserade corn a cial para a economia. Essa auséncia de sintoni 6 um limite — pelo menos nao do ponto de vista col nomico. Dai por que persiste, sem contudo atrapalhar, um descompasso que jé foi mencionado neste livro: en quanto ha uma crescente automacao do processo de: trabalho nas indistrias se faz a introdugao do rob8. No processo produtivo, a escola, quando muito, brin- a de iniciagao ao trabalho (com trabalhos manuals rudimentares e defasados no tempo) e passa uma idéia deformada do que seja 0 proceso produtive hoje. Ao mesmo tempo, desvia 0 processo pedagogr ‘0 do que deveria sor sua principal fungo: a forma- ‘go de uma estrutura basica de pensamento 6 uma. qualificaao politécnica. Esse fendmeno s6 6 possivel porque as relagdes entre politica educacional e estrutura socioeconémica: ‘nao ocorrem de forma imediata e direta. A incapack dade das politicas educacionais de organizar escolas: secundarias voltadas para a preparacao de mao-de- obra verdadeiramente qualificada © de ter por objeti vo 0 estimulo a formagao da cidadania 6 uma inca- pacidade necessdria para a base econdmica, na forma como ela estrutura suas relagdes hoje (apro- riago dos meios de produgao por um numero redu- Zido de pessoas, ¢ venda barata da forga de trabalho pela grande maioria). © ‘CLELIA MARTINS sar @ fazer reivindicagbes de tarefas mais significati vas, de enriquecimento de tarefas, de participagao tanto na organizacéo administrativa quanto na lu- cralividade das empresas e de discussao da temética da qualidade do trabalho. Esse foi um processo que atravessou de um extre- mo ao outro 0 mundo do trabalho durante a década de 60, e, a bem da verdade, uma viséo mecanicista da politica educacional (no sentido de que ela existe tao-somente para atender as necessidades da eco- nomia) ndo consegue aprender esses aspects. Deve-se compreender, por fim, que na relagéo en- tre politica educacional e estrutura econémica hé uma perpétua tensio entre duas dinamicas: os imperat vos da economia e os da democracia em todas as suas formas. E a politica educacional esta envolvida nos grandes conflitos inerentes tanto & dinamica eco- némica quanto & dinamica democratica. POLITICA EDUCACIONAL E INDUSTRIA CULTURAL A relago da politica educacional com a cultura se processa na escola. E uma relagdo bastante comple- xa, principalmente porque 6 muito mais definida fora do sistema escolar. E ser definida fora do sistema escolar significa que 6 uma relagdo determinada a partir de forcas exteriores ao sistema de ensino. Bem, para elucidar um pouco mais esse processo, 6 importante ressaltar — embora vocé j4 deva saber — que a cultura em si mesma nao é um todo homo- géneo, mas sim a soma de subconjuntos diferencia dos (cultura erudita/cultura de massa, cultura popu- lar/cultura criadora individualizada). Tais subconjuntos se interpenetram em formas his- téricas concretas determinadas pelo contexto econd- mico, pelas relagdes de classes, pelo dinamismo in- terno dos grupos e também’ pela sensibilidade individual dos seus criadores e consumidores. en ‘LeU MARTINS 1 pedagégico 6 orientado por um con- fea oa prooouertes Tigadas a elementos do meio Social de diversas ordens, como por exemplo 9 0rG9- mento, a habitagdo, 0 prestigio, a crenga, & historia e be valores simbdlicos da regio em que se encontra je escolar. a unidadt ‘Smentos pertencem ao que Michael APPIe, educador americano, chama de ourriculo oculto, pols les nao S80 explicitos em nenhum projeto ou plane: Jamento de polica educacional, em nenhuma grace escolar (conjunto de disciplinas) de nienhum nivel 4 ensino, e no entanto estao presentos 0 tempo sso pedagogico escolar. : go processo Bajos wraduzem © rofietem tod0s, 08 subconjuntos culturais e, através do ato pedagoaico, interligam-se & politica educacional. E por cs fapesar de se processar dentro da unidade escolar, & relagéo da politica educacional com a cultura ¢ ras Gefinida fora da escola, por processos de uma formes ‘go social muito ampla (presentes ‘em instjtuigde: seo a familia), pelas definigoes da e na organizagao pratica do trabalho, pela tradigéo seletiva dos seres humanos no nivel intelectual e tedrico. a “Todas essas forgas estéo implicadas no continu fazer e rofazer de uma cultura preponderante sobre outra (de um ou mais grupos sociais). E dessas for- gas culturais, enquanto experiéncias integradas uy vida de cada aluno(a), de cada professor(a) & de cat ©. QUEE FOUNCA EDUCACIONAL e trabalhador(a) do ensino que depende a realidade da politica educacional. ‘Apesar de ser uma interpretagao bastante simplista essa que compreende a politica educacional como reprodutora da cultura das classes dominantes — na ‘medida em que que se ensina em sala de aula nao se reduz a uma ideologia imposta nem aos significa- dos e praticas da classe dominante ou de um setor dela impostos a outras —, 6 preciso admitir que o mundo cultural incide permanentemente na fungao de diferenciagao da politica de educagao. A funco de diferenciagéo é cumprida pela politica educacional nos espacos escolares, pois no fazer pedagégico cotidiano a cultura (de elite, ou cultura popular, ou de qualquer subgrupo social) condiciona politica educacional a reproduzir os lugares dos di- ferentes agentes do sistema produtivo. ‘A diferenciagao nao ocorre de uma forma mecanica estanque. Nao hd especificamente diferentes tipos de politicas educacionais para culturas diferentes nem para diferentes tipos de alunos(as) provenientes de diferentes classes. E tudo muito complexo, um pro- cesso movido pela propria dinamica da vida social, pelos elementos ocultos da grade curricular pedagégica. Um processo que sofre oscilagdes e en- frenta resisténcias. Mas toma-se importante observar que justamente devido a esses aspectos da diferenciagdo e por nao. OLELA MARIN (0.0UE € POLINCA EDUCACIONAL = ser um proceso definitive é que a politica educacio- nal também pode trazer contribuigdes no sentido de nao reforgar a dicotomia entre a cultura de elite (so- | fisticada, sistematizada) e a cultura popular (baseada em crengas e valores folcléricos). Assim, em relagdo @ cultura, a politica educacional pode assumir tanto um como outro papel, pois reflete sempre as proprias contradicbes sociais. A possibilidade de a politica educacional nao contri- buir para reproduzir as divisdes culturais tem seu pon- to culminante na proposta de escola tinica. A escola Unica, segundo 0 filésofo italiano Antonio Gramsci (1891-1937), unifica cultura popular e cultura erudita, possibilitando aos aprendizes formarem-se na verda- cultura, isto é, na cultura definida por Gramsci ‘como “organizacao, disciplina do préprio eu interior, tomada de posse da propria personalidade, conquis- ta da consciéncia superior pela qual se consegue ‘compreender 0 proprio valor histérico, a propria fun- Gd da vida, os proprios direitos e deveres”. Uma politica educacional voltada para a constitui- GG de uma escola tinica 6 necessariamente contra a rego ideoldgica e cultural existente nas sociedades modernas, que, sendo elaborada nas esferas mais altas do poder, atinge todos os niveis da vida huma- na (social, cultural, econémica etc.). E uma politica que exige ¢ estimula uma grande transformagao his- torica no plano da superestrutura. Transformacao ex- pressa por Gramsci como a “criagéo de um novo sen- $0 comum” e a “elevagdo cultural das massas”. Entéo, ao se pensar uma relago democratizante entre a politica educacional e a cultura, tendo por base a perspectiva de Gramsci, deve-se considerar que ela passa, necessariamente, pela transformagaio da cultura popular, jd que ela 6 formada pela senso comum. Ora, 6 inquestionavel a relevancia de uma politica educacional que tenha por objetivo principal contri buir para a transformagao do senso comum, porque: ele nao uma “unidade e uma coeréncia” na consci- €ncia individual, tampouco tem por base uma reflexéio critica © questionadora. Ao contrério, ele se caracte- riza pela adesdo total e sem restri¢des a uma con- Cepeaio de mundo elaborada fora dele préprio, que se. fealiza em um conformismo cego e em uma obedién- ia irracional a principios ¢ preceitos indemonstraveis £.Nd0 cientifcos, funcionando no plano da crenga e Assim, uma politica educacional que se preze deve Semvir de estimulo (@ ter como um de seus objetivos) emancipagao das consciéncias individuals — mas Sempre sabendo que ndo ¢ a unica responsavel por Outra caracteristica dessa proposta de politica edu- Sscional é que ela finalmente caminha em diregao Seificacdo entre teoria e pratica. A politica educacional pode — a partir da conside- de que a unidade entre teoria e pratica 6 um (CLELIA MARTINS iii (0 QUE € POUTICA EDUCACIONA, s dever historico — objetivar fazer da escola um espa ‘G0 que, por estar presente em boa parte da vida do(a) aluno(a), também seja capaz de estimular este devenir, desde sua fase elementar e primitiva, no sen- 0 de distingo, de separacdo, de independéncia ape- nas instintiva até sua sucessiva progressao para a apropriagao real e completa de uma concepgao de mundo coerente e unitaria. Foi esse tipo de escola que se tentou implantar na extinta Unido Soviética logo apés a revolugéo bolchevique, com educago obrigatéria para criangas de sete a quinze anos, combinando estudos tedricos e atividades praticas (oficinas escolares, cursos So- bre principios da produgao, participagdo nos proces- sos de produgo, excursées etc.). Embora essa politica educacional objetivasse inici- almente a formagao da escola tinica, aberta e garantida ‘a todas as criangas, com o estudo das mesmas disol- plinas e com 0 mesmo curriculo, ela no conseguiu superar a distingao entre teoria @ pratica, entre forma- (go humanista e formacao profissional, € acabou so- brecarregando a maioria de seus alunos com ca- pacitagdo técnica. Esse foi o motivo do seu malogro. ‘Além do progresso politico-pratico que a politica educacional voltada para a escola unica propicia, também ha nela implicitamente um grande progresso sociocultural, j4 que ela implica e pressupde neces- sariamente uma unidade intelectual e uma ética ade- ‘quada a uma concepeao do real que supere 0 senso comum e torne-se critica, mesmo que dentro de limi- tes ainda restritos. ‘sso significa que ela também est preooupada em reconstruir a relagio dos(as) educadores(as) com © mundo e que desoja por fim a um estado de coisas: que fez do saber sistematizado um privilégio social € dar inicio a uma era de prescricao da ignoréncia como fator de dominacao entre os seres humanos. E uma politica educacional que eleva a escola a um novo padrao de civilizagéo. E essa politica educacional que o educador Paulo Freire, em sua prética cotidiana de professor, no Bra- ii, no Chile ou em paises africanos, sempre lutou para implantar. “Também era esse tipo de politica educacional que estava Implicito nas reivindicagoes do movimento @s- tudantil da década de 60 — reivindicagdes em tomo de escolas Unicas e auténomas, onde a reprodugao de diversas culturas no significasse a reprodugao. das classes sociais, mas fosse, sim, uma forma de unificagdo @ autoconhecimento de diversos grupos. O movimento estudantil representou uma expres- s40 cultural referente as politicas educacionais entéo ominantes. Suas palavras-chaves eram autonomia, autodiregao ¢ discusséo aberta, que em francés se chama contestation. Predominou nele uma proposta nao idéntica & educago soviética (pois que era con- ee © CLELIA MARTINS (© QUE € POLITICA EDUCACIONAL, a cratizar um bem cultural, a industria cutural passa @ ‘oferecé-lo como qualquer outro produto do mercado, retirando sua forga e superficializando seu conteudo @ sua mensagem. ‘Mas, em que pese a veracidade dessa reflexdo, ela 6 também bastante restrita. Essa interpretagao nao corresponde & realidade do que ha de mais forte na industria cultural — os meios de comunicagéo de massa —, pois, se assim fosse, tanto 0 emissor quan- to a mensagem veiculada, o canal e receptor seriam instrumentos estanques das classes dominantes, que funcionariam apenas como signo de mercadoria ide- olégica. E, como se sabe, a dinamica da informagao e da cultura esta tao imbuida de contradiges que no permite essa visdo restrita a seu respelto. E justamente aqui que vocé pode deparar com uma das questées mais polémicas da politica educacional contemporanea — seu papel e sua fungao junto aos meios de comunicagao. ‘A questo fundamental ora colocada é: na utliza- go dos meios de comunicagao, a politica educacio- nal estaria favorecendo a manuteng&o do poder nas maos da classe hegeménica — dentro de um proces- 80 somatério de transmissao da ideologia dominante @ mercantiizacdo da cultura — ou estaria endossan- do conquistas da humanidade na luta pela democra- tizagdo do saber e da cultura? ‘Compreendendo a comunicagao diretamente liga da ao aspecto social dos seres humanos e os meios como instrumentos que ndo sé comunicam mas tam- bém podem modificar a conduta humana, por esta- rem fortemente vinculados a produgo, tem-se que 6 perfeitamente cabivel o papel da tecnologia e da informatica na politica educacional. 3 Essa conclusao justiica-se porque, nessa forma de interpretagdo, a industria cultural (com os meios de comunicagao e as inovagdes tecnolégicas) é parte de uma praxis que ultrapassa a munipulagao de classe e constitui-se pelas possibilidades de mobilizagao, contestacdo, articulagao com o real e pelo poder de captar e expressar a viséo da sociedade via produto cultural — podendo revelar sua capacidade tanto de influir na formag&o da opinido piiblica como de ex- pressar as alteragdes que nela ocorrem. © problema dos meios de comunicacao se restrin- ge ento ao contetido. Embora nao seja simples mu- dar 0 conteiido para que os vefculos de comunicagao assumam uma postura voltada para os interesses da maioria da populag&o, precisamente nesse sentido a politica educacional, como norteadora do conteido educacional, tem um papel muito importante. ‘Caso existam politics educacionais com 0 objetivo de evitar o bloqueio da consciéneia do individuo, es- timulando na crianga ainda pequena a reflexao critica, nto 0 contetido educacional divulgado pelos vefcu- Jos de comunicagao de massa, dos quais a prépria ‘escola faz parte, pode néo ser viabilizado pelo meca- nismo de mercado nem se ‘submeter automaticamen- te Be suas lorido, a relagéo da politica educacional com a industria cultural no s6 altera a base de pro- dugao do saber mas também revoluciona o proprio Cavater ¢ a fung&o da educagao modema, fazendo om que a escola néo seja apenas um local de trans- isso passiva do saber. Trips Pemplo dessa possvel revolucao é @ expe- riéncia do computador, que cria a sala de aula uni- vere arasl, nos Estados Unidos e em Israel, alunos de 23 escolas interligadas realizaram uma experién- cia simultanea e trocaram informages entre 20 do fevereiro 0 28 de margo de 1992. Alunos e alunas de primeiro © segundo graus de nove escolas particula- vie da cidade de Sao Paulo, sete dos Estados Uni- fos e sete do Israel participaram de uma experiéncia onjunta que tinha como proposta alterar radicalmen- fo 08 papéis dos professores(as), dos(as) estudantes réprias escolas. 2 ee prengncla consis em plantar, mesmo tempo, nas 23 escolas sementes de ura mesma plan- ta, acompanhar dia a dia 0 seu crescimento e trocar fas observagées feitas por cada grupo através de Computadores interligados por telefone. Os objetivos dessa experiéncia eram os seguintes: (QUE € FOLINCA EOUCACIONAL e — “explodir” os limites impostos pelas paredes de uma sala de aula comum (pois a rede de computado- tes cria uma sala de dimensées ilimitadas); — estimular os(as) estudantes a pensar, a querer saber os resultados obtidos por outros grupos e a abordar um assunto de forma interdisciplinar, envol- vendo biologia, geografia, meteorologia, ecologia, informatica etc. Qs alunos ¢ alunas de Israel t8m suas escolas li gadas por uma rede de computadores desde 1990 e costumam realizar varios experimentos desse tipo, com sentido interdisciplinar. Atualmente, a Associa- 640 para o Progresso da Educacdo Cientifica de Is- rael estd pondo em andamento outro projeto impor- tante, que também retine estudantes de diversas partes do mundo para a troca de informagées sobre recursos hidricos. Essa conjugacao da politica educacional com os, meios de comunicagao € a tecnologia, direcionada a contribuir para a elevacao do nivel cultural da popu- lago ja se concretiza também na Inglaterra. (O Ministério da Educagao da Inglaterra, em uma ‘experiéncia inédita, no inicio da década de 80, fez um. acordo com a rede de TV BBC e com o setor de informatica. A partir de entdo, esse sotor passou a produzir o microcomputador Acorn, de baixo custo e Padronizado, e a BBC passou a apresentar um pro- Grama didrio que ensinava como usar esse microcom- putador. Simultaneamente, todas as escolas foram equipadas com o Acorn Também na Franga, a partir da década de 60, poltica educacional estimulou a introdugaio de com Putadores nas escolas. O gover francés, em 1585, instituiu um programa de treinamento de docentes das escolas piblicas para 0 uso da informatica. © programa francés comegou treinando 300 mil professores e professoras, @ em um ano 1 mihéo de- jes foram treinados. Este rapido treinamento, soma- do a doagdo pelo governo de terminais Minitel — sis, tema de videotexto ligado a0 telefone e a uma central de informagées —, permitiu que todas as escolas francesas fossem informatizadas. ‘Nos Estados Unidos, embora tenha sido uma inici ativa empresarial privada, 1987 surgiram os Progra: ras de educagao a distancia. Hoje, vinte universida; Ges oferecem cursos transmitidos pela TV para 18 ‘mithbes de assinantes de TV a cabo. Esses cursos, de niveis secundario e universitério, S80 transmitidos iretamente das salas de aula, © 08 exames a0 tr fino de um semestre s4o geraimente realizados @m escolas @ bibliotecas de bairros. ‘Tale exemplos reforgam a tese de que @ TV, 0 ra dio, 0 video e 0 computador — enquanto instrumen- tos poderosos de formagéo de personalidade, trans, i missaio de informagao, moldagem de ‘opiniao e de Conseiancia politica, moral © estética — nao podem ser desconsideradas pela politica educacional, pols efinitvamente eles contribuem para superar a ign © QUE E FOLIA EDUCACIONAL « rancia e assim ajudar a liber tar “pea internos e externos. ae essa perspectiva assume maior relevancia anlar as préprias alteragdes no roma cional em geral. Nao ha politica educacic nal, por mais deficiéncias que aaa vohede aml peer um sistema escolar publico estatico. Mesmo paises com capacidade de leitura limitada, siste- ma pubico de ensino precio e economia retardaté- = é mais possivel uma pessoa estudar oito ou ‘anos e trabalhar trinta anos apenas com 0s co- ies adquiridos naquele periodo. icas educacionais continuas, , que t6r objetivo a alfabetizagdo permanente, no contol ena , 86 S80 Possiveis com 0 assessoramento s jologia. E so consideradas fundamentais, por- progresso faz da alfabetizagao uma necessi- dade quantitativa e qualitativamente continua. Num certo sentido, hoje, com 0 acelerado desen- wolvimento tecnolégico e a inteacionalizagéo da ee, alent esta internacionalizado, rum problema restrito 7 an oe ne aalgumas nagdes, significa que a politica educacional de is qualquer pas Star pode ter vencido o cnalehatal eral ( que nao sabem ler nem escrever), mas ‘enfrentando um outro, o analfabetismo funcio- (Gos que escrevem e léem um bilhete, mas nao r ore um jornal). Se esse analfabetismo for ou jé estiver ‘vencido, tem-se entdo o analfabetismo tecnolégico. Mas 6 preciso ndo alimentar ilusdes. Nenhuma politica educacional — nem mesmo uma soma de varias pollticas educacionais — pode, somente com © auxilio do satélite da TV Educativa ou do computa- dor, conseguir alfabetizar os 962,6 milhdes de ho- mens e mulheres analfabetos do mundo, até agora excluidos de toda e qualquer educacao formal, nem evitar as taxas de evasao e reprovacao escolar nas primeiras séries, nem mesmo conseguir que o ensino superior volte a ter um nivel efetivamente académico de padrao qualitative. Essa impossibilidade ocorre porque tais problemas no so soluciondveis apenas pelos meios de comu- nicagdo e pela tecnologia. Mas a tecnologia ¢ a informdtica, unidas a boas bibliotecas, laboratérios @ merenda escolar, poderdo ser instrumentos valiosos para pollticas educacionais interessadas na melhoria da qualidade de ensino, enquanto questées conjun- turais nao possibilitam as reais solugdes para os pro- blemas mencionados. Também 6 preciso nao esquecer a possibilidade de uma relagdo inversa e bastante positiva: meios de comunicagéo descentralizados, sob controle regional @ local, atendendo a interesses especificos e dinami- zando as capacidades culturais de cada regido de um pals, contando com a participagao das comunidades (©. QUE € POUCA EDUCAGIONAL @ na elaboracao do contetido dos programas, acabam. Por assumir, gradativamente, finalidades educativas culturais, reformulando, eles mesmos, as mais varia das politicas educacionais. Os meios de comunicagéo de massa podem cons- tituir um gigantesco instrumento de transformacao cultural @ social. A luta por esse espago @ pelo seu controle democrético representa um aspecto funda- mental que deve estar presente nas politicas educa- cionais de qualquer pais. - INDICAGOES PARA LEITURA Os temas envolvendo politica educacional podem ser os mais variados possiveis. Relacionamos para vocé um pe- ueno niimero de titulos, os quals, apesar de ainda terem Um caréter introdut6rio, podem contribuir para tomar sua compreensio mais abrangente e critica em relago & com- plexidade na qual a politica educacional esta envolvida. ‘Se vocé estiver interessado em um arcabougo tedrico mais especitico para subsidiar posteriores andlises de poll- tica educacional, pode consultar 0 primeiro capitulo do lio Escola, Estado e Sociedade, de Barbara Freitag (S40 Pau- Jo, Moraes, 1986). A autora, nesse texto, procura recapitur lar os limites e as vantagens das teorias politicas © sociols- sicas mais conhecidas. Para isso, ela aborda as posigoes {de Durkheim, Parsons, Dewey, Manheim (segundo os quals a fungao da escola 6 manter a sociedade democratica quando ela se instalar); Bourdieu © Passeron (para os uals ‘sistema educacional tem duas fungbes — reprodugéo da (0 0ue € PoLmck EDUCACIONAL, < cultura e reprodugao da estrutura de classes); Altvater, Huisken, Becker e Schuitz (cujas teorias tém por fundamen to a correlagdo entre crescimento econdmico e nivel edu- cacional dos membros de uma sociedade); Althusser, Establet e Poulantzas (para os quais a escola cria e man- 16m as falsas consciéncias). Por fim, a autora analisa sin- teticamente a obra de Gramsci, que aponta para a fungéo dialética do sistema escolar, que pode tanto conservar Quanto minar as estruturas em que esté localizado. © aspecto da forca da politica educacional sob um ‘enfoque neomarxista pode ser pesquisado no livro de Michael Apple, Educaeao e Poder (Porto Alegre, Artes Mé- cas, 1989). A argumentagao nesse livro retoma as teori- 42s explicativas da relagao entre educagao e sociedade, sub- mete-as a uma séria critica e procura avangar na com- preensdo dessa relacao, usando conceitos como hege- ‘monia, contradigéo e resisténcia. Apple trata também da mercantilizagao da cultura € de seu reflexo no curriculo ‘cculto da escola. Altemativamente, numa viséo dialética e através de argumentos tedricos, o autor procura responder ‘Se € possivel obter éxito entre trabalho educacional ¢ tra- {atho politico, ¢ fazendo isso buscar reintegrar, através de ‘zgumentos teérioos, 0 cultural e 0 politico ao econémico ‘Ra atual situagao da educagao. ‘Também como subsidio te6rico, para andlise de medidas ‘de ambito da politica educacional atual, voce pode reoorrer 2 obra Educagéo, Estado e Poder, de Fabio Konder ‘Comparato (So Paulo, Brasiliense, 1987), no qual o autor ‘Ssbalha conceitos fundamentais da ciéncia politica (nogao '@ poder: poder-forca, poder-autoridade; legitimidade do ” COLELIA MARTIN poder Iftco 1; democracia), examina a evolugao do poder pol ho Brasil e estabelece as relagdes entre os tragos dos regl- mes politicos e 08 dilemas enfrentados no campo da edu- : iti Bra- sma restrospectiva da politica educacional no site como uma leiura complementar ao texto de Fabio Comparato, 0 jé citado livro de Barbara Freitag (terceiro © quarto capitulos) ainda 6 o que melhor a sintetiza, abran- desde 0 periodo colonial até o fim da década de 70. Sua limitagao esté em nao chegar até a atualidade. “ia sobre problemas educacionais mais atuais, que se revelam como consequéncia da fraglidade da politica edu- ‘onal, 0 leitor pode consultar: cact'Femandes, Florestan. O Desafio Educacional. S40 Paulo, Cortez, 1989. at Soo adne artigos do autor divdidos em duas par- ise do ensino: contrastes do crescimento sem de~ mocaca (erbas para 0 ensino kis de dretizes © bases da educagio nacional, a relacdo funcionérios/docentes @ Estado, greves do magistério e desvalorizagao do ensino); "= docentes e a transformagao do concreto (formagao po- Itica e trabalho docente, dilemas educacionais, dispositivos cconstitucionais, politecnia na educacao). ‘Todos os artigos sdo permeados por uma andlise que ‘aponta as contradigbes pedagogicas de uma sociedade ca- Pitalista periférica, tensionada por provessos histéricos inter- fuptores de mudancas educacionais ensaiadas ou iniciadas. y Catani, Denice B. (et. al.). Universidade, Escola € Formagao de Professores, 2° edigao. S40 Paulo, Bra- siliense, 1987. — (0 QUE € PCLIMCA EDUCACIONAL, # Uma coletanea de textos que t8m como objetivo comum © questionamento da educacao brasileira, buscando privle- giar sua dimenséo social e politica ¢ definir as marcas ge- rais para a formagao de protessores: papel da universida de, papel das entidades representativas do professorado, limites da escola em relagéo a uma pratica social transformadora, a dependéncia cultural e a adesao aos modismos como limitadoras da formagao da consciéncia critica. Para leituras especificas sobre 0s temas mais profundos da politica educacional, existem poucas publicagdes. De alguma ajuda, contudo, pode ser 0 texto Sobre a Universi- dade, de Max Weber (Sao Paulo, Cortez, 1989). Trata-se de uma discusstio da Universidade enquanto espaco de cri- tica, e por isso produtor do saber, na sua relagdo com 0 Estado autoritério, para 0 qual a obediéncia politica, em vez de ser um problema cultural, 6 um dado estimulado no com- portamento de docentes ¢ discentes E um texto que reflete ‘bem episédios da luta entre o saber académico e o ethos Burocratico dominante no Ministério da Educacao da Ale- ‘manha, no inicio do século, bem como as diferengas ¢ os es politicos entre o ensino superior alemao e o america 0. Essa leitura é importante porque hé semelhangas entre ‘%Sde a problematica abordada por Weber a respeito do en- ‘Sho superior na Alemanha retrograda daquele periodo, ¢ a ‘ual realidade do sistema universitario de pafses subde- S=solvidos como o Brasil. Especificamente sobre a forga de um povo na organiza- © na mudanga do ensino, um texto introdutério € Cuba: ‘Mudanga Econémica e Reforma Educacional (Sao Paulo, Brasiliense, 1984), de autoria de Martins Carnoy e Jorge Werthein. Este livro mostra como a reforma educacional 1p6s-1959 desenvolveu-se no sentido de transformar a es- ‘cola em um lugar onde os estudantes aprendessem a tra- balhar coletivamente, criando entre criangas e adultos a ‘consciéncia de seus papéis na nova sociedade cubana ¢ procurando anular a separagao entre trabalho intelectual € frabaiho manual. Mostra também como essa reforma foi Blo- queada pela prépria economia cubana, que ao se vollar para o desenvolvimento nao conseguiu estabelecer rela- ‘gBes socialistas de producao. Finalmente, uma visualizago da politica educacional no ‘Ambito da América Latina pode adquirir no livro Final de ‘Século: Desafios da Educagdo na América Latina, organi- Zado por Maria Laura P. B. Franco e Maria L. Zibas (S40 Paulo, Cortez, 1990). Este texto condensa varios artigos apresentados no IV Seminério da Comisséo Educacéo Sociedade do Clacso (Consejo Latinoamericano de Ciencias. Sociales), realizado no Chile em 1988, cujo tema central *Politicas Publicas e Educacao” e que permitiu entao a and- lise das seguintes dimensdes: politica educacional enquanto politica publica (papel do Estado e o atendimento das de- mandas da sociedade); a universalizagao do ensino funda- mental (desafios da qualidade e da quantidade na América Latina); politicas publicas frente & preparagdo para o traba~ tho ¢ ao desenvolvimento tecnolégico na América Latina. Para saber do interesse de um grupo empresarial em politica educacional é oportuna a leitura do livro de Maria Inés Salgado de Souza Os Empresarios © a Educaco — 0 ipes e a Poltica Educacional apds 1964 (Petropolis, Vozes, 1961). Embora diga respeito ao passado, esse texto retra- ta com bastante clareza a montagem de um projeto no qual Estado autoritério e alguns setores do empresariado e da feducagaio entraram em plena sintonia para atender aos in- teresses do grande capital ‘Ainda sobre medidas concretas de politica educacional, no quarto capitulo dolivro jd citado de Michael Apple, tem- se a andlise das conseqUéncias do governo Reagan (e da direta poltca dos Estados Unidos) para a educagéo: 0 au tor examina as propostas de planos de vales educacionals (vouchers) e de subsidos fiscais para o ensino, bem como a relagdo dos mesmos com a crise ideol6gioa naquele pais. Examina também os planos para mercantlizar a educagao © a conseqiente reducdo da esséncia da democracia a con feido econémico (no sentido reprodutivista © assisten- ialsta) © denuncia 0 quanto essa ética social 6 negativa 10 sistema de ensino. SOBRE A AUTORA __ Trabalho na Universidade Estadual Paulista (UnespiCampus Minha graduagfo € em Servigo Social fiz mestrado em Educa~ atualmente sou doutoranda em Filosofia. Apeser de nfo ser sinto-me educadora, naquele sentido mais profundo do 0 educere — elucidar para ierta. Este texto, evo registrar, nlo fo inicialmente uma idéia minha. de alguém que, enquanto viveu foi to educador quanto eles que, como eu e voce, consideram a educacio uma coisa Falo de Caio Graco Prado, que, nos idos de 1988, quando “Fomada Caio Prado J.", em uma carona do campus da Unesp ‘© centro de Marilia, fez a sugestio: “Por que voc® nio ” E aqui esta sua sugestio materializada, e se houver (como espero que heja) devemos a ele também. Por fica aqui, in memoriam, meu sincero agradecimento. A vocd, leitor¢ leitora, espero que este texto seja uma contsi- sono sentido da compreensio e nlo-desistncia dese processo ‘encantador, ora penoso, mas sempre infinito, que & o fazer © 0 intervir cotidianamente na politica desse processo, 5 Pp Primeiros Passos 282 Colegao « Uma Enciclopédia Critica Neste livro, 2 autora mostra a diferenca entre politica educacional e feducagdo, e como essa politica é um dos insirumentos para se projetar os tipos de pessoas de que uma sociedade necessita, Pensar em politica educacional é também pensar nos seres hhumanos de hoje e do futuro, cenfocando principalmente os aspectos social, civico @ individual. Area de interesse: Educagdio Foci ec Ise: 8s. Ait tid £ = 2 2 3 a POLITICA EDUCACIONAL O QUEE POLITICA EDUCACIONAL Clélia Martins

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