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REPRESENTAÇÕES E DINÂMICAS DE UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM PORTUGAL:

OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DO TRABALHO E DA EMPRESA

2001/2002

Tese de Licenciatura em Sociologia

REPRESENTAÇÕES
E DINÂMICAS DE UTILIZAÇÃO
DAS TECNOLOGIAS
DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
EM PORTUGAL:
OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

POR

PEDRO MIGUEL PEREIRA NETO


N º 12 854

ORIENTADORES:
DR. JOSÉ MANUEL PAQUETE DE OLIVEIRA
DR. GUSTAVO CARDOSO

PEDRO PEREIRA NETO ALUNO Nº 12 854 P.1


REPRESENTAÇÕES E DINÂMICAS DE UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM PORTUGAL:
OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

0. ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO (P. 3)
2. OBJECTIVOS (P. 5)
3. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

a. AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (P. 7)


b. OS MOVIMENTOS SOCIAIS E OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS (P. 10)
i. OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS (P. 11)
c. AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO E OS MOVIMENTOS

AMBIENTALISTAS (P. 16)


4. PROBLEMÁTICA: ABORDAGENS POSSÍVEIS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS (P. 19)
a. MACRO-ANÁLISE: ESTRUTURA E CONJUNTURA DE OPORTUNIDADE

POLÍTICA, ECONÓMICA E TECNOLÓGICA (P. 21)


i. OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS EM PORTUGAL (P. 27)
b. MESO-ANÁLISE: OS RECURSOS MOBILIZÁVEIS E MOBILIZADORES (P. 30)
i. AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM PORTUGAL

(P. 32)
c. MICRO-ANÁLISE: AS MATRIZES COGNITIVAS DE ENQUADRAMENTO DA

ACÇÃO (P. 41)


i. REPRESENTAÇÕES DAS TICS E DO AMBIENTE (P. 45)
5. HIPÓTESE (P. 49)
6. METODOLOGIA (P. 50)
a. ANÁLISE EXCLUSIVA VS ANÁLISE INCLUSIVA (P. 51)
b. ANALISE EXTENSIVA VS ANÁLISE INTENSIVA (P. 52)
c. DIMENSÕES E INDICADORES DE ANÁLISE (P. 53)
7. DADOS EMPÍRICOS (P. 55)
a. ANÁLISE CASUÍSTICA (P. 55)
b. SISTEMATIZAÇÃO E REGULARIDADES (P. 76)
8. CONCLUSÕES (P. 80)
9. BIBLIOGRAFIA (P. 86)

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1. INTRODUÇÃO

É hoje relativamente pacífico, no seio da comunidade científica, considerar que


nos encontramos actualmente perante processos pluridimensionais de transformação
social e tecnológica, cujos verdadeiros espectro e efeitos se encontram ainda por aferir.
Uma era de significativa interdependência global e total, no sentido de Marcel Mauss
(Mauss: 1968), na qual eventos em curso numa qualquer parte do mundo são
conhecidos e influenciam, em tempo real, o destino de populações em diferentes
continentes (Webster, 2001: 1-3; Tarrow, 1996: 53).
Assistimos por outro lado, nas sociedades modernas, ao exercício simultâneo de
influência de duas dinâmicas paralelas. Por um lado, de um declínio do sentido de
comunidade ou Gemeinschaft – segundo a definição de Tönnies (Cruz, 1995) – o qual
se traduz na expansão de práticas e estilos de vida simultaneamente causa e
consequência da síntese de selves inscritos na Solidariedade Orgânica de Durkheim
(Cruz, 1995). Por outro lado, e segundo Tomlinson, da emergência de um sentimento de
proximidade e/ou identificação entre cidadãos geograficamente distantes, uma das
consequências culturais observáveis dos processos de globalização em curso (Webster,
2001: 9).
Do mesmo modo se observa a emergência de uma nova elite com formação ao
nível das novas tecnologias, a qual está, por via dos capitais educacionais e profissionais
que detém (Bourdieu, 1989), não só particularmente bem colocada para compreender e
se adaptar às novas tecnologias mas também, por via dessas competências, em posição
privilegiada para domesticar a própria mudança em curso (Webster, 2001: 4), papel que
se assemelha ao desempenhado pelos jornalistas e editores na génese do movimento
operário (Castells, 1997).
A própria passagem, observada por Tilly, de formas colectivas de protesto locais
e paroquiais, com base em identidades vivenciadas diariamente e localmente
estabelecidas, para formas colectivas de protesto modulares e nacionais baseadas em
valores específicos assinala não só uma transformação de repertórios de acção mas a
transformação da própria estrutura social que lhes está subjacente (Tilly, 1999: 266).
A Sociedade da Informação, paradigma social de desenvolvimento no qual a
recolha, processamento e partilha de informação constituem as principais formas de
geração de riqueza, assenta, segundo Miége, sobre três vectores: as tecnologias de

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informação, o audiovisual, e as telecomunicações (Miége, 2000: 112). Pedra-de-toque


da sociedade em rede, a Internet constitui a sua infra-estrutura emblemática devendo,
com efeito, ser considerada como um recurso tecnológico de processamento e
disponibilização de informação mas também como uma tecnologia social, universo no
qual se transformam as relações sociais existentes e se criam novos modos de interacção
e de organização social (Ciberfaces, 2000), razão pela qual Webster considera os novos
movimentos sociais informacionais como o novo modelo de comunidade e de
consequente pólo de formação e partilha de identidades colectivas (Webster, 2001: 6).
Perante estes fenómenos, e atendendo ao facto de que uma das competências da
Sociologia é precisamente a de revelar as orientações culturais e os movimentos sociais
em conflito – de que derivam, directa ou indirectamente, as práticas sociais (Touraine,
1984: 71) –, reveste-se de incortornável interesse a análise de alguns dos aspectos mais
relevantes destas novas tecnologias e do papel que desempenham nos movimentos
sociais da actualidade.

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2. OBJECTIVOS

Na sequência do interesse de que se reveste a análise do papel das novas


Tecnologias de Informação e Comunicação nas sociedades contemporâneas importa, em
primeiro lugar, definir claramente os seus objectivos, delimitando o que este documento
não visa.
Assim sendo, não pretende 1) descrever de modo sobre-aprofundado as
características das TICs – ainda que, para efeito da análise do seu papel na sociedade e
concretamente nos movimentos sociais de carácter ambientalista, proceda ao seu
enquadramento teórico, de acordo com o campo científico que esse estudo constitui –
nem 2) descrever de modo demasiado minucioso o seu papel na arena política – apesar
de, também neste particular, introduzir o leitor em algumas das temáticas oriundas desse
campo científico necessárias à observação do objecto em estudo.
Constituirá o objectivo deste documento a observância e continuidade de
algumas das questões propostas por Diani (Diani, 2001: 118), nomeadamente saber em
que medida estão as práticas e as estruturas dos movimentos sociais a ser
transformadas pela utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação, através
do estudo de organizações ambientalistas enquanto movimentos sociais, de um modo
que permita a observação de regularidades no que diz respeito às dinâmicas de
representação e instrumentalização dessas tecnologias.
Três níveis de análise social são possíveis a este respeito: um nível macro-social,
que atende à estrutura política e económica de cada sociedade, bem como aos efeitos
que esta não pode deixar de produzir quer nas infra-estruturas tecnológicas de um país,
quer nas diversas formas de acção individual e colectiva; um nível meso-social, que
observa os recursos humanos, educacionais e tecnológicos – entre outros –, bem como o
modo como estes são operacionalizados e transformam não só as práticas sociais mas
também os frutos dela resultantes; e um nível micro-social, no qual se jogam as
representações individuais, colectivas, e as que dizem respeito às duas dimensões
anteriores.
Uma vez que as oportunidades políticas e recursos instrumentalizáveis não
determinam, por si só, qualquer acção colectiva, sendo necessário que sejam mediadas e
tornadas significantes por uma matriz de significados simbólicos partilhados pelos
indíviduos, segundo os quais uma determinada situação deve e pode ser por eles

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transformada (McAdam, McCarthy e Zald, 1996: 5), cada movimento social resultará,
pois, de uma articulação específica entre estas três dimensões (McAdam, McCarthy e
Zald, 1996: 6) – razão pela qual se deve aceitar o conceito de estrutura de contextos
proposto por Rucht, entre os quais se contam o político, o social, e o cultural
(McCarthy, 1996: 150). Assim sendo, é fundamental para a análise de qualquer
fenómeno colectivo e do papel nele desempenhado pelas TICs uma síntese teórica dos
três níveis sociais nos quais se jogam os movimentos sociais (McAdam, McCarthy e
Zald, 1996: 6).

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3. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

A) AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Segundo Melucci, a maior parte dos acontecimentos nas vidas dos cidadãos das
sociedades modernas tem lugar em contextos decisivamente influenciados pela
Informação (Melucci, 1995.a: 434-436), razão pela qual esta é considerada o elemento
central nos conflitos emergentes nas sociedades hiperdiferenciadas do nosso tempo
(Maheu, 1995: 113).
Numa era em que a Informação trespassa e media a vida de tantos indivíduos,
numa Economia na qual os recursos informáticos e informacionais começam a
constituir-se como as matérias-primas mais importantes (Mansell, 2001), faz sentido
considerar os media – e sobretudo os novos media – como um objecto cuja análise é
extremamente importante uma vez que quer a posse de know-how de utilização e
controlo destes recursos quer as estratégias informacionais adoptadas pelos agentes
sociais contribuem para e constituem em si mesmas uma das mais determinantes formas
de exercício de poder na modernidade, no interior de meio político e fora dele (Castells,
2001; Silverstone, 2002).
Na sequência desta linha de análise, Castells argumenta, no âmbito da emergente
sociedade em rede, que um dos mecanismos básicos de dominação da era moderna
decorre precisamente de descontinuidades verificadas entre um espaço de fluxos, no
qual se jogam processos instantâneos de concentração de informação e poder, e um
espaço de lugares, no qual se traduzem esses processos e onde a maior parte da
experiência, construção e partilha de significados tem lugar (Castells, 1997). É neste
quadro que assume particular interesse a análise do papel social das Tecnologias de
Informação e Comunicação (doravante designadas pelo acrónimo TICs).
Conjunto de tecnologias de mediação de contacto, sem constragimentos de
tempo ou espaço, entre indíviduos e organizações – de que a Internet é referência
incontornável –, as TICs representam uma forma atípica de comunicação, uma vez que
esbatem as distinções entre, por um lado, domínio público e privado, e por outro lado,
contacto directo e contacto mediado (Diani, 2001: 117). É simultaneamente pública –
por se encontrar potencialmente ao alcance de todos – e privada – uma vez que este
acesso depende da posse de capitais educacionais e informacionais de que nem todos

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dispõem. É também simultaneamente directa – dado colocar em contacto directo mais


rápido e fácil indivíduos e organizações, a ponto de transformar a própria natureza desse
contacto – e mediada – uma vez que complementa a interacção face-a-face, a mais
directa de todas as formas de comunicação (Diani, 2001: 120/121).
Para boa parte dos analistas as TICs representam um dos principais catalizadores
da mudança e da transição social que se adivinha, uma vez que lhes é atribuída a
transformação das práticas dos cidadãos (Webster, 2001: 2). Nesta linha de pensamento,
e uma vez que a reciprocidade entre os agentes que utilizam estas tecnologias é maior
que em formas de comunicação anteriores (McCarthy, Smith e Zald, 1996: 295; Diani,
2001: 120), podemos então considerar as TICs como um conjunto de processos que
complementa e aumenta exponencialmente as oportunidades para a socialização,
mobilização, síntese e partilha de conhecimento, e acção política (Atton, 2002: 133).
Neste sentido, Downing afirma que estas constituem potencialmente a primeira
verdadeira esfera pública, no sentido habermasiano do termo (Downing, 2000: 27-30),
na qual a participação política dos cidadãos pode realmente ter lugar, não apenas por
permitir a partilha de mais conhecimento não-censurado (Ford, Gil, 2000: 202/203) mas
também porque compensa a sobre-representatividade de instâncias políticas mais
antigas, como os partidos políticos e os grupos de pressão, em Mass Media como a
rádio e a televisão (Gibbins, Reimer, 1999: 114). Van de Donk e Rucht defendem, aliás,
devermos considerar as TICs como um desafio às formas tradicionais de organização
em geral e às práticas democráticas tradicionais em particular (Van de Donk e Rucht;
2002).
Segundo Diani, há boas razões para acreditar que a utilização, em franca
expansão, destas tecnologias transforma o activismo político, simultaneamente em
termos instrumentais e simbólicos (Diani, 2001: 117). A sua massificação facilita e
fortalece o contacto entre as esferas local e nacional de uma mesma organização, bem
como entre membros de diferentes organizações, encorajando o estabelecimento de
dinâmicas de interacção multipolar, para além de oferecer uma solução para o problema
da distorção dos conteúdos partilhados associada a outros media. Na sua análise das
relações entre a sociedade civil e o Estado no início do século XXI, Castells sublinha
que os movimentos sociais mais influentes necessitam da legitimidade e apoio que lhes
é atribuído localmente, mas têm igualmente de agir a nível global uma vez que o poder
político, difuso como Luhmann o considera, actua em simultâneo a vários níveis
(Castells, 2001: 142/143; Luhmann, 1993).

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Contudo, será tudo isto suficiente para assinalar a emergência de novas formas
de participação política ao invés de meramente tornar mais eficazes as formas já
existentes?
Na opinião de Atton, as análises à utilização, por exemplo, da Internet assumem
duas naturezas distintas, sendo uma delas mágica e a outra trágica. Num registo
optimista, a perspectiva mágica aborda a Internet numa lógica de descontinuidade
social, concebendo-a como promotora de uma sociedade nova. Já para os autores
inscritos na perspectiva trágica essa utilização deve ter em consideração traços de
continuidade social, nomeadamente a distribuição desigual de poder e de acesso à
tecnologia (Atton, 2002: 134/135).
Os efeitos da introdução e utilização das TICs devem, pois, ser ponderados a
partir das desigualdades inscritas no sistema social, importanto, a este respeito,
abandonar o ideal ingénuo de Francis Bacon segundo o qual a tecnologia, por si só,
garante o progresso e a igualdade humanos. A continuidade, segundo Webster, é um
traço distintivo do Capitalismo do final do séc.XX e início do séc.XXI (Webster, 2001:
12). Segundo este autor, as conclusões optimistas e tecnologicamente deterministas de
Castells sub-valorizam o papel decisivo ainda desempenhado pelas estruturas enraizadas
de poder inscritas no paradigma social capitalista (Dordoy e Mellor, 2001: 178), sendo
que a importância das práticas políticas institucionalizadas continua a ser considerável
(Webster, 2001: 10). Para Lyon é altamente questionável que a soma de todas as
mudanças sociais em curso venham a corresponder a uma superação do capitalismo
industrial (Lyon, 1992), até porque, segundo Silverstone, muito do debate sobre a
mudança tecnológica a confunde com a mudança social ou cultural (Silverstone, 2002).
Assim sendo, segundo Mansell, a realidade das sociedades ocidentais, reproduz
desigualdades no acesso a tecnologias e, por consequência, nas suas capacidades de,
através delas, transformarem as suas vidas (Mansell, 2001). Por outro lado, e como
afirma Lyon, as capacidades intelectuais necessárias à exploração da informação e da
tecnologia estão desigualmente distribuídas na sociedade (Lyon, 1992). Segundo Lyon,
dado que os benefícios decorrentes da utilização das TICs podem ser apropriados por
qualquer agente social – independentemente do carácter da influência social que
pretende exercer – a sua introdução contribui frequentemente para o aprofundamento
dos hiatos que separam grupos sociais, agudizando as tendências inscritas no
capitalismo industrial (Lyon, 1992). Alguns estudos apontam no sentido de uma parte
muito significativa das páginas disponíveis na Internet dizerem respeito a organizações

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originárias da América do Norte, Europa Ocidental e do Norte, e Austrália, o que sugere


que apesar de esta em particular – e as TICs em geral – facilitar a expressão e
mobilização política, a sua utilização revela continuidades sociais incontornáveis uma
vez que a maior parte dos seus utilizadores é precisamente o conjunto de actores sociais
já politica e socialmente activos fora do âmbito das novas tecnologias (Norris, 2001:
12).

B) OS MOVIMENTOS SOCIAIS E OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

Os movimentos sociais, um dos fenómenos mais comuns em sociedade (Neveu,


1996: 110) e um bom objecto de análise para o debate clássico entre actor e sistema
(Melucci, 1996: 381), têm aumentado nas últimas décadas não só em número mas
também em diversidade (Rocher, 1977-1979: 119). As formas de acção política têm-se
tornado cada vez mais diversificadas, enquanto que repertórios menos convencionais de
acção colectiva se tornaram cada vez mais populares (Crook, Pakulski, Waters, 1992:
140). Assim sendo, não é surpresa que alguns autores considerem os movimentos
sociais como “janelas para futuros possíveis” (Maheu, 1993: 105) ou como uma
metáfora ilustrativa de um paradigma social contemporâneo ainda por definir
claramente (Melluci, 1995: 433).
Contudo, na opinião de Epstein, os movimentos sociais do pós-guerra não
devem ser analiticamente considerados a partir de uma base classista (Epstein, 1991:
227) uma vez que a esse período corresponde uma tendência para a interligação e
complexificação de estruturas e agendas temáticas (Epstein, 1991: 247) – visão para a
qual contribui uma análise foucaultiana e luhmanniana da dispersão do poder, segundo a
qual já não existe um campo exclusivo de luta política (Epstein, 1991: 247-248).
Para Kutner, os movimentos sociais constituem respostas à incapacidade
demonstrada pelas estruturas de poder em lidar com determinadas questões que os
cidadãos consideram importantes – um processo de crise de representação política que
explorarei mais detalhadamente em próximos capítulos. Assim sendo, as análises da
participação política efectuadas com recurso a perspectivas tradicionais – militância
político-partidária, dinamismo dos sindicatos, e resultados eleitorais – frequentemente
subvalorizam a intensidade das práticas políticas dos cidadãos, relativizando a dimensão
das transformações ocorridas na forma dessa participação e ocultando a
representatividade de novas formas de mediação política (Norris, 2001: 2) dado

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ignorarem o facto de que um dos traços distintivos dos movimentos sociais da nossa era
é precisamente o de influenciarem o processo político apesar de muitas vezes se
encontrarem à sua margem (Epstein, 1991: 230)
Neste processo de alteração do status quo e do equilíbrio de poderes no sistema
político, no funcionamento de uma organização e na expressão interna e externa do seu
projecto social, a recolha e disseminação de informação desempenha um papel central
(Kutner, 2000), razão pela qual a comunicação é uma prática vital e o acesso e
utilização das TICs constitui parte da agenda dos movimentos sociais (Pickerill, 2001:
145). Expressão disto mesmo é o facto de Castells considerar as novas tecnologias de
comunicação como sendo fundamentais para os movimentos sociais por cumprirem,
para alguns deles, o papel de infra-estrutura organizacional (Castells, 1997), e a defesa,
feita por Kutner, de que as TICs e a sua natureza descentralizada e não mediada são um
meio rápido, simples e barato de criar, disponibilizar e aceder informação, razão pela
qual as organizações activistas com recursos limitados são particularmente susceptíveis
de utilizarem a Internet (Kutner, 2000).
Em suma, e recuperando as argumentações de Castells e Touraine, os
movimentos sociais podem ser considerados os agentes por excelência da mudança
social da Era da Informação (Castells, 1997; Touraine, 1984), razão pela qual Webster
considera sociologicamente interessante a utilização contemporânea da Internet que
concretizam (Webster, 2001: 10).

I) OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

Dos novos movimentos sociais surgidos nas décadas de 60 e 70 são os


movimentos ambientalistas aqueles que maior e mais duradoura influência têm exercido
sobre o sistema político (Rootes, 1999: 1; Castells, 1997). Para este cenário contribuem
decisivamente dois factos: por um lado, segundo Dalton, estes movimentos tipificam os
novos movimentos sociais das sociedades industriais avançadas, uma vez que
promovem as questões culturais e descentralização estrutural conotadas com estas
sociedades (Dalton, 1995: 296); por outro lado, e segundo Melucci, a emergência das
questões ambientais constitui uma manifestação de um problema sistémico, revelando
interdependências várias de um modo que torna impossível uma causalidade linear
(Melucci, 1996: 163). Mas de que falamos ao empregar o conceito movimentos
ambientalistas?

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No que deve ser considerada uma definição inclusiva1, os movimentos


ambientalistas são, segundo Rucht, uma rede de grupos e organizações
não-governamentais que visam, através de acção política e social, prevenir ou impedir a
destruição de recursos naturais (Rucht, 1999: 205), definição esta que se adequa à
representação de si veiculada pelos activistas ambientais (Rootes, 1999: 2; Castells,
1997). A malha da rede deste enunciado compreende vários eixos, em torno dos quais a
diversidade é a nota dominante: o da complexidade (organizações simples e informais
ou complexas e formais), o do alcance (local ou global), e o da agenda (questão isolada
ou conjunto de questões), facto que conduz alguns autores a considerar que este campo
científico se encontra grandemente fragmentado (Van de Donk e Rucht; 2002).; daí que
faça mais sentido falar de ambientalismos e não de um único formato de acção colectiva
ambiental.
Nos últimos anos estes movimentos cresceram em número, diversificaram a
agenda que promovem e instituem no sistema político, seguiram processos de
profissionalização e institucionalização – que contemplam a criação de uma estrutura
própria com corpos científicos e meios de comunicação internos e externos – e
internacionalização (Rucht, 1999: 205/206). Apesar de originalmente terem sido
estigmatizadas e conotadas com excêntricos e radicais, as questões ambientais chegaram
ao centro do campo político da maioria das sociedades ocidentais na década de 80,
tendo a atenção que lhe é dedicada vindo a intensificar-se na década seguinte, na qual se
assiste, segundo Dalton, a uma mudança dos valores dos cidadãos (Dalton, 1993: 41).
Contudo, os movimentos ambientalistas conheceram algumas transformações ao longo
dos anos, nomeadamente expandindo as suas bases sociais, as suas agendas políticas e
os seus repertórios de acção (Dalton, 1993: 42).
Sem prejuízo de ser considerada uma das temáticas controversas típidas dos
Estados industriais avançados, a origem do movimento ambiental remonta ao século
XIX, tendo a primeira vaga de acção colectiva ambiental na Europa ocidental ocorrido
entre 1880 e 1910. Após um período de relativa estagnação, uma nova vaga de
ambientalismo surge na década de 70 (Dalton, 1993: 41). No campo dos movimentos
ambientalistas, e no que diz respeito à ideologia que professam, resulta do trabalho de
Rucht e Diani uma tipologia que compreende essencialmente três tipos-ideais
weberianos: 1) um conservacionismo apolítico; 2) um ambientalismo político

1
Terminologia à qual regressarei no capítulo Metodologia.

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pragmático; e 3) um ecologismo radical e quase-fundamentalista (Rucht, 1989; Diani,


1995). Mas observemos com maior detalhe a evolução que assiste esta tipologia.

Uma pequena resenha histórica

O movimento conservacionista desenvolveu-se na Europa da segunda metade do


séc. XIX, motivado, por um lado, pelas consequências da Revolução Industrial –
nomeadamente a poluição e urbanização que lhe estiveram associadas – e por outro lado
pelo desenvolvimento das ciências naturais e multiplicação do número de Sociedades de
História Natural – razão pela qual Bramwell considera que o movimento ambientalista
nasceu de uma revolta da ciência contra si mesma (Castells, 1997). Paralelamente, na
sequência da crise económica do final do século, surgem as primeiras vozes intelectuais
críticas do modelo de desenvolvimento baseado numa crença na racionalidade e
progresso, vaga que o Sul da Europa não conheceu. Contudo, o seu dinamismo viria a
esbater-se no início do séc. XX dado o seu sucesso em práticas de lobbying político e os
eventos conducentes a e decorrentes da Primeira Grande Guerra, nomeadamente a
prioridade conferida à reconstrução e recuperação dos países envolvidos e, anos mais
tarde, a crise económica generalizada de meados do século. Assim sendo, deve
considerar-se todo este período de final do séc. XIX e início do séc. XX como sendo
responsável pelo estabelecimento de uma infra-estrutura organizacional ambiental, que
veio a manter-se em relativa dormência durante as décadas seguintes (Dalton, 1993:
42-48).
Após o final da Segunda Guerra Mundial o movimento conservacionista ganha
novo alento, sobretudo na sequência, por um lado, de uma conferência organizada em
território suiço, em 1946, pela Liga Suiça de Protecção da Natureza – na qual vieram a
ser reatadas as redes internacionais de cooperação pré-existentes – e, por outro lado, da
criação em 1948 da International Union of the Conservation of Nature, um orgão que
reunia os esforços de governos e organizações não-governamentais que veio a facilitar a
partilha de informação e concertação de políticas. Dadas algumas limitações de recursos
e de capacidade de mobilização, este orgão veio mais tarde a ser substituído pelo World
Wildlife Fund, o primeiro grupo ambiental multinacional. Não obstante estes avanços, o
movimento cresceu de forma muito lenta e com recursos ainda limitados, cabendo-lhe o
crédito de ter conseguido amplificar a sua base organizacional (Dalton, 1993: 48/49).

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No final dos anos 60 o movimento conservacionista surge renovado dada a


acção conjunta de redes científicas mantidas pelas organizações conservacionistas, uma
crescente alfabetização ambiental aliada a uma crescente crítica cultural do modelo de
desenvolvimento ocidental, e também o aparecimento e mediatização de novos
problemas ambientais típicos de sociedades industriais avançadas – como o controlo da
energia nuclear ou as chuvas ácidas – os quais ameaçam não apenas a Natureza mas
igualmente a Humanidade (Dalton, 1993: 50/52).
Na confluência de todos estes factores surge igualmente um novo figurino de
protesto ambiental, cuja agenda compreende, para além da conservação na Natureza,
uma crítica ideológica e altamente politizada ao paradigma social das sociedades
industriais avançadas e ao seu sistema político (Dalton, 1993: 53/54). É também durante
este período que começam a instituir-se organizações de cariz ambiental no sul da
Europa. (Dalton, 1993: 56).
No final da década de 70, e na sequência de nova recessão económica, a resposta
política dos partidos e grupos de pressão volta a esbater-se, concentrando estes a sua
atenção na resolução de problemas económicos que consideram prioritários. Contudo,
esta redução de sensibilidade por parte do sistema político não esmoreceu a acção dos
grupos ambientalistas, os quais actuam no sentido de manter a questão na agenda
política – para o que também contribui a mediatização de várias crises ambientais que
entretanto têm lugar – quer por acções indirectas quer pela entrada directa no sistema
através da formação dos seus próprios partidos políticos (Dalton, 1993: 56-58).
Existem, portanto, segundo Dalton, dois formatos de acção ambientalista: por
um lado, a conservacionista, inscrita na ordem social e política e agindo segundo as
regras do sistema político, de acordo com objectivos mais ou menos consensuais; por
outro lado, a ecologista, crítica da ordem social e dos valores nela inscritos, agindo à sua
margem e promovendo uma reestruturação do sistema económico ocidental de forma
mais controversa.(Dalton, 1993: 60/61). Dadas as diferentes bases de apoio social, os
recursos dela resultantes, e capacidade para lobbying no seio do sistema político, cada
um destes formatos de acção colectiva ambiental preconiza e promove diferentes
repertórios de acção (Dalton, 1993: 63).

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OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

A actualidade

Segundo Castells, as questões ambientalistas conquistaram, no último quarto de


século, uma centralidade sem paralelo, traduzida no facto de mais de dois terços dos
europeus se considerarem ambientalistas (Castells, 1997). Ainda segundo o mesmo
autor, as características mais distintivas do movimento ambientalista são a diversidade
de acções, políticas e discursos que compreende, e a sua natureza descentralizada,
multiforme e orientada para o estabelecimento de redes (Castells, 1997).
Castells propõe uma tipologia de movimentos ambientalistas baseada nos
princípios de definição de movimentos sociais de Touraine2 e traduzida no quadro
seguinte:

Tipo Identidade Adversário Objectivo

Preservação da Defensores Desenvolvimento Vida selvagem


Natureza da Natureza não controlado

Defesa do espaço Agentes


geográfico contíguo Comunidade local responsáveis Qualidade de vida
pela poluição

Contracultura Self verde Industrialismo Ecotopia


ecologista e tecnocracia

Salvação do planeta Guerreiros ecológicos Desenvolvimento Sustentabilidade


internacionais global desenfreado

Cidadãos preocupados Aparelho político


Política Verde com a protecção Oposição ao poder
do meio Ambiente

(in Castells, 1997).

Tendo em conta esta diferenciação, a forma de acção ambiental que mais


rapidamente se tem desenvolvido é, para Castells, a mobilização de comunidades locais
em defesa da qualidade de vida na área geográfica na qual residem – conhecida por Not

2
Os princípios de Touraine, segundo Rocher: identidade (em nome de quem ou do que fala o
movimento); oposição (o adversário); totalidade (base ou valores universais que promove; objectivo)
(Rocher, 1977-1979).

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OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

In My Back Yard ou NIMBY – mas que não se confina a um espectro localista de acção
(Castells, 1997).

C) AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO E OS MOVIMENTOS

AMBIENTALISTAS

As questões ambientalistas massificaram-se apenas nos anos 60 e 70, período


antes do qual se constituíam sobretudo como agenda de elites políticas e científicas.
Esta massificação deve, segundo Castells, ser atribuída à relação estabelecida entre os
temas promovidos pelo movimento ambientalista e a emergente sociedade em rede, com
a promoção da Ciência e Tecnologia como meios e fins do projecto social ocidental que
lhe estão associados (Castells, 1997). A centralidade das questões ambientais é
demonstrada por vários indicadores, entre os quais a sensibilidade da opinião pública
para eventos nelas inscritos, a militância em organizações ambientalistas, a constituição
de organismos públicos dedicados a este campo, e o número de tratados e iniciativas
internacionais de regulamentação do sector (Norris, 2001: 8). Rootes observa, a este
respeito, que os jovens apoiam e aderem mais facilmente as estruturas de movimentos
ambientalistas que a partidos políticos (Rootes, 1999: 1). As questões levantadas pelos
ambientalistas parecem, pois, adequar-se aos valores professados pela maioria dos
cidadãos, algo distantes dos promovidos pelas instituições tradicionais de expressão e
representação política (Castells, 1997).
No panorama europeu dos movimentos ambientalistas de carácter nacional
assiste-se desde a década de 80 a um processo de substituição progressiva das
estratégias menos convencionais por práticas de pressão mais consentânea com as
normas de participação no sistema político, nomeadamente a realização de referendos e
petições e o trabalho voluntário, no sentido de garantir o reconhecimento, por parte dos
actores políticos institucionalizados, de uma legitimidade política e técnica que garanta
a entrada directa para esse sistema. Paralelamente, esta profissionalização implica uma
adaptação do repertório de acção destas organizações, substituindo estratégias mais
conflituais por práticas de lobbying político e os discursos de mudança social por outros
de modernização ecológica no seio do sistema económico vigente (motivado sobretudo
pelo relatório Brundtland, de meados da década de 80). Assim sendo, uma das razões
pelas quais as organizações ambientalistas instrumentalizam as TICs é precisamente a
percepção de que lhes é possível exercer influência sobre o sistema político sem

PEDRO PEREIRA NETO ALUNO Nº 12 854 P.16


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necessitarem de mediação ou representação política no seio desse sistema (Castells,


1997).
Verifica-se, pois, uma tendência para a formalização, centralização e
profissionalização das organizações ambientalistas (Diani e Donati, 1999: 17-20) bem
como para a internacionalização da sua agenda (Van der Heijden, 1999: 202),
fenómenos que assinalam, segundo Van der Heijden, a passagem de uma activismo
participativo para um activismo “de livro de cheques” (Van der Heijden, 1999: 201) ou
de um “activismo de gabinete” que substitui o “activismo de tribunal”, e que são
parcialmente responsáveis pela perda de terreno e pela radicalização do activismo de
base social (Van der Heijden, 1999: 202-211).
Contudo, para Diani e Donati, é questionável que as organizações de natureza
nacional sejam os actores principais no ambientalismo da Era da Informação (Diani e
Donati, 1999: 26), uma vez que se observa o desenvolvimento paralelo de redes de
grupos de menor dimensão que rejeitam esta profissionalização e a institucionalização
que lhe está associada (Diani e Donati, 1999: 21) – razão pela qual o movimento
ambientalista é essencialmente caracterizado, para Castells, pela dissonância criativa da
multiplicidade de vozes que o compõem, pela sua especificidade cultural e política, e
pelo seu carácter pró-activo (e não reactivo, como muitos dos movimentos da sua era)
(Castells, 1997).
Na opinião de Castells, uma parte significativa do sucesso do movimento
ambientalista decorre portanto da sua capacidade de adaptação ao novo paradigma
tecnológico (Castells, 1997). Segundo Norris, as formas de utilização da Internet por
parte de organizações ambientalistas variam entre pressões e influência exercidas sobre
os políticos eleitos, titulares de cargos públicos e elites políticas, estabelecimento de
redes de contacto e cooperação com outras organizações com vista à concertação de
acções, recrutamento e a mobilização de membros e simpatizantes, recolha de fundos, e
veiculação da sua mensagem para e através dos media (Norris, 2001: 10). Para Van de
Donk e Rucht, uma análise aos movimentos ambientalistas estabelecidos na Internet
parece confirmar que a Tecnologia facilita a sua actividade (Van de Donk e Rucht;
2002); uma página na Internet pode, por exemplo, conter e veicular informação sobre
temáticas promovidas pela organização, informação relativa à adesão ao movimento,
interacção directa ou indirecta com outros membros, e contactos de organizações
similares (Norris, 2001: 10).

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Dos três tipos-ideias enunciados por Rucht e Diani descritos anteriormente –


conservacionismo apolítico, ambientalismo político pragmático, e ecologismo radical –
verifica-se ser o segundo aquele que tem demonstrado uma maior instrumentalização
das TICs uma vez que opera em termos de uma racionalidade instrumental que visa a
apropriação das vantagens decorrentes de inovações tecnológicas (Van de Donk e
Rucht; 2002). Esta utilização encontra-se igualmente mais disseminada, segundo Van
de Donk e Rucht, entre os movimentos que lidam com questões transnacionais ou
globais, ou cuja actividade incide sobre um espaço geográfico maior as mais
susceptíveis de utilizar as TICs dados, por um lado, a facilidade com que os seus
membros podem ser contactados e, por outro lado, o baixo custo associado à tecnologia
necessária, por comparação a outras (Van de Donk e Rucht; 2002).

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4. PROBLEMÁTICA

ABORDAGENS POSSÍVEIS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Os movimentos sociais variam enormemente em ideologia, objectivos,


dimensão, base social, estrutura organizacional e repertório de acção, diversidade que
não pode deixar de influenciar o modo e extensão de utilização das TICs. A observação
de um mesmo movimento pode, por outro lado, enfatizar uma miríade de diferentes
aspectos e perspectivas (Van de Donk e Rucht; 2002). Se as formas assumidas pela
acção colectiva são diversas, não o são menos as abordagens possíveis desse fenómeno,
desde as inscritas em tendências macro-históricas – como o Marxismo ou o
Pós-Modernismo – passando pelas chamadas Teorias de Médio Alcance – como a
Teoria da Tensão Estrutural, a Teoria dos Recursos Mobilizadores ou a Teoria da
Estrutura de Oportunidade Política – ou pelos postulados teóricos que atendem às
dimensões cognitivas de enquadramento da acção – como a prática de framing.
Segundo Rosenau, o modo como a opinião pública e a classe política lidam com
os desafios colocados pelas questões ambientais é definido e observável a três níveis:
um nível macro-social, no qual são consideradas as estruturas e distribuições
hierárquicas de poder global; um nível meso-social, que compreende as instâncias de
autoridade e as organizações responsáveis, a nível nacional, pela implementação das
normas decorrentes da estrutura de poder; e um nível micro-social, que diz respeito às
predisposições e capacidades dos indivíduos para a acção (Rosenau, 1993: 262).
Quanto ao primeiro nível, Rosenau considera assistir-se a uma bifurcação do
anterior sistema de Estados-Nação que, por um lado, mantém alguns desses Estados e,
por outro lado, cria uma complexa rede de instituições não enquadráveis em e para além
de todos eles – caso de multinacionais e organizações transnacionais, entre as quais as
ambientalistas (Rosenau, 1993: 269/270). Relativamente ao segundo nível, considera
verificar-se uma erosão das instâncias nele inscritas, assistindo-se simultaneamente a
uma passagem da legitimidade política tradicional a uma legitimidade que decorre da
performance política dos representantes e a transferências do poder nacional para
instâncias sub- e supra-nacionais (Rosenau, 1993: 266/267). No terceiro nível, defende
estar em curso uma revolução na natureza das capacidades detidas e desenvolvidas
pelos indivíduos, que decorre da complexificação da vida em sociedade e modo como o

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desenvolviment das TICs é causa e consequência dessa complexificação, transformando


o conhecimento que detêm e a capacidade cada vez mais generalizada que possuem para
discutir a agenda política em geral e a ambiental em particular (Rosenau, 1993:
264/265).
Apesar desta diversidade, parece analiticamente proveitoso ter em conta os
pontos fortes de cada uma destas abordagens, à semelhança do que sugere Garner, uma
vez que os movimentos são compreendidos de forma mais clara quando várias teorias
são consideradas em conjunto (Garner, 1996: 5). Se as estruturas sociais e os
enquadramentos culturais são, como Calhoun defende, inseparáveis (Neveu, 1996: 74),
e se, como defende Maheu, a acção colectiva é inerentemente dialética, reunindo
sistemas e actores (Maheu, 1995: 11), mais pertinente se torna encontrar uma síntese
que sublinhe e ilustre a relação entre estrutura e acção (agency). Faz sentido, portanto,
adaptar igualmente a proposta de Smelser para explicar os movimentos sociais pela
análise dos seguintes factores: constrangimentos estruturais, contexto social e político e
respectiva interpretação simbólica; recursos mobilizados e respectiva interpretação
simbólica (Garner, 1996: 62/63).

Quadro-síntese das abordagens possíveis, segundo Van de Donk e Rucht:

Abordagem Dimensões Principais

- Condições estruturais e grupos de referência


Teoria da Oportunidade Política no contexto do movimento, interacção
definida por factores estruturais
- Estrutura organizacional e suas ligações /
Teoria dos recursos mobilizadores mobilização de apoiantes e outros recursos
- Profissionalização / Institucionalização
Teoria das Matrizes de enquadramento - Valores, identidades colectivas, sínteses de
cultural (Ideologia e Identidade) matrizes e de percepções
(in Van de Donk e Rucht, 2002; minha tradução e adaptação).

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A) MACRO-ANÁLISE: ESTRUTURA E CONJUNTURA DE OPORTUNIDADE POLÍTICA

E ECONÓMICA

Segundo Marx, os indivíduos escrevem a sua história sob circunstâncias não


escolhidas por si mas herdadas do passado (Marx, 1963: 15). Se, ao contrário do que é
defendido pela corrente plurarista, os movimentos sociais forem concebidos como
actores que desenvolvem esforços racionais de transformação do seu meio, as condições
políticas em que essa acção se desenvolve tornam-se centrais em qualquer análise
(Giugni, 1999: 28).
Nesta perspectiva, de forma a compreender não apenas a emergência dos
movimentos sociais mas também as suas características, não devemos considerar a
acção colectiva fora da estrutura social na qual se desenrola mas sim inserida num
determinado contexto histórico, como o das transformações em curso nos campos
económico, social e cultural, nomeadamente a decomposição de estruturas sociais de
base classista e a crise na representação política tradicional dos cidadãos (Crook,
Pakulski, Waters, 1992: 141/142).
A relativa estabilidade económica e militar das nações ocidentais permitiu-lhes o
desenvolvimento de várias instituições, as quais têm (até certo ponto) sido capazes de
fazer face às necessidades básicas dos seus cidadãos. Veen e Inglehart estabelecem
mesmo uma relação causal entre este contexto e a mudança que observamos nos valores
defendidos nas sociedades desenvolvidas, mais relacionada com consumo e expressão
cultural que propriamente com a esfera da produção (Crook, Pakulski, Waters, 1992:
145/146; Neveu, 1996: 69).
Sabemos já desde a obra de Tocqueville que o Estado e a sua configuração
podem constituir um factor explicativo da acção colectiva, opinião partilhada por
Garner (Garner, 1996: 28). No entanto, o contexto político a analisar não é apenas
nacional, mas também comunitário, ocidental e internacional (McAdam, 1996: 34),
razão pela qual importa que abordemos inicialmente o conjunto de dinâmicas cujos
efeitos assumem provavelmente o maior destaque, em termos de análise macro-social: o
das globalizações.

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As globalizações

Uma das pedras-de-toque das ciências sociais nos últimos anos, o facto social
que constituem as globalizações3 podem ser sucintamente definidas como sendo
processos de intensificação maciça das relações sociais, políticas e económicas à escala
mundial, facilitando e encorajando a concertação de políticas a um nível que transcende
o de cada sociedade (McGrew, 2000: 138) e unindo o destino de regiões por mais
geograficamente separadas que se encontrem (McGrew, 2000: 145).
É, pois, porque a própria modernidade se afigura como inerentemente
globalizante (Giddens, 1992: 44) que o fenómeno das globalizações tem sido alvo de
diversas abordagens, as quais operacionalizam os mais diversos capitais
cientifico-culturais de acordo com orientações teóricas em génese ou já inscritas no
equipamento teórico de cada ramo científico, quer fazendo a sua defesa e/ou
constatando a sua irreversibilidade, quer questionando a sua natureza e os seus efeitos.
Para compreender quais os efeitos deste fenómeno sobre o exercício do poder
político e a forma como se (re)define o xadrez político nacional e internacional neste
contexto são frequentemente referidas três teorias: uma de carácter político mais
tradicionalista4; uma outra que adopta uma perspectiva politico-económica global; e
ainda uma outra, de natureza mais social e transformacional. Detenhamo-nos sobre as
duas últimas.
Para os teóricos defensores de uma abordagem de natureza globalista e
económica do exercício do poder, a prossecução do ideal de mercado livre por parte de
muitos dos Estados capitalistas liberais e a desregulamentação voluntária a que ele
conduziu criaram um vazio normativo premeditado que abriu oportunidades não só à
implantação de um regime capitalista de espectro transnacional mas também à
propagação dos efeitos do poder que os principais agentes desse regime exercem –
poder este que, cada vez mais, escapa ao controlo dos Estados-nação5.
Um dos autores que mais observa este fenómeno é Immanuel Wallerstein, para
quem é a divisão internacional do trabalho que determina a natureza do Estado. Os

3
Várias em curso, e de sentido muitas vezes não coincidente.
4
Cujo contributo, por me parecer menos pertinente, deixarei de parte.
5
Veja-se o exemplo das empresas públicas e privadas portuguesas que transferiram as suas sedes para
países no espaço europeu onde a ausência de harmonização fiscal lhes permite beneficiar de um regime
contributivo mais favorável.

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Estados são concebidos por este autor como sendo função do sistema-mundo e não
apenas suas partes, não podendo ser compreendidos fora dele. Para Wallerstein foi o
surgimento do capitalismo que introduziu a possibilidade real de instituição de uma
ordem global; daí que num contexto de ordem económica capitalista globalizada e
globalizadora os autores inscritos nesta corrente considerem que os governos nacionais
possuem cada vez menos poder, sendo que mesmo os Estados mais poderosos se
descobrem constrangidos a prosseguir e defender os imperativos do mercado global e
pelas orientações hegemónicas do grande capital industrial e empresarial.
No que pode ser considerado simultaneamente um esforço de síntese e de
contraposição de algumas das conclusões de autores da corrente anterior, os autores
inscritos na corrente transformacionalista atentam na acção social e política dos
indivíduos, cuja importância é sublinhada por Bobbio quando afirma não existir decisão
política que não seja influenciada pelo que acontece na sociedade civil (Bobbio, 1988:
73). Um ponto em que a posição destas duas correntes é próxima é aquele que diz
respeito ao exercício do poder segundo a lógica vestefaliana de território: para ambas as
correntes, o poder não é mais exercido numa escala nacional mas possui actualmente
uma dimensão transnacional ou mesmo global (McGrew, 2000: 135). Avançando uma
definição de território como sendo um “espaço de fluxos”, estes autores reconhecem
igualmente, à semelhança dos inscritos na corrente anterior, estarem em curso processos
de ultrapassagem do poder do Estado por outras instâncias que o transcendem, que lhes
são constitutivas ou que simplesmente o contornam.
Para melhor compreender os níveis nos quais o poder é exercido foram
propostas zonas de influência: uma zona supra-estatal, a qual, através de uma
articulação política inter-estatal, contribui para a fragmentação não só da governação
global como da governação nacional; uma zona sub-estatal, traduzida no aumento
progressivo da acção governativa regional e local junto de instâncias internacionais,
ultrapassando em muitos casos a iniciativa nacional; e uma zona transnacional, cuja
tradução mais visível é a organização cada vez maior de uma sociedade civil
inter-Estados. Esta última, elemento central da argumentação transformacionalista, é
permitida pela revolução nas comunicações e impulsionada pela necessidade de
constituição de um canal de informação bi-unívoco entre os cidadãos e as instâncias
internacionais que directa ou indirectamente determinam os seus destinos – necessidade
que havia já sido identificada por Bell quando afirmava que o Estado-nação se tornou

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pequeno para os grandes problemas e grande para os pequenos problemas (Giddens,


1992). A própria cidadania já não se define exclusivamente pela nacionalidade.
Em síntese, a argumentação transformacionalista rejeita o determinismo
estrutural das duas correntes anteriores contrapondo-lhes a importância da acção dos
indivíduos, seja ela politico-social ou tecnicamente informada, no que representa para
McGrew uma governação a partir de baixo (McGrew, 2000: 154). Por outro lado, a
governação global é concebida por estes autores como desprovida de um centro, antes
dependendo de uma multiplicidade de instâncias, e assumindo por essa razão um
carácter poliárquico (segundo McGrew), policrático (segundo Duverger) e mesmo
difuso (segundo Luhmann).
Segundo Duverger, as democracias ocidentais devem ser consideradas como
pluto-democracias nas quais o poder real assenta em simultâneo nos eleitores e no
dinheiro (Duverger, 1985). Ainda segundo o mesmo autor, o poder político em regimes
liberais é fraco, abrindo oportunidades quer à acção dos cidadãos, quer à acção dos
poderes económicos, internamente autocráticos até que a democratização da sociedade
neles tenha lugar (Bobbio, 1988). Mas se a autocracia do poder económico das
empresas é manifestamente não-representativa dos interesses individuais, também a
emergência da chamada sociedade civil transnacional pode ser considerada como tal,
uma vez que lhe é materialmente impossível exercer a defesa dos interesses da
totalidade dos povos; assim sendo, não surpreende que McGrew considere a
globalização como um fenómeno democraticamente deficitário (McGrew, 2000).

A crise de representação política

A estabilidade alcançada através do desenvolvimento e expansão dos mercados


tem, portanto, uma outra face: a acção do Estado é frequentemente limitada, o que
muitas vezes tem conduzido ao recrudescimento da acção da sociedade civil como
forma de compensar a perda do poder regulador estatal (Garner, 1996: 378). Contudo, o
Estado não é o único actor social que parece incapaz de fazer face às crescentes
solicitações de representação de natureza qualitativa; também as organizações políticas
institucionalizadas parecem tornar-se cada vez menos representativas, a julgar não
apenas pela emergência de movimentos sociais mas também pelo decréscimo da
militância partidária e pelas percentagens cada vez maiores de abstencionismo. É por
estas razões que, segundo Maheu, os movimentos sociais são sintomas de uma crise no

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sistema político, através dos quais se pretende sobretudo expressar aspirações


colectivas, reformulando as formas de participação social e sendo simultaneamente
causa e efeito do alargamento e desenvolvimento da cidadania (Barbalet, 1989:
149/150), permitindo aferir da ineficácia das formas tradicionais de representação
política (Maheu, 1993: 120) – uma perspectiva partilhada por Rucht (centrando-se nos
défices de mediação de interesse entre, por um lado, partidos e grupos de pressão, e por
outro lado, cidadãos) (Maheu, 1995: 14) e Wieviorka (1995: 213). Touraine e Giddens,
por seu turno, sublinham o acentuar da distância entre centros institucionais de decisão e
alguns (se não a maior parte dos) cidadãos (Touraine, 1981: 119) bem como a distância
entre direitos civis formais e reais (Maheu, 1993: 108).
Este fenómeno de perda de representatividade deve ser analisado a partir de uma
outra perspectiva. A interpretação de base classista da constituição dos movimentos
sociais tem, já desde os anos 70, vindo a ser abandonada, uma vez que deixou de ser
factor explicativo quer da sua composição social, quer dos interesses e valores
promovidos (Pakulski, 1995: 56). Para Turner, por exemplo, «(...) grande parte da luta
por uma maior participação na sociedade envolve movimentos sociais mais do que
classes sociais, [pelo] que esses movimentos não podem ser reduzidos à sua
composição de classe» (Barbalet, 1989: 158).
Dadas estas perspectivas, devemos neste ponto reter, segundo Pakulski, que a
formação de práticas políticas orientadas segundo lógicas de estilo de vida e identidade
está causalmente ligada ao desenvolvimento histórico de sistemas políticos
democráticos liberais (Pakulski, 1995: 70) e das suas estruturas e oportunidades,
factores que, ainda que não expliquem movimentos sociais por si só, desempenham,
para Tarrow, o papel mais importante (Tarrow, 1998: 199/200), sendo para Garner
determinantes para a definição da estratégia de um movimento social (Garner, 1996: 28;
Giugni, 1999: 18-27).

Uma sistematização

Segundo Diani e Eyerman, a análise macro-social da oportunidade política para


a acção colectiva compreende quatro dimensões-chave: o grau de abertura do sistema
político, a presença de aliados ou grupos de apoio no interior desse sistema, a existência
de divisões no seio das elites e respectiva tolerância a protestos, e a própria margem
política de manobra do Governo (Diani e Eyerman, 1992: 6). Sistematização muito

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OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

semelhante é defendida por Tarrow, para quem são igualmente quatro as dimensões a
analisar: o grau de abertura ou acesso ao sistema político; grau de estabilidade de
alinhamentos políticos; disponibilidade e estratégias de potenciais aliados; e conflitos
políticos entre elites (Kriesi, 1995: 167; McAdam, 1996: 26/27).
Considerando que a oportunidade política é o contexto que determina o grau de
acesso ao poder e de manipulação do sistema político (McAdam, 1996: 23), e que este
acesso é função do centralismo e concentração de poderes (executivo, legislativo e
judicial) do regime político (Kriesi, 1995: 171), verifica-se que o sistema político de
representação proporcional proporciona maior acesso e maior número de potenciais
aliados para um movimento social (Kriesi, 1995: 180). McCarthy, Smith e Zald
observam, por seu turno, que os actos eleitorais constituem janelas de oportunidade para
o debate de certas questões e para a mobilização de determinadas elites (McCarthy,
Smith e Zald, 1996: 299), ainda que possam igualmente fechar a agenda política em
torno de um número reduzido de questões.
O grau de acesso ao sistema político é absolutamente central para a análise do
movimento ambientalista. Por um lado, quanto mais os eixos de conflito social herdados
da sociedade industrial estiverem inscritos e institucionalizados na ordem política
vigente, maior será o espaço político disponível para a introdução das questões
ambientais. Por outro lado, o acesso – formal e informal – será maior quanto menos
centralizado se encontrar o próprio aparelho de Estado (Van der Heijden, 1999: 213).
Por outro lado, e uma vez que do contexto político também fazem parte a
implementação de políticas e respectiva reacção suscitada na sociedade (Tarrow, 1996:
42) importa romper com a frequência minimização do papel dos governos, sobretudo
porque a sua acção produz efeitos significativos ao nível da informacionalização da
sociedade (Lyon, 1992: 11). Neste sentido, devemos atender à forma como o
investimento em novas tecnologias e a forma como a Sociedade da Informação se
inserem (ou não) na agenda política do Governo.
Portugal, uma nação recém-chegada ao mundo dos estados democráticos e
membro, apenas desde 1986, da União Europeia, concretizou em dezasseis anos uma
difícil transição para uma Economia de Informação (Cardoso, 1999), tendo-se
aproximado apenas recentemente, em algumas das suas regiões, dos níveis médios de
vida da União Europeia. Devemos, portanto, e segundo a linha de pensamento de Veen
e Inglehart, ter em atenção que somente nos últimos anos se terão tornado uma

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OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

preocupação nacional algumas das metas sociais já presentes na acção colectiva de


outras sociedades modernas.

I) OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS EM PORTUGAL

Segundo Soromenho-Marques, apesar de existirem algumas recomendações


políticas de âmbito ambiental no primeiro quartel do século XX (Soromenho-Marques,
2002: 104), não existiu em Portugal qualquer organização ambientalista até ao final da
2ª Guerra Mundial. A primeira organização deste género, a Liga para a Protecção da
Natureza, surge apenas em 1948, sendo a sua actividade direccionada para a
conservação e protecção do meio Ambiente (Soromenho-Marques, 2002: 92).
Para este facto contribuíram sobretudo dois factores: por um lado, o contexto
político português de quarenta e oito anos de ditadura, bem como o efeito nefasto a ela
associado ao nível da organização ambiental da sociedade civil (Soromenho-Marques,
2002: 93); por outro lado, admitindo que o recrudescimento do ambientalismo enquanto
causa se encontra associado à industrialização, importa ter em conta que Portugal
apenas se industrializou a partir de 1950 (Soromenho-Marques, 2002: 106).
Após a revolução de 1974 são observáveis algumas movimentações no campo
do activismo ambiental, ainda que boa parte destas tenha enfatizado essencialmente uma
postura crítica não-construtiva (Soromenho-Marques, 2002: 95). No entanto, o
verdadeiro ponto de viragem no ambientalismo em Portugal ocorre, para este autor,
entre 1984 e 1985, período no qual ocorrem, nas Caldas da Rainha e em Tróia,
encontros de organizações ambientalistas não-governamentais portuguesas de todos os
espectros, quer a nível ideológico quer a nível organizacional (Soromenho-Marques,
2002: 94).
Segundo Kousis, a preocupação com questões ambientais tornou-se mais
frequente entre cidadãos do sul da Europa durante a última década (Kousis, 1999: 178).
Nos países recém-industrializados e democratizados desta região assiste-se a uma
institucionalização dos movimentos ambientalistas que, dada a sua localização, decorre
em condições muito diferentes das encontradas pelos seus homólogos nos países do
norte (Rootes, 1999: 4). Não obstante este facto, verifica-se, a partir de uma avaliação
do desempenho político ambiental de diversos países em todo o mundo conduzida pela
OCDE para o período 1985-1995, que Portugal surge apenas em 17º lugar, 2ª melhor
classificação entre os países mediterrânicos (Rucht, 1999: 210). Portugal é, de acordo

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OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

com dados recolhidos por Rucht, um país no qual são reduzidos todos os indicadores
considerados, nomeadamente a ambição das medidas políticas adoptadas, a influência
exercida pelos partidos ecologistas existentes, a efectiva pressão exercida por
movimentos ambientalistas, a consciencialização individual, e os efeitos benéficos
objectivos na qualidade do Ambiente (Rucht, 1999: 220). Importa, contudo, enquadrar
estes dados.
A fraqueza e reduzidos recursos dos movimentos ambientalistas de âmbito
nacional no sul da Europa deve ser atribuída à acção conjunta de vários factores,
nomeadamente estruturais – uma industrialização tardia que torna prioritário o
desenvolvimento económico (à semelhança do ocorrido com o movimento
conservacionista em meados do século, no centro e norte da Europa) – e culturais – a
forma como níveis superiores de consciencialização ambiental não se traduzem em
níveis de participação ou activismo (Kousis, 1999: 180). Convém então considerar que
a performance económica de um país desempenha um importante papel no activismo
social e ambiental, nomeadamente pelo facto de em países onde a prosperidade seja
maior serem igualmente mais frequentes valores pós-materialistas como o da defesa do
Ambiente, e de essa prosperidade poder traduzir uma disponibilidade maior de recursos
e apoios para investimento na reconversão económica que atenda à protecção do
Ambiente (Rucht, 1999: 222; Kousis, 1999: 192).
Existiam em Portugal na segunda metade da década de 90 cerca de 140
organizações ambientalistas (Kousis, 1999: 179). Kousis observa no período 1974-1994
um padrão de crescimento da acção de organizações ambientalistas portuguesas, com
particular ênfase nos meses que sucedem actos eleitorais, um fenómeno que se acentua
sobremaneira a partir de 1986 – período de relativa estabilidade política em Portugal
que sucede à instabilidade política vivida até meados dessa década e aos efeitos sobre a
economia que ela produziu (Kousis, 1999: 181-183). A partir da sua análise, Kousis
conclui que o movimento ambientalista nacional compreende organizações nacionais e,
sobretudo, grupos de carácter local (Kousis, 1999: 179).
Não devemos, portanto, tomar os seus reduzidos números de associativismo
ambientalista por um baixo nível de mobilização: segundo Kousis, é ao nível local que
estas questões mais tomam forma, âmbito em que o número, duração e diversidade de
agendas e estratégias empregues é assinalável (Rootes, 1999: 4). Por outro lado, se este
dinamismo não se traduz em ligações mais frequentes, visíveis e profícuas com
organizações de âmbito nacional, isso dever-se-á, de acordo com Kousis, quer aos

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parcos recursos de que as últimas dispõem, quer da deficiente partilha de uma


identidade ambiental comum nacional – razão pela qual muitas vezes o exemplo a
seguir é procurado fora do país (Rootes, 1999: 5).
Ainda que que se verifique existir uma cultura associativista ambiental fraca nos
países do sul da Europa, observa-se uma forte cultura comunitária. Assim sendo, não
devemos conotar o activismo ambiental exclusivamente com organizações de âmbito
nacional, ignorando o dinamismo existente a nível local (Kousis, 1999: 191/192).
Segundo Rootes, as TICs parecem adequar-se bem ao carácter local da acção de grupos
ambientalistas em países do sul da Europa, entre os quais Portugal, dado o número de
iniciativas encontradas e respectiva duração – algo que pode dever-se à tradicional
ausência de organizações ambientalistas nacionais de forte implantação, recursos e
influência (Rootes, 1999: 6).
No âmbito do seu trabalho sobre o activismo suscitado pela localização da nova
ponte sobre o rio Tejo, Vasconcelos observou a dificuldade de estabelecimento de
formas de cooperação entre orgãos políticos com processos de decisão administrativa
marcadamente centralizados e hierarquizados (Soromenho-Marques, 2002: 106) e o
funcionamento adhocrático dos grupos de interesse, entre os quais se contavam algumas
organizações ambientalistas (Vasconcelos, 2002: 132). Para esta autora, todo o debate
sobre a localização da nova ponte sobre o rio Tejo assinalou um novo ponto de viragem
na acção colectiva ambiental: intensificaram-se as redes de cooperação
inter-organizacional, e desenvolveram-se estratégias que incluiam o contacto directo
com as instituições da União Europeia (Vasconcelos, 2002: 136). Soromenho-Marques
observa igualmente que as organizações ambientalistas em Portugal têm vindo a
intensificar formas de cooperação que, em seu entender, assumem contornos de
federalismo temático de carácter pragmático, de que é exemplo a cooperação, em 1993,
entre a Quercus e a Deco no âmbito da qualidade da água para consumo (Soromenho-
Marques, 2002: 124). Na sequência deste processo, Vasconcelos afirma ainda ter
aumentado a credibilidade destas organizações, quer junto da opinião pública, quer
junto do Governo (Vasconcelos, 2002: 136).
Não obstante este facto, o contexto político e social português traduz, segundo
Soromenho-Marques, um desequilíbrio entre a influência política e a base social de
apoio das organizações ambientalistas – até porque o ambientalismo em Portugal é, em
sua opinião, um fenómeno essencialmente urbano (Soromenho-Marques, 2002: 126) –,

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cenário para que contribui uma taxa irrisória de associativismo ambiental


(Soromenho-Marques, 2002: 98).
Segundo Vasconcelos, o propósito e a dinâmica destas organizações tem de
adaptar-se à sociedade em constante mutação na qual se encontra inserida (Vasconcelos,
2002: 135), razão pela observou que a tecnologia, e sobretudo as TICs, contribuíram
decisivamente para a intensificação da comunicação entre as ONGs em Portugal, bem
como para a rapidez com que acediam e partilhavam informação (Vasconcelos, 2002:
139), constituindo mesmo as organizações ambientalistas uma das fontes de informação
mais frequente para algumas das outras ONGs (Vasconcelos, 2002: 142). Para esta
autora, as ONGs ambientalistas portuguesas apresentam igualmente sinais de
transformação dos seus repertórios de acção, passando de estratégias de confronto a
práticas de lobbying e negociação (Vasconcelos, 2002: 139).

B) MESO-ANÁLISE: OS RECURSOS MOBILIZÁVEIS E MOBILIZADORES

Uma vez que, como já referi, a acção colectiva é uma resposta racional a
desigualdades, importa enfatizar as suas dinâmicas de mobilização e modus operandi
(Epstein, 1991: 231). Isto mesmo constitui o campo de análise primordial dos autores
inscritos na chamada teoria dos recursos mobilizadores, a qual sugere que a ascenção e
queda da actividade de um movimento não deve ser atribuída a privação objectiva ou
relativa (como defende o Marxismo), a tensões estruturais (como defende Parsons) ou
ao carisma dos seus líderes (como defende Weber) mas à capacidade da sua estrutura
em reunir e instrumentalizar recursos. Assim sendo, de acordo com a formulação de
McAdam, McCarthy e Zald, deve entender-se por estruturas e recursos de mobilização o
conjunto de veículos formais e informais através dos quais os indíviduos são
mobilizados para a acção colectiva (McAdam, McCarthy e Zald, 1996: 3).
Qualquer acção racional e orientada requer, por princípio, alguma organização.
De acordo com Diani e Donati, o formato da maior parte das organizações de
representação política é determinado por opções que se jogam em dois planos: o dos
recursos mobilizados, e o do tipo de estratégia política de acção empregue. No que diz
respeito à mobilização de recursos a escolha coloca-se entre a constituição da base
social de apoio mais alargada e flexível possível ou, pelo contrário, de uma base de
apoio mais reduzida e dedicada, necessária a uma estrutura organizacional permanente e
profissional. Quanto às estratégias políticas, podem assumir dois contornos distintos;

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por um lado o da acção disruptiva, à margem do sistema político, ou, pelo contrário, a
acção desenvolvida no seio deste, de acordo com as suas normas e convenções (Diani e
Donati, 1999: 15/16).
Opinião semelhante é defendida por McCarthy, para quem os recursos
mobilizadores reúnem essencialmente três vectores: figurinos organizacionais,
repertórios e estratégias de acção, e redes informais e instituições sociais de socialização
– família, comunidade, entre outros –. Uma sistematização desta perspectiva
encontra-se sintetizada no quadro seguinte:

Instituições Instituições
Exógenas ao Movimento Endógenas ao Movimento

• Redes de parentesco, • Redes de activistas e


Informais amizade e vizinhança grupos de afinidade
• Contexto laboral

• Igrejas • Estruturas de outros


Formais • Sindicatos movimentos sociais
• Associações • Comissões de protesto
Profissionais

(McCarthy, 1996: 141-145).

A mobilização deve, segundo Melucci, ser entendida como um processo de


transferência de recursos para a prossecução de um novo objectivo (Melucci, 1996:
292). Importa nesse sentido observar e aferir das diferenças de comportamento entre
movimentos que operam a partir de redes de contacto directo pré-estabelecidas e
movimentos cujos apoiantes se encontrem distantes e isolados entre si (Van de Donk e
Rucht; 2002) até porque, para Gamson, um dos autores inscritos na teoria dos recursos
mobilizadores, uma mobilização bem sucedida assenta precisamente no apelo a redes
pré-existentes de contactos, e não no apelo aos indivíduos isoladamente considerados
(Epstein, 1991: 231).
Todos os movimentos necessitam de uma estrutura organizacional, facto que a
coloca no centro da análise. Contudo, frequentemente essa estrutura assume a forma de
rede, ou de rede de redes. É porque um movimento social não pode existir sem
estabelecer interacções interna e externamente que a comunicação assume um papel
central (Van de Donk e Rucht; 2002).

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Contudo, ainda que as TICs devam ser consideradas como um recurso


fundamental, os autores nela inscritos têm, regra geral, subvalorizado o papel dos
media, considerando-as como uma mera ferramenta neutra e ignorando as
consequências que a sua utilização acarreta para a estrutura interna de um movimento
(Van de Donk e Rucht; 2002) quando, na opinião de McCarthy, são sobretudo as
inovações (tecnológicas) as responsáveis em grande medida pela transformação dos
figurinos organizacionais de mobilização (McCarthy, 1996: 148). Para além de facilitar
a comunicação e a mobilização, a utilização, por exemplo, da Internet pode estar a ter
impacto na estrutura interna dos movimentos sociais, na relação que estabelecem com
grupos de referência, e nos seus repertórios de acção.
A questão dos recursos joga-se, portanto, a dois níveis: por um lado, no
momento da emergência do movimento, a sua disponibilização desempenha papel cuja
importância deve ser tida em consideração; por outro lado, para que o movimento se
mantenha, não basta a simples disponibilidade de recursos materiais mas igualmente de
recursos humanos e organizacionais (McAdam, McCarthy e Zald, 1996: 13).
A escolha de recursos mobilizadores não só tem de se adequar aos objectivos do
movimento como tem também de ser promovida e adaptada com sucesso aos seus
utilizadores e respectivos valores, no seio da sua estrutura (McCarthy, 1996: 149).

I) AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM PORTUGAL

O computador

Segundo dados recolhidos junto da ANACOM – Autoridade Nacional para as


Comunicações (ANACOM, 2002) – verifica-se que a frequência de utilização de um
computador é inversamente proporcional à idade dos portugueses: mais de oitenta por
cento dos jovens com idade inferior a 18 anos utilizam ou já utilizaram um computador
– ascendendo a sessenta por cento o volume daqueles que o fazem frequentemente –
enquanto que a percentagem daqueles com idade superior a 50 anos que praticam ou já
praticaram essa utilização totaliza cerca de dez por cento.

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Ainda segundo a mesma entidade, entre os inquiridos com utilização


reconhecida de um computador, esta tem lugar sobretudo no interior de espaços
associados ao desempenho de uma actividade profissional ou académica.

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A Internet

De acordo com os dados da ANACOM, estima-se que cerca de dezasseis por


cento da população portuguesa não saiba o que a Internet é ou para que serve. Do
remanescente, cerca de vinte e um por cento já se serviu dela, sendo que apenas quinze
por cento dos inquiridos a utilizam regularmente.

Segundo a Marktest (2002), e no que diz respeito aos utilizadores da Internet,


constata-se serem os portugueses com idade até 35 anos os que mais utilizam este
medium, totalizando cerca de setenta e seis por cento dos utilizadores em 1997 e

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aproximadamente setenta e quatro por cento em 2002 – valor tanto mais significativo
quando este escalão etário representa apenas trinta e oito por cento de toda a população.

Ainda segundo a Marktest, e no que diz respeito à classe social dos utilizadores
da Internet em Portugal, estima-se serem os cidadãos das classes mais elevadas os
utilizadores mais frequentes, encontrando-se sobre-representados neste particular face à
sua representação na sociedade portuguesa. Paralelamente, esta utilização da Internet
parece indiciar sinais de info-exclusão, dada a sub-representação das classes mais baixas
neste domínio, totalizando sete por cento dos inquiridos utilizadores da Internet quando
na realidade constituem cerca de vinte e sete por cento da população do país.

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Este indício de info-exclusão é igualmente ilustrado pelos dados da ANACOM,


segundo os quais se verifica a existência de um contacto com a Internet apenas para os
inquiridos com formação ao nível do 9º ano ou superior, sendo a sua utilização
frequente para quase metade dos inquiridos com formação superior.

Este indício de info-exclusão tem continuidade no que diz respeito ao perfil


profissional dos utilizadores da Internet uma vez que se verifica, segundo os dados da
Marktest, serem os estudantes os que mais praticam esta utilização – quarenta e quatro
por cento do total de inquiridos em 1997, e trinta e seis por cento em 2002 –,
encontrando-se largamente sobre-representados nesta população específica face a sua
representação na população portuguesa. Situação semelhante conhece a
representatividade dos quadros médios ou superiores que, constituindo vinte e seis por
cento dos inquiridos em 1997 e vinte e dois por cento em 2002, se encontram
igualmente sobre-representados. Cenário inverso se verifica para os trabalhadores
não-qualificados e para as domésticas.

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Também relativamente ao nível de rendimento dos inquiridos fica patente uma


clara distinção entre a info-alfabetização dos que auferem rendimentos mais elevados e
os que auferem menores rendimentos, segundo dados da ANACOM.

Relativamente à distribuição dos utilizadores da Internet pelas regiões do país,


duas notas merecem destaque, segundo os dados da Marktest: por um lado, um
fenómeno de concentração de uma parte significativa dos utilizadores na área da Grande
Lisboa – constituindo um terço do universo de inquiridos em 1997 e um quarto dos
mesmos em 2002 –, com valores acima da representatividade populacional do país; por

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outro lado, e em sentido oposto, os efeitos da interioridade que a nível desta utilização
são visíveis, sobretudo para o interior Norte.

De acordo com a ANACOM, e à semelhança do verificado para a utilização do


computador, o acesso à Internet parece ser mais frequente no âmbito das actividades
profissional ou académica dos inquiridos, sendo ainda de destacar a frequência que esta
utilização conhece quando efectuada a partir de casa.

Segundo a Marktest, o acesso a partir de casa tornou-se mesmo, desde 1999, o


modo mais frequente – aproximadamente sessenta e oito por cento dos casos, a que não
será alheio o facto de terem por esta altura surgido as primeiras empresas dedicadas ao

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fornecimento de acesso gratuito. Este é, aliás, considerado o ano do início da


massificação da utilização da Internet em Portugal (Ciberfaces, 2000).

Esta massificação do acesso a partir de casa tem igualmente tradução entre os


inquiridos cuja utilização da Internet é muito frequente.

Segundo a Marktest, estima-se que aproximadamente cinquenta e oito por cento


dos lares portugueses com computador possuam acesso à Internet, com tendência para o
aumento desta incidência.

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No que diz respeito à finalidade deste acesso, e segundo dados da ANACOM,


ela prende-se sobretudo com o processamento de correio electrónico e com utilizações
associadas a actividades profissionais ou académicas.

Este ênfase colocado na utilização da Internet com finalidades associadas a


actividades profissionais e académicas é igualmente ilustrado pelos dados produzidos
no âmbito de um inquérito online conduzido pelo projecto CIBERFACES
(CIBERFACES, 2000), no ISCTE, sobre o domínio português da Internet (.pt),
realizado em 98 e 99, precisamente os anos de grande expansão da sua utilização em
Portugal.

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A utilização do correio electrónico é também, segundo este estudo, a forma de


operacionalização da Internet mais frequente.

Por último, e segundo este estudo, o internauta português é mais frequentemente


do sexo masculino, com idade entre 20 e 30 anos, e utiliza a Internet diariamente por um
período de uma a duas horas. Entre os mais jovens é a dimensão da convivialidade a
mais enfatizada, optando os adultos por privilegiar a dimensão do conhecimento. Por
outro lado, verifica-se que a interdependência entre os espaços de fluxos e de lugares se
concretiza, dado 60% dos inquiridos afirmarem consubstanciar neste último as relações
sociais estabelecidas no primeiro.

C) MICRO-ANÁLISE: AS MATRIZES COGNITIVAS DE ENQUADRAMENTO DA

ACÇÃO

Segundo Giugni, a acção colectiva nunca se reduz à sua dimensão política. Para
este autor não só a dimensão cultural desta forma de acção é decisiva para o seu próprio
sucesso mas também os efeitos que a mesma acção produz se jogam a nível cultural e
simbólico, para além da esfera política (Giugni, 1999: 23). Neste sentido, para analisar a
acção colectiva é necessário atender ao modo como esta é mediada pela cultura

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(Pakulski, 1995: 67) até porque, como defendia Weber, os valores são catalisadores da
acção, nomeadamente no campo político (Gibbins, Reimer, 1999: 96/97). Uma vez que
os movimentos sociais devem, segundo Touraine, ser considerados como o lugar
estratégico onde se criam e explicitam os novos valores (Rocher, 1989: 118), devemos,
pois, deter-nos sobre a dimensão simbólica da emergência dos primeiros.
Uma das abordagens científicas mais consistentes neste campo – surgida
cronologicamente após as teorias analisadas nos sub-capítulos anteriores (Zald, 1996:
262) – resulta do trabalho de Snow, numa evolução do Interaccionismo Simbólico da
Escola de Chicago (Zald, 1996: 265) que assenta igualmente sobre o entendimento de
que a acção colectiva não é a expressão da irracionalidade mas antes uma resposta
significante que compreende estruturas relacionais mediadas por valores (Melucci,
1996: 17).
Apesar de reagir a ameaças objectivas, a mobilização social que os movimentos
sociais procuram produzir não é função directa e objectiva dessas ameaças, mas antes o
resultando de um processo de mediação que as enquadra e interpreta (Rucht, 1999:
213). É neste particular que o conceito, enunciado por Snow, de matriz de
enquadramento (frame) é uma ferramenta particularmente importante para a análise de
movimentos sociais: trata-se de uma matriz interpretativa que simplifica e condensa o
mundo exterior ao seleccionar e codificar objectos, situações e eventos (Tarrow, 1998:
110), que sugere modos de acção com vista à transformação de tensões em curso
(Garner, 1996: 56), e que compreende essencialmente dois elementos: o diagnóstico ou
definição do problema e da sua fonte; e o prognóstico ou identificação das estratégias
necessárias para o solucionar (McCarthy, Smith e Zald, 1996: 291) – estratégias que
incluem o próprio formato organizacional do movimento social, os recursos
mobilizadores necessários e os conteúdos culturais mais adequados. Neste sentido, o
conjunto de matrizes de um determinado movimento assemelha-se a uma ideologia, se
considerarmos esta última como «(...) um sistema de ideias e de juízos, explícita e
geralmente organizado, que serve para descrever, explicar, interpretar ou justificar a
situação de um grupo ou colectividade e que, inspirando-se largamente em valores,
propõe uma orientação precisa à acção histórica desse grupo ou dessa colectividade»
(Rocher, 1989: 56).
Concebidos como veículos significantes, os movimentos sociais constituem-se
então como enquadramentos para a acção, transformando, através de aproximações às
disposições culturais de cada sociedade, tensões e dificuldades em padrões de acção

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social (Maheu, 1995: 11). Ainda que factores estruturais e conjunturais favoreçam a
emergência da acção colectiva, de nada serviria essa influência caso os actores sociais
não se apercebessem da sua existência e não os apropriassem simbolicamente (Melucci,
1996: 41). Daí que Gamson e Meyer defendam que quer as oportunidades políticas quer
as matrizes são objectos dialecticamente construídos simultaneamente estruturais e
conjunturais (Gamson e Meyer, 1996: 276) e que, para McAdam, McCarthy e Zald
qualquer conjuntura política só se constitui como oportunidade quando é socialmente
construída e partilhada como tal (McAdam, McCarthy e Zald, 1996: 8).
Para Garner, um dos propósitos da síntese destas matrizes é a construção de
identidades colectivas que mobilizem uma base social de apoio. Assumindo que cada
indivíduo possui diversas identidades ou, se preferirmos, nuances e facetas identitárias
socialmente construídas em processos de interacção (Bourdieu, 1989), e atendendo ao
facto de que a acção colectiva é uma das formas pelas quais a identidade individual é
sintetizada (Maheu, 1995: 6), faz sentido considerar que cada movimento social tentará
atrair o apoio dos cidadãos veiculando uma determinada matriz interpretativa (Garner,
1996: 58-60), pelo que carecem de análise os argumentos passíveis de serem articulados
para que tomem parte de uma acção colectiva (Melucci, 1995.a; 444).
Uma vez que esta matriz decorre, segundo Tarrow, da especificidade de cada
contexto, os mediadores representantes do movimento tendem a personalizá-la, num
processo que o autor designa de adaptação da matriz cognitiva (frame alignment), um
denominador comum entre a cultura da população, cujo apoio se pretende atrair, e os
valores e objectivos do movimento (Tarrow, 1998: 110). Assim sendo, os movimentos
sociais adoptam frequentemente diversas matrizes interpretativas em simultâneo, cada
uma adaptada ao público-alvo cuja mobilização se pretende (Gamson e Meyer, 1996:
289).
Ainda que o consenso sobre uma determinada questão seja alcançável, apenas a
mobilização desse consenso orienta os indivíduos para a acção (Tarrow, 1998: 113), não
apenas pelo eco que produz na identidade individual de cada um mas também pela
associação desse consenso a práticas e não somente a ideias (Garner, 1996: 374). É por
esta razão que o simbolismo visual é tão importante, sobretudo nos mass media, uma
vez que desempenha um papel decisivo na síntese de identidades colectivas e na
projecção da imagem adequada a potenciais apoiantes e adversários (Tarrow, 1998:
114).

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Outra das questões que se colocam é a de saber se estes símbolos são criados ou,
pelo contrário, recortados da cultura existente (Tarrow, 1998: 107). Na opinião de Zald,
é do contexto cultural em que se encontram inseridos que os movimentos sociais muitas
vezes apropriam interpretações e modos de acção, nomeadamente os recursos
mobilizadores disponíveis (Zald, 1996: 266). Contudo, os ajustes e transformações no
simbolismo de um movimento resultam, segundo Tarrow, da interacção estratégica
deste ultimo nos vários domínios e contextos em que desenvolve a sua acção, e não
directa e acriticamente recortada de padrões culturais ou ideológicos (Tarrow, 1998:
109).
Para Melucci, autor para o qual a construção do sentido da acção por parte dos
indivíduos é uma questão central, é porque a acção colectiva não começa nas
organizações mas em grupos e canais informais de pessoas em interacção que a
problematização da relação estabelecida entre os indivíduos e os movimentos sociais é
crucial para compreender as práticas destes últimos (Melucci, 1995.a; 447); importa,
pois, que assumamos que os movimentos sociais são agentes colectivos constituídos por
indivíduos que devem ser também equacionados enquanto tal (Melucci, 1995.a; 439).
O facto de um movimento ser um conjunto de actores analiticamente individualizáveis
torna a questão dos seus habitus particulares essencial (Gamson e Meyer, 1996: 283).
Uma vez que possuem uma localização social específica, o modo como esta apropriação
é feita depende muito dos habitus dos elementos de cada movimento social (Zald, 1996:
267).
Segundo Zald, a transformação dos repertórios organizacionais e de acção dos
movimentos sociais está associada à especificidade dos seus dispositivos interpretativos
culturais (Zald, 1996: 266), os quais são decisivamente influenciados pelas
transformações no domínio da tecnologia (Zald, 1996: 270). Por outro lado, as matrizes
interpretativas estão elas próprias sujeitas a debate interno a cada movimento social,
processo no qual as TICs desempenham, segundo Zald, um importante papel. É neste
sentido que Castells defende que os activistas da era moderna se constituem como
mobilizadores de símbolos, capazes de adoptar uma forma de organização e intervenção
descentralizada e em rede (Webster, 2001: 7), ao que não é alheio o facto de estas
matrizes serem mais eficazes quando visam a mobilização de indivíduos através de
outras organizações ou estruturas pré-existentes (McCarthy, Smith e Zald, 1996: 294).

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I) REPRESENTAÇÕES DAS TICS E DO AMBIENTE

Segundo os dados do projecto CIBERFACES, a representação da Internet junto


dos portugueses é globalmente muito positiva, sendo sobretudo sublinhadas as suas
dimensões informativa e instrumental.

Isto mesmo é confirmado pelo quadro seguinte, em que não só é sublinhado o


carácter informativo da Internet como também a natureza gratuita do acesso a essa
informação.

A informação disponível, o seu carácter gratuito e a sua rápida disponibilização


são as vantagens que os inquiridos sublinham com maior frequência, constituindo
preocupações mais frequentes as que se prendem com a dimensão da privacidade e
segurança dos dados.

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O internauta português parece, portanto, optimista em relação às potencialidades


da Internet e respectiva tradução na criação de oportunidades no sistema económico,
constituindo uma fonte de informação sobre a actualidade para oitenta e sete por cento
dos inquiridos. Relativamente à regulação do espaço virtual, trinta e dois por cento dos
inquiridos consideram que esta deve caber aos seus utilizadores, sendo que apenas nove
por cento dizem caber ao Governo. O Estado deve garantir os direitos dos cidadãos a
este nível segundo noventa e dois por cento das respostas, mas apenas vinte por cento
das mesmas dão conta de confiança nas instituições públicas e nos políticos.

INQUÉRITOS NACIONAIS DO OBSERVA (OBSERVA, 1997; OBSERVA, 2001)

Segundo dados recolhidos a partir dos Inquéritos Nacionais “Os Portugueses e o


Ambiente” conduzidos pelo OBSERVA em 1997 e 2001, é possível estabelecer
paralelos entre as representações – traduzidas no binómio preocupação e informação –
e as práticas ambientais dos portugueses.
Assim sendo, a primeira nota de destaque vai para o facto de os problemas
ambientais constituírem em 1997, para catorze por cento dos inquiridos, um dos dois
principais problemas do país, valor que sensivelmente se mantém em 2001. Na
sequência deste dado, uma significativa maioria dos inquiridos (quarenta e cinco por

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cento em 1997 e aproximadamente o mesmo valor em 2001) prevê que a situação do


Ambiente em Portugal venha a agravar-se no futuro.
No que diz respeito aos conhecimentos sobre a problemática ambiental,
verifica-se em 2001 que cerca de sessenta e dois por cento dos inquiridos se considera
pouco ou nada informado sobre a matéria, para além de trinta e quatro por cento dos
mesmos se considerar apenas “suficientemente informado”. Merece menção, a este
respeito, o facto de estes valores oscilarem em função da idade e da literacia dos
inquiridos. A adesão aos novos valores ambientais parece, aliás, ser maior quanto mais
jovens são os inquiridos. Quanto às fontes de informação utilizadas destacam-se os
media (constituindo a televisão uma fonte para oitenta e nove por cento dos inquiridos)
a frequência do contacto com organizações ambientalistas (quase quinze por cento o
reconhecem) e a já assinalável utilização da Internet (para cerca de onze por cento dos
casos). Assim sendo, não deixa de ser paradoxal o facto de as organizações
ambientalistas constituírem uma fonte pouco utilizada quanto, no âmbito do inquérito
de 97, se constituíam como aquelas a quem era atribuído o maior grau de confiança.
Verifica-se igualmente que os portugueses privilegiam fontes consentâneas com um
modo passivo de procura de informação ambiental.
Esta passividade ecoa precisamente nas práticas ambientais dos inquiridos.
Ainda que, em 1997, a preocupação com as questões do Ambiente se traduzisse numa
elevada percentagem de simpatizantes para com a causa verde (na ordem dos setenta
por cento, ela não produziu uma participação ou activismo significativos, os quais
totalizam menos de cinco por cento dos inquiridos. Em 2001 voltam a verificar-se
níveis medíocres de militância ou associativismo ambiental, continuando a simpatia
pela causa verde a constituir a tónica (cerca de oitenta por cento dos casos). Observa-se
igualmente neste ano que as práticas ambientais mais populares são as que se prendem
com benefícios económicos directos, ainda que seja de destacar o crescimento
exponencial da recolha selectiva.
Uma das razões mais frequentemente apontadas em 1997 para este activismo
medíocre é a falta de informação (para cerca de quarenta por cento dos inquiridos),
seguida pelo reconhecimento de uma educação cívica deficiente (aproximadamente
vinte e cinco por cento dos casos). Contudo, podemos questionar-nos sobre se serão
apenas o défice de conhecimento e a cultura cívica ambiental os responsáveis pelo fraco
indíce de práticas ambientais quando, na realidade, nem sempre se verificam existir as
infra-estruturas necessárias para uma prática ambiental mais frequente. Este indício

PEDRO PEREIRA NETO ALUNO Nº 12 854 P.47


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parece ser demonstrado em parte pelos dados recolhidos respeitantes à avaliação do


papel do Estado revelada pelos inquiridos em 2001: em quarenta e oito por cento dos
casos esta acção está aquém do esperado. Ainda assim, observa-se que os inquiridos não
dispensam o Estado do seu papel de agente regulador e punitivo nesta matéria: em
apenas treze por cento das respostas foi sugerida a criação de mecanismos que
promovam a participação dos cidadãos enquanto agentes reguladores – o que pode
igualmente ajudar a explicar parte da passividade acima referida.

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5. HIPÓTESES

Em função do anteriormente disposto, devem considerar-se como hipóteses


fundamentais deste documento as seguintes proposições:

• a introdução e instrumentalização das Tecnologias de Informação e


Comunicação em Portugal não acarretou ainda uma transformação da estrutura
das organizações ambientalistas no nosso país;
• ao nível das práticas destas organizações, a tendência é sobretudo para que estas
Tecnologias constituam sobretudo um instrumento adicional de trabalho e não a
ferramenta basilar que substitui e torna obsoletos todos os outros media
utilizados anteriormente por estas organizações, assistindo os modos de
mediação social e política mais do que os inova.

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6. METODOLOGIA

Segundo Pickerill, os movimentos sociais representam um dos campos nos quais


podem ser analisadas as implicações da utilização das TICs, nomeadamente o
alargamento da audiência potencial para a mensagem transmitida – possibilitando uma
mobilização mais eficaz –, o estabelecimento ou simplificação de dinâmicas de
interacção e de partilha de informação entre indivíduos geograficamente distantes, e o
desenvolvimento de novas formas de acção colectiva, as quais transformam ou
complementam o repertório de acção colectiva (Pickerill, 2001: 143).
Dada a diversidade de grupos compreendidos pelo campo de movimentos
ambientalistas, não surpreende que as análises conduzidas sobre o mesmo digam
sobretudo respeito a estudos de caso, nos quais a identificação das variáveis em acção é
mais simples (Rucht, 1999: 204). No entanto, quando comparada com o que se passa no
caso de actores sociais institucionalizados – como os partidos políticos e grupos de
pressão –, a utilização das TICs pelos movimentos sociais é mais difícil de estudar dada
a natureza situacionista de boa parte das suas iniciativas, razão pela qual se deve
analisar apenas o conjunto de acções efectivamente concretizadas pelos indivíduos e/ou
organizações inquiridos (Van de Donk e Rucht; 2002; Norris, 2001: 5).
Como já vimos, as abordagens contemporâneas articulam três níveis de análise
social. Entre os efeitos visíveis desta prática encontram-se o relativo consenso que hoje
se observa em torno da conceptualização de um movimento social como uma rede
através da qual interage formal e informalmente uma multiplicidade de actores (Diani,
1992: 107; Diani e Eyerman, 1992: 9; Kousis, 1999: 174), bem como o modo como
possibilita a aferição da importância das redes de contacto estabelecidas entre
indivíduos e organizações, dado ser a este nível meso-social que as macro-estruturas e
as identidades e atitudes dos indívíduos são sintetizadas e adquirem verdadeiro
significado (Diani e Eyerman, 1992: 7).
Contudo, esta noção contém em si própria duas das principais dificuldades
associadas à análise desses movimentos: a da definição dos limites da rede que constitui
(ou seja, dos agentes que compreende), e a forma como a diversidade de actores em
interacção se traduz numa diversidade de tipos de interacção (Diani, 1992: 107). Neste
particular Diani define três tipos de ligação entre actores no seio da rede que constitui o
movimento social, a partir dos conteúdos por eles partilhados: elo inter-organizacional,

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essencialmente de carácter temporário (partilha de informação, recursos e concertação


de acções); elo organização-indivíduos (partilha de informação, identidade, e recursos);
e elo inter-indivíduos (difusão informal de informação e identidade) (Diani, 1992:
109/110). Neste documento deternos-emos apenas sobre os dois primeiros tipos,
precisamente porque o objecto de estudo consagra organizações ambientalistas. Por
outro lado, apesar de Diani identificar ainda duas intensidades de ligação – explícitas e
frequentes, e latentes (Diani, 1992: 123) – creio manter-se a sensatez da opção já
referida de analisar apenas o conjunto de acções efectivamente concretizadas.

A) ANÁLISE EXCLUSIVA VS ANÁLISE INCLUSIVA

Importa nesta altura concretizar algumas distinções conceptuais pertinentes, com


efeitos aos nível das estratégias de análise, ainda que atendendo ao carácter de tipo-ideal
que cada conceito não pode deixar de assumir (Cruz, 1995; Melucci, 1996: 37).
Desde logo, a acção colectiva não deve ser considerada exclusiva de
movimentos sociais (Rucht e Ohlemacher, 1992: 76), pelo que importa não conotar com
estes últimos todas as formas colectivas de protesto, efémeras e circunscritas a
interesses corporativos (Caria, 1999: 188). Neste particular, Melucci defende uma
distinção entre acção colectiva conjuntural, que traduz uma reacção a uma crise, e
acção colectiva estrutural, que traduz um conflito (Melucci, 1996: 22), bem como uma
distinção entre acção colectiva que envolve solidariedade sustentada entre os seus
elementos e acção colectiva resultante de simples agregação de comportamentos
individuais desconexos, frequentes em crises (Melucci, 1996: 23). Assim sendo, a opção
é, pois, pelas formulações exclusivas de Caria e Melucci, de acordo com as quais um
movimento social:

1) pressupõe uma solidariedade sustentada entre os seus elementos que ultrapassa a


mera manifestação identitária conjuntural;
2) mobiliza agentes para além de relações face-a-face (dimensão na qual as TICs
podem desempenhar um importante papel); e

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3) traduz um conflito estrutural entre agentes sociais em torno de determinados


recursos que ilustra um interesse supra-local ou supra-grupal (Melucci, 1996:
28-306; Caria, 1999: 188).

B) ANALISE EXTENSIVA VS ANÁLISE INTENSIVA

No que diz respeito ao carácter intensivo do presente estudo, a opção recaiu


sobre a entrevista centrada, a qual tem por objectivo, segundo Quivy e Van
Campenhoudt, analisar as representações de determinadas práticas por parte do
entrevistado, a partir de um conjunto pré-definido de tópicos que direccionam a
interacção entre entrevistador e entrevistado no sentido da observância das hipóteses e
objecto de estudo do primeiro (Quivy, Van Campenhoudt, 1998: 193). Este método é
também particularmente adequado à análise a que os agentes sociais sujeitam as suas
próprias experiências e valores no âmbito de um problema específico, para além de
permitir, dada a sua profundidade, uma boa ilustração de processos de acção ou de
funcionamento de organizações (Quivy, Van Campenhoudt, 1998 : 193/194).
Como complemento deste método entendi recorrer igualmente à utilização de
dados documentais pré-existentes, nomeadamente a documentação sintetizada pelas
organizações analisadas. Esta opção é tanto mais adequada quando, para Castells, um
dos procedimentos metodológicos a observar em sede de análise de movimentos sociais
é o de conceber as práticas discursivas dos movimentos sociais como constituindo a sua
própria definição – algo que em seu entender contraria a pretensão de neles procurar
uma qualquer “consciência verdadeira” (Castells, 1997). Paralelamente, Castells
defende também uma linha de pesquisa (já contemplada neste estudo) que atende a
relação que é possível estabelecer entre os movimentos sociais e os processos sociais
aos quais podem estar associados – casos da globalização, informacionalização, crise da
democracia representativa e importância da política simbólica mediatizada (Castells,
1997).

6
Segundo o autor, se um conflito não questiona o próprio sistema, deve ser considerado apenas como um
fenómeno de competição de interesses no âmbito de um enquadramento normativo estável (Melucci,
1996: 25); contudo, não partilho esta opinião, face a outras fontes bibliográficas consultadas.

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C) DIMENSÕES E INDICADORES DE ANÁLISE

Para a concretização analítica de todo o aparelho teórico e programático


anteriormente disposto importa precisar o modo como esse aparelho se traduz no
levantamento dos dados necessários ao estudo em curso. Neste sentido, parece-me
adequado adoptar as dimensões de análise avançadas por Vasconcelos (Vasconcelos,
2002: 133), complementando-as com as de outras fontes bibliográficas – nomeadamente
Pickerill (Pickerill, 2001: 146) e Diani (Diani, 2001: 121) – e com outras cuja aplicação
me parece pertinente.
Na operacionalização desta dimensões de análise deve ter-se em consideração
que as soluções permitidas pela utilização das TICs são função do figurino
organizacional de cada movimento social e das estratégias que adopta (Diani, 2001:
124; Pickerill, 2001: 143), o que volta a sublinhar o carácter casuístico da análise a
desenvolver. Paralelamente, para aferir do modo como esta utilização afecta as práticas
de mobilização de um determinado movimento devemos observar as especificidades das
populações cujo mobilização é pretendida, as quais podem ser, segundo Diani, de três
tipos: redes de comunidades; extensões virtuais de comunidades; ou comunidades
completamente virtuais (Diani, 2001: 122). Na opinião do autor, a utilização das TICs é
mais frequente nos dois primeiros tipos de comunidade – as que se traduzem em
contacto face-a-face ou que originalmente haviam partido dele – sendo menos frequente
a criação de estruturas e laços onde eles não pré-existam (Diani, 2001: 124).
Assim sendo, as dimensões e respectivos indicadores de análise considerados
são os seguintes:

Dimensão dos Fins


Indicadores:
• propósito da organização;
• alcance social desse propósito;
• transformações conhecidas por esse propósito;
• factores que determinam transformações na acção da organização;

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Dimensão dos Recursos


Indicadores:
• estrutura organizacional;
• modos de contacto mais frequentes no seio desta estrutura;
• estratégias adoptadas e redes (internas e externas) estabelecidas;
• alcance dessas redes;
• abertura à utilização de novos recursos;
• transformações ocorridas nos recursos utilizados pela organização;

Dimensão da Eficácia
Indicadores:
• grau de eficácia do contacto intra-organizacional;
• grau de eficácia do contacto inter-organizacional;
• grau de eficácia da mobilização de redes;
• grau de eficácia da introdução de novos recursos.

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7. DADOS EMPÍRICOS

De acordo com o já avançado neste documento, a recolha dos dados empíricos a


analisar seguidamente foi efectuada a três níveis. Por um lado, no que constitui o
essencial desta recolha, a realização de entrevistas centradas a individualidades
representativas das organizações nas quais, respectivamente, desenvolvessem
actividade, nomeadamente cargos de Direcção ou Secretariado de topo, e as quais
integrassem há já um número considerável de anos, aspectos que contribuem para um
conhecimento factual do funcionamento interno destas organizações. A selecção das
organizações contactadas prendeu-se, por seu turno, com um critério que atende a
dimensões tipificadas: a LPN enquanto organização ambientalista de grande dimensão e
alcance social, e simultaneamente uma das mais centralizadas; o GEOTA enquanto
ONGA de grande dimensão, descentralizada através de protocolos com organizações
locais; a Quercus, organização que difere da anterior pela descentralização em núcleos
inscritos no seu organigrama que concretiza (núcleos próprios e não outras organizações
locais ou regionais); e o GAIA enquanto paradigma de organização ambiental de
pequeno alcance.
Paralelamente, a utilização de documentação em vários formatos, sobretudo
papel, reunida junto dos serviços de cada organização, ou retirada das secções de
apresentação ou autodefinição da organização constantes da sua página oficial online.
Por último, e apenas como informação adicional, informação recolhida no âmbito de
reuniões de trabalho assistidas.

A) ANÁLISE CASUÍSTICA

• LPN – LIGA PARA A PROTECÇÃO DA NATUREZA

Criada em 1948 – constituindo a associação de defesa do ambiente mais antiga na


Península Ibérica –, a Liga para a Protecção da Natureza (LPN) é uma Organização Não
Governamental de Ambiente (ONGA) de âmbito nacional, e uma Instituição de
Utilidade Pública, sem fins lucrativos, cujo objectivo principal constitui contribuir para
a conservação do património natural, da diversidade das espécies e dos ecossistemas,
actividade desenvolvida a partir de uma sede própria em Lisboa, de duas delegações

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regionais e alguns núcleos autónomos, e que envolve também a gestão de cinco


Herdades Biológicas, numa área total de cerca de 1700 ha.
Segundo João Joanaz de Melo, membro da LPN desde 1985 e actual Secretário
da Mesa da Assembleia Geral da mesma, a característica divisão estrutural temática e
por equipas verifica-se, nesta organização,

«talvez menos que nas outras organizações. O único núcleo permanente e


organizado que existe na LPN é o Centro de Estudos e Actividades Especiais,
dedicado à Espeleologia e aos Desportos-Natureza7. A maior parte das outras
coisas que funcionam na LPN são muito coordenadas a partir da Direcção ou das
Delegações Regionais [de modo vertical] em relação à generalidade das temáticas,
o que também tem a ver com a lógica de onde se vão buscar os activistas: a LPN
tem muito pouca tradição de formação de quadros associativos; não é um dos
fortes. E portanto isso limita o número de activistas ou de voluntários».

A actividade desta associação é desenvolvida essencialmente ao nível da


Educação/Formação Ambiental – nomeadamente através de cursos, palestras,
exposições, passeios na natureza, publicação e cedência de material didáctico –, da
Intervenção Directa em causas ambientais de importância nacional e internacional e de
Projectos de Conservação e de Investigação. Isto mesmo confirma Joanaz de Melo:

«A LPN é um grupo de pressão que sempre teve um enfoque muito grande


especificamente na área da conservação da natureza, dentro da temática
ambiental. Tem vários tipos de actividades: uma componente educacional bastante
forte, e uma componente de formação de políticas com muita tradição – eu diria
que trabalhos feitos na LPN deram origem à maior parte das áreas protegidas que
temos hoje em Portugal».

Uma das características mais distintivas da LPN decorre da natureza da origem


dos seus elementos, e do meio de onde provém boa parte do conhecimento resultante da
sua actividade. Como afirma o entrevistado, esta «é uma organização muito apoiada e
virada – talvez demais – para o meio académico; não tem uma tradição forte de

7
Do qual Joanaz de Melo é coordenador há cerca de seis anos. A respeito deste núcleo, aliás, o
entrevistado afirma: «nós já existíamos como grupo organizado e reconstituímo-nos no seio da LPN, em
1985».

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associativismo de bases». Daqui decorre que a actividade da LPN parece prender-se


essencialmente com uma canalização do «conhecimento que existia no meio académico
para uma intervenção mais política, pela produção de estudos e pareceres, exercendo
pressão junto das autoridades no sentido de influenciar determinadas decisões».
Segundo Joanaz de Melo,

«normalmente a fórmula é aproveitar a informação que existe no meio académico,


com quem existem relações privilegiadas, e produzir pareceres, para pressão junto
dos orgãos de poder e para intervenções públicas, sozinha ou em conjunto com
outras associações. Tem variado. Antigamente mais por via discreta. Até meados
dos anos 80 a acção era quase só dirigida ao meio académico e directamente aos
decisores. Desde meados dos anos 80 houve um esforço, embora modesto
comparado com o das outras associações, de intervenção junto da opinião pública.
Tem muito a ver com os dossiers, e também como as outras pressões se
manifestam; há sempre pressões contrárias a estas coisas».

No que diz respeito ao âmbito da sua acção, e ao modo como o contexto


nacional influencia a actividade da LPN, o dirigente associativo afirma que «o seu foco
de actividade é claramente nacional». Em sua opinião,

«genericamente, há um trabalho de fundo que funciona independentemente do que


se passa lá fora, nomeadamente o trabalho que tem mais a ver com a componente
educacional; tem uma componente pró-activa, por exemplo, em relação à defesa
da criação de áreas protegidas. Em relação ao trabalho que sai para fora, é mais
o reactivo que o pró-activo, pela simples razão de que o reactivo dá muito menos
trabalho a preparar, sobretudo se for em matérias sobre as quais já existe uma
opinião. Quando se quer ser pró-activo em coisas que não estão na agenda,
marcar a agenda é extremamente difícil, exige um esforço brutal; reagir à agenda
que vem de fora é fácil, sobretudo se já houver doutrina feita. A maior parte do
trabalho de dia-a-dia na LPN e na maior parte das associações é reactiva porque
isso é imposto do exterior: a generalidade das organizações ambientalistas ganhou
uma notoriedade que faz com que sejam solicitadas para as mais variadas coisas,
ou que as questões colocadas do exterior sejam tão importantes que elas são
obrigadas a reagir. O facto de considerar um ou outro dossier prioritário, ou de
trabalhar mais ou menos num dossier ou noutro, isso sim é muito influenciado

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pelos acontecimentos exteriores. Depende das épocas, depende muito dos dossiers
em cima da mesa».

Já no que diz respeito à influência do contexto internacional sobre o


funcionamento da LPN, considera que

«a intervenção a nível internacional é de dois tipos: ou de pedir ajuda a


organizações internacionais para batalhas que se passam cá dentro, ou de
colaborar como meio de pressão junto do governo em temáticas internacionais ou
directivas de conservação da natureza, em que há uma posição concertada a nível
internacional entre várias organizações ambientalistas, e em que se funciona em
Portugal como um braço dessa plataforma comum. Mas o âmbito de intervenção é
marcadamente nacional».

Relativamente aos recursos operacionalizados por esta organização no decurso


da sua actividade, Joanaz de Melo afirma que esta utiliza

«a internet o mais possível; e telemóvel toda a gente tem. Eu diria que hoje em dia
nenhum dirigente ambientalista passa sem ter correio electrónico, internet e
telemóvel; é tão simples como isto. Senão era impossível funcionar, com as
solicitações que temos».

A introdução das TICs no seio da LPN foi, de acordo com o entrevistado,

«um processo natural; de há três ou quatro anos para cá era impensável não o
fazer. Tão impensável como há cinquenta anos não ter telefone na sede. A página
na internet hoje em dia é uma coisa extremamente importante. Aí já se faz alguma
coisa [na LPN] mas ainda se está muito longe do óptimo. Em relação à introdução
da base tecnológica que permite isso, eu diria que é sine qua non; hoje em dia, e de
há três ou quatro anos para cá, sem isso não se trabalha».

Em relação à intensidade de utilização das TICs, por parte da LPN, face à


operacionalização de media mais convencionais, Joanaz de Melo entende que as
tecnologias

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«são sempre complementares. Tem-se tentado substituir o mais possível [as


antigas] pelas electrónicas. Há coisas que são insubstituíveis: uma revista com
questões de fundo não é substituível por um formato internet. Tudo o que é troca
de ideias, ou escrever um parecer, pode ser feito via internet. Questões de
discussão de estratégia têm de ser presenciais. No Centro fartamo-nos de falar via
internet mas continuamos a ter uma reuniao de quinze em quinze dias porque há
coisas que têm de ser [discutidas] presencialmente: combinar a estratégia, a
prioridade, essas coisas não se fazem via internet. Continua a haver ainda muito
papel: por exemplo, pareceres sobre estudos de impacto ambiental; o Estado
continua a não aceitar que sejam feitos apenas via e-mail. A substituição
papel-electrónico não existe mais porque 1) há certas coisas que são
insubstituíveis, 2) há outras que os nossos interlocutores não permitem. Aquilo que
é do expediente corrente, [é feito] o mais possível por essa via.[electrónica]».

Relativamente a uma potencial alteração dos perfis dos interlocutores da LPN


pela introdução das TICs, afirma que

«ao nível da divulgação da informação, ao nível da clarificação para o exterior do


que são as posições da associação, a internet veio tornar isso muito mais fácil;
mas estas tecnologias exigem alguma pró-actividade da parte dos interlocutores: é
preciso que as pessoas o queiram. Neste aspecto, os destinatários são os mesmos,
o que acontece é que é muito mais fácil chegar àqueles que querem ser
destinatários. Mas os destinatários não são diferentes. O correio electrónico
facilitou brutalmente o contacto entre as pessoas que já comunicavam de outra
forma. Para o exterior o que foi facilitado foi o acesso à informação por quem
quer vir buscar informação».

Num registo retrospectivo sobre alterações estruturais na LPN decorrentes da


utilização das TICs, Joanaz de Melo entende que o papel destas foi sobretudo

«mais instrumental, ao nível dos grandes objectivos e da grande orientação;


permite que pessoas que não têm hipótese, pelos seus afazeres, de se estarem a
deslocar para reuniões, consigam de facto ter uma intervenção activa que de outra
forma seria impossível. Facilitou o trabalho da organização. Do ponto de vista
estrutural não penso que a tenha alterado substancialmente».

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Em termos mais pragmáticos e prospectivos, a margem que o entrevistado


reconhece a uma utilização mais efectiva das TICs por parte da organização na qual se
encontra inserido é ainda considerável: em sua opinião,

«há várias coisas em que pode ser claramente melhorada e ampliada, a utilização
destas tecnologias; por exemplo: utilização das novas tecnologias para fornecer
informação à própria associação; instrumentos que podem potenciar a intervenção
da associação; ou dos próprios sócios: a curto prazo será possível fazer
assembleias gerais virtuais; isso, sim, seria uma alteração substancial do
funcionamento da associação. Hoje em dia há uma base associativa relativamente
extensa, de alguns milhares de pessoas, mas as pessoas que participam no
dia-a-dia da vida da associação são muito poucas, se calhar 20, na melhor das
hipóteses. A actual internet/e-mail não permite isto. Quem diz isso diz a página da
internet, que é uma área que está em franca explosão: todos os dias aparecem
novidades sobre a forma de apresentar páginas na internet. Eu diria que há muito
por explorar. A LPN está a cumprir os mínimos razoáveis mas está muito longe de
explorar este potencial».

• GEOTA – GRUPO DE ESTUDOS DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E AMBIENTE

Com uma acção cujo início remonta a 1981, esta associação de âmbito nacional
de defesa do Ambiente compreende neste momento mais de dois mil associados,
predominantemente jovens, e com formação universitária. Possui um núcleo principal
em Lisboa, no qual se concentra a maioria dos seus grupos de trabalho, alargando o seu
raio de acção ao resto do país através do estabelecimento de protocolos com
organizações de carácter local e regional.
Segundo Hélder Careto, membro do GEOTA há cerca de dez anos e actual
Secretário Executivo da organização, «o GEOTA tem uma estrutura muito horizontal»,
a qual não tem conhecido grandes transformações, apesar de algumas alterações
estatutárias. De acordo com este dirigente,

«há equipas para cada coisa. Há equipas de projecto, essencialmente. Há uma


estruturação temática, por áreas de trabalho [que] forma uma espécie de matriz
funcional, cuja geometria vai variando conforme o contexto, conforme as

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necessidades, conforme as disponibilidades, de ano para ano; e dentro do mesmo


ano há grupos que entram em actividade e outros que cessam actividade; de
qualquer forma, a estrutura da matriz mantém-se, apesar de haver mais
intensidade de trabalho num lado ou noutro».

A respeito da tradução, na prática, da estrutura do GEOTA, afirma Careto:

«o núcleo fundamental de acção do GEOTA é o projecto, que tem um princípio, um


meio e um fim; tem a sua fase de preparação, a sua fase de execução, e a sua fase
de avaliação; e todo o trabalho logístico e de angariação de meios e
colaboradores de suporte. O GEOTA é uma organização que trabalha a 99% de
voluntariado. Há um trabalho de angariação de colaboradores, de relações
humanas que é extremamente importante. O que não tem suporte de pessoas pura e
simplesmente não funciona. Pode ter é outro suporte profissional não voluntário;
isso já é outra coisa. Mas a decisão de alocar recursos profissionais é uma decisão
séria porque implica custos elevados».

Esta actividade, desenvolvida em torno de áreas como a elaboração de


documentos e pareceres, a educação e sensibilização ambiental, e a formação de
quadros internos e externos, traduz-se numa intervenção junto do poder político
nacional de modo directo – através de estudos e pareceres sobre propostas de legislação
ou regulamentação – e também de modo indirecto – com acções junto da opinião
pública. A respeito do binómio actividade pró-activa / actividade reactiva, Careto
defende que

«claramente a actividade do GEOTA é uma actividade regular. O GEOTA define


prioridades, define projectos, define acções, define calendários, define um
programa, define recursos, e executa. Há espaço na actividade regular para
enquadrar as perturbações e responder a elas sem trazer demasiada alteração na
organização. Essa é a questão. Pessoas externas dizem que o GEOTA é uma
organização fortemente institucionalizada, talvez uma das ONGs mais
institucionalizadas do país; ao nível dos serviços perturba muito ter coisas
demasiado diferentes; é entusiasmante ter coisas às quais dar resposta, mas acaba
por saturar a quantidade de solicitações a que as pessoas do GEOTA são
submetidas: somos chamados para comissões disto e daquilo, para trabalhar em
Conselhos, para dar resposta a pareceres, para dar resposta a diplomas e

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propostas de diplomas legislativos, estudos de impacto ambiental, e planos de


ordenamento de território. Paralelamente, desenvolve toda a actividade reactiva
quando surge a oportunidade: aproveitam-se oportunidades no caso de novas
propostas legislativas, estudos de impacto ambiental, processos de consulta
pública, dossiers relevantes, documentos de estratégia nacional; produz pareceres
sobre esses documentos fundamentais, comunica a sua opinião quer à
comunicação social, quer principalmente às autoridades que tutelam essa
vertente».

Um outro aspecto justifica a opção do GEOTA por um trabalho regular


pró-activo, como afirma Careto:

«o que acontece é que a nossa actividade de lobbying não é paga, e os projectos


são pagos; e são os projectos que sustentam o GEOTA; portanto é preciso
arranjar recursos para ter recursos; têm a faceta de capacity-building8. A vertente
reactiva é um produto da outra».

No que diz respeito às estratégias de acção adoptadas e respectivos destinários


definidos pela organização, o dirigente afirma que

«o Geota desenvolve duas vertentes, embora o lobbying ambiental se processe


sobretudo sobre os agentes políticos. Usa-se a opinião pública e a comunicação
social como formas de pressão sobre os agentes políticos. O trabalho com os
diversos públicos destinatários tem vários objectivos: informação, formação,
demonstração, e trabalho de educação para a mudança de atitudes e
comportamentos. A intensidade com que são usados tem variado um pouco em
função dos dirigentes [do GEOTA]; mas o tipo de acções tem-se mantido. Não
temos aquela propensão para acções de ruas; só se vai fazer acções de rua quando
a única forma de passar a mensagem é passá-la espectacularmente; simplesmente
porque a comunicação social não a apreende se não tiver um carácter
demonstrativo ou por vezes até burlesco. É um dos últimos recursos».

Segundo o relatório “Tecnologias de Informação para o GEOTA” (GEOTA,


2002.a) – uma primeira abordagem interna consistente ao problema da utilizacao das

8
Quem trabalha continuamente numa área ganha conhecimentos que permitem produzir opiniões sobre
essa área no futuro.

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TICs – as oportunidades trazidas pelo actual contexto tecnológico, nomeadamente o


facto de a Internet ser considerada um meio de divulgação virtualmente global
(GEOTA, 2002: 5), potenciam o desenvolvimento do GEOTA e a sua capacidade de
intervenção futura (GEOTA, 2002: 4), constituindo uma faceta desse desenvolvimento
(GEOTA, 2002: 32); daí que a Informação seja considerada pela organização como uma
parte significativa da sua matéria-prima e do seu produto final (GEOTA, 2002: 4).
Careto, a respeito desta questão, reconhece que

«definimos necessidades de comunicação através da Internet e estamos a tentar


antever e antecipar como é que podemos responder a essas necessidades, e
principalmente utilizar a Internet como um instrumento de desenvolvimento do
GEOTA: não só um instrumento de comunicação mas um instrumento de
desenvolvimento. A informação que está na Internet sobre o GEOTA é informação
que os nossos serviços não têm de gastar tempo a dar: é tambem uma atitude de
racionalização dos recursos disponíveis. Claro que nem toda a gente tem acesso à
Internet; mas qualquer pessoa neste momento pode ter, se quiser, acesso à
Internet; muitas das pessoas que nos contactam têm esse acesso: diria 99% das
pessoas. É um público info-literado».

Concretamente em relação à utilização das TICs enquanto recurso mobilizador


do GEOTA, Careto afirma que

«o telemóvel é muito utilizado. Mas o correio electrónico é sem dúvida o meio de


comunicação preferencial. Utilizamos também o serviço de mensagens MSN
Messenger, para conversar, ou outros serviços de mensagens instantânea. Uma
boa parte da comunicação, desde que se introduziu o correio electrónico, passou
de papel e telefone para a mensagem electrónica. O papel é só para questões
formais; aquilo que os estatutos obrigatoriamente impõem; há certos documentos
que convém que sejam enviados por correio para ter a certeza absoluta de que
pelo menos as pessoas têm a possibilidade de os ver. A comunicação electrónica
ultrapassou todas as outras, sem qualquer dúvida. Principalmente ao nível da
eficácia e também no número de pessoas que podem ser contactadas ao mesmo
tempo; e também a rapidez. O acesso à Internet é tanto um bem como uma
necessidade. Neste momento é-me difícil trabalhar sem um computador».

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A este cenário acresce ainda que para esta organização, e segundo o relatório
acima referido, «uma mensagem de correio electrónico começa a ganhar tanta
relevância e capacidade de obrigar o GEOTA como uma carta ou fax.» (GEOTA,
2002: 13)
Apesar desta utilização, Careto defende que as TICs «são mais uma ferramenta;
não transformaram muito a organização». Esta posição tem tradução ao nível de
potenciais transformações da tipologia de agentes contactados pelo GEOTA: «penso
que o perfil [dos contactados] mudou ligeiramente, mas devido também à mudança dos
perfis na própria sociedade. Acredito que no princípio havia muito mais contacto
directo, e que agora há muito mais trabalho indirecto através de correio electrónico e
de outros meios de comunicação».
Este ênfase na utilização das TICs é também traduzido pelo conjunto de
objectivos da página online enunciados no Plano de actividades do GEOTA para 2002
(GEOTA, 2002.b), de entre os quais se destacam promover imagem da organização
junto dos utilizadores da web nacional e internacional, quer sejam indivíduos ou
organizações, divulgar e manter um repositório de informação do GEOTA, facilitar o
estabelecimento de canais de comunicação, aliviar o secretariado, e angariar
colaboradores, o que se pretende atingir através da instrumentalização de TICs como
pilar estratégico do desenvolvimento e afirmação externa – de que é exemplo a criação e
manutenção de um número maior caixas de correio electrónico, uma vez que, apesar de
receber aproximadamente trinta a cinquenta e-mails por dia, dispõe de um único
endereço de e-mail para toda a organização, algo justificado pela ausência de
capacidade humana e de recursos para processar mais endereços.
Para Careto, é igualmente necessário que «a homepage do GEOTA, ou seja, a
imagem digital da organização, a represente mais fielmente; isso ainda não acontece.
Uma das coisas que a homepage faz é aliviar trabalho dos serviços, e isso paga uma
parte do seu próprio custo». Neste último particular verifica-se que, segundo o relatório
supracitado, a página online do GEOTA ainda não é para esta organização uma
ferramenta fundamental (GEOTA, 2002: 33). Neste sentido, contam-se igualmente
como estratégias de enriquecimento da página um aumento da simplicidade do seu
acesso e utilização (“quanto mais claro for, melhor”, e todas as suas secções devem ter
um “nome intuitivo”, segundo Careto), as quais contemplam também o próprio código
de programação utilizado (o mais universal possível), a terminologia utilizada, e a
taylorização da página ao visitante.

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Contudo, esta instrumentalização coloca os seus problemas e desafios ao


GEOTA. Como afirma o dirigente,

«é díficil gerir toda a informação. O problema essencial que nós temos é que o
fluxo de informação que atravessa o GEOTA e que é gerado no GEOTA é muito
elevado; o problema é distinguir o que é lixo e não é; a filtragem da informação é
um problema essencial; quanto maior é a quantidade de informação, mais difícil é
produzir uma decisão».

Já sobre os agentes responsáveis pelo modo de introdução das TICs no GEOTA,


Careto garante que «foram várias pessoas que foram trabalhando sobre o assunto;
essencialmente internas».
Quanto às utilizações das TICs, Careto afirma que «não estão esgotadas;
prevê-se uma intensificação e complexificação de serviços e suportes. Ainda não se
atingiu um limite de sustentabilidade que permita que se pague a si próprio». Uma
maior utilização das TICs depende, pois, «de recursos tecnológicos e financeiros; as
infra-estruturas no país já existem».
Esta influência do contexto nacional sobre a utilização das TICs e sobre a
própria estrutura do GEOTA suscita a Careto outra perspectiva: segundo este dirigente,
«o contexto nacional afecta muito directamente o GEOTA, porque pede uma reacção
rápida; o contexto internacional afecta mais lentamente, e é estimulado pelas pessoas
que têm as ligações e as representações internacionais com outras organizações da
Europa».

• QUERCUS – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA

Preconizando um modelo de conservação do meio Ambiente assente no


princípio de que o património biofísico do país é um bem comum da Humanidade, a
Quercus, a maior organização ambientalista portuguesa, foi criada em Outubro de 1985,
na sequência da fusão de algumas organizações ambientalistas regionais. Esta natureza
estrutural inclusiva presente na sua origem é ilustrada pelo percurso de Francisco
Ferreira, actual vogal da Direcção Nacional e Presidente deste orgão no período
1996-2001, o qual integrava o projecto ambiental Setúbal Verde, extinto no seguimento

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da sua integração na Quercus em 1987. No entanto, como reconhece este dirigente,


«desde 1990 não há propriamente uma organização que desapareça para se tornar um
núcleo da Quercus», o que contribui para o facto de a estrutura e o modo de acção da
Quercus se manterem relativamente inalterados desde a sua criação. Neste particular
afirma Ferreira, frequente porta-voz nacional da organização dado o Presidente da
organização residir em Beja:

«ter núcleos e ter uma estrutura nacional significa que a acção é feita a vários
níveis, desde o local e regional ao nacional. Por outro lado, os centros de poder
estão em Lisboa, na maior parte dos casos, e a Quercus acaba por ter de ter
alguma centralidade em Lisboa, à qual bem tentamos fugir mas não é fácil».

Para a prossecução de objectivos como a conservação da natureza e a promoção de


um Ambiente equilibrado e da qualidade de vida das populações existe, segundo
Ferreira, «uma divisão por temas dentro da Quercus» simultaneamente endógena e
exógena, uma vez que são constituídas redes inter-associativas temáticas: «integramos
várias redes. Trabalhamos com outras organizações em coordenação em relação a
várias actividades, de acordo com o tema em causa». Para este dirigente, o modo de
acção da organização que integra

«é um misto de três, quatro áreas; por um lado, é claramente uma associação de


pressão junto da opinião pública, do poder; por outro lado, também temos uma
componente forte de educação ambiental, de mudança de comportamentos, que é
feita através de vários centros de educação ambiental que temos, de um trabalho
menos visível mas mais directo; é também uma associação de investigação, no que
diz respeito procurar soluções, a apresentar alternativas».

Este modus operandi traduz-se igualmente em estratégias como o estudo dos


problemas ambientais do país, o acompanhamento e denúncia pública de atentados
ambientais, apresentação de alternativas para a resolução de problemas ambientais, o
acompanhamento da definição da política de Ambiente, a informação e sensibilização
da população, e actividades de conservação de espécies ameaçadas, nomeadamente
através da gestão de espaços naturais e da sua biodiversidade.

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Para Ferreira, o contexto político, económico e tecnológico nacional influencia a


Quercus de formas muito diferenciadas. Em termos tecnológicos, afirma,

«é difícil neste momento falarmos de um contexto nacional; a Internet não é de


Portugal, as redes de telemóveis existem já em praticamente todo o mundo. Do que
eu conheço da nossa relação com outras associações, as coisas não diferem muito
do patamar internacional do uso desse tipo de tecnologias e da própria forma de
actuação dessas associações».

De acordo com este dirigente ambiental, a utilização das TICs tem contribuído
significativamente para as actividades da Quercus:

«todos os ofícios da Quercus chegam aos núcleos por correio electrónico e


também temos um grupo de discussão na Internet. A página da Quercus aquando
da Cimeira da Terra era actualizada diariamente, e houve uma página específica
sobre Joanesburgo. Os contactos com organizações internacionais são todos feitos
via Internet. As reuniões da Comissão Executiva da Quercus são feitas por
conferência telefónica, via telemóveis, o que significa uma enorme poupança de
custos. Acho que a palavra correcta [para descrever a Quercus se esta não
dispusesse destas TICs] é “diferente”, com uma capacidade de resposta menor,
sem dúvida».

A preponderância das TICs no seio da Quercus é igualmente sublinhada por


Ferreira quando afirma que

«os dois principais vectores [de comunicação] da Quercus são o telemóvel e a


Internet – sobretudo o correio electrónico –, sendo que está previsto recorrer, para
algumas áreas, ao telemóvel com câmera, para denúncias de situações com
recurso à imagem».

Por outro lado, a utilização destas tecnologias teve na sua origem motivações de
racionalidade de recursos: segundo o entrevistado,

«foi a solução encontrada para minimizar os custos, quer de mão-de-obra quer de


comunicações. Divulgar um ofício para uma reunião por fax significa custos muito

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maiores que enviar uma mensagem para um grupo de dez ou vinte pessoas via
Internet. Ao utilizar estas tecnologias estamos simultaneamente a poupar custos e
a tornar a forma de comunicação mais eficiente e fácil. O telefone fixo neste
momento já é pouco utilizado. O contacto pessoal não caiu em desuso: foi, sim,
substituído por mais contacto, nomeadamente por conferência telefónica; as
reuniões de dois em dois meses mantêm-se. O correio electrónico substituiu o
correio [em papel], em grande parte. Mas há algumas coisas em que é impossível
não recorrer ao correio normal: por exemplo, quando enviam para a Quercus
determinados documentos, que é preciso fazer chegar às pessoas em papel, não há
hipótese de não se reenviar em papel».

Quanto à adaptação da utilização das TICs a tipologias de receptores, Ferreira


afirma verificar-se «na maioria dos casos». Segundo reconhece,

«talvez recorramos ao fax muitíssimo mais do que recorríamos ao correio [em


papel], mas muito do contacto inter-institucional não-formal é feito já por correio
electrónico. Agora o contacto formal acaba por ser feito sempre utilizando o fax.
Nós não enviamos um parecer para uma instituição por correio electrónico; se
enviarmos, enviamos também por fax, porque não há um recibo instantâneo de que
ele foi recebido [por correio electrónico]: é muito arriscado, ainda. É também uma
questão de prazos legais: se eu tenho de enviar um estudo de impacto ambiental
até à meia-noite de sexta-feira, se o enviar por correio electrónico não tenho
nenhum recibo de que foi recebido antes da meia-noite; se fizer a mesma coisa por
fax, tenho; é uma prova de que lá chegou. É só essa a diferença. Não queremos
que se argumente com a questão dos prazos. E o problema até pode ser com o
nosso servidor».

No que diz respeito a possíveis alterações do perfil dos agentes contactados pela
Quercus em virtude da utilização das TICs, Ferreira defende que

«houve um recurso a estas tecnologias de comunicação também por parte dos


outros, portanto digamos que as coisas foram feitas mais ou menos em paralelo,
nuns casos mais avançado que noutros. Há aqui mecanismos de feedback: nós
começamos a utilizar [as TICs], os outros também começam a utilizar. Não acho
que isso tenha levado ao contacto com novos agentes. Há um volume maior de
informação, e há um conjunto de agentes maior, principalmente ao nível

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internacional, mas mais isso [a manutenção dos mesmos agentes com utilização de
outros meios]. Eu estou em seis ou sete listas com informação a nível europeu, e
era impossível participar neste tipo de discussões e ter este tipo de informação se
não tivesse acesso à Internet, aí não há dúvidas. Mas é mais ao nível
internacional».

No que diz respeito ao figurino de introdução das TICs na Quercus, diz Ferreira
ter esta decorrido a partir da acção interna de

«alguns membros que procuraram implementar as tecnologias e tomar essas


decisões. A parte dos telemóveis e a parte do correio electrónico fui eu, na altura
em que era Presidente, que acabei por tomar quase todas essas decisões. Era uma
experiência inevitável: o correio electrónico pela utilização na Universidade e
também em casa há bastante tempo; embora a experiência do correio electrónico
tenha sido um pouco mais complicada porque quando nós falamos com todos os
núcleos significa que todos os núcleos têm de ter endereço de correio electrónico.
Em relação aos telemóveis, foi realmente um pouco o produto de, em várias acções
da Quercus, percebermos que o contacto por telemóvel acabava por ser
imprescindível, entre nós, com a Comunicação Social, ou com outras pessoas que
eram vitais em termos da organização».

Esta adaptação da Quercus às TICs cuja utilização é actualmente mais frequente


é sublinhada por este activista quando afirma que

«toda a lógica de comunicação e divulgação das ideias da Quercus tem estado em


conjugação com aspectos de inovação e introdução de tecnologias na sociedade: o
recurso a telemóvel, a correio electrónico, tudo isso faz parte da adaptação que a
própria Quercus teve de fazer para responder a um conjunto de desafios que são
muito mais imediatos. A resposta, em termos temporais, era muito demorada;
actualmente não».

Um dos desafios que se coloca à Quercus, no âmbito da instrumentalização das


TICs que opera, é, na opinião de Ferreira, a dinamização destas últimas enquanto
recurso mobilizador de recursos humanos. Segundo afirma,

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«à partida, o recurso a novas tecnologias permite uma maior transparência e uma


maior capacidade de comunicação. O problema é que as associações são feitas de
pessoas e o envolvimento de um número maior de pessoas é absolutamente vital
para aumentar a capacidade de cada uma das associações; e para haver mais
pessoas a trabalhar é preciso, a longo prazo, uma mudança de comportamento e
de perspectivas sobre o que são as associações, e também uma posição mais pró-
activa das associações em relação a isso. [Estas tecnologias] desempenhariam um
papel [de mobilização] muito melhor se a Quercus, ao nível da página de Internet
que tem, apostasse: em algumas áreas, nomeadamente a sistematização da sua
própria informação, ainda está um pouco pobre, também por falta de gente para
lidar com essas novas tecnologias. Por exemplo: divulgamos os comunicados da
Quercus para uma lista de cento e tal jornalistas mas não estamos a colocar o
comunicado numa página na Internet que poderia ser acessível a qualquer pessoa.
Portanto há aqui alguns pequenos pormenores, que têm a ver com as prioridades
da própria associação e com a existência de pessoas que possam fazer esse
trabalho, de forma geralmente voluntária; há aqui algumas componentes que
acabam por ser travadas; mas que sem dúvida podem ser vitais para a expansão e
para uma maior transparência da própria Quercus».

Prospectivamente no que diz respeito à mobilização destes recursos humanos e


tecnológicos, Ferreira entende que a utilização das TICs deverá massificar-se

«com vantagens e desvantagens – nomeadamente em relação à gestão que cada


um pode fazer das tecnologias, em que é preciso ser-se um pouco razoável, pelos
conflitos que isso pode criar. Ao nível da Quercus, eu penso que haverá ainda
oportunidades para uma maior utilização em algumas áreas quando elas
efectivamente se banalizarem; estou a pensar, por exemplo, na video-conferência:
é provável que nós fizéssemos video-conferência em vez de fazermos conferência
telefónica; mas para isso é preciso que toda a gente tenha video-conferência e
também é necessário que todos tenhamos esses meios em casa: computador,
Internet rápida, etc. Eu acredito que existe alguma margem a esse nível. Já noto
algum problema em relação ao facto de a quantidade de informação que tínhamos
e a que temos agora exigir muito mais tempo: a capacidade de resposta da
Quercus não acompanhou o aumento da informação que circula sobre os vários
temas em relação aos quais a Quercus se pronuncia e acompanha. Eu acho que

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vamos conseguir acompanhar [a evolução tecnológica] enquanto conseguirmos


lidar com o aumento da informação processável».

• GAIA – GRUPO DE ACÇÃO E INTERVENÇÃO AMBIENTAL

Criado em Março de 1996 na Faculdade de Ciência e Tecnologia da


Universidade Nova de Lisboa, o GAIA possui actualmente entre trezentos a trezentos e
cinquenta sócios, e desenvolve uma actividade que visa promover o desenvolvimento
social ecologicamente sustentado, melhorar as condições ambientais da faculdade onde
foi criado e onde ainda se encontra instalado, e trazer inovação à defesa do Ambiente
em Portugal. Esta localização no seio de uma Universidade constituiu-se mesmo como
um dos traços identitários desta organização: segundo Gualter Baptista, elemento da
organização há quatro anos – os últimos três dos quais como Presidente –,

«o GAIA começou por ser uma associação universitária; era um núcleo da


Associação de Estudantes. Mas a certa altura achámos que ser só um grupo
universitário era limitado para as coisas que estavamos a desenvolver, e então
decidimos constituir-nos como Organização Não-Governamental de Ambiente.
Maioritariamente, a “força de trabalho” continua a ser de estudantes
universitários, sobretudo desta Faculdade, mas também temos pessoas “de fora”
que não são estudantes universitários, de Lisboa, e os Voluntários Internacionais
[Para o Ambiente]. Somos uma organização essencialmente centrada nas bases, ou
seja, as acções são dirigidas à população em geral, estudantes universitários – que
são aqueles que estão mais próximos – ou outros extractos da população; mas
normalmente com uma grande incidência sobre os jovens. Por vezes fazemos
alguma pressão a nível autárquico ou a nível governamental mas esse não é o
nosso principal foco: o nosso principal foco é as pessoas».».

No que diz respeito à estrutura da organização, afirma:

«legalmente temos um Presidente, um Vice-Presidente, dois Secretários e um


Tesoureiro. Na prática, funcionamos de uma forma basicamente horizontal, em
que as decisões são tomadas em conjunto em reuniões, as quais são abertas à

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participação de qualquer pessoa interessada. O facto de eu ser Presidente não me


faz ter mais poder sobre as decisões».

Relativamente à evolução da estrutura e do modo de acção do GAIA, o


entrevistado sublinha estarem em curso algumas transformações: nas suas palavras,

«já tivemos várias abordagens: quando começámos a querer expandir-nos mais e


a organizar-nos decidimos criar Grupos. Só que acabámos por criar tantos
Grupos que ficámos completamente divididos: tínhamos dez Grupos e alguns deles
não se “mexiam”, havia um ou dois Grupos activos. Então decidimos acabar com
o conceito de Grupos; focarmo-nos mais em Campanhas ou Projectos como
unidade [de trabalho]. Este ano estamos num ponto intermédio entre o que eram os
Grupos e o que são as Campanhas (...) para ver se não se cria uma divisão muito
grande mas ao mesmo tempo para que existam objectivos definidos e que as
pessoas saibam o que há para fazer e os passos a seguir».

Quanto ao papel do contexto nacional na actividade do GAIA, diz Baptista que


este

«não influencia assim tanto, porque o nosso foco principal são as pessoas; e
independentemente do contexto político, as pessoas estão cá sempre e os seus
hábitos acabam por ser sempre os mesmos: não é por mudar o partido no Governo
que uma determinada pessoa vai começar a fazer reciclagem. Agora o que pode
haver é às vezes determinadas situações que podem levar-nos a incidir sobre um
aspecto específico. [Mas] há uma diferença essencial: se estivessemos num país
como a Holanda, não tenho dúvida de que a participação [em termos de activismo
ambiental] seria muito maior; ainda há pouco tempo li num artigo numa lista de
discussão de Ambiente uma pessoa dizer que no Reino Unido as organizações até
fazem inquéritos aos voluntários antes de eles entrarem, para fazerem uma
selecção: é tanta gente a querer participar que se podem dar ao luxo de escolher.
Duvido que alguma vez fizessemos uma selecção mas tenho a certeza de que
poderíamos contar com mais gente se estivessemos num país com uma tradição de
participação maior em voluntariado. Por exemplo: uma associação regional em
Espanha tem muito mais sócios que a própria Quercus, que é a maior associação
em Portugal. Isto já diz alguma coisa».

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Concretamente no que diz respeito ao contexto tecnológico nacional, afirma:

«não sei se o contexto tecnológico do país influencia [a acção do GAIA]. Mas


eventualmente é possível que a nossa falta de computadores adequados tenha
alguma ligação com isso. Talvez se tivessemos um país com melhores ligações de
rede, em que há mais dinheiro para meios informáticos, talvez tivessemos mais
facilidades de trabalho, em termos de organização do nosso servidor, por exemplo.
Por outro lado, como estamos numa Universidade, até temos mais facilidade do
que provavelmente a maioria das organizações, porque conseguirmos ter uma
ligação à Internet vinte e quatro horas – o que nos permite ter um servidor próprio
sem pagar por isso».

Já em relação à influência do contexto internacional sobre a actividade da


organização a que preside, Baptista afirma que

«por vezes sim [, influencia,], porque uma vez que temos esta ideia de uma
abordagem do Ambiente mais holística, integrando problemas sociais e problemas
económicos, há muitas questões a nível internacional que vão influenciar o que nós
fazemos. Nós temos vindo a estabelecer cooperação internacional com países
europeus e mediterrânicos, e portanto qualquer alteração significativa a esse nível
pode alterar ou transformar essa cooperação».

Uma das ilustrações destaa cooperação internacional e da acção de agentes


externos internacionais sobre o GAIA é o programa de Voluntários Internacionais para
o Ambiente, em relação ao qual Baptista afirma:

«este é o primeiro ano em que estamos a ter Voluntários Internacionais. A nossa


actividade internacional começou essencialmente com uma Campanha – a Aposta
–; já tínhamos algumas reuniões a nível internacional mas onde estabelecemos
mesmo cooperação foi com essa Campanha, levada a cabo em cerca de mais de
quinze países da Europa. Depois, surgiu a ideia de, como somos essencialmente
voluntários a tempo parcial, ter alguém a tempo inteiro. E o Serviço Voluntário
Europeu, que é financiado pela Comissão Europeia, pareceu-nos ser uma boa
ideia. Surgiu a ideia, avançámos com o projecto, e agora em Setembro voltámos a
candidatar-nos».

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Ainda no domínio dos recursos, mais especificamente na utilização das TICs por
parte do GAIA, o dirigente associativo afirma: «nós sempre usámos estas novas
tecnologias». No que diz respeito ao modo de introdução destas últimas no GAIA,
Baptista afiança que

«havia uma pessoa que se interessava particularmente por computadores, e penso


que foi ela que terá promovido isto. Quando eu entrei, porque também me
interesso por computadores, dinamizei também a parte informática».

Quando à intensidade da sua utilização, reconhece que estas

«são utilizadas muito regularmente. Quando entrei para o GAIA, penso que já
existia uma mailing list, estava alojada no servidor da Faculdade, de discussão
geral. Houve aí um ou dois anos em que angariámos muitos sócios e essa lista
geral do GAIA começou a ter bastante movimento, e criámos uma série de outras
listas mais temáticas. A “GAIA Geral” acabou de se subdividir em duas, uma para
discussão geral que mantém esse nome e outra unilateral, de anúncio de eventos,
actividades, Projectos, comunicados, para a qual só o GAIA ou determinadas
pessoas podem enviar – porque há pessoas que se queixam, por um lado, que o
volume de mensagens é muito elevado e que não querem saber daquelas discussões
para nada, querem é estar a par do que o GAIA faz, e há outras pessoas que não
querem saber do que o GAIA faz, querem apenas participar em discussões de
Ambiente. Vamos também dividir a “GAIA Direcção” em duas; uma para assuntos
mais administrativos, aqueles assuntos chatos mas que são essenciais para o
funcionamento da organização – desde financiamentos a cartas às quais é preciso
responder –; e a “GAIA Activistas”, já mais de discussão de projectos que estão a
ser executados pelo GAIA, dar sugestões; é um espaço de discussão mais aberto.
Temos um Portal Ecológico, em que qualquer pessoa pode submeter notícias
ligadas ao Ambiente, e lá nós fazemos também o anúncio das nossas actividades e
dos comunicados que temos. Outra ideia que anda a surgir é criar fóruns; o
primeiro que estamos a testar é um fórum de planeamento de actividades para
2003; ou seja, em complemento às mailing lists, ter um fórum em que a informação
aparece mais organizada, o que obriga também as pessoas a fazerem um esforço
para irem até lá, e portanto cria talvez mais dinâmica».

PEDRO PEREIRA NETO ALUNO Nº 12 854 P.74


REPRESENTAÇÕES E DINÂMICAS DE UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM PORTUGAL:
OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

No que diz respeito à relação de forças entre a utilização de media mais recentes
e media mais convencionais, bem como à sua adaptação a receptores-alvo específicos, o
entrevistado é da opinião que

«tem havido uma oscilação. Inicialmente havia só e-mail, porque não tínhamos
mais recursos: não tínhamos telefone, não tínhamos dinheiro para cartas, não
tínhamos nada. O correio convencional é usado muito poucas vezes; até estamos a
pensar alterar os estatutos porque diz lá que é preciso convocar por correio a
Assembleia Geral; e isso é uma despesa enorme. Actualmente usamos um pouco
mais o telefone – uma vez que temos acesso a ele – usado essencialmente para
questões mais imediatas. Usamos também o fax, para enviar comunicados para a
imprensa – para os quais também usamos e-mail. Mas a comunicação mais global
faz-se mesmo por e-mail. Essencialmente é e-mail, e telefone para coisas mais
imediatas. Se enviarmos um e-mail para o IPJ só temos resposta daqui a dois dias
ou três. O tipo de assunto a tratar também se resolve mais facilmente por telefone.
Depende do assunto a tratar e das pessoas contactadas».

Em relação à utilização das TICs no âmbito de processos de tomada de decisão,


Baptista afirma que

«por vezes é difícil tomar decisões por e-mail; obviamente não podemos reunir
todos os dias e há coisas muito urgentes, e nesses casos o e-mail dá muito jeito:
alguém fica de fazer um comunicado, envia-o para a lista para as pessoas
enviarem o seu feedback e ficamos com um comunicado final».

Apesar da intensidade desta utilização, o espaço de lugares continua a ser


determinante neste processo, face ao espaço de fluxos: como garante Baptista,«são mais
[as decisões tomadas em reuniões que por e-mail]; bastante mais. Chats, nunca usámos.
Talvez fosse mais fácil tomar decisões, porque estaríamos reunidos em simultâneo».
Paralelamente, verifica-se que as TICs são frequentemente utilizadas para partilha de
conteúdos, não existindo por vezes qualquer registo de Projectos em papel.
A importância reconhecida pelo GAIA ao papel das TICs é sublinhada por este
activista quando questionado sobre se seria possível manter os canais de comunicação
existentes com organizações no país e no estrangeiro sem as TICs, a que respondeu que
«seria impossível». Afirma ainda que a sua utilização

PEDRO PEREIRA NETO ALUNO Nº 12 854 P.75


REPRESENTAÇÕES E DINÂMICAS DE UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM PORTUGAL:
OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

«muda radicalmente a organização. Nem sequer consigo imaginar como seria...


teria alguma dificuldade em organizar-me num escritório sem e-mail. Desde que
eu conheço [o GAIA] acaba por ser a nossa base de comunicação. Temos as
reuniões periódicas mas isso nunca seria suficiente para fazer a quantidade de
actividades que temos. Acho que não é apenas uma questão de mudar do contacto,
da comunicação boca-a-boca ou do telefone para o e-mail; é mesmo uma questão
de base que influencia toda a organização. Foi um mundo completamente
diferente, a partir do momento em que tivémos e-mail e comunicação
internacional. Fui a primeira pessoa do GAIA a ir a um encontro internacional, e
todo o contacto foi estabelecido por e-mail».

Numa análise retrospectiva e prospectiva, Baptista defende que

«os benefícios [possíveis da utilização das TICs pelo GAIA] já estão atingidos;
mas há pessoas que ainda não têm o hábito de ler o e-mail todos os dias. Em
termos de activistas universitários mais ou menos já está perto do nível máximo.
Em termos de um público mais vasto, ainda pode ter muito a ganhar, a partir do
momento que a população em geral se habituar a usar estas novas tecnologias».

B) SISTEMATIZAÇÃO E REGULARIDADES

A partir dos dados recolhidos é possível traçar algumas linhas de semelhança


entre as organizações ambientalistas portuguesas, não apenas no que diz respeito à
actividade que desenvolvem e ao figurino organizacional que adoptam para o efeito mas
também ao nível da utilização que efectivam das TICs e das representações que
veiculam a seu respeito.
Desde logo se destaca a sua abordagem à defesa do meio Ambiente nacional a
partir de uma lógica que promove o desenvolvimento sustentável, a qual se traduz, em
boa parte dos casos, na própria gestão de espaços naturais onde seja assegurada a
aplicação desse princípio.
Por outro lado, realce-se igualmente que a sua actividade se desenvolve a partir
de um associativismo baseado em trabalho voluntário, trabalho este que vem a
traduzir-se, na maioria dos casos, na constituição de matrizes temáticas, no que pode

PEDRO PEREIRA NETO ALUNO Nº 12 854 P.76


REPRESENTAÇÕES E DINÂMICAS DE UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM PORTUGAL:
OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

considerar-se uma compartimentação ou projectização da sua acção, ilustrando de modo


apreciável o postulado defendido por Melucci de que a unidade observável em cada
movimento social não deve ser tomada como adquirida, mas antes desconstruída e
analisada como ponto de partida (Melucci, 1996: 383). Por outro lado, dado que os
movimentos sociais não dispõem, regra geral, de acesso directo ao sistema político,
recorrem muitas vezes a estratégias laterais, nomeadamente o exercício de influência
indirecta por via da opinião pública e de uma base social de apoio alargada ou
especializada (McCarthy, Smith e Zald, 1996: 291; Rucht, 1999: 211), algo que se
verifica para a maior parte das organizações observadas.
A actividade destas organizações, essencialmente regular e pró-activa, é
desenvolvida de modo construtivo (e não apenas crítico), de acordo com valores de
independência política, científica e económica, consubstanciando-se muitas vezes no
estabelecimento de redes nacionais e internacionais, algo que é consentâneo com o que
defende Tarrow: segundo este autor, os movimentos sociais contemporâneos dispõem
de recursos flexíveis, de acesso mais fácil a alguns media, de mobilidade geográfica e
de interacção cultural mais rápida e barata, e contam com a colaboração de diversos
tipos de outras organizações em rede para a organização simplificada de campanhas
temáticas (Tarrow, 1998: 207/208). Também Touraine considera os movimentos sociais
contemporâneos como descentralizados, fluídos, ligados em rede, tecnologicamente
sofisticados e simultaneamente locais e globais (Garner, 1996: 385).
A própria introdução das TICs parece seguir um modelo similar em todas as
organizações observadas, decorrendo essencialmente da acção interna de elementos com
experiência no seu manuseio, na maior parte dos casos inscritos da Direcção destas
organizações.
Paralelamente, segundo Atton, a Internet torna-se atractiva para estes
movimentos sociais dadas as suas potencialidades informacionais e comunicacionais e
dada a interacção que estabelece com outras tecnologias (Atton, 2002: 133). Neste
sentido, e segundo o sugerido por Diani, verifica-se serem as organizações
conservacionistas de tipo político pragmático (sobretudo a Quercus) aquelas que tem
demonstrado uma maior instrumentalização das TICs dado operarem em termos de uma
racionalidade instrumental que visa a apropriação das vantagens decorrentes de
inovações tecnológicas (Diani, 1995).
Já no que diz respeito à representação da eficácia da utilização destas
tecnologias, constata-se que esta é extremamente positiva, sendo-lhe atribuídas com

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OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

frequência características como a relação custo/benefício a nível de despesas e a rapidez


e facilidade de contacto conseguidas a partir delas, o que contribui para as considerar
como imprescindíveis, sem as quais o trabalho destas organizações seria, em grande
medida, dificultado ou mesmo, segundo alguns entrevistados, impossível.
Observa-se ainda alguma correspondência entre a enfatização da acção nacional
da organização e o carácter mais directo da pressão política exercida – casos da LPN e
do GEOTA.
Uma sistematização dos dados recolhidos pode ser observada no seguinte
quadro:

LPN GEOTA Quercus GAIA


PROPÓSITO Conservação; pressão conservação; conservação; pressão
DA ORGANIZAÇÃO política directa; pressão política directa; política directa; pressão educação
E TIPO DE educação; investigação educação; formação; política indirecta; educação;
CTIVIDADE investigação formação; investigação
ENQUADRAMENTO ambientalismo ambientalismo ambientalismo ecologismo
SEGUNDO A TIPOLOGIA DE político político político radical
RUCHT E DIANI pragmático pragmático pragmático
ENQUADRAMENTO preservação política política contracultura
SEGUNDO A TIPOLOGIA DE da natureza verde verde ecologista
CASTELLS

local e regional por local, regional,


ALCANCE SOCIAL nacional protocolos, nacional e nacional e transnacional local e transnacional
transnacional
TRANSFORMAÇÕES

DESTE inexistentes inexistentes inexistentes Inexistentes


PROPÓSITO

ESTRUTURA vertical, horizontal, horizontal, horizontal,


ORGANIZACIONAL centralizada por projecto por tema por campanha
ESTABELECIMENTO

EM REDE sim sim sim sim


PAPEL

DO CONTEXTO muito relevante muito relevante relevante pouco relevante


NACIONAL

PAPEL

DO CONTEXTO pouco relevante pouco relevante relevante relevante


INTERNACIONAL

MODO

DE INTRODUÇÃO endógeno endógeno endógeno endógeno


DAS TICS

RELAÇÃO tudo TICs tudo TICs tudo TICs tudo TICs


TICS / MEDIA excepto reuniões e excepto reuniões e excepto interlocutores excepto reuniões e
CONVENCIONAIS interlocutores formais interlocutores formais formais interlocutores formais
ALTERAÇÃO DE

INTERLOCUTORES residual de acordo com as de acordo com as residual


DECORRENTE DA verificadas na sociedade verificadas na sociedade
UTILIZAÇÃO DAS TICS

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REPRESENTAÇÕES E DINÂMICAS DE UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM PORTUGAL:
OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

determinante enquanto determinante enquanto determinante enquanto determinante enquanto


PAPEL DAS TICS instrumento instrumento de instrumento de instrumento de
de comunicação comunicação e comunicação comunicação
desenvolvimento
difícil trabalhar sem elas;
impossível trabalhar sem poupança de custos e de poupança de custos; facilitam contacto;
EFICÁCIA DAS TICS elas; facilita contacto e tempo; ultrapassaram todas permite capacidade de impossível manter certos
acesso à informação as outras ao nível da resposta maior; facilita canais de comunicação
eficácia, rapidez e contacto contacto e acção; rapidez sem elas
simultâneo
MARGEM grande, grande,
DE UTILIZAÇÃO muito grande de acordo com recursos de acordo com recursos pequena
PROSPECTIVADA financeiros disponíveis humanos disponíveis

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8. CONCLUSÕES

Ao longo deste documento aferimos o modo como os movimentos sociais


constituem, para muitos autores, um dos sectores mais dinâmicos da sociedade,
representando um dos campos nos quais se reveste de particular pertinência a
observação das implicações da utilização das TICs, no sentido de prospectivar as
tendências de utilização futura destas tecnologias.
No sentido da prossecução do objectivo definido – saber em que medida estão as
práticas e as estruturas dos movimentos sociais a ser transformadas pela utilização das
Tecnologias de Informação e Comunicação – foi definido um objecto de estudo – as
organizações ambientalistas enquanto movimentos sociais – que permitisse a
observação de regularidades no que diz respeito às dinâmicas de representação e
instrumentalização dessas tecnologias.
Para esta observação foram articulados três níveis de análise social,
designadamente macro-, meso- e micro-social. Uma vez que as oportunidades políticas
e recursos instrumentalizáveis não determinam, por si só, qualquer acção colectiva,
sendo necessário que sejam mediadas e tornadas significantes por uma matriz de
significados simbólicos partilhados pelos indíviduos (McAdam, McCarthy e Zald, 1996:
5), foi considerado que cada movimento social resulta de uma articulação específica
entre estas três dimensões (McAdam, McCarthy e Zald, 1996: 6; McCarthy, 1996: 150).
De uma perspectiva macro-social, foi tido em linha de conta o modo como o
grau de acesso ao sistema político constitui uma variável de peso na análise do
movimento ambientalista. Se, por um lado, o espaço político disponível para a
introdução das questões ambientais é maior quanto mais os eixos de conflito social
herdados da sociedade industrial estiverem inscritos e institucionalizados na ordem
política vigente, por outro lado o acesso – formal e informal – é maior quanto menos
centralizado se encontrar o próprio aparelho de Estado (Van der Heijden, 1999: 213).
Neste particular, Soromenho-Marques considera o sistema político português altamente
centralizado (Soromenho-Marques, 2002: 106); paralelamente, a causa verde não
possui, em Portugal, representatividade parlamentar significativa. Acresce ainda a estas
observações a de Vasconcelos, para quem foi visível, no âmbito de todo o processo que
conduziu à localização e execução do projecto da Ponte Vasco da Gama, uma
dificuldade de estabelecimento de formas de cooperação entre orgãos políticos – com

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processos de decisão administrativa marcadamente centralizados e hierarquizados


(Soromenho-Marques, 2002: 106) – e os grupos de interesse, entre os quais se contavam
algumas organizações ambientalistas – com um funcionamento de natureza adhocrática
(Vasconcelos, 2002: 132). Deve ainda atender-se ao formato e timings de investimento
em novas tecnologias por parte do Governo, bem como à forma como o próprio projecto
de uma Sociedade de Informação se tem inserido apenas timidamente na sua agenda
política. Dado este cenário, Rucht considera Portugal um país no qual são reduzidos
indicadores como a ambição das medidas políticas ambientais adoptadas, a influência
exercida pelos partidos ecologistas existentes, e a efectiva pressão exercida por
movimentos ambientalistas (Rucht, 1999: 220).
Na sequência destes dados, e num ângulo de análise meso-social que parte da
premissa de que as características mais distintivas do movimento ambientalista são a
diversidade de acções, políticas e discursos que compreende, e a sua natureza
descentralizada, multiforme e orientada para o estabelecimento de redes (Castells,
1997), observámos que uma parte significativa do sucesso do movimento ambientalista
decorre da sua capacidade de adaptação ao novo paradigma tecnológico (Castells, 1997)
até porque, como afirma Vasconcelos, o propósito e a dinâmica destas organizações tem
de adaptar-se à sociedade em constante mutação na qual se encontra inserida
(Vasconcelos, 2002: 135) – algo plenamente constatado a partir dos dados recolhidos
junto dos entrevistados. Foi igualmente observável que as formas de utilização da
Internet por parte de organizações ambientalistas variam entre pressões e influência
exercidas sobre os políticos eleitos, titulares de cargos públicos e elites políticas,
estabelecimento de redes de contacto e cooperação com outras organizações com vista à
concertação de acções, recrutamento e a mobilização de membros e simpatizantes,
recolha de fundos, e veiculação da sua mensagem para e através dos media.
Soromenho-Marques observa ainda, neste âmbito, que as organizações ambientalistas
em Portugal têm vindo a intensificar formas de cooperação que, em seu entender,
assumem contornos de federalismo temático – e que é ilustrado pelos dados recolhidos
por este documento.
A nível micro-social foi possível aferir o modo como, segundo Zald, a
transformação dos repertórios organizacionais e de acção dos movimentos sociais está
associada à especificidade dos seus dispositivos interpretativos culturais (Zald, 1996:
266), os quais são decisivamente influenciados pelas transformações no domínio da
tecnologia (Zald, 1996: 270). Como defende Rocher, os agentes sociais são os

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REPRESENTAÇÕES E DINÂMICAS DE UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM PORTUGAL:
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produtores das suas representações e das suas ideias mas agem condicionados por um
determinado desenvolvimento das forças produtivas do sistema social em que se
encontram historicamente inseridos (Rocher, 1989: 32). Assim sendo, observámos as
representações muito positivas veiculas pelos entrevistados sobre as utilizações das
TICs que concretizam e que consideram possíveis no futuro, às quais associam ganhos
significativos de eficácia no desenvolvimento da sua actividade.
Concretamente em relação à verificação das hipóteses avançadas, importa em
primeiro lugar recordá-las:

• a introdução e instrumentalização das Tecnologias de Informação e


Comunicação em Portugal não acarretou ainda uma transformação da estrutura
das organizações ambientalistas no nosso país;
• ao nível das práticas destas organizações, a tendência é para que estas
Tecnologias constituam sobretudo um instrumento adicional de trabalho e não a
ferramenta basilar paradigmática que substitui e torna obsoletas todos os outros
media utilizados por estas organizações.

No que diz respeito à primeira hipótese, observa-se, a partir dos dados


recolhidos, que ela se verifica; na sequência da introdução tardia de valores
pós-materialistas na sociedade portuguesa, e aliada a uma info-alfabetização que apenas
nos últimos 4 anos conheceu verdadeira expansão, a estrutura das organizações
ambientalistas em Portugal não tem sido significativamente afectada pela utilização das
TICs, sendo o cenário mais frequente o da instrumentalização para fins semelhantes aos
já existentes para as Tecnologias anteriormente utilizadas, sobretudo para a
comunicação de âmbito nacional. Apesar destes sinais de abertura à utilização de novos
recursos tecnológicos, a estrutura destas organizações é função muito maior dos seus
objectivos e recursos humanos e financeiros do que da introdução das TICs.
Relativamente à segunda hipótese, e na sequência da expansão conhecida nos
últimos quatro anos, observa-se que ela não se verifica, uma vez que algumas das TICs,
designadamente o correio electrónico, se massificaram já no seio das ONGAs nacionais
a ponto de terem substituído quase todo o contacto interno e externo, à excepção das
reuniões para tomadas de decisão (e mesmo neste particular com alguma substituição já
em curso) e dos contactos formais (quer os estatutariamente definidos, quer aqueles
obrigatórios por Lei). Contudo, e de acordo com Zelwietro, o conhecimento das

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OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

potencialidades da Internet por movimentos ambientalistas é superior à utilização


efectiva que lhe é dada (Kutner, 2000), o que se traduz, no caso das organizações
estudadas, por um conhecimento das vantagens decorrentes de uma utilização mais
eficaz das TICs, a qual não é neste momento possível por limitações de vária ordem,
sobretudo financeira e humana.
Por último, no âmbito do debate em curso na Sociologia sobre o papel
instrumental ou infra-estrutural das TICs, parece-me pertinente rever sinteticamente os
argumentos inscritos em cada uma destas correntes, articulando-os com os dados
recolhidos e conclusões produzidas por este estudo.
Para os autores considerados ciber-optimistas, os processos de
informacionalização e as diversas globalizações em curso, motivadas por redes de poder
e tecnologia, estão a transformar o nosso mundo (Castells, 1997). O tratamento,
avaliação e processos de decisão baseados na informação alteram decisivamente os
modos de vida dos cidadãos (Webster, 2001: 5), sendo notáveis a profundidade e
cadência destas transformações. Segundo Pickerill, as TICs são mais que uma extensão
das formas existentes de comunicação, dado que oferecem uma variedade de
oportunidades anteriormente inexistentes aos activistas ambientais, nomeadamente um
meio de organização e mobilização mais rápido e barato e de libertação dos
constrangimentos associados a outros media (Pickerill, 2001: 142). O contributo das
TICs para este fenómeno, e nomeadamente a Internet enquanto sua pedra-de-toque
paradigmática, é o de mais que instrumentos cujo potencial é concretizado pela acção
colectiva, devendo estas ser consideradas como a infra-estrutura das formas de
organização em rede observadas, das quais são indissociáveis da mesma forma que a
fábrica o era em relação ao movimento operário (Castells, 2001: 139). Para Castells, a
qualidade dos movimentos ambientalistas enquanto metáfora dos conflitos emergentes
na sociedade em rede decorre da forma como vencem o hiato existente entre o espaço
de fluxos e o espaço de lugares (Dordoy e Mellor, 2001: 168) essencialmente através da
instrumentalização de TICs, estabelecimento de elos institucionais internos e externos
flexíveis, estruturas organizacionais horizontais, e modos informais de pertença e
associativismo (Norris, 2001: 2). Daí que as organizações de menor dimensão e maior
flexibilidade instrumentalizem de modo mais eficiente as TICs uma vez que a sua acção
não obedece a protocolos ou lógicas burocratizadas de funcionamento, como ilustram
sobretudo os casos da Quercus e do GAIA (Pickerill, 2001: 143).

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OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS

Contudo, para outros autores, o determinismo técnico não é melhor que outros
determinismos (Rocher, 1989: 26), razão pela qual nem todos os analistas partilham o
optimismo anterior, particularmente se tivermos em consideração que o acesso a essas
tecnologias não é universal nem o será tão cedo, e que mesmo aqueles que delas
dispõem neste momento nem sempre possuem o conhecimento necessário para
aproveitar ao máximo esse acesso (Ford, Gil, 2000: 204). Para Lyon, o erro no
determinismo tecnológico assenta sobretudo no facto de se situar a tecnologia fora do
sistema social e exercendo efeitos sobre este, quando na realidade ela é um produto
social com origens sociais específicas (Lyon, 1992: 10): nas palavras de Rocher, «(...) a
importância histórica do factor técnico tem de ser interpretada no seu quadro global
(...) [dado que] (...) a máquina não pode ser separada do seu quadro social (...) pois é
esse quadro que lhe confere sentido e objectivo» (Rocher, 1989: 25). Ainda para este
autor, «o factor técnico é (...) uma variável de peso. Mas é-o sobretudo no mundo
contemporâneo (...)», pelo que «não se pode apreciar a influência real da tecnologia
sem ter em conta o contexto cultural em que se insere» (Rocher, 1989: 29). Para Dordoy
e Mellor, as TICs intensificam os processos em curso na ordem capitalista, mas não
assinalam qualquer transição para um novo paradigma social tecnológico (Dordoy e
Mellor, 2001: 181). Para que a sociedade em rede transforme realmente o sistema
político terá de ultrapassar as desigualdades herdadas da sociedade industrial, algo que
não está a ter lugar na opinião destes autores (Dordoy e Mellor, 2001: 173). Também
para Lyon, «não é líquido que esteja a surgir uma qualquer sociedade da informação
com as características que lhe são habitualmente atribuídas (...) [uma vez que] o
centralismo, os monopólios e as desigualdades do capitalismo não estão em vias de
desaparecimento (...)» (Lyon, 1992). Como afirma Hamelink, a massificação da
utilização dos computadores não altera a desigualdade social existente ao nível do
acesso e controlo dos benefícios potencialmente decorrentes das TICs (Lyon, 1992),
pelo que a sua utilização pode estar apenas a reflectir desigualdades estruturais (Dordoy
e Mellor, 2001: 174), opinião partilhada por Diani, para quem a Comunicação Mediada
por Computador reflecte desigualdades mais do que as vence (Diani, 2001: 126) – o que
se traduz no facto de os cidadãos mais facilmente mobilizados se encontrarem já
inscritos em estruturas e redes organizacionais (Pickerill, 2001: 143). Assim sendo,
apesar de o movimento ambientalista parecer ilustrar os traços da política da Era da
Informação, transporta e reflecte ainda grande parte da agenda do paradigma
Capitalista, nomeadamente as temáticas da posse e exercício de poder e da desigualdade

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(Dordoy e Mellor, 2001: 173), pelo que é prematuro apontar a existência, nos dias de
hoje, de novos modos de fazer política (Webster, 2001: 10).

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