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OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS
2001/2002
REPRESENTAÇÕES
E DINÂMICAS DE UTILIZAÇÃO
DAS TECNOLOGIAS
DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
EM PORTUGAL:
OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS
POR
ORIENTADORES:
DR. JOSÉ MANUEL PAQUETE DE OLIVEIRA
DR. GUSTAVO CARDOSO
0. ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO (P. 3)
2. OBJECTIVOS (P. 5)
3. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
(P. 32)
c. MICRO-ANÁLISE: AS MATRIZES COGNITIVAS DE ENQUADRAMENTO DA
1. INTRODUÇÃO
2. OBJECTIVOS
transformada (McAdam, McCarthy e Zald, 1996: 5), cada movimento social resultará,
pois, de uma articulação específica entre estas três dimensões (McAdam, McCarthy e
Zald, 1996: 6) – razão pela qual se deve aceitar o conceito de estrutura de contextos
proposto por Rucht, entre os quais se contam o político, o social, e o cultural
(McCarthy, 1996: 150). Assim sendo, é fundamental para a análise de qualquer
fenómeno colectivo e do papel nele desempenhado pelas TICs uma síntese teórica dos
três níveis sociais nos quais se jogam os movimentos sociais (McAdam, McCarthy e
Zald, 1996: 6).
3. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
Segundo Melucci, a maior parte dos acontecimentos nas vidas dos cidadãos das
sociedades modernas tem lugar em contextos decisivamente influenciados pela
Informação (Melucci, 1995.a: 434-436), razão pela qual esta é considerada o elemento
central nos conflitos emergentes nas sociedades hiperdiferenciadas do nosso tempo
(Maheu, 1995: 113).
Numa era em que a Informação trespassa e media a vida de tantos indivíduos,
numa Economia na qual os recursos informáticos e informacionais começam a
constituir-se como as matérias-primas mais importantes (Mansell, 2001), faz sentido
considerar os media – e sobretudo os novos media – como um objecto cuja análise é
extremamente importante uma vez que quer a posse de know-how de utilização e
controlo destes recursos quer as estratégias informacionais adoptadas pelos agentes
sociais contribuem para e constituem em si mesmas uma das mais determinantes formas
de exercício de poder na modernidade, no interior de meio político e fora dele (Castells,
2001; Silverstone, 2002).
Na sequência desta linha de análise, Castells argumenta, no âmbito da emergente
sociedade em rede, que um dos mecanismos básicos de dominação da era moderna
decorre precisamente de descontinuidades verificadas entre um espaço de fluxos, no
qual se jogam processos instantâneos de concentração de informação e poder, e um
espaço de lugares, no qual se traduzem esses processos e onde a maior parte da
experiência, construção e partilha de significados tem lugar (Castells, 1997). É neste
quadro que assume particular interesse a análise do papel social das Tecnologias de
Informação e Comunicação (doravante designadas pelo acrónimo TICs).
Conjunto de tecnologias de mediação de contacto, sem constragimentos de
tempo ou espaço, entre indíviduos e organizações – de que a Internet é referência
incontornável –, as TICs representam uma forma atípica de comunicação, uma vez que
esbatem as distinções entre, por um lado, domínio público e privado, e por outro lado,
contacto directo e contacto mediado (Diani, 2001: 117). É simultaneamente pública –
por se encontrar potencialmente ao alcance de todos – e privada – uma vez que este
acesso depende da posse de capitais educacionais e informacionais de que nem todos
Contudo, será tudo isto suficiente para assinalar a emergência de novas formas
de participação política ao invés de meramente tornar mais eficazes as formas já
existentes?
Na opinião de Atton, as análises à utilização, por exemplo, da Internet assumem
duas naturezas distintas, sendo uma delas mágica e a outra trágica. Num registo
optimista, a perspectiva mágica aborda a Internet numa lógica de descontinuidade
social, concebendo-a como promotora de uma sociedade nova. Já para os autores
inscritos na perspectiva trágica essa utilização deve ter em consideração traços de
continuidade social, nomeadamente a distribuição desigual de poder e de acesso à
tecnologia (Atton, 2002: 134/135).
Os efeitos da introdução e utilização das TICs devem, pois, ser ponderados a
partir das desigualdades inscritas no sistema social, importanto, a este respeito,
abandonar o ideal ingénuo de Francis Bacon segundo o qual a tecnologia, por si só,
garante o progresso e a igualdade humanos. A continuidade, segundo Webster, é um
traço distintivo do Capitalismo do final do séc.XX e início do séc.XXI (Webster, 2001:
12). Segundo este autor, as conclusões optimistas e tecnologicamente deterministas de
Castells sub-valorizam o papel decisivo ainda desempenhado pelas estruturas enraizadas
de poder inscritas no paradigma social capitalista (Dordoy e Mellor, 2001: 178), sendo
que a importância das práticas políticas institucionalizadas continua a ser considerável
(Webster, 2001: 10). Para Lyon é altamente questionável que a soma de todas as
mudanças sociais em curso venham a corresponder a uma superação do capitalismo
industrial (Lyon, 1992), até porque, segundo Silverstone, muito do debate sobre a
mudança tecnológica a confunde com a mudança social ou cultural (Silverstone, 2002).
Assim sendo, segundo Mansell, a realidade das sociedades ocidentais, reproduz
desigualdades no acesso a tecnologias e, por consequência, nas suas capacidades de,
através delas, transformarem as suas vidas (Mansell, 2001). Por outro lado, e como
afirma Lyon, as capacidades intelectuais necessárias à exploração da informação e da
tecnologia estão desigualmente distribuídas na sociedade (Lyon, 1992). Segundo Lyon,
dado que os benefícios decorrentes da utilização das TICs podem ser apropriados por
qualquer agente social – independentemente do carácter da influência social que
pretende exercer – a sua introdução contribui frequentemente para o aprofundamento
dos hiatos que separam grupos sociais, agudizando as tendências inscritas no
capitalismo industrial (Lyon, 1992). Alguns estudos apontam no sentido de uma parte
muito significativa das páginas disponíveis na Internet dizerem respeito a organizações
ignorarem o facto de que um dos traços distintivos dos movimentos sociais da nossa era
é precisamente o de influenciarem o processo político apesar de muitas vezes se
encontrarem à sua margem (Epstein, 1991: 230)
Neste processo de alteração do status quo e do equilíbrio de poderes no sistema
político, no funcionamento de uma organização e na expressão interna e externa do seu
projecto social, a recolha e disseminação de informação desempenha um papel central
(Kutner, 2000), razão pela qual a comunicação é uma prática vital e o acesso e
utilização das TICs constitui parte da agenda dos movimentos sociais (Pickerill, 2001:
145). Expressão disto mesmo é o facto de Castells considerar as novas tecnologias de
comunicação como sendo fundamentais para os movimentos sociais por cumprirem,
para alguns deles, o papel de infra-estrutura organizacional (Castells, 1997), e a defesa,
feita por Kutner, de que as TICs e a sua natureza descentralizada e não mediada são um
meio rápido, simples e barato de criar, disponibilizar e aceder informação, razão pela
qual as organizações activistas com recursos limitados são particularmente susceptíveis
de utilizarem a Internet (Kutner, 2000).
Em suma, e recuperando as argumentações de Castells e Touraine, os
movimentos sociais podem ser considerados os agentes por excelência da mudança
social da Era da Informação (Castells, 1997; Touraine, 1984), razão pela qual Webster
considera sociologicamente interessante a utilização contemporânea da Internet que
concretizam (Webster, 2001: 10).
I) OS MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS
1
Terminologia à qual regressarei no capítulo Metodologia.
A actualidade
2
Os princípios de Touraine, segundo Rocher: identidade (em nome de quem ou do que fala o
movimento); oposição (o adversário); totalidade (base ou valores universais que promove; objectivo)
(Rocher, 1977-1979).
In My Back Yard ou NIMBY – mas que não se confina a um espectro localista de acção
(Castells, 1997).
AMBIENTALISTAS
4. PROBLEMÁTICA
E ECONÓMICA
As globalizações
Uma das pedras-de-toque das ciências sociais nos últimos anos, o facto social
que constituem as globalizações3 podem ser sucintamente definidas como sendo
processos de intensificação maciça das relações sociais, políticas e económicas à escala
mundial, facilitando e encorajando a concertação de políticas a um nível que transcende
o de cada sociedade (McGrew, 2000: 138) e unindo o destino de regiões por mais
geograficamente separadas que se encontrem (McGrew, 2000: 145).
É, pois, porque a própria modernidade se afigura como inerentemente
globalizante (Giddens, 1992: 44) que o fenómeno das globalizações tem sido alvo de
diversas abordagens, as quais operacionalizam os mais diversos capitais
cientifico-culturais de acordo com orientações teóricas em génese ou já inscritas no
equipamento teórico de cada ramo científico, quer fazendo a sua defesa e/ou
constatando a sua irreversibilidade, quer questionando a sua natureza e os seus efeitos.
Para compreender quais os efeitos deste fenómeno sobre o exercício do poder
político e a forma como se (re)define o xadrez político nacional e internacional neste
contexto são frequentemente referidas três teorias: uma de carácter político mais
tradicionalista4; uma outra que adopta uma perspectiva politico-económica global; e
ainda uma outra, de natureza mais social e transformacional. Detenhamo-nos sobre as
duas últimas.
Para os teóricos defensores de uma abordagem de natureza globalista e
económica do exercício do poder, a prossecução do ideal de mercado livre por parte de
muitos dos Estados capitalistas liberais e a desregulamentação voluntária a que ele
conduziu criaram um vazio normativo premeditado que abriu oportunidades não só à
implantação de um regime capitalista de espectro transnacional mas também à
propagação dos efeitos do poder que os principais agentes desse regime exercem –
poder este que, cada vez mais, escapa ao controlo dos Estados-nação5.
Um dos autores que mais observa este fenómeno é Immanuel Wallerstein, para
quem é a divisão internacional do trabalho que determina a natureza do Estado. Os
3
Várias em curso, e de sentido muitas vezes não coincidente.
4
Cujo contributo, por me parecer menos pertinente, deixarei de parte.
5
Veja-se o exemplo das empresas públicas e privadas portuguesas que transferiram as suas sedes para
países no espaço europeu onde a ausência de harmonização fiscal lhes permite beneficiar de um regime
contributivo mais favorável.
Estados são concebidos por este autor como sendo função do sistema-mundo e não
apenas suas partes, não podendo ser compreendidos fora dele. Para Wallerstein foi o
surgimento do capitalismo que introduziu a possibilidade real de instituição de uma
ordem global; daí que num contexto de ordem económica capitalista globalizada e
globalizadora os autores inscritos nesta corrente considerem que os governos nacionais
possuem cada vez menos poder, sendo que mesmo os Estados mais poderosos se
descobrem constrangidos a prosseguir e defender os imperativos do mercado global e
pelas orientações hegemónicas do grande capital industrial e empresarial.
No que pode ser considerado simultaneamente um esforço de síntese e de
contraposição de algumas das conclusões de autores da corrente anterior, os autores
inscritos na corrente transformacionalista atentam na acção social e política dos
indivíduos, cuja importância é sublinhada por Bobbio quando afirma não existir decisão
política que não seja influenciada pelo que acontece na sociedade civil (Bobbio, 1988:
73). Um ponto em que a posição destas duas correntes é próxima é aquele que diz
respeito ao exercício do poder segundo a lógica vestefaliana de território: para ambas as
correntes, o poder não é mais exercido numa escala nacional mas possui actualmente
uma dimensão transnacional ou mesmo global (McGrew, 2000: 135). Avançando uma
definição de território como sendo um “espaço de fluxos”, estes autores reconhecem
igualmente, à semelhança dos inscritos na corrente anterior, estarem em curso processos
de ultrapassagem do poder do Estado por outras instâncias que o transcendem, que lhes
são constitutivas ou que simplesmente o contornam.
Para melhor compreender os níveis nos quais o poder é exercido foram
propostas zonas de influência: uma zona supra-estatal, a qual, através de uma
articulação política inter-estatal, contribui para a fragmentação não só da governação
global como da governação nacional; uma zona sub-estatal, traduzida no aumento
progressivo da acção governativa regional e local junto de instâncias internacionais,
ultrapassando em muitos casos a iniciativa nacional; e uma zona transnacional, cuja
tradução mais visível é a organização cada vez maior de uma sociedade civil
inter-Estados. Esta última, elemento central da argumentação transformacionalista, é
permitida pela revolução nas comunicações e impulsionada pela necessidade de
constituição de um canal de informação bi-unívoco entre os cidadãos e as instâncias
internacionais que directa ou indirectamente determinam os seus destinos – necessidade
que havia já sido identificada por Bell quando afirmava que o Estado-nação se tornou
Uma sistematização
semelhante é defendida por Tarrow, para quem são igualmente quatro as dimensões a
analisar: o grau de abertura ou acesso ao sistema político; grau de estabilidade de
alinhamentos políticos; disponibilidade e estratégias de potenciais aliados; e conflitos
políticos entre elites (Kriesi, 1995: 167; McAdam, 1996: 26/27).
Considerando que a oportunidade política é o contexto que determina o grau de
acesso ao poder e de manipulação do sistema político (McAdam, 1996: 23), e que este
acesso é função do centralismo e concentração de poderes (executivo, legislativo e
judicial) do regime político (Kriesi, 1995: 171), verifica-se que o sistema político de
representação proporcional proporciona maior acesso e maior número de potenciais
aliados para um movimento social (Kriesi, 1995: 180). McCarthy, Smith e Zald
observam, por seu turno, que os actos eleitorais constituem janelas de oportunidade para
o debate de certas questões e para a mobilização de determinadas elites (McCarthy,
Smith e Zald, 1996: 299), ainda que possam igualmente fechar a agenda política em
torno de um número reduzido de questões.
O grau de acesso ao sistema político é absolutamente central para a análise do
movimento ambientalista. Por um lado, quanto mais os eixos de conflito social herdados
da sociedade industrial estiverem inscritos e institucionalizados na ordem política
vigente, maior será o espaço político disponível para a introdução das questões
ambientais. Por outro lado, o acesso – formal e informal – será maior quanto menos
centralizado se encontrar o próprio aparelho de Estado (Van der Heijden, 1999: 213).
Por outro lado, e uma vez que do contexto político também fazem parte a
implementação de políticas e respectiva reacção suscitada na sociedade (Tarrow, 1996:
42) importa romper com a frequência minimização do papel dos governos, sobretudo
porque a sua acção produz efeitos significativos ao nível da informacionalização da
sociedade (Lyon, 1992: 11). Neste sentido, devemos atender à forma como o
investimento em novas tecnologias e a forma como a Sociedade da Informação se
inserem (ou não) na agenda política do Governo.
Portugal, uma nação recém-chegada ao mundo dos estados democráticos e
membro, apenas desde 1986, da União Europeia, concretizou em dezasseis anos uma
difícil transição para uma Economia de Informação (Cardoso, 1999), tendo-se
aproximado apenas recentemente, em algumas das suas regiões, dos níveis médios de
vida da União Europeia. Devemos, portanto, e segundo a linha de pensamento de Veen
e Inglehart, ter em atenção que somente nos últimos anos se terão tornado uma
com dados recolhidos por Rucht, um país no qual são reduzidos todos os indicadores
considerados, nomeadamente a ambição das medidas políticas adoptadas, a influência
exercida pelos partidos ecologistas existentes, a efectiva pressão exercida por
movimentos ambientalistas, a consciencialização individual, e os efeitos benéficos
objectivos na qualidade do Ambiente (Rucht, 1999: 220). Importa, contudo, enquadrar
estes dados.
A fraqueza e reduzidos recursos dos movimentos ambientalistas de âmbito
nacional no sul da Europa deve ser atribuída à acção conjunta de vários factores,
nomeadamente estruturais – uma industrialização tardia que torna prioritário o
desenvolvimento económico (à semelhança do ocorrido com o movimento
conservacionista em meados do século, no centro e norte da Europa) – e culturais – a
forma como níveis superiores de consciencialização ambiental não se traduzem em
níveis de participação ou activismo (Kousis, 1999: 180). Convém então considerar que
a performance económica de um país desempenha um importante papel no activismo
social e ambiental, nomeadamente pelo facto de em países onde a prosperidade seja
maior serem igualmente mais frequentes valores pós-materialistas como o da defesa do
Ambiente, e de essa prosperidade poder traduzir uma disponibilidade maior de recursos
e apoios para investimento na reconversão económica que atenda à protecção do
Ambiente (Rucht, 1999: 222; Kousis, 1999: 192).
Existiam em Portugal na segunda metade da década de 90 cerca de 140
organizações ambientalistas (Kousis, 1999: 179). Kousis observa no período 1974-1994
um padrão de crescimento da acção de organizações ambientalistas portuguesas, com
particular ênfase nos meses que sucedem actos eleitorais, um fenómeno que se acentua
sobremaneira a partir de 1986 – período de relativa estabilidade política em Portugal
que sucede à instabilidade política vivida até meados dessa década e aos efeitos sobre a
economia que ela produziu (Kousis, 1999: 181-183). A partir da sua análise, Kousis
conclui que o movimento ambientalista nacional compreende organizações nacionais e,
sobretudo, grupos de carácter local (Kousis, 1999: 179).
Não devemos, portanto, tomar os seus reduzidos números de associativismo
ambientalista por um baixo nível de mobilização: segundo Kousis, é ao nível local que
estas questões mais tomam forma, âmbito em que o número, duração e diversidade de
agendas e estratégias empregues é assinalável (Rootes, 1999: 4). Por outro lado, se este
dinamismo não se traduz em ligações mais frequentes, visíveis e profícuas com
organizações de âmbito nacional, isso dever-se-á, de acordo com Kousis, quer aos
Uma vez que, como já referi, a acção colectiva é uma resposta racional a
desigualdades, importa enfatizar as suas dinâmicas de mobilização e modus operandi
(Epstein, 1991: 231). Isto mesmo constitui o campo de análise primordial dos autores
inscritos na chamada teoria dos recursos mobilizadores, a qual sugere que a ascenção e
queda da actividade de um movimento não deve ser atribuída a privação objectiva ou
relativa (como defende o Marxismo), a tensões estruturais (como defende Parsons) ou
ao carisma dos seus líderes (como defende Weber) mas à capacidade da sua estrutura
em reunir e instrumentalizar recursos. Assim sendo, de acordo com a formulação de
McAdam, McCarthy e Zald, deve entender-se por estruturas e recursos de mobilização o
conjunto de veículos formais e informais através dos quais os indíviduos são
mobilizados para a acção colectiva (McAdam, McCarthy e Zald, 1996: 3).
Qualquer acção racional e orientada requer, por princípio, alguma organização.
De acordo com Diani e Donati, o formato da maior parte das organizações de
representação política é determinado por opções que se jogam em dois planos: o dos
recursos mobilizados, e o do tipo de estratégia política de acção empregue. No que diz
respeito à mobilização de recursos a escolha coloca-se entre a constituição da base
social de apoio mais alargada e flexível possível ou, pelo contrário, de uma base de
apoio mais reduzida e dedicada, necessária a uma estrutura organizacional permanente e
profissional. Quanto às estratégias políticas, podem assumir dois contornos distintos;
por um lado o da acção disruptiva, à margem do sistema político, ou, pelo contrário, a
acção desenvolvida no seio deste, de acordo com as suas normas e convenções (Diani e
Donati, 1999: 15/16).
Opinião semelhante é defendida por McCarthy, para quem os recursos
mobilizadores reúnem essencialmente três vectores: figurinos organizacionais,
repertórios e estratégias de acção, e redes informais e instituições sociais de socialização
– família, comunidade, entre outros –. Uma sistematização desta perspectiva
encontra-se sintetizada no quadro seguinte:
Instituições Instituições
Exógenas ao Movimento Endógenas ao Movimento
O computador
A Internet
aproximadamente setenta e quatro por cento em 2002 – valor tanto mais significativo
quando este escalão etário representa apenas trinta e oito por cento de toda a população.
Ainda segundo a Marktest, e no que diz respeito à classe social dos utilizadores
da Internet em Portugal, estima-se serem os cidadãos das classes mais elevadas os
utilizadores mais frequentes, encontrando-se sobre-representados neste particular face à
sua representação na sociedade portuguesa. Paralelamente, esta utilização da Internet
parece indiciar sinais de info-exclusão, dada a sub-representação das classes mais baixas
neste domínio, totalizando sete por cento dos inquiridos utilizadores da Internet quando
na realidade constituem cerca de vinte e sete por cento da população do país.
outro lado, e em sentido oposto, os efeitos da interioridade que a nível desta utilização
são visíveis, sobretudo para o interior Norte.
ACÇÃO
Segundo Giugni, a acção colectiva nunca se reduz à sua dimensão política. Para
este autor não só a dimensão cultural desta forma de acção é decisiva para o seu próprio
sucesso mas também os efeitos que a mesma acção produz se jogam a nível cultural e
simbólico, para além da esfera política (Giugni, 1999: 23). Neste sentido, para analisar a
acção colectiva é necessário atender ao modo como esta é mediada pela cultura
(Pakulski, 1995: 67) até porque, como defendia Weber, os valores são catalisadores da
acção, nomeadamente no campo político (Gibbins, Reimer, 1999: 96/97). Uma vez que
os movimentos sociais devem, segundo Touraine, ser considerados como o lugar
estratégico onde se criam e explicitam os novos valores (Rocher, 1989: 118), devemos,
pois, deter-nos sobre a dimensão simbólica da emergência dos primeiros.
Uma das abordagens científicas mais consistentes neste campo – surgida
cronologicamente após as teorias analisadas nos sub-capítulos anteriores (Zald, 1996:
262) – resulta do trabalho de Snow, numa evolução do Interaccionismo Simbólico da
Escola de Chicago (Zald, 1996: 265) que assenta igualmente sobre o entendimento de
que a acção colectiva não é a expressão da irracionalidade mas antes uma resposta
significante que compreende estruturas relacionais mediadas por valores (Melucci,
1996: 17).
Apesar de reagir a ameaças objectivas, a mobilização social que os movimentos
sociais procuram produzir não é função directa e objectiva dessas ameaças, mas antes o
resultando de um processo de mediação que as enquadra e interpreta (Rucht, 1999:
213). É neste particular que o conceito, enunciado por Snow, de matriz de
enquadramento (frame) é uma ferramenta particularmente importante para a análise de
movimentos sociais: trata-se de uma matriz interpretativa que simplifica e condensa o
mundo exterior ao seleccionar e codificar objectos, situações e eventos (Tarrow, 1998:
110), que sugere modos de acção com vista à transformação de tensões em curso
(Garner, 1996: 56), e que compreende essencialmente dois elementos: o diagnóstico ou
definição do problema e da sua fonte; e o prognóstico ou identificação das estratégias
necessárias para o solucionar (McCarthy, Smith e Zald, 1996: 291) – estratégias que
incluem o próprio formato organizacional do movimento social, os recursos
mobilizadores necessários e os conteúdos culturais mais adequados. Neste sentido, o
conjunto de matrizes de um determinado movimento assemelha-se a uma ideologia, se
considerarmos esta última como «(...) um sistema de ideias e de juízos, explícita e
geralmente organizado, que serve para descrever, explicar, interpretar ou justificar a
situação de um grupo ou colectividade e que, inspirando-se largamente em valores,
propõe uma orientação precisa à acção histórica desse grupo ou dessa colectividade»
(Rocher, 1989: 56).
Concebidos como veículos significantes, os movimentos sociais constituem-se
então como enquadramentos para a acção, transformando, através de aproximações às
disposições culturais de cada sociedade, tensões e dificuldades em padrões de acção
social (Maheu, 1995: 11). Ainda que factores estruturais e conjunturais favoreçam a
emergência da acção colectiva, de nada serviria essa influência caso os actores sociais
não se apercebessem da sua existência e não os apropriassem simbolicamente (Melucci,
1996: 41). Daí que Gamson e Meyer defendam que quer as oportunidades políticas quer
as matrizes são objectos dialecticamente construídos simultaneamente estruturais e
conjunturais (Gamson e Meyer, 1996: 276) e que, para McAdam, McCarthy e Zald
qualquer conjuntura política só se constitui como oportunidade quando é socialmente
construída e partilhada como tal (McAdam, McCarthy e Zald, 1996: 8).
Para Garner, um dos propósitos da síntese destas matrizes é a construção de
identidades colectivas que mobilizem uma base social de apoio. Assumindo que cada
indivíduo possui diversas identidades ou, se preferirmos, nuances e facetas identitárias
socialmente construídas em processos de interacção (Bourdieu, 1989), e atendendo ao
facto de que a acção colectiva é uma das formas pelas quais a identidade individual é
sintetizada (Maheu, 1995: 6), faz sentido considerar que cada movimento social tentará
atrair o apoio dos cidadãos veiculando uma determinada matriz interpretativa (Garner,
1996: 58-60), pelo que carecem de análise os argumentos passíveis de serem articulados
para que tomem parte de uma acção colectiva (Melucci, 1995.a; 444).
Uma vez que esta matriz decorre, segundo Tarrow, da especificidade de cada
contexto, os mediadores representantes do movimento tendem a personalizá-la, num
processo que o autor designa de adaptação da matriz cognitiva (frame alignment), um
denominador comum entre a cultura da população, cujo apoio se pretende atrair, e os
valores e objectivos do movimento (Tarrow, 1998: 110). Assim sendo, os movimentos
sociais adoptam frequentemente diversas matrizes interpretativas em simultâneo, cada
uma adaptada ao público-alvo cuja mobilização se pretende (Gamson e Meyer, 1996:
289).
Ainda que o consenso sobre uma determinada questão seja alcançável, apenas a
mobilização desse consenso orienta os indivíduos para a acção (Tarrow, 1998: 113), não
apenas pelo eco que produz na identidade individual de cada um mas também pela
associação desse consenso a práticas e não somente a ideias (Garner, 1996: 374). É por
esta razão que o simbolismo visual é tão importante, sobretudo nos mass media, uma
vez que desempenha um papel decisivo na síntese de identidades colectivas e na
projecção da imagem adequada a potenciais apoiantes e adversários (Tarrow, 1998:
114).
Outra das questões que se colocam é a de saber se estes símbolos são criados ou,
pelo contrário, recortados da cultura existente (Tarrow, 1998: 107). Na opinião de Zald,
é do contexto cultural em que se encontram inseridos que os movimentos sociais muitas
vezes apropriam interpretações e modos de acção, nomeadamente os recursos
mobilizadores disponíveis (Zald, 1996: 266). Contudo, os ajustes e transformações no
simbolismo de um movimento resultam, segundo Tarrow, da interacção estratégica
deste ultimo nos vários domínios e contextos em que desenvolve a sua acção, e não
directa e acriticamente recortada de padrões culturais ou ideológicos (Tarrow, 1998:
109).
Para Melucci, autor para o qual a construção do sentido da acção por parte dos
indivíduos é uma questão central, é porque a acção colectiva não começa nas
organizações mas em grupos e canais informais de pessoas em interacção que a
problematização da relação estabelecida entre os indivíduos e os movimentos sociais é
crucial para compreender as práticas destes últimos (Melucci, 1995.a; 447); importa,
pois, que assumamos que os movimentos sociais são agentes colectivos constituídos por
indivíduos que devem ser também equacionados enquanto tal (Melucci, 1995.a; 439).
O facto de um movimento ser um conjunto de actores analiticamente individualizáveis
torna a questão dos seus habitus particulares essencial (Gamson e Meyer, 1996: 283).
Uma vez que possuem uma localização social específica, o modo como esta apropriação
é feita depende muito dos habitus dos elementos de cada movimento social (Zald, 1996:
267).
Segundo Zald, a transformação dos repertórios organizacionais e de acção dos
movimentos sociais está associada à especificidade dos seus dispositivos interpretativos
culturais (Zald, 1996: 266), os quais são decisivamente influenciados pelas
transformações no domínio da tecnologia (Zald, 1996: 270). Por outro lado, as matrizes
interpretativas estão elas próprias sujeitas a debate interno a cada movimento social,
processo no qual as TICs desempenham, segundo Zald, um importante papel. É neste
sentido que Castells defende que os activistas da era moderna se constituem como
mobilizadores de símbolos, capazes de adoptar uma forma de organização e intervenção
descentralizada e em rede (Webster, 2001: 7), ao que não é alheio o facto de estas
matrizes serem mais eficazes quando visam a mobilização de indivíduos através de
outras organizações ou estruturas pré-existentes (McCarthy, Smith e Zald, 1996: 294).
5. HIPÓTESES
6. METODOLOGIA
6
Segundo o autor, se um conflito não questiona o próprio sistema, deve ser considerado apenas como um
fenómeno de competição de interesses no âmbito de um enquadramento normativo estável (Melucci,
1996: 25); contudo, não partilho esta opinião, face a outras fontes bibliográficas consultadas.
Dimensão da Eficácia
Indicadores:
• grau de eficácia do contacto intra-organizacional;
• grau de eficácia do contacto inter-organizacional;
• grau de eficácia da mobilização de redes;
• grau de eficácia da introdução de novos recursos.
7. DADOS EMPÍRICOS
A) ANÁLISE CASUÍSTICA
7
Do qual Joanaz de Melo é coordenador há cerca de seis anos. A respeito deste núcleo, aliás, o
entrevistado afirma: «nós já existíamos como grupo organizado e reconstituímo-nos no seio da LPN, em
1985».
pelos acontecimentos exteriores. Depende das épocas, depende muito dos dossiers
em cima da mesa».
«a internet o mais possível; e telemóvel toda a gente tem. Eu diria que hoje em dia
nenhum dirigente ambientalista passa sem ter correio electrónico, internet e
telemóvel; é tão simples como isto. Senão era impossível funcionar, com as
solicitações que temos».
«um processo natural; de há três ou quatro anos para cá era impensável não o
fazer. Tão impensável como há cinquenta anos não ter telefone na sede. A página
na internet hoje em dia é uma coisa extremamente importante. Aí já se faz alguma
coisa [na LPN] mas ainda se está muito longe do óptimo. Em relação à introdução
da base tecnológica que permite isso, eu diria que é sine qua non; hoje em dia, e de
há três ou quatro anos para cá, sem isso não se trabalha».
«há várias coisas em que pode ser claramente melhorada e ampliada, a utilização
destas tecnologias; por exemplo: utilização das novas tecnologias para fornecer
informação à própria associação; instrumentos que podem potenciar a intervenção
da associação; ou dos próprios sócios: a curto prazo será possível fazer
assembleias gerais virtuais; isso, sim, seria uma alteração substancial do
funcionamento da associação. Hoje em dia há uma base associativa relativamente
extensa, de alguns milhares de pessoas, mas as pessoas que participam no
dia-a-dia da vida da associação são muito poucas, se calhar 20, na melhor das
hipóteses. A actual internet/e-mail não permite isto. Quem diz isso diz a página da
internet, que é uma área que está em franca explosão: todos os dias aparecem
novidades sobre a forma de apresentar páginas na internet. Eu diria que há muito
por explorar. A LPN está a cumprir os mínimos razoáveis mas está muito longe de
explorar este potencial».
Com uma acção cujo início remonta a 1981, esta associação de âmbito nacional
de defesa do Ambiente compreende neste momento mais de dois mil associados,
predominantemente jovens, e com formação universitária. Possui um núcleo principal
em Lisboa, no qual se concentra a maioria dos seus grupos de trabalho, alargando o seu
raio de acção ao resto do país através do estabelecimento de protocolos com
organizações de carácter local e regional.
Segundo Hélder Careto, membro do GEOTA há cerca de dez anos e actual
Secretário Executivo da organização, «o GEOTA tem uma estrutura muito horizontal»,
a qual não tem conhecido grandes transformações, apesar de algumas alterações
estatutárias. De acordo com este dirigente,
8
Quem trabalha continuamente numa área ganha conhecimentos que permitem produzir opiniões sobre
essa área no futuro.
A este cenário acresce ainda que para esta organização, e segundo o relatório
acima referido, «uma mensagem de correio electrónico começa a ganhar tanta
relevância e capacidade de obrigar o GEOTA como uma carta ou fax.» (GEOTA,
2002: 13)
Apesar desta utilização, Careto defende que as TICs «são mais uma ferramenta;
não transformaram muito a organização». Esta posição tem tradução ao nível de
potenciais transformações da tipologia de agentes contactados pelo GEOTA: «penso
que o perfil [dos contactados] mudou ligeiramente, mas devido também à mudança dos
perfis na própria sociedade. Acredito que no princípio havia muito mais contacto
directo, e que agora há muito mais trabalho indirecto através de correio electrónico e
de outros meios de comunicação».
Este ênfase na utilização das TICs é também traduzido pelo conjunto de
objectivos da página online enunciados no Plano de actividades do GEOTA para 2002
(GEOTA, 2002.b), de entre os quais se destacam promover imagem da organização
junto dos utilizadores da web nacional e internacional, quer sejam indivíduos ou
organizações, divulgar e manter um repositório de informação do GEOTA, facilitar o
estabelecimento de canais de comunicação, aliviar o secretariado, e angariar
colaboradores, o que se pretende atingir através da instrumentalização de TICs como
pilar estratégico do desenvolvimento e afirmação externa – de que é exemplo a criação e
manutenção de um número maior caixas de correio electrónico, uma vez que, apesar de
receber aproximadamente trinta a cinquenta e-mails por dia, dispõe de um único
endereço de e-mail para toda a organização, algo justificado pela ausência de
capacidade humana e de recursos para processar mais endereços.
Para Careto, é igualmente necessário que «a homepage do GEOTA, ou seja, a
imagem digital da organização, a represente mais fielmente; isso ainda não acontece.
Uma das coisas que a homepage faz é aliviar trabalho dos serviços, e isso paga uma
parte do seu próprio custo». Neste último particular verifica-se que, segundo o relatório
supracitado, a página online do GEOTA ainda não é para esta organização uma
ferramenta fundamental (GEOTA, 2002: 33). Neste sentido, contam-se igualmente
como estratégias de enriquecimento da página um aumento da simplicidade do seu
acesso e utilização (“quanto mais claro for, melhor”, e todas as suas secções devem ter
um “nome intuitivo”, segundo Careto), as quais contemplam também o próprio código
de programação utilizado (o mais universal possível), a terminologia utilizada, e a
taylorização da página ao visitante.
«é díficil gerir toda a informação. O problema essencial que nós temos é que o
fluxo de informação que atravessa o GEOTA e que é gerado no GEOTA é muito
elevado; o problema é distinguir o que é lixo e não é; a filtragem da informação é
um problema essencial; quanto maior é a quantidade de informação, mais difícil é
produzir uma decisão».
«ter núcleos e ter uma estrutura nacional significa que a acção é feita a vários
níveis, desde o local e regional ao nacional. Por outro lado, os centros de poder
estão em Lisboa, na maior parte dos casos, e a Quercus acaba por ter de ter
alguma centralidade em Lisboa, à qual bem tentamos fugir mas não é fácil».
De acordo com este dirigente ambiental, a utilização das TICs tem contribuído
significativamente para as actividades da Quercus:
Por outro lado, a utilização destas tecnologias teve na sua origem motivações de
racionalidade de recursos: segundo o entrevistado,
maiores que enviar uma mensagem para um grupo de dez ou vinte pessoas via
Internet. Ao utilizar estas tecnologias estamos simultaneamente a poupar custos e
a tornar a forma de comunicação mais eficiente e fácil. O telefone fixo neste
momento já é pouco utilizado. O contacto pessoal não caiu em desuso: foi, sim,
substituído por mais contacto, nomeadamente por conferência telefónica; as
reuniões de dois em dois meses mantêm-se. O correio electrónico substituiu o
correio [em papel], em grande parte. Mas há algumas coisas em que é impossível
não recorrer ao correio normal: por exemplo, quando enviam para a Quercus
determinados documentos, que é preciso fazer chegar às pessoas em papel, não há
hipótese de não se reenviar em papel».
No que diz respeito a possíveis alterações do perfil dos agentes contactados pela
Quercus em virtude da utilização das TICs, Ferreira defende que
internacional, mas mais isso [a manutenção dos mesmos agentes com utilização de
outros meios]. Eu estou em seis ou sete listas com informação a nível europeu, e
era impossível participar neste tipo de discussões e ter este tipo de informação se
não tivesse acesso à Internet, aí não há dúvidas. Mas é mais ao nível
internacional».
No que diz respeito ao figurino de introdução das TICs na Quercus, diz Ferreira
ter esta decorrido a partir da acção interna de
«não influencia assim tanto, porque o nosso foco principal são as pessoas; e
independentemente do contexto político, as pessoas estão cá sempre e os seus
hábitos acabam por ser sempre os mesmos: não é por mudar o partido no Governo
que uma determinada pessoa vai começar a fazer reciclagem. Agora o que pode
haver é às vezes determinadas situações que podem levar-nos a incidir sobre um
aspecto específico. [Mas] há uma diferença essencial: se estivessemos num país
como a Holanda, não tenho dúvida de que a participação [em termos de activismo
ambiental] seria muito maior; ainda há pouco tempo li num artigo numa lista de
discussão de Ambiente uma pessoa dizer que no Reino Unido as organizações até
fazem inquéritos aos voluntários antes de eles entrarem, para fazerem uma
selecção: é tanta gente a querer participar que se podem dar ao luxo de escolher.
Duvido que alguma vez fizessemos uma selecção mas tenho a certeza de que
poderíamos contar com mais gente se estivessemos num país com uma tradição de
participação maior em voluntariado. Por exemplo: uma associação regional em
Espanha tem muito mais sócios que a própria Quercus, que é a maior associação
em Portugal. Isto já diz alguma coisa».
«por vezes sim [, influencia,], porque uma vez que temos esta ideia de uma
abordagem do Ambiente mais holística, integrando problemas sociais e problemas
económicos, há muitas questões a nível internacional que vão influenciar o que nós
fazemos. Nós temos vindo a estabelecer cooperação internacional com países
europeus e mediterrânicos, e portanto qualquer alteração significativa a esse nível
pode alterar ou transformar essa cooperação».
Ainda no domínio dos recursos, mais especificamente na utilização das TICs por
parte do GAIA, o dirigente associativo afirma: «nós sempre usámos estas novas
tecnologias». No que diz respeito ao modo de introdução destas últimas no GAIA,
Baptista afiança que
«são utilizadas muito regularmente. Quando entrei para o GAIA, penso que já
existia uma mailing list, estava alojada no servidor da Faculdade, de discussão
geral. Houve aí um ou dois anos em que angariámos muitos sócios e essa lista
geral do GAIA começou a ter bastante movimento, e criámos uma série de outras
listas mais temáticas. A “GAIA Geral” acabou de se subdividir em duas, uma para
discussão geral que mantém esse nome e outra unilateral, de anúncio de eventos,
actividades, Projectos, comunicados, para a qual só o GAIA ou determinadas
pessoas podem enviar – porque há pessoas que se queixam, por um lado, que o
volume de mensagens é muito elevado e que não querem saber daquelas discussões
para nada, querem é estar a par do que o GAIA faz, e há outras pessoas que não
querem saber do que o GAIA faz, querem apenas participar em discussões de
Ambiente. Vamos também dividir a “GAIA Direcção” em duas; uma para assuntos
mais administrativos, aqueles assuntos chatos mas que são essenciais para o
funcionamento da organização – desde financiamentos a cartas às quais é preciso
responder –; e a “GAIA Activistas”, já mais de discussão de projectos que estão a
ser executados pelo GAIA, dar sugestões; é um espaço de discussão mais aberto.
Temos um Portal Ecológico, em que qualquer pessoa pode submeter notícias
ligadas ao Ambiente, e lá nós fazemos também o anúncio das nossas actividades e
dos comunicados que temos. Outra ideia que anda a surgir é criar fóruns; o
primeiro que estamos a testar é um fórum de planeamento de actividades para
2003; ou seja, em complemento às mailing lists, ter um fórum em que a informação
aparece mais organizada, o que obriga também as pessoas a fazerem um esforço
para irem até lá, e portanto cria talvez mais dinâmica».
No que diz respeito à relação de forças entre a utilização de media mais recentes
e media mais convencionais, bem como à sua adaptação a receptores-alvo específicos, o
entrevistado é da opinião que
«tem havido uma oscilação. Inicialmente havia só e-mail, porque não tínhamos
mais recursos: não tínhamos telefone, não tínhamos dinheiro para cartas, não
tínhamos nada. O correio convencional é usado muito poucas vezes; até estamos a
pensar alterar os estatutos porque diz lá que é preciso convocar por correio a
Assembleia Geral; e isso é uma despesa enorme. Actualmente usamos um pouco
mais o telefone – uma vez que temos acesso a ele – usado essencialmente para
questões mais imediatas. Usamos também o fax, para enviar comunicados para a
imprensa – para os quais também usamos e-mail. Mas a comunicação mais global
faz-se mesmo por e-mail. Essencialmente é e-mail, e telefone para coisas mais
imediatas. Se enviarmos um e-mail para o IPJ só temos resposta daqui a dois dias
ou três. O tipo de assunto a tratar também se resolve mais facilmente por telefone.
Depende do assunto a tratar e das pessoas contactadas».
«por vezes é difícil tomar decisões por e-mail; obviamente não podemos reunir
todos os dias e há coisas muito urgentes, e nesses casos o e-mail dá muito jeito:
alguém fica de fazer um comunicado, envia-o para a lista para as pessoas
enviarem o seu feedback e ficamos com um comunicado final».
«os benefícios [possíveis da utilização das TICs pelo GAIA] já estão atingidos;
mas há pessoas que ainda não têm o hábito de ler o e-mail todos os dias. Em
termos de activistas universitários mais ou menos já está perto do nível máximo.
Em termos de um público mais vasto, ainda pode ter muito a ganhar, a partir do
momento que a população em geral se habituar a usar estas novas tecnologias».
B) SISTEMATIZAÇÃO E REGULARIDADES
PAPEL
MODO
8. CONCLUSÕES
produtores das suas representações e das suas ideias mas agem condicionados por um
determinado desenvolvimento das forças produtivas do sistema social em que se
encontram historicamente inseridos (Rocher, 1989: 32). Assim sendo, observámos as
representações muito positivas veiculas pelos entrevistados sobre as utilizações das
TICs que concretizam e que consideram possíveis no futuro, às quais associam ganhos
significativos de eficácia no desenvolvimento da sua actividade.
Concretamente em relação à verificação das hipóteses avançadas, importa em
primeiro lugar recordá-las:
Contudo, para outros autores, o determinismo técnico não é melhor que outros
determinismos (Rocher, 1989: 26), razão pela qual nem todos os analistas partilham o
optimismo anterior, particularmente se tivermos em consideração que o acesso a essas
tecnologias não é universal nem o será tão cedo, e que mesmo aqueles que delas
dispõem neste momento nem sempre possuem o conhecimento necessário para
aproveitar ao máximo esse acesso (Ford, Gil, 2000: 204). Para Lyon, o erro no
determinismo tecnológico assenta sobretudo no facto de se situar a tecnologia fora do
sistema social e exercendo efeitos sobre este, quando na realidade ela é um produto
social com origens sociais específicas (Lyon, 1992: 10): nas palavras de Rocher, «(...) a
importância histórica do factor técnico tem de ser interpretada no seu quadro global
(...) [dado que] (...) a máquina não pode ser separada do seu quadro social (...) pois é
esse quadro que lhe confere sentido e objectivo» (Rocher, 1989: 25). Ainda para este
autor, «o factor técnico é (...) uma variável de peso. Mas é-o sobretudo no mundo
contemporâneo (...)», pelo que «não se pode apreciar a influência real da tecnologia
sem ter em conta o contexto cultural em que se insere» (Rocher, 1989: 29). Para Dordoy
e Mellor, as TICs intensificam os processos em curso na ordem capitalista, mas não
assinalam qualquer transição para um novo paradigma social tecnológico (Dordoy e
Mellor, 2001: 181). Para que a sociedade em rede transforme realmente o sistema
político terá de ultrapassar as desigualdades herdadas da sociedade industrial, algo que
não está a ter lugar na opinião destes autores (Dordoy e Mellor, 2001: 173). Também
para Lyon, «não é líquido que esteja a surgir uma qualquer sociedade da informação
com as características que lhe são habitualmente atribuídas (...) [uma vez que] o
centralismo, os monopólios e as desigualdades do capitalismo não estão em vias de
desaparecimento (...)» (Lyon, 1992). Como afirma Hamelink, a massificação da
utilização dos computadores não altera a desigualdade social existente ao nível do
acesso e controlo dos benefícios potencialmente decorrentes das TICs (Lyon, 1992),
pelo que a sua utilização pode estar apenas a reflectir desigualdades estruturais (Dordoy
e Mellor, 2001: 174), opinião partilhada por Diani, para quem a Comunicação Mediada
por Computador reflecte desigualdades mais do que as vence (Diani, 2001: 126) – o que
se traduz no facto de os cidadãos mais facilmente mobilizados se encontrarem já
inscritos em estruturas e redes organizacionais (Pickerill, 2001: 143). Assim sendo,
apesar de o movimento ambientalista parecer ilustrar os traços da política da Era da
Informação, transporta e reflecte ainda grande parte da agenda do paradigma
Capitalista, nomeadamente as temáticas da posse e exercício de poder e da desigualdade
(Dordoy e Mellor, 2001: 173), pelo que é prematuro apontar a existência, nos dias de
hoje, de novos modos de fazer política (Webster, 2001: 10).
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