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ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E LEGITIMIDADE DEMOCRATICA Luiz Carlos Bresser Pereira O capitalismo € convencionalmente entendido como o sistema econémico no qual empresas privadas so coordenadas pelo mercado. Nes- ta definigao 0 Estado é um corpo estranho. O capitalismo seria apenas a soma das empresas capitalistas coordenadas pelo mercado. Esta perspectiva est presente no pensamento liberal radical contemporfneo—, para o qual o papel do Estado é exclusivamente o de garantir os direitos de propriedade. Marx certamente nio pensava nesses termos, mas a definic&io marxista mais, geral do sistema capitalista —o modo de produgdo no qual os proprietérios Privados dos meios de producdo constituem a classe dominante e 0 exce- dente é apropriado pela burguesia no mercado através da troca de valores equivalentes — pode também conduzir a idéia de que 0 Estado nao é essen- cial ao capitalismo. Na verdade, mesmo se pensarmos em termos de um capitalismo puro, de um modo de produgdo onde apenas as caracteristicas essenciais do capitalismo estivessem presentes, 0 papel do Estado seré fun- damental. Em qualquer circunstancia, inclusive na sua forma liberal, o capi- talismo é um sistema econdmico complexo constitufdo por empresas capi- talistas coordenadas pelo mercado e reguladas pelo Estado. O capitalismo contempordneo, por sua vez, est4 muito longe do capitalismo liberal do sé- culo XIX: além de regulamentado é coordenado pelo Estado, embora seja altamente competitivo. Nao ha capitalismo, nem mercado capitalista, sem um Estado que o regulamente e coordene, ndo apenas criando as condig6es gerais para a produgdo capitalista, através da instituigao do sistema legal com poder de coergao e de uma moeda nacional, mas também através de uma série de agdes na drea econémica, social e do meio ambiente. Partindo desse pressuposto bisico, irei neste artigo examinar 0 conceito de Estado, distinguindo-o dos conceitos de aparelho de Estado ¢ de Estado-nacio, e 86 WA NOVA N° 36 —95 contrapondo-0 ao conceito de povo e de sociedade civil, O tema ja foi exten- samente debatido, mas parece-me ainda merecer um esforgo de clarificagio. OS SIGNIFICADOS DE “ESTADO” O conceito de Estado é impreciso na ciéncia politica, E comum confundir-se Estado com governo, com estado-nago ou pais, e mesmo com regime politico, ou com sistema econ6mico. Na tradigao anglo-saxé, fala-se em governo e néo em Estado. Dessa forma perde-se a distingdo entre go- verno e Estado, o primeiro entendido como a cipula politico-administrativa do segundo. Na tradigdo européia, o Estado € freqiientemente identificado ao estado-nagdo, ou seja, ao pais. Expresses como “Estado liberal” ov “Estado burocratico” so normalmente uma indicagdo que a palavra “Esta- do” esta sendo utilizada como sinénimo de regime politico. Finalmente, expressées do tipo “Estado capitalista” ou “Estado socialista”, identificam 0 Estado com um sistema econémico. E vélido utilizar expressdes como essas quando desejamos definir o tipo de Estado predominante em diferentes ti- pos de regimes politicos ¢ modos de produgdo. Nesse caso, néo estamos confundindo o Estado com o regime politico ou com o sistema econdmico, mas simplesmente dizendo que 0 Estado em uma democracia serd diferente de um Estado em um regime autoritério, ou que o Estado no capitalismo & diverso do Estado no feudalismo ou no estatismo. De qualquer modo, neste traballho, o Estado sera claramente diferenciado dos conceitos de governo, de estado-nagdo ou de regime politico. O Estado é uma parte da sociedade.! E uma estrutura politica e organizacional que se sobrepde a sociedade ao mesma tempo que dela faz parte. Quando determinado sistema social passa a produzir um excedente, a sociedade divide-se em classes. A classe dominante que entéo surge ne- cessita de condigdes politicas para apropriar-se do excedente econémico, A institucionalizagao de um estado-nacao soberano ¢, como parte deste, de um Estado, s4o 0 resultado dessa necessidade. A partir desse momento, aquela sociedade assume o cardter de pafs soberano constituido por uma sociedade civil e pelo Estado. Neste contexto, 0 estado-nagdo ou pais é a entidade politica so- berana constituida por uma populacdo que habita um certo territério. Esta 1 Sabino Cassese (1986) relata que um estudo de 1931 encontrou 145 diferentes utilizagoes para o termo “Estado”. Klaus von Beyne observa que “intelectuais americanos argumentaram gue Estado ou € uma nogao legal ou marxista” (1986:115). Ao insistir na utilizagdo da ex- pressio “governo” como substituta para “Estado”, esses intelectuais perdem a possibilidade de fazer a distingdo crucial entre 0 proprio Estado € seu corpo dirigente: 0 governo. ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E LEGITIMIDADE DEMOCRATICA 87 populacdo, na medida em que é formada por cidadaos com direitos teorica- mente iguais, constitui-se em um povo, que serve de base para a existéncia do estado-nagao. Por outro lado, nesse pais € possfvel distinguir uma so- ciedade civil e um Estado. A sociedade civil € constitufda pelas classes so- ciais e grupos, que tém um acesso diferenciado ao poder politico efetivo, enquanto que o Estado € a estrutura organizacional e politica, fruto de um contrato social ou de um pacto politico, que garante legitimidade ao go- verno, Em outras palavras, a sociedade civil é 0 povo, ou seja, 0 conjunto dos cidadiios, organizado e ponderado de acordo com o poder de cada in- dividuo e de cada grupo social, enquanto que o Estado € 0 aparato organi- zacional e legal que garante a propriedade e os contratos. Adicionalmente podemos pensar o Estado como a res publica, como a coisa ptiblica. Ou seja, como a propriedade coletiva de todos os ci- dadaos. O Estado ¢ teoricamente o espago da propriedade publica. Na prética 56 © sera se a democracia assegurar esse fato. Nas sociedades pré- democraticas 0 Estado era por definigao “privado”: estava a servigo daclasse ‘ou do grupo poderoso que controlava o Estado e, através dele, se apropriava do excedente social. O avango da democracia € a historia da desprivatizagao doEstado. O Estado é detentor de um patrim6nio e de um fluxo de recur- sos financeiros originados dos impostos. A soma destes dois ativos consti- tui a res publica. Na verdade 0 conceito de coisa publica é mais amplo do que o de Estado porque inclui 0 piiblico ndo-estatal. A coisa ptiblica é a propriedade de todos e para todos. Quando a propriedade publica esté su- bordinada ao aparelho do Estado ela é estatal. Temos outras formas de propriedade publica. Ha toda uma série de formas de propriedade que po- dem ser definidas como puiblicas ndo-estatais. Publicas porque orientadas para o interesse puiblico, porque so propriedade de todos os cidadaos, mas ndo-estatais, porque ndo fazem parte do aparelho do Estado. O Estado entendido como res publica correspondea uma definigao parcial de Estado. &, entretanto, importante, porque o Estado democratico moderno nasce quando a res publica é claramente distinguida da res princi- pis, surgindo entdo um desafio fundamental para todas as democracias: a de- fesa da coisa publica contra a corrupedo, contra o nepotismo, e contra todas as formas de privatizagao ou de obtenciio de vantagens especiais do Estado. 0 CONCEITO BASICO Existem duas correntes ou tradigdes basicas no estudo do Esta- do, que se diferenciam pelo método que encaram o fendmeno. Uma cor- 88 LUA NOVA N°34—95 rente, histérico-indutiva, tem origem em Aristételes, passa por Santo Tomés, Vico, Hegel, Marx e Engels, e os filésofos pragméticos norte- americanos. A outra, 16gico-dedutiva, est4 apoiada no contratualismo fun- dado por Hobbes, e continuado por todos os jusnaturalistas até Rousseau e Kant. O pensamento neoliberal contempordneo, na medida em que se apdia em uma escola econdmica também Iégico-dedutiva —a escola neoclassica —adota uma perspectiva a-historica. Isto nao significa, entretanto, que toda visio légico-dedutiva do Estado seja conservadora e que toda visto historic’ seja progressista. Muito pelo contrério. Rousseau era I6gico- dedutivo ¢ revolucionério. Hegel, histérico, e conservador. ? Engels, adotando uma perspectiva historica, definiu as trés prin- cipais formas através das quais o Estado surgiu, a partir da dissolugio das tribos e clas. Em Atenas, o Estado nasceu diretamente dos antagonismos de classe; em Roma, forma-se um Estado de cidadaos, onde se confundem aristocracia e plebe. Em ambos os casos a classe dominada é reduzida a es- cravidao. Finalmente, entre os germanos, o Estado surge a partir das con- quistas de territérios estrangeiros (1884). Provavelmente porque Engels estava escrevendo A origem da familia, da propriedade privada e do esta- do como uma espécie de comentario as investigagdes de L. H. Morgan, ele deixou de examinar um quarto caso, certamente mais importante que os anteriores: 0 Estado ou 0 modo de produgao asidtico que se constituiu na antigiiidade em torno dos grandes rios, nas sociedades também chamadas hidréulicas. Marx examinou-o no Grundrisse, como parte de sua andlise sobre as formagdes sociais pré-capitalistas. Neste caso também, e muito claramente, o Estado surge da dissolugdo da comunidade primitiva e da di- visdo da sociedade em classes. Observa assim Engels: "O Estado nao € pois, de modo algum, um poder que se impés & sociedade de fora para dentro; tampouco é a ‘realidade da idéia moral’, nem ‘a imagem e a realidade da razio’ como afirma Hegel. E, antes, um produto da sociedade quando esta chega a determinado grau de desenvolvimento; € a confissio de que essa sociedade se enredou numa irremedidvel contradiggo com ela propria e esté dividida por antagonismos irreconcilidveis que nao consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econdmicos colidentes néo se devorem e nfo consumam a sociedade em uma luta estéril, faz-se necessario um poder colocado acima da sociedade, chamado a amortecer 0 choque e a manté-lo dentro dos limites da ‘ordem’. 2 Ver a respeito andlise de Bobbio em seu cléssico ensaio sobre o jusnaturalismo (1979). ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E LEGITIMIDADE DEMOCRATICA 89 Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela, e dela se distanciando cada vez mais, € o Estado" (1884, 326-327). Nesse texto cl4ssico, Engels resume a origem do Estado e ao mesmo tempo o conceitua a partir de um ponto de vista historico: trata-se de um poder, ou seja, de uma estrutura organizacional e politica que emerge da progressiva complexificagdo da sociedade ¢ da sua diviséo em classes destinada a manter a ordem dentro da sociedade, e, portanto, a manter o sistema de classes vigente. Uma outra forma de afirmar a mesma coisa € dizer que o Estado é a organizaciio que garante os direitos de pro- priedade e os contratos, sem o que nenhuma sociedade civilizada pode funcionar. : Alternativamente, e adotando-se uma perspectiva légico- dedutiva ao invés de hist6rica, € possivel afirmar que o Estado € 0 resulta- do polftico-institucional de um contrato social através do qual os homens cedem uma parte de sua liberdade a esse Estado para que 0 mesmo possa manter a ordem ou garantir os direitos de propriedade e a execugao dos contratos. Nesta visdo contratualista o Estado nao é 0 produto histérico da evolugdo e complexificagdo da sociedade, mas a conseqiiéncia légica da necessidade de ordem. As duas hip6teses sfio claramente complementares. E, em qual- quer das duas hipéteses, o Estado € uma estrutura politica, um poder or- ganizado que permite a classe economicamente dominante tornar-se tam- bém politicamente dirigente e assim garantir para si a apropriago do excedente. Sdo seus elementos constitutivos: (a) um governo formado por membros da elite politica, que tendem a ser recrutados junto & classe do- minante; (b) uma burocracia ou tecnoburocracia piiblica, ou seja, um cor- po de funcionérios hierarquicamente organizados, que se ocupa da admi- nistrago; e (c) uma forga policial e militar, que se destina no apenas a defender o pafs contra o inimigo exteno, mas também a assegurar a obe- diéncia das leis e assim manter a ordem interna. Por outro lado, como propde Weber, essa organizacdo politica detém 0 monopélio da violéncia institucionalizada, ou seja, tem o poder de estabelecer um sistema legal e tri-butério, e de instituir uma moeda nacional. Dessa forma, além do go- verno, da burocracia e da forga publica, que constituem o aparelho do Es- tado, 0 Estado € adicionalmente constitufdo (d) por um ordenamento juridico impositivo, que extravasa o aparelho do Estado e se exerce so- bre toda a sociedade. Assim, Estado € uma organizagio burocrética ou aparelho que se diferencia essencialmente das demais organizacées porque é a tnica que dispSe do poder extroverso — de um poder politico que ultrapassa os 90 LUA NOVA N36 — 95, seus préprios limites organizacionais.? Enquanto as organizagdes bu- rocréticas possuem normas que apenas a regulam internamente, o Estado é adicionalmente constitufdo por um grande conjunto de leis que regulam toda a sociedade. Ao deter esse poder o Estado torna-se maior do que 0 simples aparelho do Estado. Este aparelho, regulado pelo direito adminis- trativo, e dividido em trés poderes (legislativo, executivo e judiciério), é uma organizagio burocratica. O poder do Estado se exerce sobre um ter- rit6rio e uma populacdo, os quais nao so propriamente elementos consti- tutivos do Estado, mas do estado-nagao. Na verdade sao os objetos sobre 0 qual se exerce a soberania estatal, ao mesmo tempo que a populacdo, transformada em povo, de conjunto dos cidadaos, assume o papel de sujei- to do préprio Estado. Em sintese, 0 Estado é a tinica organizagiio dotada do poder ex- troverso. E 0 aparelho com capacidade de legislar e tributar sobre a popu- lagao de um determinado territério. A elite governamental, a burocracia € a forga militar e policial constituem o aparelho do Estado. O Estado, po- rém, é mais do que seu aparelho, porque inclui todo o sistema constitu- cional-legal que regula a populagdo existente no territ6rio sob sua juris- digo. Esta populacdo, por sua vez, assume o cardter de povo, ao se tornar detentora do direito da cidadania, e se organiza como sociedade civil. So- ciedade civil e Estado constituem 0 estado-nagao. O controle do Estado e a apropriacdo do excedente pelas classes mais poderosas mantém entre si uma relago dialética. Determinada classe é dominante nao apenas porque controla os fatores de produgdo, ou porque detém a propriedade dos meios de producao e de comunicagdo, mas tam- bém porque controla o préprio Estado. Nesse momento ela se torna classe dirigente. O controle do Estado reforga o seu controle sobre os meios de produgio, e vice-versa. Isto nao significa, entretanto, que o Estado seja um mero instrumento da classe dominante. A medida que as sociedades capi- talistas se tornaram cada vez mais complexas e atribuiram um crescente poder para o conhecimento técnico e organizacional, uma nova classe mé- dia burocrdtica ou assalariada passou a deter crescente influéncia.* Por outro lado, a classe operdria também se tecnificou, se dividiu em estratos, e aumentou seu poder através das organizacées sindicais e do puro e sim- ples poder de voto. Em conseqiiéncia, as distingdes de classe — particular- Mente a oposicao entre uma classe operdria e uma classe burguesa — per- 30 conceito de “poder extroverso” foi desenvolvidos no ambito do direito administrative italiano, Ver Alessi (1966: 282). Devo esta indicagio a Paulo Modesto. 4 Desenvolvi as idéias sobre a classe burocritica ¢ 0 correspondente modo de produgdo esta- tal ou tecnoburocrético em uma série de ensaios que depois foram reunidos em A sociedade estatal e a teenoburocracia (1980). ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E LEGITIMIDADE DEMOCRATICA 1 deram a nitidez no mundo contemporaneo. O préprio conceito de classe perdeu parte de sua forca explicativa, cedendo espago para os estratos so- ciais e para as distingées étnicas e raciais, de um lado, e para as distingdes religiosas e culturais de outro. Nem por isso, entretanto, o Estado perdeu importdncia, na medida em que continuou a ter um papel decisivo no ape- nas na garantia estavel dos direitos de propriedade, mas também na distri buigdo do excedente econdmico. Provavelmente por essa razio, 0 mais notdvel analista contemporaneo do Estado, Nicos Poulantzas, apesar de suas convicgdes marxistas, no hesitou em afirmar que as politicas do Es- tado deixaram de refletir simplesmente os interesses dos poderosos para se tornarem o resultado da condensagao das lutas de classes. ESTADO E SOCIEDADE CIVIL O caréter mais ou menos democrético do sistema politico exis- tente em um pafs fard com que sua populacdo se transforme ou nao em povo, oui seja, no conjunto de cidadios com direitos politicos efetivos e teo- ricamente iguais. Nesses termos, 0 povo pode ser considerado ndo como 0 objeto sobre o qual o Estado exerce seu poder, mas como um de seus ele- mentos constitutivos. No capitalismo contemporaneo, bem como em qual- quer outro sistema de classes, o poder politico deriva da sociedade civil. Na sociedade civil 0 povo, constituido pelos cidadios, se organiza, formal e in- formalmente, das formas mais variadas: como classes sociais, fragdes de classes, grupos de interesse, associagdes. Desta forma pode-se afirmar que a sociedade civil é 0 povo organizado e ponderado de acordo com os dife- rentes pesos politicos de que dispdem os grupos sociais em que os cidadaios, esto inseridos. Uma outra forma de definir sociedade civil, seria dizer que é a sociedade organizada pelo mercado. Ou que a sociedade civil é 0 préprio mercado. Este tipo de definigdo é interessante, mas leva a confuses. Na verdade, a sociedade civil incorpora a vida familiar, que é regulada pelo Estado através do direito civil, e pela vida produtiva ou econémica, que 6 regulada pelos mercados e pelo Estado. Conforme ensina Bobbio (1985:33), “negativamente, por ‘sociedade civil’ entende-se a esfera das relagGes sociais nao reguladas pelo Estado”. A sociedade civil engloba todas as relagdes sociais que esto & margem do Estado mas que exercem algum tipo de influéncia sobre ele. De acordo com a tradigdo marxista, hé uma correspondéncia entre a socie- dade civil e a estrutura econdmica da sociedade. A classe econdmica do- minante dispde de um poder maior na sociedade civil. Isto é normalmente 92 LUA NOVA N° 34—-95 verdade, mas a sociedade civil precisa ser claramente diferenciada do Es- tado e do povo. A sociedade civil é constituida pelo povo, mas enquanto 0 povo 0 cOnjunto de cidadaos iguais perante a lei, o poder politico que cada individuo possui na sociedade civil € extremamente varidvel. A so- ciedade civil exerce o seu poder sobre o Estado. Nas democracias moder- nas 0 poder do Estado deriva, teoricamente, do povo, mas isto sé é verda- deiro quando a propria sociedade civil é democrética, ou seja, quando ela estd crescentemente identificada com 0 povo. HA periodos em que se torna dificil distinguir 0 Estado da socie- dade civil, tal a predomindncia e abrang@ncia do primeiro; em outros perfodos, a sociedade civil se destaca nitidamente do Estado e divide com ele o poder. Isto leva alguns autores a atribuir grande importancia a esta dicotomia Estado-sociedade civil, e a imaginar que as sociedades possam ser classificadas de acordo com o predominio de um ou de outro. Esta opo- sido tem um certo interesse, na medida em que estabelece a distingdo en- tre dois sistemas de poder: o sistema de poder centralizado e estruturado, representado pelo Estado, e o sistema de poder difuso, mas real, da socie- dade civil, que se encontra nas empresas, nas associagGes sindicatos, nas organizagées religiosas e nas famflias. A ponte formal entre a sociedade civil e 0 Estado é representada, nas sociedades modernas, pelos procedi- mentos democritico-eleitorais ¢ pela existéncia do parlamento e dos parti- dos politicos. O Estado 6, assim, um sistema de poder organizado que se rela- ciona dialeticamente com um outro sistema de poder — a sociedade civil —, cujo poder é difuso mas efetivo. A sociedade civil pode ser entendida como a forma através da qual as classes dominantes se organizam fora do Estado para controlé-lo e p6-lo a seu servigo. A sociedade civil nao deve ser confundida portanto com a populag&o ou com o povo. O povo pode ser considerado como sendo 0 conjunto dos cidadaos detentores dos mesmos direitos; a sociedade civil é constituida pelos cidadaos organizados'e clas- sificados segundo 0 poder dos grupos ou associagées a que pertencem. O Estado exerce formalmente 0 seu poder sobre a sociedade civil e 0 povo. Na verdade, a sociedade civil é a fonte real de poder do Estado na medida em que estabelece os limites e condicionamentos para o exercicio desse poder. Esta concepgiio de Estado e sua relago com a sociedade civil tem a vantagem de nao misturar os dois termos, embora também no os se- pare radicalmente, nem subordine a sociedade civil ao Estado como fez Hegel (1821). O filésofo, identificado com o absolutismo alemao, foi 0 precursor da ideologia burocrética ao propor a existéncia de um Estado neutro, racional. Ele se rebelou contra 0 Estado liberal e 0 contrato social ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E LEGITIMIDADE DEMOCRATICA 93 proposto por Rousseau. De acordo com ele, o Estado seria uma entidade racional em si mesma, & qual os interesses individuais, ou seja, a socie- dade civil, deveria estar subordinada. Como ‘observou Draper, "o Estado ‘tacional’, que pressup6e a existéncia de uma relagdo ética, justa e har- moniosa entre os elementos da sociedade, é um ideal contra o qual se con- trapdem os Estados de fato... diferentemente, a sociedade civil engloba o mundo privado dos conflitos ¢ interesses individuais" (1977:32). Quando o Estado é distinguido radicalmente da sociedade civil, quando ele tem 0 unico papel de proteger a propriedade e a liberdade dos individuos que formam a sociedade, 0 interesse dos individuos se tora um fim supremo, tornando-se facultativo ser membro ou nao do Estado. Hegel afirmava que esta é um relagdo errénea entre o Estado e 0 individuo. Como o Estado € 0 espirito da objetividade, como é a unica maneira de os individuos viverem em associagao, € somente como membros do Estado que 0s individuos alcangam a objetividade, a verdade ¢ a moralidade. Por outro lado, 0 conceito de Estado que estamos utilizando nao © separa radicalmente da sociedade, nem o subordina a ela, como quer 0 pensamento liberal. O Estado nfo nasce simplesmente de um contrato so- cial, conforme sustentavam os contratualistas, mas é produto de um longo proceso hist6rico em que os interesses de classe so fundamentais. A con- cepcio contratualista do Estado representou um enorme avanco de- mocratico, nao obstante o autoritarismo de seu fundador, Thomas Hobbes, porque deixou claro que a fonte ultima do poder deixava de ser 0 direito di- vino (hist6rico, tradicional) dos reis, para ser a vontade dos homens, que se dispunham racionalmente a ceder parte de sua liberdade em nome da ordem proporcionada pelo Estado. Nao obstante, o Estado estd longe, em termos histéricos ou reais de ser uma forma de associagéo, como queria Rousseau (1762) que protege o individuo contra forgas externas, ou uma associago na qual cada membro possa conservar integralmente a sua individualidade, porque, ao obedecer ao Estado, estaria obedecendo a si préprio. O Estado é a forma através da qual os setores mais poderosos da sociedade civil impdem, ou tentam impor, sua vontade sobre o restante da populacdo. A sociedade civil pode apresentar diversos niveis de abertura. Ela pode ser uma sociedade civil democratica, onde as classes dirigentes dividem o poder com as classes dominadas, ou, em outras palavras, onde a distingdo entre a classe dirigente e a classe subalterna fica menos clara. Ela pode ser também uma sociedade civil autoritéria, em que uma Gnica classe dominante concentra todo 0 poder. Gramsci nio fez uma clara distingio entre o Estado e os regimes politicos. Segundo ele, o Estado é uma “sociedade politica” que ao mesmo tempo distingue-se e confunde-se com a sociedade civil. Preocupado em 94 LUA NOVA N° 36 —95 analisar o Estado liberal, em que a sociedade civil € muito poderosa, Gramsci prefere afinal englobar a sociedade civil ao Estado, a fim de po- der compreender a hegemonia da classe capitalista: “Isto significa que por ‘Estado’ deve-se entender, além do apa- relho governamental, também o aparelho ‘privado’ de ‘hegemonia’ ou so- ciedade civil...na nog&o de Estado entram elementos que também sio co- muns & nogio de sociedade civil (neste sentido, poder-se-ia dizer que 0 Estado = sociedade politica + sociedade civil, isto é, hegemonia revestida de coergao" (1934:261-263). Norberto Bobbio observou que Gramsci introduziu uma ino- vagdo profunda na tradigdio marxista ao incluir a sociedade civil na superes- trutura, como parte do Estado, ao invés de situd-lo na estrutura basica da so- ciedade (1976). Seguindo essa linha proposta por Gramsci, Althusser propés que no Estado encontramos um “aparelho repressivo”, constitufdo do governo, da administracao, do exército, da policia, dos tribunais, das prises, e 0 “aparelho ideolégico”, constitufdo das igrejas, das escolas ptiblicas e privadas, das familias, das leis, dos partidos politicos, dos sindi- catos, dos sistemas de comunicagao de massa, das instituigdes culturais esportivas (1970:142-143). Para Althusser, no importa se as instituigdes que funcionam como aparelhos ideol6gicos do Estado so piblicas ou pri- vadas. O importante é que elas funcionam principalmente “através de ideo- logia”, e nao “através da violéncia” (1970:145). Althusser necessita dessa visio extraordinariamente abrangente do Estado, que acaba incluindo toda a sociedade civil, porque ele pretende que a “reproducdo das relac6es de pro- dugo”, ou seja, a manutengo das relagdes de poder e propriedade vigentes, € a fungao por exceléncia do Estado e, principalmente, de seus aparelhos ideol6gicos (1970:148). Na verdade, Althusser elaborou um conceito excessivamente amplo de Estado. O “aparelho ideol6gico de Estado” a que Althusser se re- fere esté em grande parte sob dominio da sociedade civil. O Estado possui © seu préprio aparelho ideolgico, quando as agéncias ideolégicas sao de propriedade do Estado, mas no capitalismo contemporaneo, a maioria das instituigGes ideol6gicas — a imprensa, as escolas, as igrejas — so de pro- priedade privada. Nao hd necessidade nem razdo para responsabilizar ex- clusivamente o Estado pela legitimaco e reprodugdo das relagdes de pro- dugdo vigentes. O Estado é apenas uma das instituigdes através da qual a classe dominante legitima seu poder e a sociedade como um todo se orga- niza e se reproduz. Quando englobamos tudo no Estado, este acaba per- dendo sua identidade. Confunde-se com a propria sociedade ou com as proprias instituigdes da sociedade civil. A legitimidade do poder do Estado, ou, mais precisamente, a ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E LEGITIMIDADE DEMOCRATICA, 95 legitimidade da elite politica governamental que dirige o Estado em nome da sociedade, depende de sua capacidade de estabelecer sua hegemonia ideoldgica sobre o resto da sociedade. A sociedade civil —as classes soci- almente organizadas ou aliangas de classes e grupos sociais que possuem poder sobre o Estado — dispde de uma série de instituig6es que funcio- nam como aparelhos ideolégicos. A principal delas é 0 proprio Estado, que, além de aparelho ideolégico e coercitivo, é também aparelho regula- dor da economia, na medida em que se responsabiliza cada vez mais por politicas econémicas de curto e longo prazo. O Estado possui também um aparelho econémico, além do coer- citivo ¢ ideolégico. Mesmo na época do capitalismo competitive, quando predominava o Estado liberal, e as fungdes econdmicas do Estado eram re- duzidas, podfamos encontrar nesse Estado um pequeno aparelho econémico. Quando ele se transformou em um Estado regulador do capi- talismo tecnoburocrético, a importéncia desse aparelho econémico cresceu enormemente. No estatismo, ou seja, no modo de produgao que se tornou dominante na Unido Soviética, o aparelho econ6dmico do Estado confun- diu-se com 0 proprio sistema econ6mico. O crescimento excessivo do apa- relho econémico do Estado e as distorgdes decorrentes levaram, nos ltimos anos, a um processo cfclico em sentido inverso, que se traduziu na reformas econdmicas orientadas para o mercado, particularmente a privati- zagao e a liberalizago comercial. 5 A TEORIA MARXISTA DO ESTADO. A afirmagdo de que o Estado representa a classe dominante € uma simplificacdio. Na verdade, é improvavel que apenas uma classe esteja representada na elite politica que dirige o Estado. Por outro lado, 6 dis- cutivel pensar em uma tinica classe dirigente nas sociedades capitalistas contempordneas, onde, ao lado da classe capitalista, surgiu uma classe tec- noburocrdtica ou uma classe de gerentes e técnicos assalariados que é po- derosa devido ao conhecimento técnico e organizacional que detém. Com maior freqtiéncia o que temos hoje sao pactos politicos, coalizées de clas- ses. Nessas coalizées podem participar nao apenas as classes dominantes mas também fragdes das classes dominadas. Formam-se assim 0 que Gramsci chamou de “blocos hist6ricos” para identificar os complexos sis- temas politicos que, em cada momento da histéria, detém o poder do Esta- do. As relagGes entre as classes sociais e 0 Estado sao sempre complexas. 5 Sobre o cariter cfclico da intervencdo do Estado na economia ver Bresser Pereira (1988). 96 LUA NOVA N°34—-95 Normalmente, o Estado € 0 espago onde se desenvolvem os conflitos so- ciais. A medida em que a democracia avanga, as classes dominantes sao forgadas a fazer concessdes as classes dominadas, o Estado é tansforma- do em um provedor de beneffcios sociais, o que atenua e ao mesmo tem- po legitima (O’Connor, 1973) as relagdes de dominagio. O debate entre marxistas e neo-marxistas sobre a teoria do Esta- do e sobre as relagdes entre o Estado e as classes sociais foi bastante ativo principalmente nos anos 70. A antiga visio instrumentalista do Estado, que marxistas como Ralph Miliband ainda sustentam, iperderam terreno na década de 70 para a teoria alema do Estado com base na ldgica do capital®, ‘ou simplesmente teoria da l6gica do capital, e para a abordagem inovadora das classes politicas de Poulantzas (1968, 1974, 1978), que estiio de algu- ma forma presentes nos trabalhos de James O’Connor (1973), Esping- Anderson, Friedlan e Wright (1976), Eric Olin Wright (1978) e Joachin Hirsch (1973).7 Ambos os grupos partem do que Poulantzas chama de “re- lativa autonomia” do Estado e ambos naturalmente rejeitam a teoria liberal que considera o Estado como sendo um agente politico neutro.® A teoria neo-ortodoxa ou da légica do capital deriva seu concei- to de Estado da visio do Estado como uma instituigao especial nao sujeita as limitag6es do capital mas subordinada a I6gica do lucro, como uma for- ma ndo-capitalista de organizagdo social, pois nfo produz mais-valia, e como uma organizagio que fornece as condig6es gerais — infra-estrutura econ6mica e sistema legal — necessdrias ao capitalismo. Seus represen- tantes criticam 0 keynesianismo e a teoria social-democratica do Estado, segundo 0 qual o Estado teria uma fungao redistributiva. O Estado nao pode desempenhar essa fung%o porque mais importante que a demanda efetiva é a taxa de retorno sobre o capital investido. As politicas do Estado cujo objetivo é limitar a exploragiio dos trabalhadores nao podem ser ex- plicadas segundo os interesses imediatos do capital, mas sao com- preens{veis em termos dos seus interesses a médio prazo e longo prazo. No longo prazo, o capital necessita, através da agao do Estado, proteger e desenvolver a forga de trabalho. O Estado, entretanto, embora se coloque & Seus representantes mais conhecidos so Muller ¢ Neususs (1970), Elmar Altvater (1972) € Joachim Hirsch (1973). Os textos mais importantes dessa escola foram publicados em inglés em Holloway ¢ Picciotto (1978a). 7 Uma terceira abordagem tecnoburocritica do Estado e de suas relagées com a classe domi- nante € a abordagem corporativa ou neo-corporativa. 8 Para uma ampla survey ndo apenas sobre a teoria marxista de Estado mas também sobre as diversas ¢ pluralistas formas da teoria conservadora do Estado, ver Martin Caroy (1984), Clark ¢ Dear (1984) ¢ Dunleavy ¢ O'Leary (1987). Para uma survey especifica das teorias marxistas € neo-marxistas do Estado ver Holloway e Picciotto (1978b), Bob Jessop (1982), Hugh Mosley (1982), Les Johnston (1986) ¢ Goran Therborn (1986). ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E LEGITIMIDADE DEMOCRATICA ” parte do capital, no ¢ um aparelho organizado e sim uma varidvel depen- dente do capital: 0 Estado estabelece as relagdes legais e a organizacio politica fundamental da sociedade, e, em outras palavras, dé garantia & propriedade privada e ao funcionamento do capitalismo. Como Altvater e associados (1977) sublinham, os limites para a intervengao do Estado sao claros. Gastos governamentais direcionados & melhoria das condig6es gerais de produgdo representam, por um lado, 0 pré-requisito fundamental para a acumulagéo de capital, mas, por outro lado, reduzem os recursos disponfveis para a acumulagao privada. Assim, hd uma contradigao basica no Estado capitalista. Sua funcaio fundamental é garantir o processo de acumulagao, mas, para fazer isso, ele utiliza recur- s0s que de outro modo poderiam ser apropriados diretamente pelo setor privado, Se adicionarmos a esse fato 0 pressuposto de que o Estado, para cumprir sua fung%o de “legitimagao”, deve promover o bem-estar social, esta contradigao intensifica-se. Com relagdo a este ponto, as abordagens neo-ortodoxas e a de classes polfticas de Poulantzas, mediadas por Claus Offe (1973, 1980), séo muito préximas entre si. Engquanto a teoria da “Igica do capital” tem uma base econdmica, a abordagem de Poulantzas esté baseada na autonomia da esfera politica em relacdo & esfera econdmica e no papel decisivo do conflito de classes. Ele vé 0 Estado como a “condensagao” ou a “expresso” do poder das classes. Classes e fragdes de classes so representadas no Estado segundo seus diferentes nfveis de poder. Seguindo Gramsci, Poulantzas diz que elas tendem a formar um bloco de poder histérico detentor da hegemonia politica e ideolégica. Na mesma linha adotada posteriormente por Altvater, Poulantzas retorna a Marx para dizer que o Estado é um fator de repro- dugdo das condigdes gerais de producao. Além disso, como a esfera politica é relativamente aut6noma, o Estado garante coesao & formagdo so- cial capitalista, Em seus primeiros trabalhos, Poulantzas insistia que 0 Estado ndo & “uma coisa”, é sim uma relacao, uma condensago de relag&es con- tradit6rias de poder entre as classes. A burguesia, sendo a classe domi- nante, é sua beneficidria fundamental, mas as outras classes s4o também capazes de influenciar as politicas do Estado. Poulantzas chegou perto de detectar o surgimento de uma nova classe burocrdtica, mas ao final caiu em contradi¢do quando propés a existéncia de uma “nova pequena burgue- sia” (1974). Como em relagao ao conceito de Estado, ele esteve préximo de admitir a idéia do Estado como sendo uma estrutura burocrético- politica, mas, ao final, foi incapaz de se tornar claro quanto ao tema. Como enfatizam os seus comentaristas, Mosley (1982) e Les Johnston (1986), tanto a contribuigdo dos tedricos neo-ortodoxos quanto a 98 LUA NOVA N?36—95 de Poulantzas so funcionalistas. O Estado é uma fungao do capital e dos capitalistas. No entanto, tanto Poulantzas, como O'Connor concedem uma autonomia maior ao Estado em relagao ao capital. AUTONOMIA E CONTRADICAO Se retornarmos & tradigdio de Engels e reconhecermos que o Es- tado, além de ser uma relagdo polftica que da forma legal as formagGes so- ciais capitalistas, é também um aparelho burocratico, seremos capazes de resolver 0 problema que tanto Poulantzas quanto os tedricos neo- ortodoxos nao foram capazes de solucionar. O Estado nao é uma entidade puramente capitalista porque csté fundada sobre uma organizagio bu- rocrética ou um aparelho e no sobre uma relagdio mercantil. Mas 0 Estado uma parte essencial do capitalismo, seja ele um capitalismo liberal ou in- tervencionista. O Estado é uma estrutura politica formada por uma organi- zagiio burocrética e por um sistema jurfdico-legal. E uma estrutura politica essencial ao funcionamento do modo de produgo capitalista, que nao tem ela propria cardter capitalista mas organizacional ou administrativo. Esta- belece-se, assim, uma curiosa contradig&o: o Estado segue a légica do ca- pital, na medida que estabelece as condigées gerais para 0 funcionamento do capitalismo, mas ao mesmo tempo, é tecnoburocratico ou organizacio- nal. Em outras palavras, a instituigao que garante a existéncia dos contra- tos e da propriedade — portanto, do proprio capitalismo — nio é, ela mes- ma, capitalista, mas burocrdtica ou organizacional. Enquanto o Estado era pequeno, enquanto o numero de tecnobu- rocratas empregados pelo Estado era limitado, enquanto, em outras pala- vras, prevalecia o velho Estado liberal, desempenhando as fungdes de policia, de administragao da justiga e a defesa contra o inimigo externo, esta contradigo nao era evidente por si s6. Mas, quando o Estado se tor- nou muito maior, quando o ntimero de funciondrios civis e a carga tri- butéria cresceram de forma a permitir a realizado de um grande niimero de servigos sociais por parte do Estado, quando o Estado assumiu novas fungées de regulagiio e de promogo do bem-estar social, além de garantir as condigées gerais necessdrias & producio, quando, nao obstante as privati- zag6es, as empresas estatais ainda sdo responséveis por uma parcela da pro- dugdo, quando o Estado passou a explicitamente complementar 0 mercado na coordenagao do sistema econémico, quando, finalmente, o Estado se tor- nou ele proprio o abrigo e a fonte de poder da alta tecnoburocracia estatal formada pelos altos funcionérios piblicos, entao a relagao dialética de con- flito e cooperagdo entre 0 Estado eo capital tornou-se clara. O Estado, en- ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E LEGITIMIDADE DEMOCRATICA 99 quanto aparelho burocrético, deixa de ser simplesmente o instrumento do capital para também desafid-lo. Explica-se, assim, a crescente reagdo da classe capitalista contra o Estado. E torna-se, entdo, evidente a possibili- dade de a prépria democracia ser colocada em risco se este aparelho bu- rocrético especial e poderoso tiver a capacidade de submeter todas as de- mais organizagdes sociais, e, portanto, a propria sociedade civil, ao invés de dela derivar sua legitimidade. Nao é preciso, entretanto, supor esta tiltima hip6tese, que hoje parece cada vez mais afastada das sociedades civilizadas, para que possa- mos entender a autonomia relativa do Estado. O Estado € relativamente auténomo nao porque a esfera politica é relativamente independente da es- fera econdmica, mas porque a tecnoburocracia é uma classe situada dentro do aparelho do Estado, que nao apenas influencia, de fora para dentro, 0 Estado, da mesma forma que a burguesia e a classe trabalhadora o fazem como membros que so as trés classes da sociedade civil, mas que também exerce uma influéncia interna, no seio do proprio aparelho estatal. Conforme observa Przeworski, “o Estado € aut6nomo quando os administradores estatais dispdem da capacidade institucional para esco- Iher seus prOprios objetivos e para realizé-los em face a interesses confli- tantes”. E acrescenta: “autonomia é um instrumento itil de andlise quando indica uma entre diversas situagdes hist6ricas possfveis” (1990: 31,36). Este conceito de autonomia — autonomia relativa do aparelho burocrético do Estado em relago A sociedade — ndo deve ser confundido, como ob- serva aquele autor, com a idéia de um Estado “autonomo” porque capaz de realizar seus préprios objetivos, implementar suas politicas. Neste caso 0 que temos, na verdade, é um Estado “forte”, porque est sadio do ponto de vista fiscal, dispondo de crédito ptiblico, e porque conta com um governo dotado do efetivo poder de governar, na medida em que possui legitimi- dade, ou seja, conta com sélido apoio na sociedade. Um estado relativa- mente aut6nomo porque controlado por uma burocracia forte pode ser, afi- nal, um estado fraco, porque, encontrando-se’fiscalmente debilitado e em crise de governabilidade, se revela incapaz de implementar suas politicas. As leis e as politicas piiblicas s4o sempre o resultado da conden- sagdo do poder das classes ou fragdes de classes. Neste processo, entretan- to, a classe tecnoburocrética assume um papel importante, em fungdo da posigao estratégica que ocupa dentro do Estado e das grandes organi- zag6es privadas. Enquanto nova classe média, a burocracia piblica, asso- ciada de forma muito informal & burocracia privada, assume ou busca as- sumir a propriedade coletiva das organizagdes burocrdticas que ajuda a dirigir, inclusive do préprio Estado. Dessa forma, ao mesmo tempo que se candidata a ser uma classe dominante, assegura uma autonomia relativa ao 100 LUA NOVA N° 34—95 Estado, na medida em que, situada estrategicamente dentro dele, detém um controle substancial do aparelho estatal. A autonomia do Estado entendida nestes termos nao deriva da fraqueza da burguesia, nem pode ser atribuida A decisio desta classe de nao interferir diretamente (Przeworski, 1990). Uma classe dominante s6 abdica formalmente de intervir quando seus interesses esto efetivamente sendo assegurados. A fraqueza da burguesia € uma teoria mais razodvel, mas parcial. Na verdade, a autonomia do Estado e da sua burocracia é tan- to maior quanto mais fraca for a sociedade como um todo, da qual a bur- guesia é apenas uma das classes, embora a mais importante, Theda Skocpol vé também o Estado como um aparelho dotado de relativa autonomia. Sua perspectiva, entretanto, é de uma independén- cia maior do Estado em relacao as classes sociais. De acordo com ela, 0 Estado é claramente uma organizagiio, um aparelho, que, ao'menos poten- cialmente, é aut6nomo do controle direto exercido pela classe dominante. As organizagées estatais, que ela nao equipara necessariamente & burocra- cia, competem, até certo ponto, com a classe dominante (1979: 24-33). Fred Block vai na mesma diregiio. Tentando encontrar uma solugio para 0 problema da autonomia relativa, ele vé como alternativa 4 redugdo marxis- ta do poder do Estado a uma simples derivagdo do poder de classe, o re- conhecimento de que a burocracia publica pode perseguir seus préprios in- teresses. Nas suas palavras: “O ponto de partida para uma formulacdo alternativa € 0 reco- nhecimento que o poder do Estado € sui generis, nao redutivel ao poder de classe...A burocracia publica, em conjunto, é maximizadora de seus inte- resses proprios, esté interessada em maximizar 0 poder, o prestigio e a ri- queza" (1980:84). De fato, como qualquer classe social, a tecnoburocracia, e par- ticularmente a burocracia piblica, buscam realizar seus préprios interes- ses. Na medida em que a burocracia ou tecnoburocracia publica est situa- da dentro do aparelho do Estado, ela tem suficiente poder para reivindicar uma certa autonomia — uma autonomia relativa— para o Estado. Isto nao significa a redugdo do poder do Estado ao poder de uma classe. Significa apenas reconhecer o papel estratégico dessa fragdo de classe, dado 0 local em que ela atua: 0 préprio interior do Estado. Fred Block, embora contra- ditoriamente, reconhece o caréter de classe social da burocracia ptiblica quando diz que “a burocracia pablica representa um ameaga potencial as outras classes" (1980:84), mas ao invés de tornar esse reconhecimento explicito, insiste na idéia do cardter sui generis do Estado. Na verdade, o Estado contemporaneo deveria ser visto como uma organizagao, um aparelho, que esta sob a influéncia de trés tipos de ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E LEGITIMIDADE DEMOCRATICA 101 agentes sociais: (1) a alta tecnoburocracia operando no seu interior, (2) as classes ou elites dirigentes, formada pelos grandes empresdrios, pelos in- telectuais de todos os tipos, e pelos politicos ¢ lideres corporativos, e, fi- nalmente, (3) a sociedade civil como um todo, que engloba os dois primei- ros mas é mais ampla que os mesmos, Em conseqiténcia a aco do Estado nao é apenas a expresso da vontade das classes dominantes, nem € 0 re- “sultado da autonomia da burocracia publica. Em contrapartida, também niio é a manifestaciio de interesses gerais. Ao invés disso, essa aco € 0 re- sultado contradit6rio e sempre em mudanga das coalizées de classe que se formam na sociedade civil e da autonomia relativa do Estado garantida por sua burocracia interna. Os burocratas pretenderao sempre ser os depo- sitérios da racionalidade administrativa, e, como a classe trabalhadora e a classe capitalista, falarfio sempre, através dos politicos que os representam, em nome dos interesses gerais da nag&o, embora muito freqiientemente estejam apenas defendendo interesses particulares. Como dizem Rueschemeyer e Evans, "O Estado tende a ser uma expressdo de um pacto de domi- nacdo, a agir coerentemente como uma corporagio unida, a se transformar em um espaco de conflito social, e a se apresentar como 0 guardiao dos in- teresses universais” (1985:48). Nesta perspectiva, 0 exercicio do governo, ou seja, a acto do Estado editando leis, formulando politicas piblica e cobrando sua exe- cugdo, € eminentemente contradit6ria, mas isto nao € surpresa nenhuma, j4 que a sociedade civil da qual ele depende é também contraditéria, marcada por conflitos de todos os tipos. O ESTADO E O REGIME POLITICO © Estado ter4 um regime democrdtico se 0 governo que o diri- gir, além de possuir legitimidade, ou seja, apoio da sociedade civil, estiver submetido as regras procedimentais que definem a democracia, particular- mente a liberdade de expressao e a existéncia de eleiges livres. O regime politico, entretanto, ser4 substantivamente mais ou menos democratico de- pendendo do tipo de sociedade civil a que estiver ligado. Se se tratar de uma sociedade civil ampla, diversificada, e razoavelmente igualitéria, a democracia ser4 substantiva. Em contrapartida, se se tratar de uma socie- dade civil ela propria autoritéria, na qual as diferencas de classe sfio enormes e os valores democraticos, débeis, a democracia tenderd a ser meramente formal. Uma sociedade para ser democrética precisa ndo ape- nas de instituig6es estatais democréticas — particularmente de uma consti- 102 LWA NOVA N° 36 — 95 tuigdo e de todo um sistema legal que garantam os procedimentos de- mocrdticos — mas também de uma sociedade civil em que as contradigdes existentes, embora reais, nado sejam insuperdveis. Na medida em que o Estado e seu governo so a expresso das contradigGes existentes na sociedade, esse Estado precisa encontrar formas de exprimir e resolver as inevitaveis tenses. O contrato social de Hobbes e Rousseau é a primeira e mais geral forma de resolver esse problema. As coalizdes de classe e os respectivos pactos politicos, uma forma mais es- pectfica de garantir apoio da sociedade civil aos governantes. Finalmente, a existéncia de eleigdes livres, nos quadros de um sistema legal slido, € a forma institucional por exceléncia que os estados-na¢do modernos encon- traram para resolver os conflitos e garantir aos governos a legitimidade e governabilidade necessdrias 4 administragao do Estado. O Estado jamais € uma entidade neutra, abstrata, como tanto a ideologia liberal como a tecnoburocritica sustentam. Sua aco € sempre 0 resultado da representagiio de interesses em conflito. Esses interesses agre- gam-se de varias maneiras, formando blocos histéricos que se modificam. conforme os interesses de classe se alterem em fungao das transformagoes do ambiente econémico. A legitimidade de um governo depende do apoio que lhe empresta a sociedade civil. Legitimidade nao é a mesma coisa que garantir a represen- tatividade para todo 0 povo, Se um governo tem 0 apoio da sociedade civil, ele pode ser legitimo sem ser democratico. A medida em que a sociedade se torna democratica, a sociedade civil alarga suas bases e passa a incluir a classe média e, eventualmente, os trabalhadores. Quanto mais préximos fo- rem entre si a sociedade civil e o povo, quanto mais igualitérios forem os di- Teitos politicos dos cidadaos, mais democratica serd a sociedade civil. Segundo este raciocfnio, assume-se que € a sociedade civil que controla o Estado. Mas é possfvel haver situagdes em que 0 Estado contro- la a sociedade civil. Neste caso, 0 governo, por definigdo, no possuird legitimidade. Um regime politico serd autoritério, ou se a sociedade civil nao for ela prépria democratica, ou se Estado controlar a sociedade civil. No primeiro caso, haver4 um regime autoritério legitimado pela sociedade civil, e no segundo, um regime autoritério desprovido de legitimidade, ‘onde um grupo assumiu o poder politico sem o correspondente poder civil. Este tiltimo tipo de regime ser4, por definicao, eminentemente instdvel. Em termos préticos, desenvolve-se um processo dialético entre a sociedade civil e o Estado, um controlando 0 outro, e vice-versa. Ao mesmo tempo em que, nas democracias modernas, a base da sociedade civil € ampliada com o crescimento, embora claramente subordinado, da participagdo dos trabalhadores, o aparelho do Estado também 6 expandido. ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E LEGITIMIDADE DEMOCRATICA. 103 A tecnoburocracia surge como classe nas grandes organizagées privadas e também no interior do aparelho do Estado. A medida em que isso ocorre, o Estado tende a ganhar uma relativa autonomia em relagdo a sociedade civil. Essa, entretanto, nao é uma tendéncia que possa prevalecer no longo prazo, na medida em que existe nela um elemento autoritério incompativel com os valores democraticos prevalecentes no mundo contempordneo. LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA é Ministro da Administracdo Federal e Reforma do Estado, professor da Fundagao Getilio Vargas de Sao Paulo e ex-ministro da Fazenda. 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