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Bll Mola racr | i Titulo da Obra: | Inrervencko comuntrénia: Usa Perspecriva pstcoudcrca Isabel Menezes Livpsic / Legis Editora Livpsic - Livros de Psicologia Psic@livpsic.com / geral@legis.pt Depésito Legal: | 268556/07 1.S.B.N.: | 978-972-8082-90-1 Data de Edicio: | Dezembro de 2007 Américo Moreira Tel. | 220156971 Fax: | 309928648 geral@livpsic.com ww. livpsic.com, ‘vratia da Faculdade de Psicologia e de Ciéncias da Educacdo da UP. Se pretender receber informacies sobre os nossos livros ou compa ies ditectamente, bem como propor a edigao de algum lrg escreva-nos para. LEGIS EDITORA Apartado 5450 4024 PORTO CODEX e-m: vesic@livpsic.com ou, entéo, pelo wwwalivpsic.com yosnhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo electré feo incindo fotocspa xeroctnia ou gravagao, sem autonsocse do a transcrisio de curtas passagens para efito de apresentacso tos desta obra, que porém nia revistam carae Mtoceen es ctores incorrem ern praceaimento jude, ae trees jot Isabel Menezes INTERVENGAO COMUNITARIA? UMA PERSPECTIVA PSICOLOGICA 1.3 edicdo Prefacio de Maria de Fatima Quintal de Freitas Livpsic 2007 InTeavencko Comunrréata: UMA PERSPECTIVA PSICOLOGICA Tul 3.Construcao e avaliagao de projectos de intervencao comunitaria Na medida em que a intervencdo comunitaria implica a disponibilidade para trabalhar com as pessoas e as comunidades ~ e ndo em vez delas ou apesar delas — a (MéXibilidadevevabertuta so caracteristicas essenciais dos profissionais, juntamente com a diposicio para improvisar: “devem ser capazes de formar relacdes de trabalho construtivas com diferentes parceiros da comunidade hospedeira. Devem resolver problemas, pensar ‘na hora’, ser pacientes e dar tempo para conhecer o contexto e as pessoas” (Nelson & Prilleltensky, 2005, p. 77). Ou seja, mais do que dar respostas, os profissionais devem exercitar a inquietacdo deifazerperguntas* “optimalmente desiquilibrantes” (Marcia, 1991, p. 66). Ora, da mesma forma que, como afirmava Lewin, ndo ha nada tao pratico quanto uma boa teoria, podemos dizer que nada é tao Preparado quanto uma boa improvisacgo: a capacidade de lidar com a incerteza e a ambiguidade depende de antecipar e planear, distinguindo o essencial do acessério ~ @ nessa medida faz particular sentido analisar e discutir alguns pressupostos gerais da construgao e avaliacaio de projectos de intervengao comunitaria a que é importante atender no trabalho em contexto. A elaboracaio de ui ‘0 que implica, em conjunto um com a comunidade, analisar_o contexto.e 0s problemas ai Sentidos, aprofundar a forma como esses problemas sao, definidos e quais os (Os existentes para os resolver, Fiori Ss ise e discusso da informacao recolhida, com a participago activa de todos os intervenientes, no contexto de um processo decisério participativo (Freitas, 1998), deve permitir a ‘Gonstrugsolide (Umi! Guidolidallaccgso para todos os Protagonistas: profissionais e membros da comunidade. Como afirma Musitu (1999) "a relacdo do profissional com @ comunidade é a principal fonte do processo de construcdo de significados” (p. 63) que devera resultar num entendimento muituo e partilhado dos problemas e recursos existentes. Finalmente, a avaliagdo do processo € dos resultados deve ser antecipada de forma a que se possa determinar em que medida os objectivos foram atingidos e se as mudancas se devem as estratégias implementadas (Fairchild, 1986). Illback, Zins, Maher e Greenberg (1990) sistematizam este processo de elaboragéo, caracterizando os objectivos e actividades a desenvolver em cada momento. Identificar uma base generativa Trata-se aqui de definir o racional da interven¢o, com base na im projecto de intervencao emerge sempre a partir de um determinado racional tedrico de que extrai regras de estruturacio, devendo ser caracterizado por uma certa flexibilidade ~ trata-se de assumir que a teoria é um poderoso guido da intervencao que permite fazer opcées intencionalmente orientadas no terreno, dai a relevancia dos conceitos discutidos nos 66 capitulos anteriores. Proceder a andlise do contexto e avaliagao de “necessidades” dispostos a trabalhar no presente e no futuro imediato (Blocher, 1987), através de estratégias variadas que podem envolver a observacdo participante, a recolha etnogréfica, a realizacdo de entrevistas e/ou inquéritos, mas também conversas ou encontros informais (Freitas, 1998). Este processo devera| : critérios em relaco aos quais a eficdcia do programa pode ser avaliada. Alfiecessidadg é aqui um conceito chave que pode ser definido como a discrepancia entre o estado actual e © estado desejavel (objectivo). Assim, devem ser termos de (G§SUGESS04 ajucando 2 es 1987) de forma a permitir o reconhecimento da progressao no tempo (avaliacao do processo). E ainda importante conceber uma necessidade enquanto algo util para a obtencdo de um objectivo defensavel (Stufflebeam, McCormick, Brinkerhoff & Nelson, 1985). Ou seja, a necessidade nao existe de per si, mas ¢ 0 resultado de julgamentos, valores e interacgées num determinado contexto; desta forma ¢ umiGoniceltolabstractoerelativoy dependente do objectivo que serve, da situaco concreta e do conhecimento sobre 0 que é desejavel para atingir 67 IvTeavencio ComUNITéRia: UMA PERSPECTIVA PSICOLOGICA determinado objectivo. Consequentemente, (@ualqueh l§nformagaoirecolhide neste processo deve ser julgada € interpretada tendo em conta os objectivos, valores e conhecimentos especificos do contexto, de forma a decidir © conteldo de uma necessidade: “a nogao de objectivo defensavel corresponde a operacionalizaco dos valores e crencas de um determinado contexto que constituem o nucleo da necessidade” (p. 54). Adicionalmente, & importante reconhecer que a avaliacdo de necessidades depende de factores ideolégicos e epistemolégicos subjacentes a construcao do programa (/.e., do racional tedrico e das condicées histérico-sociais do contexto em que decorre). Finalmente, é essencial reconhecer que, pois ndo € possivel separar a substancia da investigaco (quais os problemas a tratar) da natureza da relacao de investigacao que deve implicar um didlogo ‘com a comunidade hospedeira na definig&o das questées relevantes (Kelly, 1968). ou oa é BaepEtarey |, eminentemente i jas pelos significados atribuidos ao vivido € a0 desejado, e nao entidades supostamente objectivas que cabe ao profissional “descobrir” (Stufflebeam, McCormick, Brinkerhoff & Nelson, 1985). Mas ha que reconhecer as limitacdes inerentes ao conceito de necessidade, que pode motivar a opcao por conceitos alternativos: importante reconhecer que as “se as pessoas tém ‘necessidades’ entéo tém deficiéncias, a remoco das quais as torna ‘iguais’ tornando-as similares as outras. Se, pelo contrario, tém ‘direitos’ entéo tém forgas, que se suportadas as 68 nTenvencio Comuniriaia: UMA PERSPECTIVA PSICOLOGICA fazem ser ‘iguais” permitina: 2 fo-Ies continuar a ser Atferentes das outras” (Levine & Perkins, 1997, p. ee © caso, é importante atender & recomendacio je Rappaport (1981) de que devemos aprender a viver ¢om os paradoxes, por exemplo entre “necessidades” direitos”. Ora, do mesmo modo que a énfase em necessidades pode incorrer “numa mentalidade de control social que oblitera as diferengas legitimas” entre as Pessoas, os grupos ou as comunidades, também a centra¢o em direitos pode ignorar que “ter direitos mas no recursos ou servicos disponiveis é uma piada cruel (p. 13). Para Rappaport o empoderamento tem como consequéncia reconhecer que as pessoas tém ti direitos quanto necessidades. ee O levantamento das m Cuidado, envolvendo a preparacso da recolha © eventual utilizacdo da informacao (identificar os participantes, os procedimentos,...) € a antecipacao das formas de comunicagéo da informaggo recolhida; uma fase de mplementac8o, contemplando tanto a recolha de informac&o como a sua analise; e uma fase de difusdo, Gr gue 0s resultados s8o apresentados de forma precisa, ‘ reensivel € util, destin éncias relevantes(Illback eto, 1990). Sallente-se, frolinceice que os dados obtidos se revestem de utilidade na avaliacao tanto do processo de intervengao como dos seus resultados. O que é essencial garantir nesta fase é que (Freitas, 1998, s/p). 69 InrervencAo ComuNrrania: UMA PERSPECTIVA PSICOLOGICA Definir os objectivos da intervengao Trata-se de especificar, de forma concreta, as mudangas esperadas, identificar os alvos e descrever 0 periodo temporal da intervencdo. Note-se quelielarificar} 0: para identificar 0 que é necessario e titil para elaborar uma intervencdo, bem como para avaliar a sua legitimidade. De entre as estratégias possiveis para a definicdo de objectivos é de destacar 0 envolvimento de elementos chave da comunidade (“task force") na definicéo das prioridades da interveng3o, com a vantagem de aceder a perspectivas transversais, centradas na realidade e validas, junto de pessoas cam acesso directo & populacao, o que pode potenciar a eficacia ({llback et af., 1990). Neste processo ha que ter em conta que um| Seleccionar estratégias de intervencao Uma vez definidos os objectivos hd que seleccionar as detividades! necessarias| para os atingir, através de estratégias como 0 brainstorming, a abordagem do grupo nominal, envolvendo membros significativos da comunidade e membros da equipa de intervencao, ou a abordagem de Delphi, que implica questionar especialistas de reconhecido mérito no dominio (Illback et al., 1990). Novamente aqui é essencial rever de forma sistematica a literatura no dominio de forma a conhecer estratégias implementadas em situacdes similares e a sua eficdcia’. Se, por exemplo, se trata de desenvolver um projecto dirigido aos jovens da comunidade para promover 70 InrervencRo Comunrrénia: Uma PERSPECTIVa PSicoudcica uma sexualidade responsével, profissional assinale . Trata-se de colocar o saber profissional ao Servico da comunidade, o que implica conhecer e dominar estratégias de intervencao ~ é, em Uitima anilise, este conhecimento especializado que legitima o nos: envolvimento na intervencao comunitaria. © que se espera é Preparar a implementacéo Na concluséo da fase a tage de planeamento, hé que no seguimento da estratégia definida e em que sequéncia, definindo um plano especifico e publico para a realizacao destas actividades, identificando os recursos Tomo 2 materiais) necessarios, e atribuindo responsabilidades especificas a individuos para pros: sequirem col as diversas actividades. mete a nao ¢ de sublinhar a importancia deste att © qual se corre 0 risco de perder a i aaa pe intencionalidade do mplementar e avaliar o processo e os resultados hd queliniciary ain Propriamente dita, tendo o cuidado de cumprimento, desde logo, a avaliacdo de proceso monitorizando a forma como os recursos, estrategias ¢ actividades esto a decorrer, de modo a verificar ce é necessério introduzir modificacdes ao planeamento, eds resultados, determinando se os objectivos foram atingidos e Se as mudancas podem ser atribuidas & intervencao. las, como sublinham Lipsey e Cordray (2000), o que & Prioritario € “saber porque uma intervencio é eficae ou 71 ineficaz de forma a que as ices possam ser aprendidas os melhoramentos feitos” ou seja, trata-se de encontrar Suma explicago para os resultados da avaliacdo, néo apenas uma afirmacao sobre se os efeitos foram Encontrados em determinadas variaveis” (p. 358). Ou seja, aTutiiaade"da"avallagsé nao se resume 2 determinar se_avinterverigso for"eficaziou nao, mas serve tambem o importante objectivo de contribuir pare nethorar © proprio projecto (Newburn, 2001; Unger, Park, Antal, Tressel, Rigney et al. 2000). No entanto, esta expli¢acao dos resultados implica relacionar © processo Ge intervencdo (incluindo as estratégias privilegiadas) com Oe efeitos, o que é possivel a partir de um quadro conceptual que “sirva come grelha para organizer é interpretar a informaggo das componentes descritiva © experimental de uma avaliacéo” (Lipsey & Cordray, 2000, p 358). Ou seja, e mais uma vez, os projectos de Intervengao devern ser teoricamente baseados, € a0 donstruidos a partir de vagas nocées sobre 0 Gesenvolvimento humane eo funcionamento comunitario. Finalmente, é de registar que a evolucao actual das perspectivas de elaboracao, implementacdo e avaliacdo Be intervengoes tende a enfatizar a relevancia do Gnvolvimento dos “utentes” ou “alvos” em todo 0 proceso, ineluindo abordagens construtivistas, participatorias € de empoderamento para a avaliacao do impacto dos projéctos (Fetterman & Wanderman, 2005; France, 2001; Guba & tincoin, 1989; Unger, Park, Antal, Tressel, Rigney et al., 2000). 72 Perfil comunitario perfil comunitario constitui um exemplo de operacionalizacSo destes pressupostos, visando obter uma descricSo das necessidades e recursog de uma comunidade através de um processo que implica “0 envolvimento activo da prépria comunidade com 0 objectivo de desenvolver um plano de accao ou outros meios de melhorar a qualidade de vida na comunidade” (Hawtin, Hughes & Percy-Smith, 1998, p. 5, sublinhado no original). E particularmente importante enfatizar que, em consonancia com o que afirmavamos atras, 0 foco do perfil comunitario sé0 nao sé as fragilidades como as potencialidades, tanto em termos materiais como humanos, o que permite salientar as capacidades da comunidade e contrariar esteredtipos negativos, que muitas vezes tém efeitos muito perturbadores para a propria comunidade: hd alguns anos, num debate com habitantes de uma comunidade da zona histérica do Porto, era manifesto 0 desagrado com a imagem publica da freguesia patente nos média enquanto zona-problema caracterizada pela criminalidade, toxicodependéncia e prostituicdo, com total auséncia de referéncia a diversidade de iniciativas positivas encetadas pela populacao e pelas associagées locais - e cujo efeito mais devastador era levar os proprios habitantes a partir para outras areas da cidade, logo que possivel. Adicionalmente, se 0 objectivo é o envolvimento activo da comunidade é necessdrio diversificar tanto os informantes como os métodos de recolha de informacao, de forma a nao excluir pessoas ou grupos com menor nivel educacional ou menos familiarizados com a leitura € a escrita. Assim, embora todos os métodos de recolha de dados atras referidos possam ser recursos interessantes, 73 como as entrevistas, os grupos de discussao focalizada ou os questionarios, faz particularmente sentido ser ctiativo nos métodos de recolha informacao, para garantir uma maior diversidade de "fontes”. Por exemplo, criangas pequenas ou adolescentes com dificuldades de literacia podem sentir-se estimulados se Ihes for pedido que desenhem ou fotografem pontos fortes e fracos da comunidade. Algo similar pode acontecer com idosos se Ihes for pedida uma “visita guiada” pela comunidade através da qual, para além de conversar sobre necessidades e recursos, é possivel aceder a prépria historia da comunidade = (vd. _—hittp:// www.communityplanning.net), ou a formatos graficos mais facilmente inteligiveis, como 0 caso da arvore dos problemas (Figura 4). Figura 4- Arvore dos problemas (adaptado de htto://www.communityplanning.net/methods/ ‘method42,htm) Side Desentncagdo Beoxos rendimentos aes fericace dos sobs Encerramente de ndistias eéndos Envehecmente da populagle 74 Os informantes também podem incluir especialistas que desenvolvem actividades em relagso com a comunidade, embora ndo sendo membros, como, por exemplo, jornalistas, investigadores em varios dominios (arquitectura, geografia, satide, ...) e que podem contribuir para a desejada descricéo abrangente da comunidade. Finalmente, pode concluir-se 0 processo de recolha e andlise da informacao com um férum comunitario onde as necessidades e recursos so apresentados e discutidos, € definidas as prioridades em termos dos projectos 3 desenvolver e das estratégias a implementar, reconhecendo que o perfil comunitario é, por definicao, um processo inacabado e ciclico (Hawtin, Hughes & Percy Smith, 1998). Em Itélia, 0 perfil comunitario (Francescato, 2000) tem sido utilizado para aumentar a participacéio dos cidaddos em programas no dominio da satide, do ambiente e da promocao de parcerias entre associacées e servicos, e€ inclui oito perfis: territorial, demografico, econémico, de servicos, institucional, antropolégico, psicolégico ¢ futuro (Gelli, Mannarini e Bonifazi, 2004). Habitualmente, © processo € liderado por um grupo de investigac3o nuclear constituido por profissionais e residentes. Os primeiros cinco perfis so considerados mais especializados e objectivos, e recorrem a fontes tradicionais de dados, como 0s arquivos, os censos, as noticias de jornais, sendo depois analisados pelo grupo nuclear com o apoio de especialistas. Os trés ltimos perfis remetem para as. vivéncias subjectivas da comunidade e s3o explorados através de técnicas como “passeios ambientais, desenhos, gui6es de filmes e narrativas” (p. 249). De forma a garantir um maior envolvimento de todos os membros da comunidade, so realizados varios grupos de discussio focalizada. O balanco de pontos fortes e fracos é 75 apresentado num férum comunitario em que séo convidados todos os membros da comunidade. Ao longo de todo o processo hd a preocupacdo em dotar os residentes de competéncias para poderem utilizar esta metodologia no futuro, de forma auténoma. Gelli, Mannarini e Bonifazi (2004) descrevem o perfil comunitério realizado numa vila do sul da Italia com cerca de 17000 habitantes. O processo foi encomendado pela camara municipal com 0 objectivo geral de promover 0 desenvolvimento local, envolvendo os cidadaos na identificagdo de necessidades e recursos e na determinacao de prioridades de mudanga. O grupo nuclear era constituido por dois investigadores externos e 12 residentes, Este grupo realizou 26 entrevistas a informantes privilegiados que poderiam dar informacao especializada relativamente aos varios perfis. Adicionalmente, foram realizados cinco grupos de discussao focalizada com representantes de varios grupos sociais da comunidade, mas favorecendo membros de grupos com menor poder “para promover uma visdo pluralista da comunidade” (p. 251), 0 que implicou um maior recrutamento de jovens. Foi ainda construido um questionario para avaliar da satisfaco da populagao em geral com a comunidade, que foi respondido por 472 pessoas. No forum comunitario, em que participaram 200 residentes, foram discutidos os pontos fracos (prevalecimento de interesses _ individuais, conservadorismo, falta de coordenagao, inadequacao de servicos) e fortes (recursos culturais e naturais, sentido de comunidade, associacées e voluntariado), sendo sugeridas estratégias que favorecam a interrelacdo entre a populacao e as instituigées e a coordenagao entre grupos diversos, e uma proposta ligada a identidade comunitaria “criar um acontecimento cultural distintivo combinando os recursos da paisagem e da tradic&o gastronémica... 76 que pudesse servir de marco identificador do lugar, tornando-o visivel e reconhecivel” (p. 259). Independentemente das especificidades desta modalidade de construgdo de um projecto, 0 que aqui se defende é 0 recurso a uma diversidade de metodologias de investigacdo (entrevistas, questionarios, observacao,...) para identificar as quest6es prioritarias para uma dada comunidade, assumindo como central 0 seu envolvimento em todo o processo. Alias a propria investigac3o tem salientado a importancia da intervencao, numa légica pré-activa, tomar como ponto de partida os problemas sentidos no quotidiano e valorizar padrdes democraticos de poder e comunicagaio entre profissionais e participantes (Campos, 1989; Conyne, 1987; Heller, 1990; Illback, Zins, Maher & Greenberg, 1990; Orford, 1992). Ou seja, deve assumir-se, desde 0 inicio, uma perspectiva de empoderamento em que mais do que diagnosticar e resolver os “problemas dos clientes” se trata de criar condicées para que os participantes (as pessoas, (0 grupos sociais, as instituicées, as comunidades), eles préprios, elaborem, da forma mais flexivel e criativa possivel, as suas necessidades e as formas de Ihes dar Fesposta, num processo eminentemente colaborativo e de negociacao Avaliacao empoderante Estes pressupostos tém igualmente inspirado o desenvolvimento de estratégias de avaliacao dos proprios projectos de intervencao, como referimos atras. Uma destas estratégias é a avaliacéo empoderante proposta por David Fetterman” (1996, 2001, 2005a) que visa 7 capacitar os profissionais e as organizagées para que conjuntamente definam objectivos e implementem planos de avaliaco, enfatizando nao apenas a sua participac3o mas também o seu controlo do processo: "(1) providenciando 4s partes interessadas’ ferramentas para avaliar o planeamento, implementagao e auto-avaliacdo do seu programa e (2) integrando a avaliagéo como parte do planeamento e gestéo do préprio programa/organizacéo” (Wandersman, Snell-Johns, Lentz, Fetterman, Keener et al., 2005, p. 28). © processo baseia-se nos seguintes principios orientadores: melhoria, através da &nfase na mudanca; pertenca, pois € a comunidade/organizacéo que assume a responsabilidade, 0 controlo e 0 uso da avaliacéo; incluséo, pela valorizacéo do envolvimento da maior diversidade possivel de grupos e instituicdes; participacao democratica, com consequéncias no planeamento, implementacao e avaliacéo do processo; justica social, tanto na andlise dos resultados como das suas implicagdes"; conhecimento da comunidade, que deve ser valorizado e utilizado; estratégias empiricamente baseadas, pols a selecc&o de estratégias de intervencao deve atender investigac&o sobre a sua eficacia, sem embargo da necessidade de as adequar ao contexto especifico; construcéo de competéncias, na medida em que 0 objectivo central é capacitar os participantes para conduzirem processos de avaliagdo no futuro; aprendizagem organizacional, porquanto 0 processo assenta na criagdo de uma comunidade de aprendizagem eno encorajamento da responsividade da organizacao; e prestacao de contas tanto no interior como no exterior da organizacdo (e abrangendo tanto os profissionais, como a gestao ou as entidades financiadoras). 78 Fetterman (2001) caracteriza 0 processo de avaliaco empoderante como evoluindo em cinco fases: i. a formagdo dos profissionais e das organizagdes ao nivel dos procedimentos de avaliacao, identificando as suas préprias necessidades, recursos e problemas neste dominio, de forma a “desmistificar” 0 processo e “idealmente ajudar... a internalizar os principios e praticas da avaliagao” (p. 35) ; ii, a facilitacao, na medida que o papel do avaliador (ou da equipa de avaliago) é fundamentalmente © de apoiar e monitorizar os participantes na implementacao do plano de avaliacao, pois é a eles que compete a lideranca do processo; . a disseminacao dos resultados, pols os dados permitem aos profissionais e organizacdes interpretar os resultados positivos e negativos e fazer exigéncias legitimas; iv. a revelagéo que advém do conhecimento dos resultados e da sua discussdo, permitindo uma compreenséo mais aprofundada dos processos e do impacto da intervencao; v. a emancipagao que resulta da compreensao do projecto e pode dar origem a novas formas de conceber os papéis, constrangimentos e processos de intervenco. Fetterman considera que é 0 controlo pelas partes interessadas que mais distingue a avaliac3o empoderante de outras formas de avaliacdo participativa, mas reconhece que se trata de um processo demorado e que repousa no compromisso e envolvimento de todos os participantes. Ora, este compromisso depende das condicdes criadas pela propria organizacaio para que os profissionais e a prépria gestdo arrisquem mudar’*. E de sublinhar que esta 79 estratégia de avaliacao tem sido acusada de alguma falta de diferenciagao relativamente a abordagens como a avaliacdo participante ou a avaliac&o colaborativa (Cousins, 2005). No entanto, embora reconhega ser necessaria uma referéncia mais explicita as questdes do conflito e das diferencas de poder nas organizacdes, Cousins conclui que a avaliago empoderante ¢ das formas de avaliacao colaborativa que “mais intimamente e explicitamente se relaciona com os interesses do desenvolvimento e implementacao” (p. 207) de projectos. Serrano-Garcia, Resto-Olivo e Varas-Diaz (2004) descrevem a implementagao de um modelo de capacitaco participante em avaliac3o de programas junto de organizacées comunitérias que trabalham no dominio da SIDA em Porto Rico. O sentido desta intervengao prende- =se, por um lado, com a necessidade das organizacées demonstrarem a éficacia dos seus servicos e projectos e, por outro, com a tendéncia a conceberem “a avaliag3o de programas como uma actividade punitiva e externa” (s/ p). A intervengao centra-se na fase da formacéo da avaliagdo empoderante, incluindo quatro passos: + identificagdo de expectativas, necessidades e recursos, através de entrevistas semi- estruturadas a todos os participantes; + formacdo, incluindo trés oficinas (centradas na metodologia de avaliac&o de projectos: definicao, de objectivos, construgao de instrumentos, andlise de dados, elaboracao de relatérios, ...) e consultoria individualizada (pessoalmente, por telefone ou correio electrénico) para apoiar a realizaco de tarefas requeridas aos participates entre as oficinas (e.g., desenhar instrumentos preliminares para a avaliago do projecto); + avaliac&o, incluindo a andlise do impacto da 80 intervencio na organizacao e dos resultados de inquéritos administrados nas oficinas, que avaliavam tanto os contetidos abordados como a satisfacao dos participantes; + seguimento, através de entrevistas telefonicas num periodo de 16 meses apés a intervencéo de forma a analisar o impacto do processo nas organizagées. Os participantes eram 26 profissionais de seis organizagées ligadas prevencao da SIDA que revelaram uma elevada satisfacdo com o processo e um incremento dos conhecimentos no dominio, em particular nas areas de “desenho da avaliagdo e desenvolvimento de instrumentos” (s/p), embora nem sempre as tarefas tenham sido realizadas atempadamente. Serrano-Garcia, Resto-Olivo e Varas-Diaz concluem que a identificacao de expectativas, necessidades e recursos é essencial para adequar a formacao aos participantes e promover a sua motivagio, e que a alternancia entre as oficinas e a consultoria individual permite n&o so aprofundar como contextualizar as aprendizagens, integrando-as no quotidiano dos participantes. Ora, a promocao destas competéncias e conhecimentos “facilita néo apenas o acesso @ (como também o controlo sobre a) tomada de decisées programiaticas e fiscalizadoras sem violentar os seus valores e crengas” (s/p), promovendo o empoderamento dos profissionais. Esta disposicao para a partilha do poder e do saber constitui um dos tracos mais marcantes dos profissionais da intervencao comunitaria, que se manifestam também nas estratégias de intervencdo que abordaremos nos capitulos seguintes. 81

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