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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VIII


CENTRO DE PESQUISA DAS ETINICIDADES – OPARÁ
Núcleo de Pesquisas e Desenvolvimento de Energias Alternativas
& Eficiencia Energética.

ECOSSOLOFOGÃO - O Fogão Ecológico Telúrico


Uma alternativa sócio-econômica e ambiental sustentável para o uso da lenha na Caatinga

Francisco Alves dos Santos1


SABER, Frank Al
frankalsaber

RESUMO

A falha histórica e cultural do desprezo pelos valores sócio-ambientais da Caatinga, aliada a


falta de políticas públicas de educação ambiental focada na sustentabilidade ambiental, tem
contribuído para a degradação intensiva e suas conseqüências socioeconômicas, sentenciando
de morte todo um ecossistema. Por conseguinte, este trabalho tem como objetivo contribuir
para preservação ambiental e melhorar a qualidade de vida das pessoas ao mesmo tempo em
que pode sensibilizar as gentes catingueiras sobre a causa ambiental, através da reconstrução
dos fogões a lenha. Foi construído um protótipo de fogão ecológico com inovações
tecnológicas, e totalmente confeccionado com matérias do solo da propriedade rural onde foi
instalado. O novo fogão serviu de base para as análises que concluem ser quatro vezes mais
eficientes do ponto de vista energético e mais saudáveis para a sua utilização.

Palavras-chave: fogão ecológico, eficiência energética, sustentabilidade ambiental na Caatinga.

1
Francisco Alves dos Santos é Ambientalista ativista. Desenvolve estudos nos campos da Educação, Eco-pedagogia, Arte poética,
Reciclagem de Resíduos Sólidos e Tecnologias de aproveitamento de fontes de energias alternativas. Gestor Industrial Politécnico
em Eletrônica, Eletromecânica, Automação, Formador de Lideranças, Gestor Ambiental e Educador. É sócio da ONG Agendha onde
atua no desenvolvimento de Tecnologias Ambientais. Pesquisador do Núcleo de Pesquisa de Energias Alternativas e Eficiência
Energética, ligado ao Centro de Pesquisas das Etnicidades (Opará) da Universidade do Estado da Bahia UNEB.

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ABSTRACT

The failure of history and culture of contempt for the social and environmental values of the
Caatinga, combined with lack of public policies on environmental education focused on
environmental sustainability, has contributed to the degradation and intensive socioeconomic
consequences, sentencing to death an entire ecosystem. Therefore, this paper aims to
contribute to environmental conservation and improve the quality of life while you can
sensitize the people on the brushwood environmental cause, through the reconstruction of
the stoves. It was built a prototype eco stove with technological innovations, and confectioned
entirely with materials from the soil of the rural property where it was installed. The new stove
was the basis for the analysis that is four times more efficient energy and healthier for their
use.

Keywords: ecological stoves, energy efficiency, environmental sustainability in the Caatinga.

INTRODUÇÃO

A motivação de desenvolver esse projeto tem por base o fato da grande maioria das casas da
região do semi-ardido nordestino ter fogões a lenha como meio de cozimento dos alimentos. A
cauda mais preocupante é que os fogões convencionais desperdiçam até 80% da energia da
madeira e são altamente poluentes. Diante desta realidade, onde predomina a perda da cada
vez mais escassa energia, problemas de saúde principalmente das mulheres, diversas
iniciativas tentam minimizar estes problemas, sendo que, no nosso caso, levamos até o campo
apenas conhecimentos, pois os materiais utilizados foram obtidos na própria localidade da
construção do protótipo.

O projeto propendeu a construção de um fogão ecológico telúrico, ou seja, feito inteiramente


de materiais encontrados no solo e foi apelidado de Ecossolofogão. Também objetivamos à
redução do nível de fumaça dentro da cozinha ao mínimo possível além da sensibilização das
pessoas sobre os perigos à saúde que a exposição tais ambientes insalubres causam, e feito
com uma tecnologia de fácil manufatura e com o mínimo de custo possível, sem a aquisição de
nenhum elemento externo de origem industrial.

Um fogão ecológico tem muitas vantagens em relação aos fogões de lenha convencionais:
consome apenas a metade da lenha utilizada nos fogões de chapa comuns e economiza até
80% da lenha gasta nos fogões de trempe (tucuruba); é também menos poluente, com baixa
emissão de fumaça e fuligem; e ainda mais limpo, pois a fumaça é completamente exaurida
pela chaminé do ambiente da cozinha; oferece maior oxigenação da lenha e, portanto faz a
queima mais completa, o que reduz os índices de emissões de monóxidos de carbono e outros
compostos normalmente presente na fumaça.

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Localização

A propriedade rural, em destaque na Figura 1 pertencente ao Seu Chico Eleotério, fica


localizada a doze quilômetros do centro de Paulo Afonso, Estado da Bahia. A casa da roça,
onde foi construído o nosso protótipo de fogão ecológico (Ecossolofogão) está centrada na
coordenada 9°28’42.75”S – 38°13’28.23”W com elevação de 265m e foi construída em
dezembro de 2007.

Figura 1 - Roça do Seu Chico Eleotério – Foto: Google Earth editada por frankalsaber.

Brevíssimo Histórico

O primeiro ecofogão foi inventado pelo Eng. Florestal brasileiro Rogério Carneiro de Miranda,
em trabalhos desempenhadas em Honduras e na Nicarágua, nestes dois países 70% de toda a
madeira consumida é para cozinhar. Após 13 anos Miranda trouxe o seu fogão ecológico para
o Brasil.

A saúde das pessoas que dependem dos fogões de lenha é o ponto culminante das
preocupações da OMS (Organização Mundial da Saúde). Segundo Kirk Smith, médico da
Universidade de Berkeley, nos EUA, especialista em problemas de saúde relacionados ao uso
da lenha, uma mulher que cozinha num fogão de lenha comum, “equivale a ter fumado dois
maços de cigarro” diz Smith. O fato é mais dramático ainda quando tomamos os dados das
Nações Unidas que afirmam que dois bilhões e 400 milhões cozinham com lenha,

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principalmente em fogões muito toscos e tem como principais vítimas as mulheres conforme
afirmam Warwick & Doig (2004).

De acordo com a OMS a exposição à fumaça da lenha mata mais gente do que a malária, a taxa
de mortalidade anual de é de quase 2 milhões de pessoas, sendo assim a oitava causa de
morte no planeta.

O fogão ecológico é uma das grandes iniciativas que


minimizam os problemas associados à utilização de fogões
de lenha e que pode ser introduzido e bem aceito, em
praticamente todas as culturas humanas a exemplo do que
fez a ONG Agendha na tribo dos índios Pankararés da Baixa
do Chico Entre os Municípios de Paulo Afonso e Glória na
Bahia(Figura 2). A nova tecnologia foi muito bem recebida
pelos Pankararés, aquele povo é um dos grandes exemplos
Figura 2 – Índia Pankararé utilizando de tradição cultural ambientalmente sustentável.
fogão ecológico. Foto: frankalsaber

Apesar da excelência dos projetos de fogões ecológicos, estes ainda estão distante da
realidade financeira da grande maioria das pessoas que poderiam ser beneficiadas. No
mercado internacional o ecofogão industrializado custa 60 dólares por unidade, apesar de
parecer barato, as pessoas que cozinham em trempes não tem dinheiro as vezes sequer para
comprar os alimentos para cozinhar. No Brasil, o ecofogão foi introduzido com o apoio da ABC
(Agência Brasileira de Cooperação Internacional) e da UFV (Universidade Federal de Viçosa), e
pode ser encontrado em diversos modelos, a preços que variam de R$195,00 até R$939,00 de
acordo com o grau de sofisticação. Neste sentido os preços internos são proporcionalmente
mais caros que os vendidos no mercado externo.

Outra questão econômica igualmente relevante é a relação dos custos operacionais dos fogões
de lenha em relação aos fogões a gás GLP e o respectivo acesso das populações a estas duas
fontes de energia.

De acordo com o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás (dados de 2007), do
total de energia consumida nas residências em todo País, apenas 26% são à base do gás de
cozinha, 37,7% ainda utilizam o velho fogão à lenha e 2,4%” o carvão vegetal. Por Isso, a
despeito da oferta no mercado de “fontes de energia mais limpas” como o gás GLP e o gás
natural, o uso da lenha continua aumentando proporcionalmente desde então. No semi-árido
Nordestino, a madeira responde por mais de 40% da matriz energética da região. Esses
recursos são produzidos com baixíssimo aproveitamento energético e alto custo ambiental.

O alto preço do botijão de gás impede o acesso destas populações usuárias da lenha. Dados do
BEN (Boletim Energético Nacional) de 2004, publicados pelo Ministério de Minas e Energia,
mostram como o gás virou artigo de luxo.

No gráfico abaixo (Figura 3) vemos que de janeiro de 1995 a julho de 2005, a inflação medida
pelo IPCA ficou acumulada em 144,07%. Neste período de dez anos, o botijão de gás teve uma
alta de 622,82% e a energia elétrica, de 389,74%.

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Figura 3 – Gráfico: Evolução da inflação e dos preços do gás. Fonte: Jornal O Globo - 4 de setembro de 2005 -
Caderno de Economia páginas 29 e 30.

O custo mensal com gás de uma família com cinco pessoas fica em média por R$35,00, já com
o uso do carvão não sai por mais de R$14,00. No caso da lenha este custo pode chegar a
menos de R$7,00. Em boa parte das propriedades a lenha é obtida na própria localidade sem
custos adicionais.

Neste cenário, o fogão ecológico lança oportunidades incomensuráveis na perspectiva da


sustentabilidade ambiental e socialmente justo. O fogão ecológico utiliza em média 50%
menos madeira que os fogões a lenha comuns e não produz fumaça. Além disso, as
comunidades podem reforçar a mitigação dos efeitos danosos ao meio ambiente com o
manejo da lenha ecológica e dos recursos florestais da Caatinga, a produção de briquete que
são feitos a partir de restos vegetais como as palhas e outros materiais geralmente incinerados
na roça tal como as coivaras e gravetos.

Procedimentos Teórico-Metodológicos

O protótipo do Ecossolofogão foi inteiramente projetado com material telúrico: adobe de


argila e areia, mas resolvemos utilizar na alvenaria estrutural o resto de construção da casa
rural, objetivando o aproveitamento de blocos cerâmicos, sem se afastar da obtenção de um
fogão inteiramente feito de solo.

A chaminé também foi construída com o emprego dos blocos sobrantes, com as dimensões:
2,85m de altura por 81cm² de área de exaustão. Segundo Prezotto, Na construção da chaminé
devem ser usados materiais refratários para manter o calor. “Elas podem receber
acabamentos que vão dos tradicionais tijolos aparentes a cerâmicas, pedras e texturas”.
(PREZOTTO, 2009).

A câmara de combustão foi construída em argila (cerâmica), com dimensões: 130mm de


diâmetro e alimentador de lenha de secção cônica de 130mm e 150mm nas extremidades por
280mm de comprimento. Foi acrescentada ao desenho do "Rocket stove" uma viga para o
reforço contra choques no manuseio da lenha, uma peneira com furos de 8mm para as cinzas
e base plana para posicionamento sobre o cinzeiro. Esta adaptação, geralmente presente nos
fogões a carvão, favorece o uso continuado do fogão pois evita o acúmulo de cinzas dentro da

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câmara. Assim o Ecossolofogão reúne as vantagens dos fogões tradicionais e dos ecológicos. A
argila foi obtida da mesma propriedade onde foi construído o protótipo, sendo um material
muito comum em toda região do semi-árido brasileiro.

Tal como os fogões ecológicos industriais, o protótipo do Ecossolofogão é hermeticamente


fechado, por isso não emite fumaça nem fuligem no ambiente interno das casas

O nosso fogão ecológico utiliza o cozimento de superfície por contato, mas não utiliza chapa
de ferro fundido e sim argila e areia. Uma abertura cônica foi feita numa placa de argila
(cerâmica) para a utilização de panelas de barro, já sagrada pela cultura sertaneja. Caso seja
necessário utilizar outro tipo de panela metálica ou simplesmente fechar a abertura, foi feita
uma tampa do mesmo material cerâmico.

Figura 4 - Fogão de trempe do Seu Chico - Foto: frankalsaber Figura 5 - Chaminé do Ecossolofogão - Foto:
frankalsaber

No Processo de combustão aberta da madeira seca são sopesados quatro tipos de substâncias:
Água (10%) na forma de umidade residual, Resinas (60 %) que vaporizam com o calor e se
transforma numa nuvem fumegante de diversos vapores e gases combustíveis, Fibras de
celulose (29%) que carbonizam e compostos minerais não oxidantes (1%) que se convertem
em cinzas. Desse modo apenas as resinas e o carvão são ativos no processo de queima, sendo
que, cerca de 60% da energia da madeira é procedente das resinas e 40% do carvão.

No fogão a lenha comum, através da combustão incompleta são gerados vapores de resina
que condensam e se depositam nas paredes internas da fornalha e da chaminé na forma de
alcatrão. Uma parte dos vapores é liberada na atmosfera, contendo, sobretudo, muito
monóxido de carbono.

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A composição química da fumaça é resultante do tipo de madeira, temperatura, umidade e
circulação de ar e também das variações nas condições da queima.

Segundo Seito (2008) a fumaça de madeira tem basicamente a seguinte composição: álcool
metílico; ácido pirolenhoso; ésteres; ácido carbônico; anidrido carbônico; aldeídos; cetonas;
ésteres; fenóis e cresóis (cor caramelo característica); 3,4 benzopireno e 1,2,5,6 fenantraceno
(carcinogênicos). Estes componentes podem ser agrupados em 4 grandes grupos: ácidos,
fenólicos, carbonílicos e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos.

A câmara de combustão dos fogões ecológicos melhoram consideravelmente a oxigenação


criando uma queima limpa.

A boca de alimentação e o queimador do Ecossolofogão é propositalmente de cerâmica


refratária e formato estreito (Figura 6 & Figura 7) para concentrar o calor com um mínimo de
perdas, além disso impede a super alimentação com o excesso de lenha, privilegiando também
o uso de gravetos, briquetes e garranchos como materiais combustíveis o que pode levar a
economia quase total do lenho madeiro para outras aplicações mais nobres.

Figura 6 – Alimentador e Câmara de combustão feitos de Figura 7 - Alimentador e Câmara de


argila (cerâmica) – foto: frankalsaber combustão acoplados - foto: frankalsaber

Resultados

A eficiência energética do Ecossolofogão foi testada


em comparação do fogão de trempe (Figura 4) já
utilizado a vários anos pela família do agricultor Seu
Chico Eleotério. A lenha utilizada na propriedade rural
onde foi construído o protótipo do Ecossolofogão é
constituída principalmente de caatinguira (Caesalpinia
pyramidalis), jurema preta (Mimosa hostilis), algaroba
(Prosopis juliflora ) e pereiro (Aspidosperma

Figura 8 – Alvenaria estrutural do pyrifolium). Utilizando o mesmo lote de lenha para a


Ecosolofogão. Foto: frankalsaber queima, a relação de consumo entre os fogões foi de
4,3 para 1kg de lenha.

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Comparando com dados dos fogões tradicionais (Tabela 1), o Ecossolofogão obteve uma
eficiência média de aproximadamente 31%.

Tabela 1 – Comparativo energético entre os fogões de lenha comuns e o Ecossolofogão

Tipo de fogão a lenha Trempe Fogão de chapa Ecossolofogão


Eficiência energética 6 a 12%, 10 a 16%, 26 a 35%

CONCLUSÃO

Com a construção do Ecossolofogão, ficou estabelecida uma substancial melhoria física do


ambiente da cozinha, propiciando uma melhor aceitação dos usuários do fogão e
principalmente um aproveitamento maior da energia da lenha.

Ficou clara a melhoria da qualidade de vida das pessoas envolvidas no cotidiano da


propriedade rural, principalmente da família do agricultor Seu Chico, e, sobretudo permaneceu
plantada a semente da sustentabilidade ambiental tão necessária nos dias de hoje.

Bibliografia

Jornal O Globo - 4 de setembro de 2005 - Caderno de Economia páginas 29 e 30.

PREZOTTO, S.. O segredo do churrasco. Revista Casa & Construção. [São Paulo], n.43, 2009.

ROÇA, Roberto de Oliveira. Defumação. Botucatu: Faculdade de Ciências Agronômicas, UNESP,


2000. 6p.

SEITO, Alexandre Itiu, org. A Segurança Contra Incêndio No Brasil. Projeto Editora. São Paulo,
2008

WARWICK, Hugh and DOIG, Alison. Smoke – the Killer in the Kitchen: Indoor Air Pollution in
Developing Countries. ITDG Publishing, London, 2004.

Frank Al Saber – Artigo - ECOSSOLOFOGÃO - O Fogão Ecológico Telúrico

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