Se no tempo de Fernando Pessoa houvesse Facebook, ento que a arca nunca
mais acabava. E os pessoanos estudariam cada like, com afinco, procurando as motivaes literrias e as personalidades escondidas naquele gesto espontneo. E as partilhas. Talvez aquela Orao que circula por a, da Banda Mais Bonita da Cidade, lhe despertasse os sentidos, ou pelo menos a um dos heternimos. Ai, se a equipa do Mark Zuckerberg descobrisse os heternimos iria logo classific-los como perfis falsos, e l se ia o mural do lvaro de Campos. Talvez no dessem por nada. E s anos mais tarde os pessoanos mais aplicados encontrariam um perfil falso sem amigo nenhum, mas pessoanamente genial. Sim, o lvaro de Campos seria o mais torrencial. Partilhas em catadupa, remisses para o blogue, momentos de grande euforia e habilidade informtica. O Ricardo Reis publicaria, rigorosamente, um post por dia, e s aceitaria amizade de pessoas com quem privasse. O Alberto Caeiro no seria informaticamente dotado, mas at acharia graa coisa. O Bernardo Soares gostaria mais do Twitter. Nenhum deles teria cinco mil amigos, nem mesmo o Fernando Pessoa ortnimo , sobretudo por uma questo de timidez, apesar de passar demasiado tempo no chat com Oflia. Todos os posts de amor so ridculos. Imagine-se o manancial de informao arquivado. As publicaes do mural. O Almada Negreiros seria um dos mais fervorosos frequentadores, com consideraes e discusses acesas. At ao dia, claro est, em que via a conta bloqueada, por denncia de Jlio Dantas, que considerou aquela histria do "Pim!" indecorosa e imoral o seu mural. Quando inventaram a revista Orpheu criariam um evento, a que poucos amigos ligaram. Mas eles insistiram muito. At criaram um site onde publicavam apenas parte dos contedos... Quem quisesse ler o resto que comprasse a revista. Contudo, o volume trs apenas sairia em edio digital, com grafismo do Almada e ciberarte do Amadeo. Todos choraram muito a morte de Mrio de S-Carneiro. De Paris, ele j tinha colocado uns posts que sugeriam a depresso, mas ningum poderia esperar aquilo. O Mural encheu-se de comoventes mensagens de despedida. Alguns at lhe dedicariam poemas. Quando Fernando Pessoa morreu, misteriosamente, Ricardo Reis continuou ativo, a publicar os seus posts dirios. Quem descobriu isso foi esse tal de Saramago, que o matou anos mais tarde. Manuel Halpern, O mural de Pessoa, in JL, n 1063, Jilho de 2011.