Você está na página 1de 244
Sylvio Lago Estudos de Literatura Comparada a24horas.com Sylvio Lago Copyright ©2011 — Todos os direitos reservados a: Sylvio Lago ISBN: 978-19-3610-807-7 14 Edig&o Outubro 2011 Direitos exclusivos para Lingua Portuguesa cedidos a Biblioteca24horas, Seven System International Ltda. Rua Luis Coelho 320/32 Consolacéo Sdo Paulo — SP - Brasil CEP 01309-000 (11) 3259-4224 leitor@biblioteca24horas.com Vendas: www.biblioteca24horas.com Todos os direitos reservados. Nenhuma parte do contetido deste livro poderé ser utilizada ou reproduzida em qualquer meio ou forma, seja ele impresso, digital, dudio ou visual sem a expressa autorizago por escrito da Biblioteca24horas sob penas criminais e agées civis. Sylvio Lago *Secao 1— — Aspectos do Oficio do Escritor .... *Secio 2— — Oprocesso criativo literario .... * Seco 3— — Aciiagao literaria de Ega de Queiris ... *Secio4— — Oeseritor e a criagao postic: *Secio 5— — Ooficio do ensaista.... *Sec&o 6— — Oprocesso de recriagaio literaria do memorialista ... *Secao7— — Otradutor ... * SecGo 8- — Oensaista, o critico eo cronista ... * Seco 9 O compositor e a criagao musical * Seco 10— Grupos de criagao artistica no séc. XX ... + Segao 11 O processo de recriagao na conceprao * Secfo 12— Anos de Siléncio — 0 caso da criagto artistica de Rossini e Sibelus..... Contrastes e Convergéncias NOTA INTRODUTORIA “Em vez de solugées eles nos oferecem problemas”. Franklin de Oliveira O que aflora como trago principal deste trabalho, corresponde ao que Oswaldo Orico chamou em seu admiravel ensaio sobre Camoes ¢ Cervantes: “a sedugdo dos paralelos™. E de se lembrar também que Plutarco ao comparar as figuras de Teseu e R6mulo, deixou evidente que o ponto essencial de seu estudo residia no “jogo por muitas notas de semelhanga” ¢ de distingSes nitidas, afirmamos nos. Disso resulta que no presente livro seu autor tenha ressaltado, no estabelecimento da comparagéo, muitas identificagdes entre seus personagens e notorias dissemelhangas entre suas vidas ¢ obras. O titulo deste livro sugere nas paginas que se seguem, um exercicio de ensaios estabelecendo entre cles as _respectivas vinculagées e diferencas Trata-se, assim, de um paralelo entre seis grandes artistas da lingua portuguesa com lugar preponderante na histéria da literatura: Antonio Vieira e Manuel Bernardes, Raul Pompéia e Euclides da Cunha, Machado de Assis e Eca de Queirés, além de conter estudo tematico versando sobre a cidade e o campo e a obra dos eseritores cariocas Lima Barreto, Jofio do Rio ¢ Benjamim Costallat. Com base em exaustivos estudos ¢ muita reflexdo, este livro contempla em sua parte final um texto que procura esclarecer algumas das quest6es mais auténticas da criagdo_literaria, abordando ainda de forma particular a criagao ficcional dos autores portugueses Camilo Castelo Branco e Ega de Queirés. Como previsivel e inevitavel, em todos os autores aqui aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Sylvio Lago “Com a luz do dia seguinte, apareceu a armada inimiga, que, repartida em esquadras, vinha entrando. Tocavam- se em todas as naus trombetas bastardas ao som da guerra, que com o vermelho dos pavezes vinham ao longe publicando sangue. Divisavam-se as bandeiras holandesas, flamulas e estandartes, que, ondeando das antenas e mastaréus mais altos, desciam até varrer o mar com tanta majestade ¢ graca que. a quem se nao temera, podiam fazer alegre e formosa vista. Nesta ordem se vieram chegando muito a seu salvo. sem lho impedirem os fortes, porque, como o porto é tao largo, tinham lugar para se livrar dos tiros. Tanto que emparelhou com a cidade, a Almiranta a salvou sem bala e despediu um batel com bandeiras de paz. Mas a salva ¢ 4 embaixada, antes de a ouvirem, responderam os nossos com pelouros, 0 que vendo os inimigos, se puseram todos a ponto de guerra. Vieram logo as naus enfiadas sobre a terra, e por onde iam passando descarregavam os costados na cidade, forte ¢ navios que estavam abrigados na praia; o que continuaram segunda e terceira vez, até que, depois do meio-dia, puseram todos a proa em terra, e as trés dianteiras. em determinagao de abalrroarem a fortaleza, mas impedidas dos baixos, langaram ferro, ¢ em arvores secas. como se foram todas de fogo e ferro, comegaram a desfazer tanto nela, que parecia pelejava nelas o Inferno. E foi tal o estrondo ¢ confusio, que a muitos, principalmente aos pouco experimentados, causou perturbagao € espanto, porque por uma parte os muitos relampagos, fuzilando, feriam os olhos, ¢ com a nuvem espessa de fumo nao havia quem se visse: por outra, o continuo trovao da artilharia tolhia o uso das linguas ¢ orelhas, ¢ tudo junto, de mistura com as trombetas ¢ mais instrumentos bélicos. era terror de muitos e confusao de todos”. Sob outro aspecto temos um escritor que se revela um bom observador da natureza descrevendo atentamente a vida das tartarugas: 32 Contrastes e Convergéncias Quando vém a desembarcar nestas praias, trazem diante duas, como sentinelas, que vém a espiar com muita pausa; logo depois destas, com bom espago, vém oito ou dez como descobridoras do campo, ¢ depois delas, em maior distancia, vem todo o exército de tartarugas, que consta de muitos milhares. Se as primeiras ¢ as segundas sentem algum rumor, voltam para tras, e com elas as demais, ¢ todas se somem em um momento; por isso, os que vém a pesca se escondem todos atras dos matos. ¢ esperam de emboscada com grande quietago e siléncio. Saem, pois, as duas primeiras espias, passeiam de alto a baixo toda a praia, e como estas acham o campo livre, saem também as da vanguarda, e fazem muito devagar a mesma vigia; e, como dio a campanha por segura, entram a agua e voltam, e depois dela sai toda a multidao do exército com escudos as costas, e comegam a cobrir as praias e correr em grande tropel para o mais alto delas. Aplica-se cada uma a fazer a sua cova, e. quando ja nao saem mais e estao entretidas umas no trabalho, outras ja na dor daquela ocupacdo, rebentam entao os pescadores da emboscada, tomam a parte da praia, ¢, remetendo as tartarugas, néo fazem mais do que ir virando e deixando, porque, em estando viradas de costas, ndo se podem mais bulir; ¢ por isso estas praias e estas tartarugas se chamam de viragdao. Outra carta rica de aspectos e implicagdes 6 a que Vieira escreve quando retorna ao Brasil e reflete sobre os novos percursos de suas atividades missionarias: Sabei, amigo, que a melhor vida é esta. Ando vestido de um pano grosseiro ca da terra, mais pesado que forte, como farinha de pau, durmo pouco, trabalho pela manha até 4 noite, gasto parte dela em me encomendar a Deus, nao trato com minima criatura, nio saio fora senio a remedio de alguma alma. Choro meus pecados, fago que outros chorem os seus. ¢ o tempo que sobeja destas ocupagdes levam-no os livros da Madre Teresa e outros de semelhante leitura. Finalmente, ainda que com 3 Sylvio Lago grandes impressGes, nenhuma coisa fago que nio seja com Deus. por Deus e para Deus: e, para estar na bem- aventuranga, s6 me falta vé-lo, que seria mais gosto, mas nao maior felicidade. Uma carta de particular importancia literaria ¢ aquela em que Vicira descreve a viagem pelo Amazonas: 3h “O dia depois de S. Tomé gastamos em espalmar e calafetar as canoas, e acabar de prevenir cordas para passar as cachoeiras, em que daqui por diante havemos de entrar. E nao cause estranheza o calafetar das canoas; posto que aqui se fazem de um so pau, como no Brasil, sao porém abertas pela proa ¢ pela popa, ¢ acrescentadas pela borda com jalcas, para ficarem mais altas e possantes, e assim as costuras destas com os escudos ou rodelas com que se fecham a proa e popa, necessitam de calafeto. Os armazéns de que se tiram todos estes aprestos so os que a natureza tem prontos em qualquer parte deste rio aonde se aporta (o mesmo ¢ nos mais), que é coisa verdadeiramente digna de se apresentar e de dar gragas a providéncia do Divino Criador, porque, indo nesta jornada trezentas pessoas (¢ 0 mesmo como se foram trés mil) em embarcacdes calafetadas, breadas, toldadas. velejadas e nio providas de abastecimentos mais que uma pouca de farinha, em qualquer parte que chegamos achamos prevenido de tudo a pouco trabalho. A estopa se faz da casca de arvores, sem mais industria que despi-las. Destas mesmas ou outras semelhantes fazem os indigenas as cordas muito fortes e bem torcidas e cochadas, sem rodas, carretilhas nem outro qualquer artificio. Os toldos se fazem de vimes, que alguns chamam fimbostitica, e certas folhas largas a que se chamam why, tio tecidas e tio tapadas, que nado ha nenhuns que melhor separem do sol nem defendam da chuva, por mais grossa ¢ continuada, ¢ sao tao boas que pouco peso fazem 4 embarcagao. O breu sai da resina das arvores, de que ha grande quantidade nestas partes, e se bream com ele nao so as canoas, sendo os navios de aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Contrastes e Convergéncias literatura portuguesa, com uma vida enredada e tragica, observou Ramalho Ortigao. E sempre importante relembrar os fortes vinculos de Camilo com o espirito da provincia, e muito de seu comportamento evidencia também sua educacao rustica que néo foi compensada pelo conhecimento posterior de certos costumes e valores civilizados, pelas viagens que nunca fez ou com a pouca convivéncia com as camadas cultas da sociedade de seu tempo. Eca também tinha vinculos com a provincia e soube admiravelmente valer-se de seu talento lirico e elegiaco para compor uma das mais belas fantasias bucdlicas da literatura portuguesa: A Cidade e as Serras, com uma prosa de notavel véo descritivo ¢ imaginativo das virtudes ¢ belezas da serra portuguesa. Uma obra de simplicidade aparente e de grande complexidade geral, com maravilhas de engenhosidade no processo de criag&o de realidades opostas ¢ inconciliaveis - a cidade ¢ 0 campo. Um romance bem diferente de todos os outros criados por Ega, tanto nos tons como na materia ¢ no estilo, perfeita mistura da poesia com as virtudes indiscutiveis da forma e da construgdo. Outra questdo que apresenta distintos aspectos diz respeito ao humor, a ironia ¢ ao sarcasmo dos dois escritores, to opostos. E de supor que muitas dessas expressdes tiveram da parte de Camilo fortes doses de rancor e da viséo desventurada da existéncia, com uma critica iconoclasta, ao passo que em Eca foram quase sempre tevestidas de inteligéncia clara, sensibilidade, graga, um pouco de caricatura e agudo senso de observagdo compassiva. O humor de Camilo, de outro lado, provém ainda do desequilibrio entre sua sensibilidade e seu temperamento, em permanente atitude de antagonismo com o mundo. Constate-se que um dos pontos a considerar no humor e nas criticas de Eca é 0 de que ao ironizar a sociedade. destacando-lhe seus ridiculos ¢ iniquidades, seus sentimentos mesquinhos e hipocritas, o escritor transforma o texto em instrumento de combate ou estudo. pelo espirito superior de verdade e justica. E é 0 proprio Ega que, em sua campanha n’AsFarpas entendia que a ironia deveria se pér “radiantemente ao servigo da justiga”’ O critico Castelo Branco Chaves argumenta que o humor de 49 Sylvio Lago Camilo “ndo ¢ uma atitude intelectual, nem uma atitude moral - ¢ uma espécie de desforgo apaixonado e rancoroso”. O critico portugués faz ainda notar que o sarcasmo camiliano 6 “de contextura tragica e doentiamente triste, é uma lesao do espirito que deforma e deturpa, diminuindo 0 objeto observado”. Segundo ele, “deformando, deturpando, atendo-se ao superficial, este sarcasmo é conseqiientemente de feigdo oposta ao humorismo queirosiano, cujo principal fim era obrigar a ver o verdadeiro”. Como exercicio de soberania do espirito. a ironia de Ega percebe, descobre e revela as contradig6des e mistificacdes dos costumes, das instituigdes e dos homens. A clara evidéncia da natureza humoristica de Camilo e Eca pode ser percebida na Reliquia e na Queda de um Anjo. Na Reliquia 0 autor vale-se do humor, da fantasia, do simbolico e do virtuosismo estilistico para criticar os ridiculos de uma religido equivoca, e na Queda de um Anjo, percebe-se a prosa satirica, permeada pela deformagéo, pela caricatura c pela critica inconvincente. Muitas sao as leituras que podem ser feitas das obras dos dois grandes mestres, Camilo com tragos inconfundiveis de artista romantico por temperamento e por geragdéo e Ega filiado ao Realismo, ao Naturalismo e as concepgdes do fantastico, todas essas tendéncias renovadas também pelas influéncias do temperamento, da vocagao e da geracao do escritor. Pode-se notar ainda que, além da exuberante riqueza vocabular e da importancia da palavra sobrevalorizando 0 texto, as novelas ¢ os romances camilianos sao exemplos acabados da ficcdo permeada pelo autobiografico, 0 dramatico, o irénico, o passional, a violéncia as vezes beirando o demencial, lances patéticos, pavores noturnos, movendo sua pena, como observa Bigotte Chorao, “mais no campo dos fatos que das idéias.” Camilo foi pintor das paisagens (assim como E¢a) que nos comunica os costumes das classes populares. reproduzindo com fidelidade os personagens de oficios, os contrabandistas, bacalhoeiros, agambarcadores, negreiros, “brasileiros”, “torna- viagem™, aventureiros bem-sucedidos na Africa, caixeiros de misero rendimento ou de outros que se incorporam a burguesia em ascensio. 50 Contrastes e Convergéncias Ea de Queirds, sem as asperezas das concep¢des de Camilo e com a maleabilidade da construgdo da frase e dos personagens, reproduz também atmosferas provincianas, __religiosidades supersticiosas, amores adiulteros e sacrilegos ¢ os vicios e decadéncias da burguesia média de Lisboa. Observa e analisa fidalgos, financistas, sub-literatos, jornalistas, beatas, ambigdes, mediocridades e baixezas dos politicos e arrivistas da vida publica.Analista social e dramaturgo, descreveu mais o lado cémico do que 0 tragico, valendo-se de um léxico menos opulento, principalmente quando comparado ao as vezes excessivo da prosa camiliana. Camilo, com efeito, foi um critico da sociedade que reviveu os maus personagens e tragédias da vida, sempre preocupado com © “aspero estudo da realidade humana”. Estudos realizados as vezes com intengio moral, outras vezes com irénicas caricaturas dos ridiculos humanos, tragando perfis intensos ou dramaticos, yalendo-se do humor sutil ou da pesada graga. Notorios sio também os personagens camilianos moldados a imagem de sua biografia, com loucuras, desgragas, exigéncias atrozes de sensualidade, sedutores sem qualquer pureza de sentimentos naturais, maliciosos e de vontades viciadas, mulheres de vida dura, mogas mas envelhecidas pelos softimentos fisicos ¢ morais, brutalizadas pelos maridos e que “refugiam-se numa religiao que promete grandes consolagées a quem muito sofre neste mundo” (Joao Bigotte Chorio). Amor de Perdiggo, de Camilo, pode-se reconhecer, 6 uma das grandes tragédias escritas na literatura portuguesa, e o ferrador Joao da Cruz um dos protagonistas rusticos mais bem concebidos das criagdes do escritor. Como outros livros de Camilo, ¢ uma novela escrita com um ritmo narrativo que, em muitos sentidos, leva a perceber a linguagem cinematografica. Em Memérias do Carcere temos um livro de qualidades imensas, variadas e marcadas pelo novelistico e 0 autobiografico. sem os complexos manejos do idioma e com ampla e mutavel dose de ironia e dramaticidade. No discurso preliminar dessas memérias, reconhece-se um dos melhores momentos da prosa camiliana, domando as palavras com textos perpetuamente 51 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Sylvio Lago das criagdes queirosianas, as doengas servem para descrever ¢ consumar todos os tipos de transes, desventuras. sensagdes intensas, exacerbagdo dos sentimentos e das paixGes. Do vasto elenco camiliano de citagdes de enfermidades constam dispepsias, perturbagdes auditivas e cerebrais, sifilis, febres, nevroses hereditarias, ataxias locomotoras, prostragées,congestées cerebrais. convulsées, febres cerebrais, problemas biliosos, loucura, nevralgias. nevrite Otica, doenga da espinha medular. palpitagdes, estados mentais neurasténicos, etc Na obra de Ega temos a morte de Amélia, possivelmente acometida de eclampsia. No caso de Luisa, sua doenca e morte sio cercadas de confusos sintomas: febres. delirios, “marteladas sobre o cranio”, agitagdes, palidez. Outro desfecho fatal é 0 de Juliana, a criada que morreu de um aneurisma ou cardiopatia, ndo se pode concluir com preciso. Sabe-se que depois da apoplexia, a causa de morte mais freqiiente nos livros de Ega era a tuberculose pulmonar. Como Camilo, Ega foi um obcecado espectador de mortes de scus personagens ou autor de relatos das docngas crénicas que consumiram com lentidéo a vida de cada um: padres, beatas, peralvilhos, fidalgos, desocupados, poetas, jornalistas ou damas da sociedade lisboeta ou provincial. Nos romances e contos tem-se um desfilar de doengas que parecem no ter fim: pleurisia, congestao pulmonar, angina pectoris, catarro, doenga da bexiga, hidropisia, doenga do ttero... Das diversas doengas sobre as quais Ega muita vez escreven na sua obra ¢ que acometiam pessoas de certa idade ou abastadas. ou clérigos, é o reumatismo. A gota também era muito citada, doenga de aristocratas, diplomatas e banqueiros. O escritor mencionava as vezes casos de raquitismo, linfatismo, além de defluxos, constipagdes, anginas e “ataques de garganta” ou de “amidalas loucamente inflamaveis”. Muitos personagens sofriam de bronquite, e o Dr. Topsius, erudito alem&o. possuia um pigarro crénico. Das doencas dos brénquios, pode-se referir ainda casos de asma (D. Angelina Fafes. avo de Jacinto, e o proprio Conde Abranhos). Alguns personagens eram acometidos de incdmodos, como o do “estémago embrulhado” e os flatos permanentes da Sra. Maria da Assungao, do Crime do Padre Amaro, Pode-se arrolar ainda a ictericia, as 58 Contrastes e Convergéncias “doengas de entranhas” e o “severo ataque de figado” que acometeu 0 secretario Z. Zagalo. Comuns também cram as “dores” e “pontadas”, as enxaquecas, tonturas, nevralgias, ciaticas, cdimbras, doengas de espinha e desmaios. Encontram-se referéncias também a dores de ouvido, conjuntivites, doengas venéreas, febres tifdides, sarampo, sezdes e enterocolites, doenga que muito incomodou o proprio E¢a. segundo opinido de Alberto Pessoa. Uma das personagens mais dramaticas criadas por Eca de Queirés é a Totd, rapariga de quinze anos, filha do tio Esguelhas, sineiro da Sé de Leiria, “paralitica desde pequena, das pernas”. Sobre ela Ega entendia que suas reacdes psiquicas eram de ataques histéricos, com génio instavel, caprichos, malicias e uma sensualidade violentamente reprimida. Sobretudo nas provaveis fantasias sexuais, no forte apelo ao sexo que sentia por Amaro. “o bonito”. O que vai com ela para o quarto. O que a belisca. Toto morreu “a deitar golfadas de sangue” Deve-se considerar que Ega de Queirés, a semelhanga de Camilo Castelo Branco, em suas obras indicou com maior ou menor precisio doengas e sintomatologias e¢ a terapéutica empregada. Se conduzirmos a comparacdo para a orbita do mundo do trabalho e da subsisténcia, veremos que Camilo, ao contrario de Ega, nao teve outra atividade. Foi escritor apenas, e so escritor. A partir de um certo momento de sua vida, Camilo passa a requerer a nobilitagdo como espécie de recompensa pelos 40 anos de operosidade no trabalho criador a servigo da Literatura e do Pais. Pleiteia entéo o viscondado numa campanha que durou quinze anos, de 1870 a 1885, com um transcurso de muitas peripécias, vicissitudes e subserviéncias e empenho de apresentar- se como 0 grande representante das letras oficiais em Portugal. Quando completou 60 anos. depois de porfiada luta, conquistou a nobilitagéo desejada. com uma aposentadoria que imaginava condigna Como sera facil observar, Ega de Queirés, em 1888, também postulava junto ao seu amigo Oliveira Martins a transferéncia para Paris, que era considerada a cidade de seus sonhos: “o pouco que 59 Sylvio Lago cu valho poderia ser de alguma utilidade para o Pais, estando cu em Paris: em Bristol ¢ que nao sou de utilidade nenhuma porque carimbar manifestos de carvao tanto 0 pode fazer um gargon de bureau como eu. Em Paris as minhas imediatas relacdes de literatura e de imprensa nao seriam talvez de pequena valia”. Com obstinagdo e a ajuda de amigos ¢ nomeado ¢ instala-se na Rue Crevaux 5, em Passy para depois morar num prédio de apartamentos da Avenue du Roule 38, em Neuilly. Em conclusao, pode-se afirmar que Camilo e Eca foram muito diferentes na recriacéo ficcional da existéncia viva. na concepcao dos elementos dramaticos dos personagens e da prdépria vida, nas feigdes distintivas das mulheres, na forma de expressar 0 humor sarcastico e no descrever os conflitos entre o bem e o mal e os sentimentos nobres e os mais baixos da natureza humana. Ambos legaram uma obra entranhadamente portuguesa, nos temas, nos personagens ¢ na expressio romanesca, tendo o mundo camiliano a concepgao romintica da literatura eo de Ega a busca do maximo de fidelidade a realidade observada, tendo como ideais “a nota sublime da realidade eterna”, como lograra Balzac, ou “a nota justa da realidade transitoria”, tio marcantes em Flaubert. 60 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Sylvio Lago certo sentimento intimo que o torne homem de seu tempo ¢ do seu pais, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espago”. E nao se pode negar nas duas obras. a cor local. a luz intensa que aviva o carater nacional refletindo particularmente o carater de nosso povo, as singularidades de costumes ¢ 0 verdadeiro espirito de cada ambiéncia. Concluindo, resulta incontestavel a assertiva de Araripe Junior, um dos mais lucidos criticos do século XIX, que numa apreciagéo plena de reveréncia a Euclides da Cunha e Raul Pompéia. ja mortos. chamou a ambos de dois vulcées extintos. 8) Contrastes e Convergéncias PARTE IV JuLio Dns, CaMILO CASTELO BRANCO E ECA DE QUEIROS ClaudioMello Sylvio Lago Jatio Dinis (1839-1871) &€ 0 pseudénimo do médico portuense Joaquim Guilherme Gomes Coelho, romancista, contista e poeta. Dinis foi escritor da ultima geragdo romantica em Portugal. com uma literatura marcada pela influéncia inglesa de Dickens, Fielding, Thakeray, Richardson e Goldsmith: Sua ficg&o era bucolista nas paisagens, ambientes e caracteres e identificavel também nas histérias edificantes e com certo humor. Nela estao presentes ainda 0 idealismo moral e politico, um otimismo nas teses e epilogos, nas cenas tipicas rurais e na preocupagao de evidenciar a sauddvel vida do campo contrastada com as perversidades da vida das cidades. Nos romances de Julio Dinis, pereebe-se tam os testemunhos de um novo momento histérico de Portugal, oriundo, principalmente, das mudangas promovidas pelo regime liberal, sobretudo no setor econdmico. Nos seus romances ¢ novelas surgem descritos personagens de uma nova burguesia comercial do Porto e rural das fazendas que prosperam em Tomé da Povoa e José das Dornas. Dinis descreve e exalta os valores dessa burguesia emergente, tanto da cidade quanto das serras, contrapondo-os aos aspectos mundanos, frivolos e de um discreto cinismo, ¢ ressalta a vida das aldeias, os bons ares das montanhas ¢ a lusitana cozinha do campo. Para Dinis. o homem de vida ristica é depositario de uma conduta exemplar, fisica e moralmente s4, temente da religido, vivendo a atmosfera salutar do trabalho. Sao trabalhadores conformados com sua condicéo modesta. sem conflitos, de consciéncia tranquila e feliz ao ganhar o pao com o suor de seu rosto. Seus personagens principais sao generosos, prontos ao sactificio e 4 dedicaga&o sem limites, desprovidos de egoismos e de 82 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Contrastes e Convergéncias sAo apenas pequenas perfidias. com Ega. na ultima fase de criagao, temos um escritor desiludido da vida das cidades e também desiludido do mundo. Quase todas as personagens de Julio Dinis sfo orfas de mie e, ao contrario das heroinas de Camilo, sempre representadas com intensidade e artimanhas das paixGes e do sexo, sao bondosas e de terna comunicabilidade. Assim, existe uma distancia enorme. nao sd dos tipos poetizados pela observagéo minuciosa de Julio Dinis, com mulheres entregues as doguras familiares e aos amores bucélicos e as mulheres de Eca e de Camilo Castelo Branco, sujeitas a paixdes € outros transes amorosos Vitorino Nemésio", observa que faltou, entretanto, uma Juliana para “humanizar mais a galeria feminina de Julio Dinis No fundo, poder-se-ia dizer 0 mesmo das personagens intensas © patéticas do universo feminino de Camilo Castelo Branco Camilo foi capaz de criar martirios amorosos como nao se vé em Ega e Julio Dinis, que ndo possuem em suas técnicas as qualidades dramaticas da composigdo ¢ da atmosfera passional. Se Ega captou como ninguém as idcias, os sentimentos ¢ comportamentos da cidade e da provincia como um romancista original dotado de uma técnica narrativa inconfundivel, Julio Dinis representou a visao bondosa da vida e do mundo. As qualidades visiveis em Ega no romance portugués, sobretudo o humor, os primores do estilo e da narrativa levada a perfeicéo, em Julio Dinis apresentam-se com outras facetas e sem “patologias sociais” ou deformagées. Ao contrario de Ega que as vezes exagera no gosto da caricatura, com Julio Dinis temos um romantismo elegiaco que é capaz também de recortar em toda a sua produgdo novelistica tracos realistas com ambientes e personagens do campo e da cidade. Com este modo de delinear e poetizar suas narrativas, Julio Dinis recoloca o romance portugués numa espécie de equilibrio “VrrorINo NEMESIO, Multos e Per Moeda. Lisboa, 2004. II Imprensa Nacional. Casa da 7 Sylvio Lago representado pela tranquilidade do campo perfeitamente conciliado com a sociabilidade burguesa. Para Dinis, a provincia é um universo fechado e povoado de boas almas. Ja em Eca da Cidade e as Serras, temos um escritor que nao critica antigos valores da sociedade portuguesa e que celebra as virtudes e belezas da serra, “refiigio de alguém que na cidade esgotara o calix da civilizagdo” (Joio Gaspar SimGes). O ultimo Ega, esquece-se das descricdes anteriores da obtusa vida provinciana de Leiria, do personagem caviloso Padre Amaro, dos obscurantismos. velhos preconceitos e dominagées de beatas a partir dos confessionarios. Na Cidade e as Serras tudo isso cede lugar a uma ficcdo e uma linguagem de sabor inconfundivel, idealizadas por um homem que foge da civilizagao para encontrar a beleza da simplicidade da vida ¢ das coisas, vivendo uma existéncia feliz junto 4 natureza. A produgio literaria de Julio Dinis ¢ de Ega de Queirés nao se limitou ao romance, mas estendcu-se também ao conto. E existem verdadciras obras primas do géncro como as criagdes de Ea de Queirés n’Os Contos Singulares duma Rapariga Loura, Perfeigéio, Suave Milagre ¢.José Matias. Julio Dinis descreveu realidades portuguesas e foi um analista social nos contos de Serdes da Provincia, com narrativas do ambiente rural em que predominam historietas de muitas tematicas surpreendentes e desfechos inverossimeis ¢ ingénuos. 8 Contrastes e Convergéncias PARTE V ECA DE QUEIROS E MACHADO DE Assis aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Contrastes e Convergéncias ea esséncia do humour machadiano foram de uma ironia reticente, as vezes amarga e cética, trazendo a tona a combinagado do introspectivo e de uma parodia sempre mitigada, como que conformado pela inevitabilidade das coisas. Machado observa o homem e a sociedade com uma ironia e um senso de pitoresco cheio de cautelas, com invariavel sobriedade na expressdo irénica, sem um gesto explicito ou palavra de franca rebeldia as convengées estabelecidas. Em plano muito distinto, temos Ega, polemizador itreverente que critica as convengées sociais, os vicios, as misérias e tolices humanas que o levam as vezes até ao que Gilberto Freyre chamou de “abusos de caricaturista” Numa variante mais sutil, Machado abriga-se no humour inglés, filiado a0 que Taine definiu como uma espécie de ironia grave, as vezes risonha e outras vezes pessimista. Sabe-se, entretanto, que o conceito de humour é bastante complexo, com uma linha de aproximagao que os ingleses convencionaram sugerir como cémico. temperado pelo espirito irénico, satirico, absurdo, fantastico ou até mesmo lugubre. Diga-se de passagem que tanto o humor como a ironia de Machado foram considerados pela critica da época como em desacordo com nossa indole temperamental e de carater. Para Silvio Romero “o temperamento, a psicologia do notavel brasileiro nado sdo as mais proprias para produzir 0 humour, essa particularissima feico da indole de certos povos. Nossa raga em geral é incapaz de o produzir espontaneamente”. Silvio Romero atacou ainda o humor machadiano, tido como imitagdo afetada e pouco natural de autores ingleses, em particular Laurence Sterne que no The Life and Opinions of Tristram Shandy teria inspirado Memorias Postumas de Bras Cubas Para Carlos Fuentes “o humor de Machado de Assis. nas Memorias Postumas de Bras Cubas, vai além do humor de Cervantes e de Sterne: o brasileiro narra pequenos fatos em breves capitulos com o misto de riso e melancolia que se resolve, mais de uma vez, em ironia” Deve-se ainda relembrar que o que marca e define o temperamento de Machado de Assis ¢ 0 seu modo recatado, % Sylvio Lago simples, retraido, avesso a intimidades e as expansdes do temperamento. Com esses tragos percebe-se uma visdo assumidamente pessimista que leva o critico Afranio Coutinho a considera-lo como “mais radical, porquanto, a despeito de apontar a contradigao essencial da natureza humana, concepgao barroca para a qual o homem € atraido pelos dois infinitos do nada e do absoluto. Pascal ainda alimentava uma grande esperanca otimista na vida futura. Pascal nao acreditava no homem e odiava a vida, porém tinha confianga em Deus. Ao passo que Machado niio confia no homem, nao ama a vida, nem espera nenhuma bem- aventuranga futura.” Se Machado teve no Conselheiro Ayres 0 seu mais evidente simile, com Eca é possivel considerar que o autor portugués espalhou pela sua obra diversos alteregos como Jodo da Ega, Goncalo Mendes Ramires, Carlos da Maia, sem falar em Fradique Mendes. Sendo ambos escritores da segunda metade do século XTX, muitas de suas obras refletem o clima social. politico e mental deste periodo, com Ega procurando tracar um painel da sociedade portuguesa, em tom freqiientemente irénico e critico, deixando evidente a ascensdo da burguesia ¢ a decadéncia material e moral dos adventicios e parcela da aristocracia e da classe politica. Quanto a Machado de Assis, sempre foi considerado pela suposta indiferenga politica com evidentes exageros até mesmo na questdo da escravatura. Inversamente. pode-se reconhecer que. em Ega. o humor assume uma forma mais livre e¢ desenvolta e provém particularmente da influéncia francesa das obras de Voltaire e Anatole France, identificados sobretudo pela moguerie, isto ¢, a zombaria e 0 escarnio, nado obstante seu estilo zombeteiro e satirico ter também um indisfargavel carater portugués e apresentar um alto grau de comicidade. Guardadas as peculiaridades e diferencas entre os dois escritores, Ega possuia uma atitude critica mais aguda da sociedade 96 Contrastes e Convergéncias de seu tempo. A sua fantasia era fruto do contato com o mundo pela observagéo e pela experiéncia vivida. Em contraste com Machado, Ega tinha uma enorme capacidade de valorizar o detalhe, as vezes exagerando ou avivando em cores fortes, paisagens, fatos € personagens. mas sem 0 espirito de pequenez e de mimicia. E possivel perceber que tinham semelhancas quando viam a humanidade pelas bibliotecas e nas ruas e bulevares. Todavia. ambos possuiam formas diametrais de refutacdéo das verdades estabelecidas, Machado abrigando-se no risivel como um malicioso espectador e Ega na ironia e no sarcasmo. Machado praticava seu oficio com discretos gestos ou palavras de rebeldia as convengdes estabelecidas. Ja Eca apresentava como caracteristica a critica em linguagem direta, natural e sem escamotear o seu dizer. Sob muitos aspectos, Machado, mais perfeccionista, domina 0 texto com excesso de zelo sem descuidar da forma da idéia e da pureza do estilo. E possivel perceber que Ega as vezes & condescendente com 0 texto, resvalando para o prazer da beleza da frase ou da flexdo poctica que colocam com freqiiéncia em risco a perfeigdo vernacular. Percebe-se, por outro lado, que Machado raramente compromete o detalhe com o objetivo de exagera-lo, multiplica-lo ou transforma-lo em graga ou imagem pitoresca. E de notar que Eca nao era pessimista na sua concepgao filosofica existencial. Machado, ao contrario, em algumas ocasides, adotava a visdo tragica e sem esperanga no seu modo de pensar a vida. Entretanto, tanto E¢a quanto Machado possuiam as mesmissimas caracteristicas de saber que as verdades humanas s4o relativas. Mas nao seria dificil provar que Machado era mais avesso a doutrinagdo e as conclusdes de meia-ciéncia ¢ de outras pretensas verdades da filosofia, sociologia ou da politica. O escritor portugués possui sofisticacao intelectual e o brasileiro é simples, recatado e ao mesmo tempo sofisticado, mais pelo espirito do que pela aparéncia. A inteligéncia aguda e vigilante de Ega é a de um intelecto aparelhado para as percepgdes de longo alcance e a de Machado volta-se para um ponto focal, ideias gerais ou para revelacdes da psicologia humana de carater mais introspectivo. 7 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Contrastes e Convergéncias empregados, com quem as vezes ia passar a soirée, levando-lhe cartuchinos de doce. A sua mesa de fidalgote rico tornava-o apetecido das familias”. Assim como Balzac que, na observagao de Taine, aumentou na Comédia Humana o registro civil com seus personagens, também Eca compés um vasto e variado elenco de tipos e humanidades. Sob esse aspecto, os personagens de Balzac sao mais numerosos, em numero de mil e quatrocentos e setenta e dois, abrangendo noventa e hum romances. Em verdade. correspondem ao que o escritor concebeu pela observagao e¢ pela imaginacio de “une societé tout entiére”, o que levou o critico Gérard Bauér a considerar esta legido de seres inesqueciveis como uma floresta “aussi vaste que touffue” Com relag&io a Machado de Assis, este criou personagens sugeridos pela observacao, pelas leituras e sobretudo pela realidade e conhecimentos profundos da alma humana. Segundo Francisco Pati “Machado de Assis vé-se a si mesmo através dos homens ¢ das mulheres que registrou em contos © romances”, Pati foi um pesquisador que deu um contribute da maior validade escrevendo 0 Diciondrio de Machado de Assis, com historia ¢ biografia dos personagens. Para ele, “os olhos de Capitu, os bragos de Severina, 0 desejo insatisfeito de Conceigao. a timidez de Nogueira, a voracidade voluptuosa do adolescente Inacio, o constrangimento de uns ¢ outros, sio mais do que simples anotagées psicoldgicas””. Ainda no que diz respeito aos personagens de Machado de Assis, varios tipos criados pelo escritor atravessaram os anos em consonancia com a formula de Ega de Queirés, sobrevivendo com “carne e alma’. E o determinante maior desta sobrevivéncia ¢ que foram moldados de modo tio completo, tao necessario ¢ real com relacdo 4 vida que permaneceram como “matrizes fecundas”, para lembrar uma expressao de Pirandello. Observe-se também que nas varias obras machadianas. 121 Sylvio Lago romances ¢ contos, diversos aspectos das mudangas historicas no Brasil da segunda metade do século XIX estio sutilmente descritos. Nos cenarios e personagens, temos os senhores, escravos, agregados, mulheres e homens retratados ficcionalmente compondo um painel social, historico ¢ critico do pais E 0 que se percebe, sobretudo nas pesquisas do historiador Sidney Chalhoub que identifica intervengdes de Machado como funcionario ptblico do Ministério da Agricultura identificado e preocupado com a aplicacao da Lei do Ventre Livre. de 1871 Em curiosa assimetria, Eca era um homem de argutas observagées, de idéias e de opinido que externava nos artigos, prefacios e obras de ficefio. Ao lado de Antero de Quental e Ramalho Ortigao, Ega de Queirés viveu sob o signo das teses de combate, do inconformismo e deniincia das injustigas de ordem social. E fascinante notar que uma das caracteristicas mais notaveis de Ega foi a percepgao visionaria, com numerosas previsées de eventos futuros ¢ que se confirmaram de modo convincente. Particularmente ilustrativa, também, foi a antevisio de Machado que permite perceber, em crénica de 1883, as futuras caracteristicas da inernet. Escreveu Machado: “Quando se aperfeigoar o vapor. quando unido ao telégrafo tiver feito desaparecer as distancias nao hao de ser sé as mercadorias que hao de viajar de um lado a outro do globo, com a rapidez do relampago: hao de ser também as idéias™. E¢a e Machado eram diferentes quanto ao temperamento e¢ constituigao psicologica. Machado era pessimista, melancolico ¢ indiferente as emogdes comuns que entusiasmavam seus contemporaneos. E mais ainda: era cético, misantropo, timido, esquivo, gago, metddico, delicado e exigente consigo proprio. Auto-didata e ajudado pelo talento, foi estimulado pela adversidade construindo géneros literarios que cultivou com prodigioso refinamento e admiravel profundidade. Nunca levantou a voz e sempre foi cauteloso com relacéo as questdes sociais e dos 122 Contrastes e Convergéncias costumes. No plano pessoal, “tinha a vocacao das cortesias”, como ele proprio se auto-definiu. Em Ega de Queiros coexistem o homem sociavel ¢ magnanimo, atento a todas as realidades, alegre, amando a vida, criando e vivendo a plenitude da existéncia. ndo obstante os varios problemas de satide. Tinha acentuada ojeriza as mediocridades inveteradas. combatendo o filisteu pelo “enorme egoismo burgués. feito do orgulho do dinheiro e do desprezo das idéias”. Era irreverente, cioso da heranga intelectual européia, sensivel aos processos de brutificagao da cultura e da civilizagio, ousado nas abordagens de temas delicados para a época como o homossexualismo, o incesto e o lesbianismo. Sempre captando a realidade circundante como espectador curioso, Ega criticou a Alemanha, a Franga, a Inglaterra, os Estados Unidos, 0 clero, a classe politica, os governantes, ete. Denunciou a hipocrisia da puritana sociedade inglesa, defendeu Dreyfus, ridicularizou o Kaiser, vergastou os patriotas profissionais, os professores medalhdes ¢ mediocres, os advogados e magistrados, os ridiculos da futilidade da alta classe social lisbocta ¢ os falsos valores da burguesia enricada. Machado, nesse particular. escreveu sobre sua ¢poca o que vale também para a nossa, numa atualidade deprimente que revela © quanto os maus costumes ¢ mazelas politicas permanecem. Com argucia sutil, Machado expés discretamente as manchas do regime servil, com censuras e ironias da vida social do Segundo Reinado e do inicio da Republica. Ega, conforme vimos, foi critico social e das instituigdes, condenando tudo o que violasse os direitos civicos, indignava-se com a falta de principios e as contrafagdes demagogicas da classe politica e repudiava as decis6es parlamentares que contrariavam o interesse popular. Nos politicos criticou a “avidez do ganho e gozo da vaidade. a ignorancia dos homens de estado ¢ dos legisladores” E interessante notar que tanto Eca quanto Machado foram funcionarios publicos. Ega. diplomata, vivendo em_ viagens. ambientes e acontecimentos e Machado, alto burocrata da Administragfo Federal, absorto em processos administrativos e também em scus livros © artigos para jornais ¢ periddicos. 123 Sylvio Lago Poderiamos acrescentar que ambos foram funcionarios publicos mal remunerados e sempre as voltas com dificuldades financeiras. Durante toda vida, Machado, mais previdente que Ega, depositava mensalmente na Caixa Econdémica seus parcos niqueis para garantir “um po para a velhice...”, como ele proprio dizia. Segundo Oliveira Lima, Machado “Durante o dia era certo na sua repartigfio, pois que o escritor pertencia 4 tribo numerosa dos empregados publicos: assiduo porém, pontual e zeloso como raros, desempenhando suas funcdes com uma gravidade e uma consciéncia que a sua ironia denominaria patcticas, indiferente por dever de oficio as mudangas de partido. Nao que fosse insensivel - longe disso - as coisas de interesse nacional.” Ambos tiveram alguns detratores e desafetos: Machado de Assis. vitima dos destemperos de Silvio Romero e de Hemetério José dos Santos e Eca, com alguns ocasionais adversarios literarios como 0 proprio Machado (na sua critica ao Primo Basilio), Fialho de Almeida e Pinheiro Chagas No caso de Machado, Silvio Romero, com a agressividade que lhe era peculiar, escreveu que o bruxo “era uma pessoa pouco ajudada pela natureza”. Mas nesse ponto percebemos também que na Franga, Balzac teve em Saint-Beuve um pretenso critico de “A Comédia Humana”, da mesma forma que Emile Faguet também procuraria realizar mediocres investidas contra Balzac ¢ sua monumental criagdo. Ega teve como alter-egos Fradique Mendes ¢ Joao da Ega ¢ Machado, por aproximagao, 0 Conselheiro Aires, com o seu indiferentismo, 0 desencanto pela vida e a tristeza irremediavel da viuvez ou ainda e provavelmente Bras Cubas. Convém lembrar outro possivel alter-ego de Machado, Luiz Garcia, personagem de aia Garcia e desenhado pelo escritor como se fosse ele proprio:”suas maneiras eram frias, modestas, corteses: a fisionomia um pouco triste. Um observador atento podia adivinhar por tras daquela impassibilidade aparente e contraida as ruinas de um coracdo desenganado.” 124 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Contrastes e Convergéncias RUPTURA - RECONCILIACAO OU RESIGNACAO? A Cidade e as Serras, 0 grande ¢ derradeiro romance de Ega de Queirés, concluido em 1900, ano da morte do autor, resultou, como se sabe, do desenvolvimento e ampliagéo de um conto, intitulado “Civilizagao”. O que motivou Eca de Queirés na composigao de ambas as criagdes foi a idéia de fazer uma critica 4 civilizagao, isto 6, a chamada vida civilizada das cidades e, sobretudo, das grandes cidades, em contraste com a simples e tranqitila existéncia da provincia. Tanto a novela como o romance se revelam, assim, significativos exemplos da literatura considerada “bucdlica” e a sua finalidade nao ¢ sendo a mesma de outros autores, como Virgilio que ha dois milénios no seu poema exaltava a naturalidade da vida campestre, contrapondo-a ao artificialismo e as pequenas e grandes misérias da citadina. E interessante notar que esta talvez seja a obra que tenha dado mais ensejo a polémicas e interpretagdes a respeito dos novos rumos estéticos e doutrinarios na sua criacdo literaria. Para alguns, constituiu o marco da revisao dos valores ideoldgicos do escritor 0 momento em que Ega abrandou a sua visio critica e o seu humor combativo, deixando-se enternecer pelo pais, pelos santos da religiao e pela tradi¢aio que tanto combatera no passado Outros analistas se interrogam e com argumentagdes habilmente desenvolvidas. até que ponto a invengao, 0 estilo ¢ as criticas do escritor procuraram novos sentidos de expressdo poética, com mutagées em seu finissimo espirito de observagio © anali Para o professor Carlos Reis’ a revisdo de valores escolhida por muitos é uma conclusdo “redutora ¢ limitada”, pela riqueza das . Prefacio ao livro: O Segredo de ga - Ideologia e Ambigiidade em A Cidade ¢ as Serras in Frank Sousa, Edigdes Cosmos, Lisboa, 1996. 1719 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Contrastes e Convergéncias explicar a lacuna de sua participagio no movimento artistico internacional, muito especialmente naquela corrente em que os anglo-sax6es se destacam - 0 Design. 261 Sylvio Lago Sedo 11 oFZER. 0 PROCESSO DE RECRIACAO NA CONCEPCAO INTERPRETATIVA MUSICAL OINTERPRETE £ A INTERPRETACAO MUSICAL OINTERPRETE 0 maestro russo Serge Koussevitzky, em observagao precisa dizia que “se nao fosse por causa dos compositores, os intérpretes nao teriam literalmente nada para tocar ou cantar”. Nessa perspectiva, queria cle afirmar que a recriagao da musica ¢ inspirada ¢ se exprime sempre pelas concepgdes do compositor Pode-se perceber, todavia, que a vida musical se converteu no que o musicdlogo Frederick Dorian denominou de “culto do intérprete”. Tal fendmeno nao se constitui num mal em si mesmo, desde que nao se reduza a grandeza da obra musical criada somente aos parametros da interpretagao. A musica executada por um intérprete é sempre baseada num texto codificado pelo compositor - a partitura, cabendo ao executante introduzir em sua interpretagao a visdo pessoal que tem da obra. E esse fenédmeno que faz com que cada interpretagdo seja diferente de outra. Alguns especialistas entendem que a leitura de uma obra nunca sera absolutamente fiel ao pensamento do compositor porque este e 0 artista que executa sua obra sao duas personalidades marcadamente diferentes. Isso se confirma quando se faz uma comparacdo entre grandes artistas que executam a mesma obra: Jasha Heifetz tocava o concerto para violino de Beethoven de modo diferente de Yehudi Menuhin, este de modo 262 Contrastes e Convergéncias diverso do de David Oistrak, assim como Isaac Stern em comparagao com Nathan Milstein. O Mozart orquestral regido por Joseph Krips ¢ diverso do de Karajan, Béhm ou de Bruno Walter. O Chopin de Dinu Lipati ¢ muito diferente do de Rubinstein, ou das execucdes de Claudio Arrau com relagdo as de Pollini ou de Alexander Brailowsky. A opera Falstaff, de Verdi, tem em Carlo Maria Giulini um de seus mais convincentes intérpretes. Quando comparado a Karajan, Solti, Bernstein ou Toscanini, todos possuem a mesma inspiragao auténtica, mas suas versdes sdo regidas por faculdades recriativas e intensidades de expresso diversas e caracteres distintos. Mas 0 que define se uma interpretagdo ¢ bela ou mediocre so alguns fatores complexos como a fidelidade ao espirito da obra ¢ do compositor, o bom gosto, a técnica correta da ritmica ¢ da dindmica, a beleza ¢ a clareza dos frascados, a respiragdo, o colorido harménico ¢ timbrico, os contrastes ce, sobretudo, a comunhao emocional do artista com a obra executada, Ocorre ainda um fato interessante, de muitas vezes a interpretagéo do préprio compositor da obra nao ser tao interessante quanto a de outro artista que a executa. Pode-se vistumbrar também uma outra questao. O grande artista precisa ter uma sensibilidade especial para cada obra, uma capacidade de compreensao profunda do seu significado formal e estético, um sentimento agudo de identificagado com a obra que esta executando, donde emerge uma ligdo de Byron Janis. Para o grande pianista americano, o intérprete nado deve ser somente um servidor. “Ele deve ser também um mestre, isto 6, ter recursos para utilizar a sua liberdade recriativa.” E ¢ precisamente por isso que o compositor e 0 intérprete fazem parte de uma aristocracia do espirito que é integrada pelos que criam e os que recriam. Para o esteta musical aleméo Eduard Hanslick, 0 ideal absoluto do intérprete “é que procure seu objetivo artistico com paixdo e identificagao com a obra de arte” Pode-se afirmar que, na execugfo ou na recriacio, a técnica e a interpretacdo revelam importancia fundamental. Elas so inseparaveis ¢ solidarias no plano do desenvolvimento artistico 263 Sylvio Lago do musico. Um regente pode ter uma concepgdo musical perfeita de uma dada obra, mas se ele nao tiver 0 dominio de sua técnica de expressao, 0 resultado interpretativo nido correspondera a sua boa representacdo mental da composigao. Uma outra qualidade obrigatoria, tanto de um solista quanto de um regente, é a sonoridade, isto ¢, a capacidade de obter, de um instrumento ou da orquestra, um som agradavel, cheio, intenso ou suave e harmonioso. Quanto ao virtuosismo, ele nao deve ser excessivo, pois 0 excesso na musica nao significa que o artista esteja dominando melhor os seus recursos técnicos. Tudo no virtuosismo deve ser bem controlado: os efeitos da agilidade. da velocidade, do brilho, da intensidade e da poténcia. De modo geral, quando é¢ excessivo, o virtuosismo pode beirar 0 mau gosto, o vulgar e 0 narcisismo attistico. Claudio Casini “observa que “o intérprete desenvolve um trabalho andlogo ao do ator e¢ por isso a musica é um discurso com uma ldgica de continuidade, de acentuagdes c de pausas”, acrescenta o musicélogo italiano. Assim como 0 autor, o intérprete musical pode recriar uma pega, mas ¢ logico que essa recriagdo tem seus limites. Quando esses limites so ultrapassados, 0 estilo e 0 espirito da obra passam a ter uma interpretacdo pouco coerente. A proposito, um dos exemplos mais citados é 0 do genial pianista Glenn Gould, quando se entrega as interpretagdes mozartianas. Nao poucas vezes, os criticos afirmaram que suas execugdes tinham muito mais o espirito do pianista do que o do proprio Mozart. Para o compositor e musicdlogo americano Abram Chasins* a personalidade do intérprete tem um peso incontestavel na execucéo do pensamento do compositor expresso na partitura:“O problema real — eterno em arte — é um problema de proporgao. De outro Angulo e em observagdo muito precisa, Richard * Claudio Ca 1991. 5 Abram Chasins - Alguns Aspectos da Interpretagéo Musical ~ Panorama da Musica, Rio de Janeiro, Editora Fundo de Cultura, 1963 jini - Z’arte di Ascoitare fa Musica - Milao, Rusconi, 264 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Sylvio Lago AGRADECIMENTOS Expresso minha gratidao a Elza que revisou mais uma vez ¢ao longo de muitos anos este ¢ outros livros de minha autoria. Sou grato a Danielle Almeida Prado que digitou estas paginas com muito cuidado e competéncia Quero registrar por ultimo, mas nado sem importancia, meus agradecimentos a Sra. Erica Lahat, editora que muito colaborou com 0 dialogo, a paciéncia e atengdes. 216

Você também pode gostar