Você está na página 1de 4
Primeiro, [o egoismo psicolégico] baseia-se na ideia de que as pessoas nunca fazem voluntariamente sendo o que desejam fazer. Mas isto é redondamente falso. Por vezes fazemos coisas que ndo queremos fazer, porque sao um meio necessario para um fim que queremos atingir (...) [e] ha igualmente coisas que fazemos, ndo porque o desejamos, e nem mesmo porque s4o melos para atingir um fim que queremos atingir, mas porque sentimos que devemos fazé-las. Por exemplo, alguém pode fazer uma coi- sa porque prometeu fazé-la, e sente-se, por isso, obrigado, mesmo nao desejando fazé-la. (:..) Em tais casos sentimos um conflito precisamente porque nao queremos fazer o que nos sentimos obrigados a fazer (...). © segundo argumento geral em defesa do egoismo psicolégico apela para o facto de quase todas as acgGes ditas altruistas produzirem um senti- do de auto-satisfacdo na pessoa que as realiza. (...) Suponhamos que per- guntamos por que raz4o uma pessoa obtém satisfagao ao auxiliar_os outros. Por que sera que nos sentimos bem ao doar dinheiro para apoiar um abrigo para pessoas sem lar, quando podiamos gastar esse dinheiro connosco mesmos? A resposta tem de ser, pelo menos em parte, que somos © tipo de pessoa que se importa com o que acontece aos outros. Se ndo nos importarmos com isso, doar o dinheiro parecera um desperdicio e nado uma fonte de satisfacdo. Vai fazer-nos sentir parvos e nao santos. James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Gradiva, pp. 104, 106 ¢ 107. Se considerarmos validas estas criticas ao egoismo psicoldgico, entéo teremos de colocar de parte esta teoria no que se refere a sua concep¢ado de natureza humana. Se de facto 0 individuo nao é movido por razGes egois: \ tas, a questao que agora se coloca é se deveria sé-lo. A doutrina chamada egoismo ético considera que sim, defendendo que o nosso Unico dever é fazer o melhor para nds mesmos. Por vezes, pode acontecer que o methor para nés coincida com o melhor para os outros, mas 0 objectivo é sempre e unicamente a promocdo do bem pessoal, da esfera privada. Tudo o resto sao efeitos colaterais desse objectivo primeiro. 0 egoismo ético, enquanto teoria moral, defende que o altruismo se auto- -derrota, que, no fundo, 0 bem que possamos fazer aos outros deve ser ape- nas um meio para atingir um fim: o bem préprio. E nesse sentido que o fild- sofo Thomas Hobbes afirma a seguinte regra: devemos ajudar os outros para que eles nos ajudem a nds, isto é, ajudar os outros na medida em que isso traz vantagens para nés, No entanto, 0 egoismo ético acaba por, também, tornar permissiveis accées perversas, desde que realizadas em proveito proprio. Se aceitassemos 0 egoismo ético como filosofia de vida, a relagao esta- belecida entre o eu e o outro seria interesseira, hipdcrita, dissimulada. Em Ultima andlise, esta doutrina retira qualquer consisténcia a propria morali- dade, no sentido em que secundariza significativamente o papel do outro. 0 outro é entendido como um ser diferente mas inferior a mim, na medida-‘em que so as minhas vontades devem ser tomadas em linha de consideracao. 0 outro é, assim, completamente instrumentalizado. O egoismo ético (...) advoga que cada pessoa divida 0 mundo em duas categorias de pessoas — nds e todos os outros — e que encare os interesses dos do primeiro grupo como mais importantes do que os interesses dos do segundo grupo: Mas, pode cada um de nés perguntar, qual é afinal a diferenca entre mim e todos os outros que justifica colocar-me a mim mesmo nesta categoria especial? Serei mais inteligente? Gozarei mais a minha vida? Serao as minhas realizagdes mais notaveis? Terei necessida- des e capacidades assim tao diferentes das necessidades e capacidades dos outros? Em resumo, 0 que me torna tao especial? Ao nao fornecer uma resposta, 0 egoismo ético revela-se uma doutrina arbitraria. (...) Devemos importar-nos com os interesses das outras pessoas pela mesma razao que nos importamos com os nossos. Consideremos (...) as criancas a morrer A fome que poderfamos alimentar desistindo de alguns dos nossos luxos. Por que razdo deveriamos preocupar-nos com elas? Preocupamo-nos connosco mesmos, é claro — se estivéssemos a morrer a fome fariamos quase tudo para obter comida. Mas qual é a diferenga entre nds e eles? A fome afecta-os menos? Serao de alguma forma menos merecedores do que nds? (...) f esta tomada de consciéncia, de que estamos em plano de igualdade uns com 0s outros, que constitui a razao mais profunda pela qual a nossa mora- lidade deve incluir algum reconhecimento das necessidades dos outros, e a razao pela qual, portanto, 0 egoismo ético fracassa enquanto teoria moral. James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Gradiva, pp. 133-134. A moralidade exige que tenhamos em conta 0 outro, os seus interesses, os seus desejos como se fosse um outro eu, num. plano de igualdade e nao e nao de subalternizacao. je subalternizacao. Exige por isso, 0, sDHigeo ocalirulno! Neste sentido, a morali- dade, ao requerer que nos. coloquemos no lugar do outro, exige que ultra- passemos os nossos interesses individuals e que adoptemos uma perspec- tiva universalizante, isto é, que leve em consideracao os interesses de todos.

Você também pode gostar