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AMORTH GABRIELE GABRIELE AMORTH Um exorcista conta-nos 6.4 edigdo eS Prefacio a edicao portuguesa N@s precisamos de exorcismo (') O grande papa Ledo XI entrou no século XX ainda apavorado pela visdo que tivera da formidavel presenga diabélica em Roma, «para a perdigdo das almas». Desde 1886, mandara a todos os bispos rezar a oragao a SGo Mi- guel Arcanjo, escrita por ele, de proprio punho, como tam- bém um exorcismo maior que recomendava a bispes € pa- rocos recitar com frequéncia nas dioceses e pardquias. «O século do homem sem Deus», anunciado por Nietzsche, transforma-se no século de Satands, que prepara o seu reino coma 1 Guerra Mundial, implanta 0 comunis- mo ateu ¢ tirdnico, contra Deus e contra o hamem, na revo- lugdo bolchevista de 1917, semeia a Europa inteira de rut- nas € sangue coma 2° Guerra Mundial, fruto dos poderes das trevas; invade toda a terra de Odio, terror, impiedade, heresia, blasfémia e corrupgdo em guerras e revolucdes sem trégua; insinua-se, de intcio, como fumaga, ¢, depois, implanta-se, poderoso, no seio da propria Igreja. Tudo isto, Nossa Senhora confidenciara aos videntes de Fatima, exactamente no mesmo ano da tragédia russa; eo mesmo se diga do 3.° capitulo do Génesis, em que se pinta a vitéria da serpente infernal e a presenca de Maria, esmagan- do-the a cabega. A Cristandade continuou a rezar as oragdes de Ledo XIII, estimulada pelos Papas. Pensadores crisidos como, por exemplo, Anton Béhm (Sati no Mundo Actual — Tava- res Martins) e de La Bigne Villeneuve (Satan dans la Cité — ‘itp:/warn.defendeinosnocombate blogspot coms 7 Du Cédre) denunciam a infiltragdo visivel do deménio em todas as estruturas da sociedade. Bernanos surpreende-nos «sob 0 sol de satands», De siibiio, ae aproximar-se 0 iiltimo € temeroso quartel do século XX, contesta-se a existéncia dos anjos, desapare- ce a oragdo de Sao Miguel, suspendem-se os exorcismos, inclusive do Baptismo, mergutha no siléncio 0 ministério e a fungdo de exorcista. Paulo V1 queixa-se da fumaga de Satands dentro do tem- plo, quase a ocupar o espago do incenso esquecido, € amargura-se com @ autodemoligao da Igreja. Os semina- rios desaparecem, a teologia prostitui-se em cdiedras de iniquidade, a liturgia reduz-se, com certa frequéncia, a uma feira irrelevante de banalidades folcloricas. A pretexto de inculturagdo, a vida religiosa desliza para 0 abismo. «Os poderes do inferno nao prevalecerao contra a Igre- ja», € certo, Mas 0 préprio Senhor prediz 0 obseurecimento da fé, o esfriamento da caridade. A visdo (do Inferno) de Fa- tima faz vacilar 0 optimismo ingénuo e irresponsdvel dos que apostam na salvacdo de todos, mesmo até dos que a recusam. Bem haja a tradugdo portuguesa do Pe. Gabriel Amorth, Un Esorcista Racconta. Certamente acordard muitas cons- ciéncias narcotizadas pela civilizagao da morte e da men- tira. A sua experiéncia é notdvel e séria, e ajuda-nos a ava- liar o estrago incomensurdvel causado na Igreja e no mundo, quando se deixou de levar o diabo a sério. Sei que ndo podemos acreditar nele — nao seria o pai da mentira — mesmo quando parece dizer a verdade (Lc 4,34). Ha sem- pre algo de sinistro atrds do que ele diz. Ele é homicida desde o principio. Incapaz de atingir Deus com o seu furor, destréi, odiento e cinico, a imagem dele nos homens. Jesus comega a sua missdo, tentado pelo deménio e a expulsdo dos maus esptritos torna-se uma das notas mais relevantes da sua actividade messidnica. «Em meu nome expulsarao os deménios» (Mc 16,17), diz Jesus, ao des- 8 tpn. cefendeinosnocombate blogspot coms pedir-se dos discipulos, notando que este sera um sinal dos que créem nele. E Satands, pela acgdo dos Apéstolos, cata do céu como um raio... Quando os cristaos de todos os nt- veis, apesar dos Evangelhos e do Magistério, principiaram a duvidar da accdo e, depois, da existéncia do espirito re- belde, aconteceu 0 que Jesus havia anunciado (Mt 12,44- -45): expulso, ele volta para a casa «desocupada, varrida ¢ arrumada», mas indefesa, com sete esptritos piores do que ele, «e a condigao final torna-se pior do que antes», exactamente 0 que estd a acontecer. Hoje, nao é sé a fumaga de Satands, penetrando por uma fenda oculta, mas 0 diabo, de corpo inteiro, que irrom- pe triunfalmente pelas portas centrais. Quem o vai exconju- rar das nossas igrejas, das nassas residéncias episcopais e paroquiais, de nassos centras comunitarios, das nossos se- mindrios e universidades, dos Senados e das Camaras Le- gislativas, dos Paldcios do Governo e da Justiga, dos ban- cos e das bolsas, dos meios de comunicagao, das escolas hospitais, das consciéncias de todos nds? E, né@o hesitemos: quem vai expulsar os deménios dos Paldcios Pomtificios, das Congregagées e Secretarias, das Nunciaturas, das Conferéncias Episcopais e Ctirias, dos Santudrios e Bastlicas, das ONUs e dos Parlamentos, sem falar desse mundo «posto maligno», que viceja «sob 0 sol de sata»? Nos precisamos, urgentemente, de exorcismo! Obrigado, Pe. Amorth, pelo seu exemplo e coragem; obrigado aos ins- piradores e promotores da tradugdo na primorosa lingua de Camoes. Dom Manoel Pestana Filho Bispo Emérito de Andpolis ~ Brasil ‘Senhor Dorm Manoel Pestana Fill: Fitho de pais madeirenses; nascido em Santos (Brasil), em27 de Abril de 1928; ordenado em Rom, onde estudou, em $ de Outubro de 1952; consagrado Bispo de Andpolis (Brasit), fem 18 de Fevereiro de 1979. renuiciou em 6 de Setembro de 2004. ‘ilp:hwww.defendeinosnocombate blogspot comy (J NOTA DO TRADUTOR A primeira vista esie titulo pode deixar-nos perplexos. Seré exagero? Qual Jodo Baptista desta época, Dom Manoel Pestana apresenta wna visio desafrontada do tema, que nito xe pode considerar mero pessimismo ou obscurantismo, mas puro realism. Basta olharmos ctentamente & nossa volta para verificarmos como 0 inimigo actua de duas maneiras: — De forma discreta: por exemplo a banalizagdo da morte pelos mass- -media, a mentalizacaio gradativa para que se aceite a eutandsia; as leis do divércio e do aborto defendidas na prépria ONU e divulgadas nos filmes e telenovelas em horas de grande audiéncia, sem esquecer xingénuos» desenhos animades dirigides as criancas, incentivando-as, ao ddio, a vin- ganiga, a violencia, d mensira, ao egotsmo, num gosto mérbido pelo desar- ‘monioso, para ndo the chamar horrivel — De forma directa: por exemplo 0 satanismo que progride na socieda- de mundial a pasos largos, com todas as suas formas de expressao e sim- bolismo. As noticias anunciam cada ver com mais frequéncia estranhos assassinatos macabros, profanagies de cemitérios e igrejas ber como as préprias missas negras (cf. Ap 13,4 ¢ ss), Na indlia o problema é de tal for- ma assustador que 0 proprio ex-Ministro do Interior, Rinaldo Coronas, alarmado pela expansao do fendmeno, pos os gavernadores civis de alerta. ‘Sé na narrativa do Génesis lemos que o deménio jd seduziu enganosa- ‘mente os nossos primeiros pais, seo préprio Senhor Jesus foi tentado, bem como todos os Santos, 0 que é que nos poderia levar a pensar que todas as camadas da Igreja estivessem isentas destes ataques? Pois ndo rezamos nds no Pai Nosso «niio nos deixeis cair em tentacéo mas livrai-nos do mal», isto ¢, do Maligno? Este tema do exorcismo, embora ndo seja 0 tinico, ¢ um das elementos da Sagrada Escritura tratade na Tradigda e Magistério Eclestastice, ex- presso na Teologia ¢ na Liturgia, bem como em algumas Catequeses pa- pais: Paulo VI (Audiéneia de 15 de Novembro de 1972) e Jodo Paulo Il (1986) e no préprio Catecismo da Igreja Catdlica 1993 (can. 1673); Dom Manoel apresenta-o qual méilico que diagnostica um cancro, nao que- rendo com isto dizer que todaxo tenham. ‘Se este Pretado se refere aqui unilateralmente ao negativo que possa existir no Mundo e na |greja, nao quer dizer que exclua 0 que hd de posi vo e de bom. Tais coisas sdo necessariamente pressupostas e inegdvets. Mas, a0 denunciar 0 deménio toda a sua acca maligne, ndo podia ex- pressar-se de outro modo. Realmente quando se enierra um espinho na car- ne, hd que tird-lo para que 0 corpo ndo venha @ gangrenar, mas fique sao. Maria de Sio José Sousa 10 hip siwwwr defendeinosnocombale blogspot com Prefacio a edicao francesa (+ O Pe. Gabriel Amorth, exorcista da diocese de Roma, confia-nos 0 seu conhecimento € a sua experiéncia acerca do deménio. Este livro apareceu em Itdlia no Outono de 1990. Houve 8 edigées durante os primeiros 12 meses. E 0 maior sucesso das edigées Dehonianas em Roma desde a sua fundagéo; um sucesso perfeitamente explicdvel, uma vez que um verdadeiro perito e executante faz luz realista sobre este dominio, mal conhecido, e da resposta necessd- ria Gs questées que se colocam nesta situagdo, confusa e cheia de contrastes. Hoje em dia, com efeito, = para muitos cristdos (entre os quais se inclaem tedlo- g08 e eclesidisticos, sublinha o Pe. Amorth), 0 demonio ja ndo existe. Seria apenas a personalizagdo simbélica de fe- némenos obscuros, psiquidtricos ou parapsicoldgicos em vias de explicacao cientifica; — para muitos outros, pelo conirdrio, 0 deménio exerce hoje em dia um fascinio credtvel. Tem o seu lugar na publici- dade: fala-se de «beleza do diabo», «comboio do inferno», etc. Missas negras e seitas satanicas multiplicam-se em lia- lia, Franga, Alemanha e outros paises. Aquando de uma re- cente emissao televisiva, varias pessoas mencionaram pac- tos, segundo elas vantajosos, que tinham com Satands. «Vale a pena!», diziam. Ndo se apercebiam ainda de que a ~()Gentilmente cedido peits Ediions FX. de Guibert (OE.LL) Ihtto:ivmw.defendeinosnocombate. blogspot.com’ IL prego € demasiado care, pois 0 deménic ndo tem amigos, sé tem escravos. E assim, carreiras brithantes de cantores de rock «conseguidas» gragas a Satands, acabaram no suicidia. Discernimento Entre os tedlogos que negam a existéncia do deménio € os que a defendem, onde esta a verdade? Este livrinho esta em condicées de responder a esta quesido é de dissipar as ignordncias e confus6es, por vezes draméticas. O nosso mundo permissive admite, sem problemas, que toda a experiéncia é boa e inocente, e que se pode partici- par nela sem riscos. Nutmerosos cristdos jovens e velios fa- zem assim experiéncias do género da feitigaria, da bruxa- ria, do ecultisma, do espiritismo, das religides orientais e das suas derivagGes, ignorando completamente os perigos que correm e arrastando outros. Alguns tornam-se prisio- neiros de deménia, ou mesmo possesses, sem se darem conta do que lhes acontece, e desconhecendo que o exor- cismo os poderia libertar, Além disso, alguns jovens comprometidos em vocacées generosas, ou santos, que alcangaram o cume da sua vida espiritual, ficaram por vezes confundides (como foi 0 caso do Sto, Cura d'Ars, Sta. Bernadete, Teresa de Lisieux, ou Madre Yvonne-Aimée de Malestroit) ao serem submetidos a agressOes fisicas e morais, que os puseram a beira do de- Sespero e os fizeram sentar a «mesa dos pecadores», como dizia Teresa de Lisieux; porque Saiands descarrega contra aqueles que ameagam 0 seu reino. O Pe. Amorth faz um ponte da situagao. Ele recorda, em tragos largos, os principais ensinamentos da Escritura e como a vida de cada homem e a vida do mundo travam um combate espiritual: o Apocalipse refere-o em termos simbé- licos, enquanto Cristo e 0 apéstolo S. Paulo o referem em termos mais directos. O deménio espreita-nos; conhece os 12 hittp:/Neww defenceinosnocombate blogspot.com! pontos fracos, Organiza o mundo para os explorar. O au- mento extraardindrio do erotismo, a apologia vitoriosa da homossexualidade, 0 mercado insinuante da droga e das suas mdfias sio os exemplas mais visiveis. A expansao do aieismo, do materialismo e de tantas ilusOes enganosas na nossa cultura e na nossa publicidade, levar-nos-ia, em meados do século XX, a dizer: 0 deménio modernizou-se. Organiza 0 seu reino no mundo como um Presidente do Conselho de Adminstragdo de uma empresa: tudo trabatha para ele, Vai poder repousar, renunciar as diabruras de an- figamente, mas a sua maior habilidade € fazer-nos crer que ndo existe. E ndo é demats dizé-lo! Hoje explora 0 sucesso assim adquirido, e os casos de infestagdo e possessao multipli- cam-se a tados os niveis — constata Gabriel Amorth —a tal ponto que 0 desinteresse crénico de uma larga parte da hierarquia em relacdo ao deménio esta hoje em vias de mu- dar, devido & pressdo da urgéncia. Quem é 0 Pe, Gabriel Amorth? Pe. Amorth estava bem preparado para escrever este li- vro pela sua dupla competéncia de exorcista e jornalista, com uma experiéncia tinica e de primeiro plano. Nascido em 1925, Gabriel Amorth empenhou-se, desde 4935, na Ac¢do Catélica, primeiro, como chefe de grupo de aspirantes, mais tarde dirigente da FUCI universitdria, conquistando a sua graduacdo de jurista, No fim da guerra, participou na perigosa luta contra 0 fascismo nas fileiras dos partidarios catélicos: com menos de 20 anos tinha a graduagdo de capitao. Empenhou-se na fundagao da Democracia Crista onde foi um dos homens de confianga de De Gasperi, para o qual trabalhou directa- mente com Andreoti, Fanfani, Colombo, Dosseiti. Era, hntip /iwwrw defendeinosnocombate blogspol.com/ B além disso, vice-presidente nacional da juventude demo- crata crista, Deutorado em direito aos 22 anos, deixa tudo pelo sa- cerdécio. Entra nos Paulistas, ordem fundada em meados da nosso século para estabelecer a presenca de Deus na comunicagG@o social. Foi provincial em Itdlia em 1977- -1978, dirigiu em seguida uma das revistas deste complexo medidiico cristo, Madre de Dio (Mde de Deus), em que o seu talento avangou uma etapa. Foi um dos descobridores de Medjugorje. Sera que a Virgem, inimiga da serpente, o fez mudar de rumo? Deixou a outros a direcgdo da sua revista para ir ajudar 0 Pe. Candido Amantini, passionista, exorcista da diocese de Roma, que ja ndo chegava para a tarefa. Este mestre, herdeiro de uma grande experiéncia das tradicées da Igreja, iniciou-o no discernimento e na prdtica do exorcismo, A vida do Pe. Amorth é passada ao servigo de tanias ¢ tantas pessoas em perigo, que no tém ajuda, ou que vivem na ignordncia de que nao existe solugdo. Em 6 anos de trabalho esgotante, exorcizou cerca de 10000 pes- soas, 70 das quais possessos propriamente ditos. Exorcistas e psiquiatras Serd que os exorcistas se querem sobrepor aos psiquia- tras? De maneira nenhuma. Declarou-se, indevidamente, que estes substiiuem os exorcistas. A complexidade do problema, pelo contrdrio, convida-os a colaborar e 0 Pe. Amorth, como todo o exorcista sério, trabatha em colaboragao com os médicos. Muitas vezes o seu trabalho comega precisamente quando se manifestam certos indicios pstquicos, ou ainda nas ocasides em que as técnicas médicas e psiquidtricas se niostram derrotadas, tanto a nivel de diagndstico como de terapéutica. Num e noutro caso, o discernimento por vezes é dificil e fundado em conjecturas. Para o psiquiatra, € 14 http sAvaw.defendeinosnocombale blogspot.com’ confirmado pelo préprio tratamento. Para o exorcista, é confirmado através do exorcismo em que 0 deménio, sen- tindo-se mal, reage abertamente; e depois, sobretuda, pelo contraste entre a conduta aberranie do passesse, e 0 estado calmo, pacifico, normal, que ele readguire imediatamenie apés ser libertado. O combate espiritual O papel do exorcista nao é facil. Nao é compreendido. E duro tanto a nivel de trabalho, como de stress. A satide da Pe. Amorth safre com isso. Ele continua, ainda que com ris- cos, a submeier-se a uma disciplina de vida rigorosa ea tentar encontrar e formar novos colaboradores. Na realida- de a procura aumenia nos locais onde os exorcistas exer- cem as funcdes normais na Igreja. E pois um grande benefi- cio para tantas pessoas, deixadas ao abandono nos seus problemas obscuros, que recorrem aos advinhos, feiticei- ros, bruxos, com duplo prejutzo relativamente a carteira & ds tribulagées. O Pe. Amorth, 0 mais amavel dos homens, nao perdeu ao seu temperamenio lutador que jd o tinha levado a pegar em armas contra Mussolini e posteriormente a participar no combate pela instauragao da democracia em Itdlia: — O senhor esté envolvido no seu mais duro combate — disse-the eu. — Sim, mas ¢ aquele que me da mais satisfagao pastoral, porque a percentagem dos que reencontram profundamente a f€ entre estes ndo-praticantes tentados ou possufdos por Satands, € muito maior do que a que pude constatar nos meus ministérios anteriores. Este livro denuncia a conspiracdo do siléncio sobre 0 combate espiritual e o papel do deménio. Isto nao significa http: aww.detendeinosnocombate biogspot com/ 5 que 0 Pe. Amorth valorize a importancta das poténcias in- Seriores. Cristo é Criador. «E yencedor», como Ele préprio ensina, «desde o principio». O demdnio é marginal. Mas € um marginal perigoso porque a prépria lei da criagdo é uma lei de amor, portanto, de liberdade. Deus ndo aniquila demonios e pecadores por um exercicio magico do seu poder. Deixou aos anjos caidos, muito superiores ao ho- mem, a sua liberdade, a sua inteligéncia e o seu poder. Segundo a Escritura, Satandas € 0 «Principe deste mun- do», Deus nao destréi 0 adversdrio exteriormente, pelo so- pro da sua hoca; é a justiga imanente que opera. Hitler destruiu-se pelo seu proprio erro e, aqueles que fazem pacto com Satands, acabam muitas vezes no suicidio, por- que um tal pacto ndo tem outro resultado sendo a infeli- cidade e a caidstrofe. A explicagdo profunda deste combate é que Deus salva o mundo somente por amor, na liberdade. O «Principe deste mundo», aparentemente, ganhou a sue batalha contra Deus. P6s rapidamente fim ao ministério de Cristo na Terra, iramanda mesmo, eficazmente, a sua morte, através das cumplicidades teatralmente engendradas por Judas, seu apostolo, pelos principes dos sacerdotes e pelo gover- nador Pilatos. Mas foi assim que Cristo deu a maior prova de amor, donde surgiu a sua vitoria e a sua Ressurreigao. Ele ultrapassou a barreira do pecado, como os jactos atra- vessam a barreira de som, mas, sem violéncia nem alarido. O combate continua. Deve ser ganho em cada épeca, em cada lugar, em cada vida. E 0 mais real e 0 mais grave dos combates, cujo sucesso é o mais assegurado. Mas em cada eiapa seré a vitéria do amor. Os exorcistas existem para li- bertar os homens das ciladas espectficas e muitas vezes derrotantes deste combate espiritual. René Laurentin 16 http:/iwww. defendeinosnocombate. blogspot. conv Apresentagao E com muito prazer que introduzo algumas observacdes para predispor G leitura do livro do Pe. Gabriel Amerth, ha varios anos meu valioso colaborador no ministério de exor- cista. Alguns episédios aqui relatados foram vividos lado a lado e juntos partilhamos as preocupagées, as canseiras @ as esperangas na ajuda a tantas pessoas atribuladas com Sofrimentos e que recorreram a nods. E para mim uma grande alegria ver a publicagdo desias paginas porque, na verdade, nestes iltimos decénios, embo- ra muito se tenha escrito sobre quase todos 0s campos da Teologia e da Moral Catélica, 0 tema dos exorcismos tem JSicado praticamente esquecido. E possivelmente por causa desta escassez de estudos e desta falta de interesse que, ainda hoje, a unica parte do Ritual que nao foi revista § gundo as disposigGes pds-conciliares é precisamente aque- la que se rejere aos exorcismos. E, contudo, é grande a importdncia do ministério de «expulsar os demdnios», como se conclui dos Evangelhes, da accdo dos Apostolos e da Historia da Igreja. Quando S. Pedro foi conduzide, por uma inspiracao so- brenatural, a casa do centurido Cornélio, para anunciar a Sé crista Gquele primeiro punhado de gentios e para de- monstrar que Deus tinkha estado verdadeiramente com Je- sus, sublinhou de modo muito especial o poder que Ele tinka manijestado ao libertar os subjugados pelo demonio (cf. Act 10,1-38). O Evangetho fala-nos, frequentemente, com narragées concretas, do poder extraordindrio que 17 Jesus demonstrou neste campo. Se, ao enviar o seu Filho Unigénito ao mundo, o Pai tinha tido a intengao de por fim ao reino tenebroso de Satands sobre os homens, que modo mais eloquente poderia ter adoptado Nosso Senher para a demonstrar? Os Livros Santos garantem que Satands exprime 0 seu poder sobre 0 mundo também sob a forma de obsessao fisi- ca. Enire os poderes especificos que Jesus quis transmitir aos Apdstolos ¢ seus sucessores, pos repetidas vezes em evi- déncia o de expulsar os demdnios (cf. Mt 10,8; Me 3,15; Le 9,10). Se, porém, Deus permite que alguns experimentem as in- vestidas diabélicas, também lhes forneceu ajudas podero- sas de varios géneros. Ele muniu a Igreja de poderes sacra- mentais assaz eficazes para este fim. Mas, Deus também elegeu a Virgem Santissima como antidote permanente con- ira esta nefasta actividade de Satands, mediante aquela ini- mizade que Ele estabeleceu, desde o inicio entre os dois adversdrios (sobre este assunto veja-se: Candido Amantini, Jl Misiero di Maria, Ed. Dehoniane, Napoles). A maioria dos escritores contempordneos, dio excluindo 08 tedlogos catélicas, embora ndo negando a existéncia de Satands e dos outros anjos rebeldes, tem tendéncia a diminuir a importancia da sua influéncia sobre as coisas humanas. Mais ainda: quando se trata de influéncia no campo fisico, o descrédito € considerado um dever e até uma demonstragdo de sabedoria. A cultura contempordnea, vista no seu con- junto, considera uma ilusdo prépria de épocas primitivas a Jacto de atribuir a agentes diversos dos de ordem natural, a causa dos fendmenos que acontecem 2 nossa volta. E evidente que 0 trabalho do Maligno fica enormemente facilitado com esta tomada de posigéo, especialmente quando ela é partilhada precisamente par aqueles que, pelo Seu ministério, teriam a fungae e o poder de impedir a sua actividade. Porém, se nos basearmos na Sagrada Eseritu- 18 ra, na Teologia, na experiéncia quotidiana, ainda hoje de- verfamos pensar nos possessos do diabo, como uma legiao de infelizes, a favor dos quais a ciéncia pode bem pouca, ainda que ndo o confesse abertamente. Diagnosticar prudentemente uma demonopatia — assim se poderia chamar a todas as mds influéncias diabdlicas — ndo € impessivel, na maior parte dos cases, para quem saiba ter em conta a sintomatologia especifica em que a acgao demoniaca normalmente se manifesta, Um mal de origem diabolica, mesmo sendo recente, mosira-se estranhamente resistente a todos os medicamen- tos comuns; no entanto doengas gravissimas, julgadas mes- mo mortais, atenuam-se misteriosamente até desapare- cerem totalmente depois de uma intervencdo de ordem puramente religiosa. Por outro lado, as vttimas de um espt- rito Maligna, véem-se como que perseguidas por uma con- tinua pouca sorte: a sua vida é uma série de desgracas. Hoje, muitos estudiosos dedicam-se ao estudo dos fend- menos que se verificam nos individuos demonopatas, nos quais reconhecem francamenie a existéncia de algo fora do normal e, par esta razGo, os designam cientificamente com a terminologia de paranormais. Nds ndo negamos minima- mente os progressos da ciéncia; mas é contra a realidade, continuamente experimentada por nds, iludirmo-nos, pen- sando que a ciéncia pode explicar tudo, e querermos redu- zir todos os males a causas unicamente naturais. Sao bem poucos os estudiosos que admitem seriamente a possibilidade de intromissdes de poténcias estranhas, in- teligentes e incorpéreas, como causa de cerios fenémenos. Também poucos sdo os médicos que, postos perante wm ca- so de doenca com sintomatologia desconcertante e com re- sultados clinicamente inexplicdveis, encaram serenamente a eventualidade de estar perante doentes de outro género. Muitos, nestes casos, viram-se para Freud como seu pré- prio modelo sagrado. No entanto, é muitas vezes por isso 19 que reduzem aqueles desgragados a uma condigdo ainda mais miserdvel, enquanto que a sua accdo, associada a de um sacerdote exercista, podia resultar, também nestes casos, muito benéjica. O livro do Pe. Gabriel Amorth, sem ser extenso, expoe com clareza e pée o leitor directamente em contacto coma actividade do exorcista. Ainda que esta obra tenha um en- cadeamento légico, nao se reduz a principios teoricos (existéncia do deménio, possibilidade da possessao fisica, etc.) nem a conclus6es doutrinais. Prefere deixar os factos falar por si, pondo o leitor perante aquilo que um exarcisia vé e€ opera. Quanto a nés, estamos de coragdo com o Autor, homem da Igreja, depositdrio privilegiado do poder confe- rido por Cristo de expulsar os deménios em seu nome. Acredito, por isso, que este livro possa fazer muito bem e Sirva de estimule para outros esiudoy no mesmo sentido, Pe. Candido Amantini 20 Introdugao Quando o cardeal Ugo Poletti, vigario do Papa na dio- cese de Roma, sem eu esperar, me conferiu a faculdade de exorcista, eu nado imaginava o mundo imenso que se abria & minha frente, nem a multidio de pessoas que recorreria a0 meu ministério. Inicialmente este encargo foi-me confiado para ajudar o Pe. Candido Amantini, passionista bastante conhecido pela sua experiéncia de exorcista, que fazia acorrer a Scalla Santa infelizes provenientes de toda a Italia e também do estrangeiro. Isto foi uma graga verdadeira- mente grande. Uma pessoa nao se torna exorcista por si s6, a nao ser com grandes dificuldades e a prego de erros ine- vitaveis, com prejuizo para os préprios fi¢is. Creio que o Pe. Candido € 0 tinico exorcista no mundo com 36 anos de experiéncia a tempo inteiro. Nao podia ter um mestre me- lhor e agradego-lhe pela infinita paciéncia com que me ini- ciou neste ministério, completamente novo para mim. Fiz ainda outra descoberta. Os exorcistas em Itélia sao pouquissimos, e os que estéo preparados ainda sao menos. A situagao noutros paises ainda é pior, por isso tém-me pro- curado para a béngdo pessoas vindas de Franca, da Austria, da Alemanha, da Suiga, de Espanha, de Inglaterra, onde -a acreditar no que dizem — nao conseguiram encontrar um exorcista. Inctiria dos bispos e dos sacerdotes? Verdadeira incredulidade quanto a necessidade e a eficd- cia deste ministério? Em todos os casos sentia-me impelido a realizar 0 meu apostolado junto de pessoas que sofrem horrivelmente e a quem ninguém compreende: nem os fa- miliares, nem os médicos, nem os sacerdotes. 21 Hoje em dia a Pastoral, neste sector, e no mundo catdli- co, esté completamente descurada. Nao era assim no passa- do e, devo reconhecer, que nao € assim em certas confissdes da reforma protestante, em que os exorcismos se fazem com frequéncia ¢ com bons resultados. Cada catedral devia ter um exorcista, do mesmo modo que tem um confessor, e deviam ser tanto mais numerosos os exorcistas, quanto maiores fossem as necessidades: nas paréquias mais impor- tantes, nos santudrios. No entanto, além de serem poucos, 08 exorcistas so mal vistos, combatidos, ¢ tém dificuldade em encontrar hospita- lidade para exercer o seu ministério. Sabe-se que os ende- moninhados por vezes se enfurecem, Isto ¢ 0 suficiente para que um superior religioso ou um paroco nao queira exorcis- tas nos seus dominios: o viver calmo, o evitar perturbagées vale mais do que a caridade para curar os possessos. Tam- bém eu tive de percorrer o meu calvério, embora muito menos penoso do que o de outros exorcistas que tém mais mérito e so mais procurados. E uma reflexao a que convido sobretudo os bispos, que no nosso tempo tém algumas vezes pouca sensibilidade para com este problema, tendo prati- camente deixado de exercer este ministério, Trata-se contudo de um ministério que lhes foi exclusivamente confiado: so- mente eles o podem exercer ou nomear exorcistas. Como € gue nasceu este livro? Do desejo de pér o fruto da muita experiéncia, mais do Pe. Candide do que minha, & disposi¢ao de todos quantos estao interessados neste argu- mento. A minha inteng4o, em primeiro lugar, € oferecer um servigo aos exorcistas e a todos os sacerdotes. De facto, como cada médico de clinica geral deve estar em condigdes de indicar aos seus doentes qual é 0 especialista a que even- tualmente devem recorrer (um otorrino, um ortopedista, um neurologista...), assim cada sacerdote deve ter 0 minimo de conhecimentos que lhe permita discernir se uma pessoa ne- cessita ou ndo de recorrer a um exorcista, 22 Ha ainda um outro motivo, que levou varios sacerdotes a encorajar-me a escreyer este livro: o Ritual, no que se refere 4s normas directivas para os exorcistas, recomenda-lhes que estudem «um grande nimero de documentos tteis de autores reconhecidos», Mas quando se procura livros sérios sobre este tema, pouco se encontra; assinalo trés: um é 0 de Mons. Balducci Hl Diavolo (Ed. Piemme, 1988); é util pela parte teérica, mas nao pela pratica, que € incompleta e contém erros; 0 autor é um demondlogo e nfo um exorcista. Hd ainda um li- vro de um exorcista, Pe. Matteo la Grua, A Oracdo de Li- bertagado (Ed. Herbita, Palermo, 1985); é um volume escri- to para os Grupos do Renovamento, com a intencao de guiar a sua oragao de libertagdo. Merece também mengao 0 livro de Renzo Allegri, Cronista all Inferno (Ed. Mondadori, 1990); nao se trata de um estudo sistematico mas de uma tecolha de entrevistas conduzidas com extrema seriedade que narra casos-limite, seguramente verdadeiros, mas que nao expOe os casos vulgares com que um exorcista se con- fronta. Em conelusao, esforcei-me, nestas paginas, por preen- cher uma lacuna ¢ apresentar 0 assunto sobre todos os as- pectos; procurei respeitar a brevidade a que desde o inicio me impus, a fim de poder beneficiar um maior nimero de leitores. Proponho-me fazer um aprofundamento posterior noutros livros; espero que haja outros que escrevam com competéncia ¢ sensibilidade religiosa, de modo que o assunto seja tratado, com a riqueza que lhe é devida e que hos séculos passados pertencia ao campo catélico, encon- trando-se agora praticamente s6 no campo protestante. Devo dizer que nao me detenho a demonstrar certas verdades que creio ja adquiridas e que noutros livros ja foram suficientemente abordadas: a existéncia de demd- nios, a possibilidade de possessao diabélica, o poder que Cristo deu de expulsar os deménios Aqueles que acreditam 23 na mensagem evangélica. Sao verdades reveladas, clara- mente contidas na Biblia, aprofundadas pela Teologia, constantemente ensinadas pelo magistério da Igreja. Preferi proceder de outro modo e debrucar-me sobre aquilo que € menos conhecido acerca das consequéncias praticas ¢ que possa ter utilidade para os exorcistas e para todos quantos desejam ser informados sobre esta matéria. Perdour-me-eis qualquer repeticZio sobre conceitos fundamentais. Que a Virgem Imaculada, inimiga de Satands desde o primeiro antincio da Salvacdo (Génesis 3,15) até ao secu cumprimento (Apocalipse 12), e que esté unida ao seu Fi- lho na luta para 0 combater, e Ihe esmagar a cabeca, aben- ¢oe este trabalho, fruto de uma actividade extenuante, que confiante, coloco sob a protecgao do seu manto materno. Esta nova edi¢ao, ampliada ('), comporta algumas obser- ‘vag6cs suplementares. Eu nao contaya que este livre tivesse uma difusao tao larga e tao rdpida (embora necessaria), de forma a requerer novas edigGes em tao pouco tempo. Se- gundo a minha interpretagao, isto confirma nao sé 0 interes- se do ptiblico por este tema, mas também o facto de nao existir, actualmente, nenhum livro na imprensa catélica que aborde os cxorcismos de maneira completa, embora concisa. E isto nao sé na Italia mas também em todo o mundo caté- lico. E um dado significative e triste porque revela um desin- teresse inexplicayel ou mesmo uma auténtica incredulidade. Agradego os muitissimos elogios que recebi, as expres- sdes de aprovagao especialmente da parte de outros exorcis- tas, entre as quais a mais grata foi a do meu «mestre», o Pe. ‘Cfindido Amantini, que achou o meu livro fiel aos seus en- sinamentos. Nao recebi criticas que justificassem fazer mo- dificagSes na minha obra. Nesta nova edigdo acrescentei © que me pareceu significativo para completar o tema tratado, mas nao fiz correegGes ao texto preexistente. Penso igual- Edigao em 1994, em lingua italiana 24 mente que as pessoas ou as Categorias visadas pelas minhas criticas terao compreendido a recta intengao das minhas observagées, e nao terao ficado ofendidas. Ao escrever este livro tentei prestar, gragas a imprensa, um servigo de alta es- cala, da mesma forma que todos os dias tento prestar um ser- vigo a todos os que recorrem ao meu ministério de exorcista. Dou gragas ao Senhor por tudo. Seja-me concedido acrescentar algo nesta edigao (). Devo reconhecer que al- guma coisa mudou nestes tltimos dois anos: sairam impor- tantes documentos episcopais, aumentaram os exorcistas, varios bispos ministram exorcismos, ¢ novos livros se jun- taram ao meu. Alguma coisa se estd realizando. Nao atribuo 4 mérito meu, mas assinalo o facto. Concluo lembrando comovidamente o Pe. Candido Amantini, que o Senhor chamou a si no dia 22 de Setembro de 1992. Era o dia do Santo do seu nome; aos companheiros que lhe desejaram felicidades disse simplesmente: «Peco a S. Candido que me conceda uma prenda.» Nasceu em 1914. entrou aos 16 anos para os Passionis- tas. Professor de Sagrada Escritura e de Moral, gastou-se durante 36 anos, sobretudo no ministério de exorcista. Re- cebia cerca de 60 a 80 pessoas todas as manhas, esconden- do 0 cansago num rosto sorridente. Os seus conselhos eram realmente inspirados. O Pe. Pio disse acerca dele; «O Pe. Candido é um sacerdote segundo coragao de Deus.» O presente livro, tirando os defeitos que dizem respeito a minha pessoa, fica a testemunhar a sua experiéncia de exor- cista para proveito de todos os interessados nesta matéria. Foi um dos motivos que me levou a escrevé-lo e fui obe- dientissimo aos seus conselhos na fidelidade a sua longa ex- periéncia. Pe, Gabriel Amorth () Bide, Centralidade de Cristo Também o deménio é uma criatura de Deus; nao se pode falar dele e dos exorcistas sem fazer refcréncia, pelo menos de forma sistematica, a alguns conceitos-base sobre o plano de Deus na criagao. Nao diremos por certo nada de novo, mas talvez abramos perspectivas novas a alguns leitores. Habitudmo-nos, muitas vezes, a pensar na criacdo de uma forma errénea embora tenhamos adquirido uma série de dados. Cré-se que, num belo dia, Deus tenha criado os anjos; que os tenha submetido a uma prova, nao se sabe bem qual, da qual resultou a divisdo entre os anjos e os de- m6nios: 0s anjos recompensados com o paraiso, os demd- nios punidos no inferno. Também se cré que, noutro helo dia, Deus tenha criado o universo, 0 reino mineral, vegetal, animal e por fim 0 homem. Adao e Eva no paraiso terrestre pecaram obedecendo a Satands e desobedecendo a Deus. Nessa altura, para salvar a humanidade, Deus pensou enviar o seu Filho. Nao € este o ensinamento da Biblia, nem é este o ensina- mento dos Padres. Numa tal concepgao, o mundo angélico ¢ a criagdo tomam-se estranhos ao ministério de Cristo. Pelo contrario, leia-se o prélogo ao Evangelho de Joao e os dois Hinos cristoldgicos que abrem as cartas aos Efésios e aos Colossenses; Cristo € 0 primogénito de toda a criatura: tudo foi feito para Ele e por causa dele. Nao tém sentido as dis- cussGes teolégicas em que se questiona se Cristo teria vindo caso Adao nao tivesse pecado. Ele é 0 centro da criagao, Aquele que reuniu em si todas as criaturas: as celestes (an- jos) e as terrestres (homens). Contudo, é verdadciro afirmar 27 que, tendo-se dado a queda de Adao e Eva, a vinda de Cris- to assumiu um papel particular: veio como Salvador. E no centro da sua ac¢do esta o mistério pascal: por meio do san- gue da sua cruz reconcilia com Deus todas as coisas, no céu (anjos) € na terra (homens). Deste ponto de vista cristocéntrico depende o papel de cada criatura. Nao podemos omitir uma reflexdo a respeito da Virgem Maria, Se 0 primogénito de toda a criatura € 0 Verbo encarnado, nao podia estar ausente do pensamento divino, tendo prioridade sobre qualquer outra criatura, a fi- gura daquela em que tal encarnagao se iria verificar. Daqui a sua ligagao nica com a Ssma. Trindade, a ponto de ser chamada, j4 no século II «O quarto elemento da Trfade divi- na». Aqueles que desejarem aprofundar este aspecto, re- comendamos os 2 volumes de Emanuele Testa, Maria, Terra Vergine (Jerusalém, 1986). ImpGe-se uma segunda reflexfo quanto a influéncia de Cristo sobre anjos e dem6nios. No que se refere aos anjos, certos tedlogos pensam que sé em virtude do mistério da cruz, estes tenham sido admitidos a visao beatifica de Deus. Muitos padres formulam afirmag6es intcressantes. Lemos por exemplo em St.° Atandsio que também os anjos devem a sua salvacdo ao Sangue de Cristo. No que se refere aos deménios, as afirmagdes contidas no Evangelho sdo int- meras: Cristo com a sua cruz venceu o reino de Satanas e instaurou © reino de Deus. Por exemplo, os endemoninha- dos gadarenos exclamaram: «que temos nds contigo Jesus, Filho de Deus? Vieste para nos atormentar antes do tem- po?» (Mt 8,29). E uma clara referéncia ao poder de Satands a diminuir progressivamente por causa de Cristo; por con- sequéncia, ainda perdura, e perdurard até que a salvacio se complete, parque foi precipitade o acusador dos nassos ir- mdos (Ap 12,10). Para aprofundar estes conceitos e 0 papel de Maria, inimiga de Satands desde 0 primeiro anuncio da 28 salvacao, indicamos 0 belo livro de Pe. Candido Amantini, Il Mistero de Maria, (Ed. Dehoniane, Napoles, 1971). A luz da centralidade de Cristo é-nos dado ver o plano de Deus, que criou boas todas as coisas «para Ele e por causa dele». Também nos € dado ver a obra de Satands, 0 inimigo, ‘0 tentador, o acusador, por cuja sugestao entrou na criagio 0 mal, a dor, o pecado, a morte. Daf resulta a restauragao do plano divino, operado por Cristo com o seu sangue. O poder do dem6nio também é manifestamente claro. Je- sus chama-lhe «principe deste mundo» (Jo 14,30); S. Paulo qualifica-o de «deus deste mundo» (2Cor 4,4); §. Joao afirma que «todo o mundo esta sob 0 jugo do Maligno» (Jo 3,19) entendendo-se por mundo tudo aquilo que se opde a Deus. Satands era 0 mais esplendoroso dos anjos; tornou-se o pior dos deménios e 0 seu chefe. Porque tam- bém os demGnios esto vinculados entre si por uma hierar- quia muito estrita e conservam 0 grau que ocupavam quan- do eram anjos: principados, tronos, dominagées... E uma hierarquia de escravidao ¢ nao de amor como a que existe entre os anjos, cujo chefe é Sao Miguel. A obra de Cristo é muito clara: foi Ele quem destruiu 0 reino de Satands e instaurou o reino de Deus. Por isso, os episddios em que Jesus liberta os endemoninhados tém uma importancia muito especial: quando Pedro evoca diante de Cornélio a obra de Cristo, nao cita outros milagres, mas apenas 0 facto de ter curado «todos os que estavam sob o poder do diabo» (Act 10,38). Compreendemos agora por- que € que o primeiro poder que Jesus dé aos apéstolos é 0 de expulsar 0s dem6nios (Mt 10,1); ¢ a mesma coisa vale para os crentes: «Eis 0s sinais que acompanharao aqueles que acreditarem: em meu nome expulsarao os dem6nios...» (Mc 16,17). Assim Jesus salva e restabelece o plano divino, arruinado pela rebelido de uma parte dos anjos ¢ pelo pe- cado dos nossos primeiros pais. Deve ficar bem claro que o mal, a dor, a morte, o inferno 29 (isto é, a condenagio eterna no tormento que no teré fim) ndo sdo obra de Deus, Permito-me fazer um breve comen- trio sobre este ponto. Um dia, o Pe. Candido estava expul- sando um deménio. No final do exorcismo voltou-se para aquele espirito imundo com ironia: «Vai-te daqui, de mais a mais, 0 Senhor preparou-te uma bela casa tao quentinha!» Ao que o dem6nio respondeu: «Tu nao sabes nada. Nao foi Ele (Deus) que fez o inferno. Fomos nds. Ele nem tinha pensado nisso.» Em situagio andloga, enquanto interrogava um de- mOnio para saber se também ele tinha colaborado a criar 0 infemo obtive esta resposta: «Todos nés contribuimos .» A centralidade de Cristo, no plano da criago e na restau- ragao dela, através da redengao, ¢ fundamental para se compreenderem os designios de Deus ¢ a finalidade do homem. Na verdade aos anjos e aos homens foi dada uma natureza inteligente e¢ livre. Quando ouco dizer (confundin- do a presciéncia divina com a predestinayav) que Deus sabe J quem se salva e quem se condena, por isso tudo é imiitil , habitualmente respondo recordando quatro verdades clara- mente contidas na Bfblia, que vieram a ser definidas dog- maticamente: Deus quer que todos se salvem; ninguém & predestinado ao inferno; Jesus morreu por todos; a todos sao dadas as gragas necessarias a salvagio. A centralidade de Cristo ensina-nos que s6 no seu nome podemos ser salvos. E s6 no seu nome podemos vencer e li- bertar-nos do inimigo da salvagao, Satands. J4 no final dos exorcismos, quando se trata de casos mais fortes, aqueles de total possessao diabélica, rezo o hino cristo- I6gico da Carta aos Filipenses (2,6-11). Quando chego as pa- Javras «para que ao nome de Jesus todo 0 joelho se dobre nos céus, na terra e nos infernos», eu ajoelho-me, ajoelham-se os presentes e o préprio endemoninhado vé-se sempre obrigado a ajoelhar. & um momento forte ¢ sugestive. Tenho a impres- sao de que também as legides angélicas, que esto & nossa volta, se ajoelham perante a invocag%o do nome de Jesus. 30 O poder de Satanas Os limites impostos pela finalidade pratica deste livro, nado me permitem aprofundar temas teoldgicos de extremo interesse. Tal como no capitulo anterior, limitar-me-ei a falar do tema por alto. Certamente um exorcista como 0 Pe. Candido, acostumado a falar com os demonios ha 36 anos e com uma profunda e segura base teoldgica e de Sagrada Es- critura, esta em posigao de fazer conjecturas sobre temas em que a teologia do passado preferiu dizer «nia sabemos», como € 0 caso do pecado dos anjos rebeldes. Na verdade tudo 0 que Deus criou segue um designio unitario, em que cada parte influencia 0 todo e cada sombra tem uma reper- cussao de obscuridade sobre todo o resto. A teologia sera sempre imperfeita e incompreensivel, até que se decida p6r aclaro tudo © que se refere ao mundo angélico. Uma cristo- logia que ignore Satands € raquftica e nio poderé nunca compreender 0 que a Redengo trouxe. Voltemos ao nosso tema sobre Cristo, centro do univer- so. Tudo foi feito para Ele e por causa dele: nos céus (an- jos) e na terra (0 mundo sensivel cuja cabega € 0 homem). Seria belo falar s6 de Cristo; mas seria contra todos os seus ensinamentos ¢ contra a sua obra. Por af nunca chegarfamos a compreendé-lo. A escritura fala do Reino de Deus, mas também do Reine de Satanas,c fala do poder de Deus, ini- co criador e Senhor do Universo; mas também fala do poder das trevas; fala dos filhos de Deus e dos filhos do diabo. E imposs{vel compreender a obra redentora de Cristo sem ter cm conta a obra desagregadora de Satands. 31 Satands era a criatura mais perfeita saida das maos de Deus; foi-lhe dada uma reconhecida autoridade ¢ superiori- dade sobre 0s outros anjos ¢, pensava ele, também, sobre tudo quanto Deus estava a criar e que ele procurava com- preender, mas que na realidade nao compreendia. Todo o plano unitério da criagao, com efeito, estava orientado para Cristo: ndo poderia ser revelado em toda a sua clareza antes do aparecimento de Cristo no mundo, Daf a rebeliao de Sa- tands, que queria continuar a ser 0 primeiro absoluto no centro da Criago, ainda que em oposig’o aos designios que Deus estava a realizar. Daf os seus esforcos para dominar no mundo («Todo 0 mundo esté sob o poder do Maligno», 1Jo 5,19) ¢ sujeitar 0 homem ao seu servigo desde os nossos primeiros pais, querendo que Ihe obedegam a ele, em oposi¢ao as ordens de Deus. Conseguiu-o com os nossos primeiros pais, Addo ¢ Eva, e contava consegui-lo também com todos os outros homens ajudado pela «terga parte dos anjos» que, segundo o Apocalipse, o seguiram na rebeliao contra Deus. Deus nunca renega as suas criaturas. E por isso que Sata- nds e os anjos rebeldes, embora distanciando-se de Deus, continuam a conservar o seu poder e a sua categoria (Tro- nos, Dominagoes, Principados, Potestades...) embora fagam mau uso dele. Nao exagera Santo Agostinho ao afirmar que, se Deus desse toda a liberdade a Satands, «nenhum de nés ficaria com vida». Nao nos podendo matar, procura fazer de nés seus sequazes, em oposigéio a Deus, tal como ele esta em oposi¢ao a Deus. Surge ento a obra do Salvador: Jesus veio «para destruir as obras do diabo» (1Jo 3,8), para libertar o homem da es- eravidio de Satands e instaurar o Reino de Deus, depois de ter destruido o reino de Satands. Mas entre a primeira vinda de Cristo e a Parusia (a 2° vinda triunfal como juiz) 0 de- mOnio procura atrair para si 0 maior ntimero de pessoas possivel; é uma luta desesperada que ele conduz, sabendo- 32 -se antecipadamente vencido e «sabendo que lhe resta pou- co tempo» (Ap 12,12). E por isso que Paulo declara com toda a clareza que «nao é contra adversarios de carne € sangue que temos que lutar, mas contra os Principados, contra as Potestades, contra as Dominages deste mundo de trevas, contra os espiritos malignos (os deménios) espalha- dos pelos ares» (Ef 6,12). Repare-se ainda que a Escritura fala sempre de anjos € deménios (aqui em particular refiro-me a Satands), como seres espirituais sim, mas também pessoais, dotados de uma inteligéncia, de uma vontade, de uma liberdade, de um espi- rito empreendedor. Erram completamente aqueles tedlogos modernos que identificam Satands com a ideia abstracta do mal; isto é heresia auténtica, ou seja, esta em aberta oposi- cao a Biblia, a patristica, ao magistério da Igreja. Trata-se de verdades que nunca foram postas em diivida no passado, €, por isso mesmo, privadas de definigdes dogmiaticas, ex- ceptuanda as do 1V Concilio de Latrao: «O diabo (isto €, Satands) e os outros deménios foram criados bons por Deus, mas tornaram-se maus por sua prépria culpa.» Aque- Je que ignora Satands nega também 0 pecado e nao percebe nada da obra de Cristo. Sejamos ainda mais claros: Jesus venceu Satanas através do Seu sacrificio; mas, antes deste, pelo seu ensinamento: «se Eu, pelo dedo de Deus, expulso os deménios, significa que chegou até vos 0 Reino de Deus» (Le 11,20). Jesus € 0 mais forte, aquele que amarrou Satanas (Mc 3,27), espo- liou-o ¢ sufocou o seu reino que est a caminhar para o seu fim (Mc 3,26). E assim que Jesus responde aqueles que 0 avisaram da intengao de Herodes de o matar: «Ide dizer Aquela raposa: vede, Eu expulso os deménios hoje ¢ ama- nha; no terceiro dia terminarei» (Le 13,32). Jesus da aos. Apéstolos o poder de cxpulsar os deménios, em seguida es- tende este poder aos 72 discipulos e, por fim, confere-o a todos os que acreditarem nele. 33 O livro dos Actos testemunha como os apdstolos come- garam a expulsar os deménios depois da descida do Espirito Santo; ¢ assim continuaram os cristios. J4 os mais antigos Padres da lgreja, como por exemplo Justino e Ireneu, ex- poem com clareza o pensamento cristo sobre o deménio e sobre © poder de 0 expulsar, sendo seguidos por outros pa- dres, entre os quais cito Tertuliano ¢ Origenes. Basta citar estes 4 autores para envergonhar tantos te6logos modernos que praticamente nao acreditam nos deménios ou nao falam absolutamente nada sobre eles O Vaticano II lembrou fortemente os ensinamentos con- tidos na Igreja. «Toda a histéria humana é marcada por uma luta tremenda contra o poder das trevas. uma luta comecada desde a origem do mundo» (GS 37). «O homem tentado pe- lo Maligno desde a origem da hist6ria, abusou da sua liber- dade levantando-se contra Deus ¢ desejando conseguir os seus fins sem ter em conta o préprio Deus. Receando re- conhecer Deus como seu principio, o homem violou a ordem estabelecida cm vista ao scu fim ultimo» (GS 13). «Mas Deus enviou 0 seu Filho ao mundo, para, por seu in- termédio, libertar 0 homem do poder das trevas e do dem6- nio» (AG 1,3). Como é que aqueles que negam a existéncia e a actuagao activissima do dem6nio podem compreender a obra de Cristo? Como poderaio compreender o valor da morte redentora de Cristo? Baseando-se nos textos das Es- crituras, 0 Vaticano II afirma: «Cristo pela sua morte liber- tou-nos do poder de Satands» (SC 6); «Jesus crucificado e ressuscitado venceu Satands» (GS 2). Vencido por Cristo, Satandés combate contra aqueles que © seguirem, os fi¢is; a luta contra «os espiritos malignos continua, ¢ duraré, como diz 0 Senhor, até ao ultimo dia» (GS 37). Até 14 todo o homem € envolvido na luta, sendo a vida terrena uma prova de fidelidade a Deus; por isso, «os fiéis devem esforgar-se por resistir ds tentagdes do deménio e fazer-The frente nos dias mais dificeis. Antes de reinar 34 com Cristo glorioso, no fim da nossa vida terrestre, que é uma 86 (nao existe outra prova), compareceremos todos diante do Tribunal de Cristo, para dar contas do que cada um fez de bem ou mal durante a sua existéncia mortal, e no fim do mundo seremos conduzidos: os que fizeram 0 bem para a ressurreigao da vida, os que fizeram o mal para a res- surreigdo da condenagao» (cf. LG 48), Embora esta luta contra Satanés abranja todos os ho- mens e€ todos os tempos, nao ha diivida de que, em certas épocas da histéria, o poder de Satands se faz sentir mais for- temente, pelo menos a nivel comunitario e de pecados em massa. Por exemplo, quando fiz os meus estudos sobre 0 Império Romano do tempo da decadéncia, foi-me posto em destaque o descalabro moral daquela época. A carta de Pau- lo aos Romanos € testemunho fiel e inspirado desse facto. Ora, encontramo-nos no mesmo nfvel devido, entre outras coisas, ao mau uso dos meios de comunicagao social (que em si mesmos s4o bons), assim como ao materialismo e ao consumismo que envenenaram o mundo ocidental. Creio que Leao XII, durante uma visio de que falaremos no fim deste capitulo, recebeu uma profecia relativa a este ataque demoniaco especifico. De que modo 0 deménio se opde a Deus e ao Salvador? Querendo para si 0 culto devido ao Senhor e imitando as instituigdes cristas. E por isso que é anticristo e anti-Igreja. Contra a Encarnagao do Verbo, que redimiu o homem fa- zendo-se Ele préprio homem, Satands serve-se da idolatria do sexo, que degrada o corpo humano e faz dele um instru- mento de pecado. Por outro lado, imitando 0 culto divino, tem as suas igrejas, 0 seu culto, os seus consagrados (muitas vezes com pactos de sangue), os seus adoradores, os segui- dores das suas promessas. Do mesmo modo, tal como Cris- to deu poderes especificos aos Apéstolos, ¢ seus sucessores, destinados ao bem das almas e dos corpos, também Satands da poderes especfficos aos seus seguidores, que visam a 35 perdigao das almas e a doenga dos corpos. Adiantaremos mais sobre estes poderes quando falarmos do maleficio. Ainda uma reflexdo acerca de um tema que merece ser aprofundado: se por um lado é falso negar a existéncia de Satands, também é erréneo, segundo a opiniado mais segui- da, afirmar a existéncia de outras forgas ou entidades espiri- tuais, ignoradas na Biblia e inventadas pelos espfritas, pelos gue cultivam as ciéncias esotéricas ou ocultas, pelos adep- tos da reencarna¢fio ou pelos que defendem a existéncia das chamadas «almas errantes». Nao existem espiritos bons fo- ra dos anjos: nem existem espiritos maus fora dos dem6- nios. As almas dos defimtos vao logo para o paraiso, ou pa- ra inferno ou para 0 purgatério, como foi definido nos dois Concilies (Lyon e Florenga). Os defuntos que se apre- sentam nas sessGes de espiritismo, ou as almas dos defuntos Presentes nos seres vivos, para os atormentar, nao sao senao deménios. As rarfssimas excepgdes permitidas por Deus, sao excepgdes que confirmam a regra. Reconhecemos porém que, neste campo, ainda no foi dada a Ultima pala- vra, € um terreno cuja problematica ainda se encontra em aberto. O Pe. La Grua fala de varias experiéncias verifica- das por ele com almas de defuntos em poder do deménio e avanga algumas hipoteses tendentes a explicar este fenéme- no. Repito: € um terreno ainda a estudar a fundo; proponho- -me fazé-lo noutra ocasiao. Alguns admiram-se da possibilidade que os deménios tém de tentar o homem ou 0 direito de possuir 0 corpe (em- bora a alma, nunca, a nao ser que o homem Iha entregue li- vremente), através da possessao ou vexagao. Sera bom re- cordar aquilo que diz 0 Apocalipse (12,7 ¢ scguintes): «E travou-se uma batalha no céu: Miguel ¢ os seus anjos pele- javam contra o dragio: e este pelejava também, juntamente com os seus anjos, Mas nao prevaleceram, e no se encon- trou para eles mais lugar no céu. O grande dragao, a antiga serpente, o diabe ou Satands como Ihe chamam... foi preci- 36 pitado na terra juntamente com 0s seus anjos.» O dragao vyendo-se precipitado na terra perseguiu «A mulher vestida de sol» de que nasceu Jesus (é clarissimo que se trata da SSma. Virgem) mas os esforgos do dragdo foram em vao. «Foi ent&o fazer guerra ao resto dos seus filhos, os quais guardam os mandamentos de Deus e tém 0 testemunho de Jesus.» Através de tantos discursos de Jodo Paulo TI sobre Sata- nds, refiro uma passagem que disse em 24 de Maio de 1987, durante a visita ao Santudrio de S. Miguel Arcanjo: «Esta luta contra o deménio que trava o Arcanjo S. Miguel é& actual ainda hoje, porque o deménio ainda esta vivo € ope- rante no mundo. Na verdade,o mal que existe, a desordem que reina na sociedade, a incoeréncia do homem, a divisaio interior da qual o homem é vitima, no sao s6 a consequén- cia do pecado original, mas também efeito da acgao devas- tadora e obscura de Satands.» Esta tiltima frase ¢ uma clara alusao @ condenacao de Deus em relagao 4 serpente, conforme vem narrado no Gé- nesis (3,15): «Porei inimizade entre tie a Mulher, entre a tua descendéncia e a descendéncia dela; esta esmagar-te-4 a cabega.» O deménio ja esté no inferno? Quando se trayou a luta entre os anjos e os deménios? Sao interrogagées as quais ndo se pode responder sem ter em conta pelo menos dois factores: que estar no inferno ou nao é mais uma ques- to de estado do que de lugar. Anjos e demOnios sao puros espfritos; para eles a nogao de «lugar» tem um sentido dife- rente do que nés Ihe atribuimos. A mesma coisa vale para a dimensao do tempo; para os espfritos tem um sentido dife- rente do que tem para nos. O Apocalipse conta-nos que os deménios foram precipi- tados na terra; a sua condenagio definitiva ainda nao se ve- rificou, embora seja irreversivel a escolha feita que separou os anjos dos demonios. Conservam ainda um poder autori- zado por Deus embora seja «por pouco tempo». E por isso a) que gritaram a Jesus: «Vieste aqui para nos atormentar an- tes do tempo?» (Mt 8,29). O tinico juiz é Cristo que asso- ciaré a si o seu Corpo Mistico. E assim que se devem inter- pretar as palavras de Sao Paulo: «Nao sabeis que julgaremos os anjos?» (2Cor 6,8). E em razfio deste poder que os pos- sessos de Gerasa se dirigiram a Cristo ¢ «suplicaram-lhe que nao os mandasse ir para o inferno, mas que lhes permi- tisse entrar nos porcos» (Lc 8,31.32). Quando um deménio deixa uma pessoa e ¢ precipitado no inferno, isso é para cle como uma morte definitiva. E por isso que ele se opde com todas as suas forcas. Vai ter ainda que pagar todos os sofri- Mentos que causa As pessoas com um aumento da sua pena eterna. Ao afirmar que 0 juizo definitivo, no que se refere aos dem@nios, ainda nao foi pronunciado, Sao Pedro é mui- to claro quando escreve: «Deus nao perdoou aos anjos que pecaram, € precipitou-os nos abismos tenebrosos do Inferno para serem reserwados para o Juizo» (2Pe 24). Parale- lamente, os anjos verao a sua gloria aumentar pelo bem que fizerem: € por isso que é muito titil invacé-los. Que espécie de incémodos é que o deménio pode causar aos homens, enquanto vivos? Nao é facil encontrar obras que tratem de tal tema porque nao existe, entre outras. coisas, uma linguagem comum, aceite unanimemente. Por isso vou-me esforgar por precisar 0 sentido dos termos que irei empregar aqui e nos outros capitulos do meu livro. Hé uma acgdo vulgar do deménio que toca a todos os homens: consiste em atraf-los para o mal. O préprio Jesus aceitou a nossa condi¢ao humana, deixando-se tentar por Satands. Nao falarei agora desta accdio ncfasta do diabo por- que, embora seja importante, prefiro descrever a accdo ex- iraordindria de Satanas, isto é, aquela que Deus lhe consen- te somente em determinados casos. Esta ac¢fio pode assumir cinco formas diferentes. 1.°— Os sofrimentos fisicos causados por Satands exter- 38 namente. Estes sao os fenémenos que lemos em tantas vi- das de santos. Sabemos como S. Paulo da Cruz, o St.° Cura de Ars, 0 Pe. Pio e tantos outros foram feridos, flagelados, sovados por deménios. Nao me alongarei sobre este tipo de acgao porque nestes casos, nado estando as vitimas sujeitas a uma influéncia interna do deménio, nao tém necessidade de recorrer a exorcismos. $40 pessoas conscientes da si- tuagdo que intervém pela oragao. Prefiro descrever as outras quatro formas de acgao, que interessam directamente aos exorcistas.. 2.° — A possessdo diabdlica. E 0 tormento mais grave & surge quando 0 deménio toma posse de um corpo (nao de uma alma), fazendo-o agir ou falar como ele quer, nao po- dendo a vitima resistir e nao sendo moralmente responsavel por isso. Esta forma de acgao é também a que mais se presta a fenémenos sensacionalistas do tipo daqueles que se veem no filme O Exorcista ou do tipo dos sinais mais espectacu- lares indicados no ritual: falar linguas desconhecidas, de- monstrar uma forga anormal, revelar coisas escondidas. O Evangelho d4-nos um exemplo com 0 possesso de Ge- rasa. E preciso compreender que existe toda uma gama de possess6es, apresentando grandes diferengas quanto & sua gravidade e aos seus sintomas. Seria um grande erro fixar- mO-nos num Unico modelo, Entre tantos pacientes, exorci- zei duas pessoas totalmente possessas que durante a sessio de exorcismo estavam perfeitamente iméveis, sem dizer uma tnica palavra. Poderia citar varios exemplos de pos- sesso com fenomenologias muito diferentes. 3° — A vexagdo diabédlica designa distirbios e doengas mais Ou menos graves que, embora nao cheguem a posses- S40, ocasionam uma perda de consciéncia, acompanhadas de actos ou de articulagao de palavras de que a vitima nao é responsavel. A Biblia fornece-nos alguns exemplos. Job nao era vitima de uma possessao diabélica mas os seus 39 filhos, os seus bens e a sua satide foram duramente afec tados. Também a mulher encurvada e o surdo-mudo cura- dos por Jesus nao tinham uma possessao diabélica total, mas a presenga de um demOnio estava na origem dos seus problemas 8. §. Paulo ndo era com certeza um ende- moninhado, contudo era vitima de uma vexacao diabdlica que consistia num distirbio maléfico: «E para que a grande- za das revelacdes me nao enobrecessem, foi-me dado um es- pinho na carne (tratava-se cvidentemente de um mal fisico), um anjo de Satands para me esbofetear» (2Cor 12,7); nao ha diivida de que a origem deste mal era maléfica. As possess6es ainda hoje so muito raras; contudo, os exorcistas deparam-se com um grande nimero de pessoas feridas pelo deménio na satide, nos bens, no trabalho, na vi- da afectiva.... E preciso ficar claro que o facto de diagnosti- car a origem maléfica destes males (isto 6, de saber se se trata de uma causa maléfica ou nao) e de a curar, nao é de modo nenhum mais simples do que o de diagnosticar e curar as verdadeiras possess6es; pode ser diferente 0 nivel de gravidade, mas nao a dificuldade em interpretar 0 fend- meno, nem 0 tempo necessario para o curar. 4°— A obsessao diabélica. Trata-se de ataques de im- proviso, por vezes contfnuos, de pensamentos obsessivos podendo ir até ao racionalmente absurdo; mas de tal modo que a vitima nao tem capacidade para se libertar. Por causa disto, a pessoa cativa vive num continuo estado de prostra- ¢ao, de desespero, de tentagao de suicidio. As obsessdes também influenciam quase sempre os sonhos. Dir-me-ao que se trata de estados morbidos, da competéncia da psi- quiatria. Todos os outros fenémenos também se podem ex- plicar pela psiquiatria, pela parapsicologia ou ciéncias simi- lares; no entanto, existem casos que escapam totalmente a estas ciéncias e que revelam, pelo contrario, sintomas con- cretos de causas maléficas ou presengas maléficas. S6 um 40 trabalho teGrico ¢ pratico permite aprender a distinguir cstas diferengas. 5.° — Falemos por fim das infestagdes diabélicas: das casas, dos objectos, dos animais. Nao me vou deter sobre este tema, uma vez. que vou fazer alusao a cle ao longo do livro. Basta frisar 0 sentido que dou ao termo infestagao. Prefiro nao o apliear as pessoas, em relagdo as quais utilizo antes OS lermos: possessdo, vexagao, obsessio. Como € que nos podemos defender contra todos estes males possiveis? Diga-se de imediato que, e muito embora a consideremos uma norma imperfeita, os cxorcismos 56 sao necessdrios, em rigor, segundo o Ritual, para os casos de possessao diabdlica propriamente dita, Ora nds, os exor- cistas, na realidade ocupamo-nos de todos os casos de in- fluéncia maléfica. No entanto, para os outros casos que néo sejam os de possessao deveriam bastar os meios de graga comuns: a oracad, os sacramentos, a caridade, a vida crista, o perdido das ofensas, 0 constante recurso ao Senhor, a Vir- gem Maria, aos santos ¢ aos anjos. E é sobre este dltimo ponto que desejo deter-me. E com agrado que terminamos este capitulo sobre o dem6nio, adversario de Cristo, falando dos anjos: sao os nossos grandes aliados; devermos-lhes tanto que é um erro falar-se tio pouco deles. Cada um de nds tem 0 seu Anjo da Guarda, amigo fidelissimo 24 horas por dia, desde o nas mento até 4 morte. Protege-nos incessantemente a alma eo corpo; e nés, a maior parte do tempo nem sequer pensamos nisso. Sabemos também que as nag6es tem o seu anjo parti- cular, assim como, sem dtivida, também ha um para cada comunidade e por certo para cada familia, ainda que niio te- nhamos certezas. Sabemos no entanto que os anjos sio nu- meros/ssimos € estéo desejosos de nos fazer bem, um bem Superior ao mal que os demdnios se esforgam por nos fligir e pelo qual nos tentam arruinar. Al A Escritura fala-nos muitas vezes acerca dos anjos nas varias missGes que o Senhor thes confia. Conhecemos 0 no- me do principe dos anjos, S. Miguel: ha também entre os anjos uma hierarquia baseada no amor e regida por aquele influxo divino «em que a sua vontade é a nossa paz» ,como dizia Dante. Conhecemos também o nome de outros dois Arcanjos: Gabriel e Rafael. Um apécrifo acrescenta um quarto nome: Uriel. Através da Eseritura conhecemos a subdivisio dos anjos em nove coros: Inagées, Potestades, Tronos, Principados, Virtudes, Anjos, Arcanjos, Querubins, Serafins. O crente que sabe que vive na presenga da Ssma. Trindade anseia por t€-la dentro de si; sabe que é continua- mente assistido por uma mae, que ¢ a propria Mae de Deus; sabe que pode contar com a ajuda dos anjos e dos santos; como é que se pode sentir s6, ou abandonado, ou mesmo oprimido pelo mal? Na vida do crente ha lugar para a dor, porque é a via da cruz que salva; mas nao hd lugar para a tris- teza. Esté sempre pronto a dar testemunho a quem quer que 0 interrogue sobre a esperanga que o anima (cf. | Pe 3,15). E claro que, embora o crente deva também ser fiel a Deus, deve temer o pecado. E este 0 remédio em que se fundamenta a nossa forga, a ponto de S. Jodo nao hesitar em dizer: « Nao esquegamos que a Biblia também nos fornece exemplos de factos extraordindrios idénticos, realizados por Deus ¢ pelo deménio. Alguns dos prodigios que Moisés 47 realizou por ordem de Deus diante do Fara6 sao realizados igualmente pelos magos da corte. Eis porque, quando se tra- ta de fenémenos deste género, nao basta ter em conta o fac- to em si: é preciso coloca-lo no seu contexto para determi- nar a causa, Devo acrescentar que acontece, muitas vezes, as pessoas atingidas por distirbios maléficos possuirem uma «sensi- bilidade» particular: apreendem imediatamente se uma pes- soa tem negatividades, predizem acontecimentos futuros, tém uma tendéncia muito clara para querer impor as m&os sobre individuos psiquicamente frageis. Tém por vezes também a impressao de poder influir em assuntos do seu proximo, desejando-Ihe mal com uma maldade que esta ne- les proprios, quase com prepoténcia. Constatei que é preciso opor-se e vencer todas estas in- clinagdes, para poder obter a cura. 48 Os exorcismos «Aqueles que acreditarem, em meu nome expulsarao os deménios...» (Mc 16,17): este poder que Jesus concedeu a todos os que créem ainda permanece valido. E um poder geral baseado na Fé e na ora¢ao. Pode ser exercido indivi- dualmente ou na comunidade. E sempre possivel e nao re- quer nenhuma autorizagao. Fazemos aqui uma precisao de terminologia: neste caso trata-se de oragdes de libertagdo, nao de exorcismos. A fim de reforgar a eficdcia deste poder conferido por Cristo, e de proteger os fiéis contra os charlaties e os magi- cos, a Igreja instituiu um sacramental — 0 exorcismo — que 86 pode ser ministrado pelos bispos. ou pelos sacerdotes que tenham recebido dos bispos uma licenga especffica (portanto nunca pelos leigos), Eo que estabelece 0 direito canénico (can. 1172) lembrando-nos igualmente como os sacramentais sao apoiados pela fora das oragdes de impe- tragao da Igreja, diferentes das oragées privadas (can. 1166), e deve ser administrado respeitando escrupulosa- mente os ritos ¢ as formulas aprovadas pela Igreja (can. 1167). A designagao de exorcista sé se aplica, portanto, aos sa- cerdotes autorizados e aos bispos exorcistas (se os houver!). E um nome inflaccionado. Assiste-se actualmente a uma in- flagdo neste dominio e fala-se de exorcistas «a torto e a di- Teito». Muitos sacerdotes e leigos dizem-se exorcistas em- bora nao o sejam. E ha muitas pessoas que afirmam fazer exorcismos, embora s6 fagam oragGes de libertagdo, e até 49 por vezes 0 que fazem € magia... Sd é exorcismo o sacra- mental institutdo pela Igreja, Esta denominagao, em qualquer outro caso, €, segundo 0 meu ponto de vista, muito equivoca e pode desorientar. E correcto chamar exorcismo simples ao que esta inserido no Baptismo e exorcismo solene ao Sacramental reservado aos exorcismos. E assim que se exprime o Novo Catecismo. Pa- rece-me incorrecto qualificar de exorcismo privado ou vulgar uma oracdo que nao é verdadeiramente um exorcismo, mas simplesmente uma oracdo de libertacdo, e que, por isso, s6 deve ser denominada assim. O exorcista deve-se orientar pelas oragdes do Ritual. O exorcismo apresenta uma diferenga em relagao aos outros sacramentais: pode durar apenas alguns minutos ou prolon- gar-se por algumas horas. Portanto, nao € necessario rezar todas as orag6es do Ritual e podem acrescentar-se muitas. outras, conforme o préprio Ritual sugere. O exorcismo visa um duplo objectivo: propde-se libertar 0S possessos. Este aspecto é evidenciado em todos os livros dedicados a este assunto. Mas, antes de tudo, tem a finalida- de de diagnosticar o mal. Esta finalidade, no entanto, mui- tas vezes é ignorada. Fi verdade que antes de actuar, 0 exor- cista interroga a pessoa que sofre ou os seus familiares a fim de determinar se existem condigdes para administrar 0 exorcismo. Mas é igualmente yerdadeiro que sé mediante 0 exorcismo se pode saber com exactidao se existe uma inter- vengao diabélica ou nao. Todos os fenémenos que se pro- duzem, ainda que sejam estranhos ou aparentemente inex- plicdveis, podem, com efeito, ter uma explicagao natural. Mesmo a associacao dos fenémenos psiquidtricos e parapsi- coldgicos nao é suficiente para estabelecer um diagnéstico. 86 por meio do exorcismo é que se pode ter a certeza de estar perante uma intervencao diab6lica ou nao. Neste ponto é necess4rio aprofundar um pouco mais um assunto que, infelizmente, nao é sequer mencionado no 50 Ritual e que é desconhecido daqueles que escreveram sobre esta questo. Como ja afirmdmos, 0 exorcismo tem, sobretudo, um efeito de diagndstico, quer dizer, permite verificar se os dis- tirbios de um individuo tém uma origem maleéfica e se na verdade existe uma presenga maléfica na pessoa. Para se- guir uma ordem, a primeira operagao a fazer-se é esta, em- bora o principal objectivo do exorcismo consista em libertar a vitima duma presenga maléfica ou de perturbagdes malé- ficas. No entanto, é essencial ter em conta esta sequéncia légica (primeiro o diagnéstico e em seguida acura) a fim de avaliar correctamente os sinais com base nos quais 0 exor- cista se deve fundamentar. Podemos afirmar que os sinais verificados antes, durante e depois do exorcismo, assim como a evolugao dos sinais no seguimento dos diferentes exorcismos, sao dados muito importantes. Parece-me que o Ritual, ainda que o faga de forma indi- recta, concede uma certa importancia a esta sucessdo, uma vez que dedica uma norma (n.° 3) a prevenir 0 exorcista de que uma presenga demonjaca nao se revela facilmente; de- dica varias regras com vista a prevenir 0 exorcista dos diferentes truques empregues pelo demdnio para esconder a sua presenga. N6s, os exorcistas, pensamos que é justo e importante ter 0 cuidado de nao nes deixarmos levar pelas ciladas dos doentes mentais, dos manfacos e de todos os que ndo tém nenhuma presenga diab6lica nem nenhuma necessidade de exorcismos. No entanto, é necessdrio igual- mente assinalar o perigo inverso, que é cada vez mais fre- quente e que devemos temer: o perigo de nao saber re- conhecer a presenga maléfica e, por consequéncia, nao recorrer ao exorcismo quando ele é necessdrio. Eu, assim como todos os outros exorcistas com quem conversei, re- Conhe¢o que um exorcismo a mais, mesmo sem ser ne- Cessario, nunca fez mal (todos procedemos, na primeira vez e em casos de diivida, por meio de exorcismos bastante SL breves pronunciados em voz baixa e susceptiveis de se confundir com simples béngdos). Por isso nunca tivemos ocasiao de lamentar o facto de ter utilizado 0 exorcismo. Pelo contrario, sentimo-nos culpados dos casos em que omitimos 0 exorcismo, por nao termes sabido reconhecer a presenga do demGnio, vindo este a manifestar-se mais tarde, através de sinais evidentes, numa altura em que essa pre- senca jd estava muito mais arreigada. Insisto, portanto, na importancia e no valor dos sinais: nao € necessdrio que sejam numerosos e indubitaveis para que se proceda a um exorcismo. Se durante o exorcismo novos sinais se manifestam, logicamente prolongar-se-4 0 tempo necessdrio, devendo contudo 0 primeiro exorcismo ser relativamente breve. Pode acontecer que, durante 0 exorcismo nao se manifeste nenhum sinal, mas que 0 pa- ciente indique ao exorcista que sentiu efeitos notaveis (ge- ralmente benéficos). Entaéo 0 exorcista decide repetir 0 exorcismo; e, se estes efeitos persistem, acontece, segura- mente, que mais tarde ou mais cedo também se manifestam sinais durante o exorcismo. E muito ttil observar a evolu- go dos sinais 4 medida que se efectuam os varios exorcis- mos. Uma baixa progressiva desses sinais corresponde a um inicio de cura, enquanto que uma manifestagao crescen- te, revestindo formas totalmente imprevisfveis, significa que esta a aflorar o mal que estava escondido e que, s6 quando aflorar totalmente, € que comegara a retroceder. Compreende-se entao agora como é errado pensar que um exorcismo nao se pode fazer senao em presenga de si- nais evidentes de possessao. Contudo, também é fruto de total inexperiéncia pensar que estes sinais se manifestam antes do exorcismo, uma vez que, na maior parte das vezes, eles nao aparecem senao durante ou no fim dum exorcismo, ou até mesmo depois de uma série de exorcismos. Tive casos em que foram necessdrios anos de exorcismo para que o mal se revelasse em toda a sua gravidade. E inutil Bi querer classificar os diferentes casos segundo modelos standard. Todo aquele que tem uma grande experiéncia neste dominio sabe, certamente, que as manifestagdes de- monjfacas revestem formas muito variadas. Por exemplo, eu ¢ todos Os exoreistas com quem falei compreendemos um facto significatiyo: os trés sinais indicados no Ritual como sintomas da possessao — falar linguas desconhecidas, pos- suir uma forga sobre-humana, conhecer coisas ocultas — sao sempre manifestagdes durante os cxorcismos ¢ nunca antes. Teria sido completamente imttil esperar que estes si- nais se manifestassem para poder proceder aos exorcismos. Acrescentemos que nem sempre € possivel estabelecer um diagnéstico seguro. Ha casos que nos deixam perple- X08; OS casos mais dificeis de resolver sao aqueles em que nos encontramos confrontados com individuos com proble- mas psiquicos e influéncia maléfica ao mesmo tempo. Nes- tes casos € extremamente titil associar a acgao do exorcista a do psiquiatra. O Pe, Candide chamou vérias vezes 0 pro- fessor Mariani, médico chefe responsdvel de uma famosa clinica para doentes mentais em Roma, para assistir aos seus exorcismos. Outras vezes, foi o professor Mariani que convidou o Pe. Candido a ir a sua clinica para examinar e, eventualmente, colaborar na cura de certos pacientes. Faz-me rir certos pretensiosos tedlogos modernos que afirmam como sendo uma grande novidade o facto de certas doengas se poderem confundir com a possesso diabélica. Certos psiquiatras ou parapsicélogos estao nas mesmas circunstancias: pensam ter «descoberto a América» ao pro- ferir tais afirmages. Se fossem um pouco mais instrufdos saberiam que as autoridades eclesiasticas foram as primei- Tas a pOr os tedlogos de sobreaviso contra esse possivel erro. Nos decretos do Sfnodo de Reims de 1583, a Igreja ja tinha chamado a atencZio para este possivel equivoco afir- mando que, certas manifestacdes, consideradas como sinais de possessao diabélica, poderiam, com efeito, ser apenas 53 sintomas de doengas mentais. Nessa época, porém, a psi- quiatria ainda nao tinha nascido e os tedlogos acreditavam no Evangelho. Para além do diagnéstico, o exorcismo tem como objec- tivo curar e libertar os pacientes. E af que se inicia um per- curso muitas vezes dificil e longo. F indispensavel que o sujeito colabore. E muitas vezes esta impedido de o fazer; deve rezar muito e ndo consegue; tem de receber frequente- mente os sacramentos ¢ muitas vezes nao é capaz; para che- gar a um exorcista a fim de receber 0 sacramental tem por yezes que transpor obstéculos que parecem insuperdveis. Tem muita necessidade de ser ajudado e, em vez disso, na maior parte dos casos, nao € compreendido por ninguém Quanto tempo ¢ necessério para libertar uma pessoa que estd sob 0 jugo do dem6nio? Ninguém pode responder a es- ta questo. E o Senhor quem liberta, quem age com a sua divina liberdade, tendo também certamente cm conta as oragdes, especialmente as que lhe sao dirigidas por inter- cessio da Igreja. Duma maneira geral, pode-se dizer que o tempo necessdrio a libertagdo depende da forga inicial da possessao diabdlica e do tempo que passou entre esta e 0 exorcismo. Tive o caso de uma jovem de 14 anos, sob 0 jugo do de- mé6nio apenas ha alguns dias, que parecia furiosa: dava pon- tapés, mordia, arranhava. Um quarto de hora de exorcismo foi o suficiente para a libertar completamente. Numa pri- meira fase, caiu no chao, inanimada, de tal forma que me lembrei daquela passagem do Evangelho em que Jesus li- bertou aquele jovem que os Apostolos nao tinham conse- guido libertar. Mas no fim de alguns minutos, a rapariga re- cuperou os sentidos ¢ j4 corria no patio brincando com o seu irmaozinho, Este género de casos sao rarissimos ou entéo acontecem quando a intervengdo maléfica é muito ligeira. A maior par- te das vezcs o cxorcista enfrenta situagdes penosas porque, 54 geralmente, nunca ninguém pensa em levar uma pessoa logo ao exorcista. Vejamos um caso tipico: uma crianga ma- nifesta sinais estranhos € os pais nao se questionam nem dao nenhuma importancia, pensando que com a idade tudo entrard na ordem. E preciso dizer que de inicio os sintomas sao muito ligeiros. Depois, quando os fendémenos se agra- vam, OS pais dirigem-se aos médicos: experimentam um, depois outro, sempre sem resultado. Visitou-me uma rapari- ga de 17 anos que jd tinha estado na Clinica mais famosa da Europa. Por fim, aconselhada por um amigo ou por um «esperto» qualquer que suspeitou que no se trataria de um mal de origem natural, foi-lhe sugerido reeorrer a um bruxo. A partir desse momento, o mal inicial multiplicou-se por dez. Sé por acaso e aconselhada nao se sabe por quem (quase nunca por um padre...) recorreu a um exorcista. 86 que, entretanto, j4 tinham decorrido varios anos e o mal tinha-se «enraizado» cada vez mais. E por isso justamente que o primeiro exorcismo fala de «desenraizar e por em fuga» o deménio, Quando chega a este ponto sao necess4- rios muitos exorcismos durante varios anos, e nem sempre se chega a libertagaio. Entretanto repito: 0 tempo estd nas maos de Deus. A fé do exorcista e do exorcizado sdo um factor muito importan- te. Ajudam também as orages do interessado, da sua famf- lia, de outras pessoas (religiosas de clausura, comunidades Paroquiais. grupos de oragao, especialmente aqueles grupos que fazem oragao de libertagao) e ajuda muitissimo o uso dos sacramentais previstos para este efeito, usados oportu- namente para os fins indicados pelas oragdes de béngao: gua exorcizada, ou pelos menos benzida, dleo exorcizado, sal exorcizado. Para exorcizar a dgua, 0 dleo ¢ o sal nao é indispensdvel a intervengiio dum exorcista, qualquer sacer- dote © pode fazer. Mas deve procurar-se um que acredite e que saiba que estas béngaos especificas existem no Ritual. Contam-se pelos dedos os sacerdotes que esto ao corrente 55 destas coisas. A maioria nao as conhece e faz troga dos pe- didos que Ihes so feitos para este fim. Mais tarde voltare- mos a estes sacramentais. O recurso frequente aos sacramentos € uma conduta de vida conforme ao Evangelho sio de uma importancia capi- tal. Pode constatar-se o poder do tergo e, em geral, 0 recurso 4 Santa Virgem; a intercessao dos anjos e dos santos ¢ mui- to poderosa: as peregrinagdes aos santudrios, que muitas vezes so os locais que Deus escolheu para a libertag4o pre- parada nos exorcismos, também sao de cxtrema utilidade. Deus ofereceu-nos variadissimos instrumentos de graga; est4 mas nossas maos fazer uso deles. Quando o Evangelho narra as tentagdes de Cristo por parte de Satans, especifica que Jesus responde sempre ao demGnio tomando uma frase da Biblia. A Palayra de Deus é de grande eficdcia, assim como a oragao de louvor, quer seja espontanea, quer seja retirada da Biblia: os Salmos ¢ ox cfnticos de louvor a Deus. Apesar de tudo isto, a eficacia do exorcismo supée sem- pre uma grande humildade da parte do exorcista, porque se apercebe do scu nada ~ quem opera é Deus. Além disso, 0 exorcista e 0 exorcizado sdo submetidos a rudes provas de desencorajamento; os resultados palpaveis sao muitas vezes lentos ¢ fatigantes. Por outro lado, observam-se grandes frutos espirituais que ajudam em parte a compreender porgue é que o Senhor permite estas provas tio dolorosas. Caminha-se na obscuridade da fé, sabendo-se que se vai em direcgao a verdadeira luz. Lembremos a importancia protectora das imagens san- tas, tanto usadas pela propria pessoa como nos locais onde habita: na porta da casa, nos quartos, na sala de jantar ou onde a familia se retine habitualmente. A imagem santa su- gere nao a ideia pagd duma coisa que da sorte, mas 0 con- ceito de imitagao da figura representada e a protecgao que Se invoca, Acontece-me muitas vezes entrar em casas que 56 apresentam a entrada da porta um enorme chifre, e depois percorter as diversas divisdes para as benzer e encontrar pouquissimas imagens de santos. E um erro grave. Lembre- mo-nos do exemplo de S. Bernardino de Sena que cada vez. que ia a casa de alguém, persuadia as famflias a colocar sobre a porta um medalhao com a sigla do nome de Jesus (JHS, que quer dizer: Jesus Hominum Salvator, Jesus Salvador dos Homens). Constatei em varias ocasides a eficdcia das medalhas que as pessoas usam com fé. Bastaria falar da Medalha Mi- lagrosa com milhares de exemplares difundidos no mundo depois da aparigao da Virgem a Sta. Catarina de Labouré (em Paris, 1830). Se faldssemos das gragas prodigiosas re- cebidas através dessa simples medalhinha, nunca mais aca- bariamos. Ha varios livros que mencionam estes factos em detalhe. Um dos episddios de possessao diabdlica mais conheci- do, relatado em varias obras, devido 4 documentagao histé- rica exacta que nos transmitiu este facto,é a que se refere aos irmaos Burner, de Illfurt (Alsdcia) que foram libertados gragas a uma série de exorcismos em 1869. Um dia, entre as numerosas catéstofres ocasionadas pelo deménio, virou- -Se a Carroga que transportava o exorcista, acompanhado por um monsenhor e uma religiosa. Mas o deménio nao conseguiu levar 0 seu projecto até ao fim porque, no mo- mento da partida, tinha sido dada ao cocheiro, para protec- cao, uma medalha de S. Bento que ele tinha guardado no bolso com grande devogao. Por fim lembro os quatro pardgrafos que o Catecismo da Igreja Catélica dedica aos exorcismos. Lidas em sequéncia, oferecem um desenvolvimento bem ordenado. No n.? 517, falando de Cristo Redentor, recorda as suas. Curas € 08 seus exorcismos. O ponto de partida é 0 que Jesus fez. No n.° 550, afirma que a vinda do Reino de Deus assina- oi la o fim do Reino de Satanas e refere as palavras de Jesus: «Se Eu expulso os deménios por virtude do Espfrito de Deus, é porque chegou a vés o Reino de Deus.» E esta a fi- nalidade dos exorcismos: com a libertagao dos endemoni- nhados é demonstrada a vitéria total de Cristo como o prin- cipe deste mundo. Os dois pardgrafos seguintes especificam a dupla utili- zagdo seguida nos exorcismos: como uma componente no Baptismo e como poder de libertacao dos possessos. No n.” 1237, recorda-se que, uma vez que 0 Baptismo li- berta do pecado e da escravidio de Satands, durante o ritual € pronunciado um ou mais exorcismos sobre 0 candidato que, explicitamente, renuncia a Satanas. No n.° 1673, afirma-se que, com 0 exorcismo, a Igreja pede publicamente e com autoridade, em nome de Jesus Cristo, que uma pessoa ou um objecto sejam protegidos contra a influéncia do Maligno e sejam subtraidos ao seu dominio. O exorcismo tem como objectivo expulsar os de- ménios ou libertar da influéncia demoniaca. ‘Chamo a atengao para a importancia deste paragrafo que preenche duas lacunas existentes no Ritual e no Direito Ca- nonico. Na verdade nao fala apenas em libertar as pessoas, mas também os objectos (termo genérico que pode abran- ger casas, animais, coisas, de acordo com a tradigfio). Por outro lado, aplica o exorcismo nao sé a possessiio, mas tam- bém 4 influéncia demonfaca 58 As vitimas do maligno Perguntam-me muitas vezes se sao muitas as vitimas do Maligno. Penso que a este propésito, ainda podemos citar como maxima a opinido do jesufta francés Tonquédec, exorcista célebre: «Hd um grande némero de infelizes que, embora nao apresentando nenhum sinal de possessdo diabé- lica, recorrem ao ministério do exorcista para serem liber- tados dos seus sofrimentos: doengas rebeldes, adversidades, desgragas de todas as espécies. Os possessos sao rarissimos, mas os infelizes sao legides.» Esta observagao ainda é valida se se considerar a grande diferenga que ha entre os verdadeiros possessos e os que procuram uma palavra segura da parte do exorcista devido & acumulacao das suas desgragas. No entanto, hoje, € preciso ter em conta muitos factores novos que nao existiam na época em que o Pe. Tonquédec escreveu. A minha expe- riéncia directa leva-me a afirmar que estes novos factores estao na origem do aumento considerdvel das vitimas do Maligno. Em primeiro lugar analisemos a situagdo do mundo consumista do ocidente em que 0 sentido materialista e hedonista da vida fez com que muita gente perdesse a fé. Penso que, sobretudo em Itélia, uma grande parte da culpa cabe ao comunismo e ao socialismo que, com as doutrinas marxistas, dominaram nestes tiltimos anos a cultura, a edu- cagao e o mundo do espectaculo, Em Roma, por exemplo calcula-se que s6 12% dos habitantes yao 4 Missa ao Do- mingo. E matematico: onde a religiao se cala, cresce a su- 59 persti¢ao. Dai a difusao, especialmente entre os jovens, da pratica do espiritismo, da magia e do ocultismo. E ainda o yoga, o zen e a meditagdo transcendental: tudo praticas fundamentadas na reencarnagdo, na dissolugao da pessoa humana na divindade, ou pelo menos em doutrinas inaccité- veis para um cristo. Ja nao se torna necessério ir a india para seguir os ensinamentos de um guru: eles encontram- -se em todas as esquinas. Estes métodos aparentemente inofensivos conduzem muitas vezes a estados de alucinaga0 ou de esquizofrenia. Juntemos a isto a nociva proliferagao das seitas, algumas das quais declaram abertamente a sua obediéncia a Satands. A magia € 0 espiritismo sao incentivados por intermédio da televisio. Encontram-se mesmo livros especializados nos quiosques, e o material para a pratica da magia é difun- dido, podendo até ser vendido por correspondéncia. Acres- cente-se ainda os jornais ¢ os espectaculos de horror em que a0 sexo ¢ A violéncia se alia mesmo um sentido de perfidia saténica e a difusdo de certas mtisicas de massas que inva- dem o ptblico até a obsessao. Fago agui muito particular- mente referéncia ao rock satanico ao qual Piero Mantero consagrou a sua obra intitulada Sarana e¢ lo Stratagemma della Coda (Edigées Segno, Udine, 1988). Convidado a falar em varias escolas superiores, ele fez referéncia a es- pectacular incidéncia que estes vefculos de Satands tém so- bre os jovens. E incrivel observar até que ponto diversas formas de espiritismo e de magia se espalharam dentro das universidades e das escolas, O mal generalizou-se mesmo Nos pequenos centros. me impossivel deixar no siléncio o facto de muitos ho- mens de Igreja se desinteressarem totalmente destes proble- mas, deixando os fiéis expostos e sem a minima defesa. Acho que foi um erro eliminar quase totalmente os exorcis- mos do rito do Baptismo (¢ parece que o préprio papa Pau- lo VI também era desta opiniao); acho um erro ter-se supri- 60 mido, sem a substituir, a oragao a S$. Miguel Arcanjo que se rezava no fim de todas as Missas. Acho sobretudo uma falta imperdodvel —e refiro-me aos bispos — 0 facto de terem dei- xado extinguir toda a pastoral relativa aos exorcismos: cada diocese deveria ter, pelo menos, um exorcista na sua sé ca- tedral e devia haver um nas Igrejas mais frequentadas e nos santudrios. O exorcista hoje é considerado um ser raro, quase impossfvel de encontrar, embora a sua actividade tenha um valor pastoral indispensdvel uma vez que apoia a pastoral dos que pregam, dos que confessam, dos que admi- nistram Os outros sacramentos. A hierarquia catélica deve confessar o seu mea culpa. Eu conhe¢o muitos bispos italianos, mas néo conhego nenhum que tenha feito exorcismos ou assistido a exorcismos e que esteja realmente consciente deste problema. Nao hesitaria em repetir aquilo que jé declarei noutras ocasiGes: se um bispo, depois de uma série de pedidos (nao feitos por um desiquilibrado, claro), nao procede pessoalmente ao exor- cismo ou nao delega num padre para o fazer, comete um grave pecado de omissao. Assim, encontramo-nos na condi- cao de ter perdido a escola: antigamente 0 exorcista com pratica instrufa o exorcista aprendiz. Mas voltarei depois a este ponto. Este tema voltou a ser alvo de atengio, gragas ao cine- ma. Em 2 de Fevereiro de 1975, a Rédio Vaticano entrevis- tou William Friedkin, realizador do filme O Exorcista,¢ 0 tedlogo jesuita Thomas Bemingan, conselheiro técnico. O realizador afirmou ter querido contar uma histéria inspiran- do-se num romance cujo tema se baseava num facto real ocorrido em 1949, mas preferiu nao se pronunciar sobre a questéo de saber se se tratava ou nao de uma verdadeira Ppossessao diabdlica, contentando-se em dizer que isso era um problema para os tedlogos, e nao para ele. Quando perguntaram ao padre jesufta se esta obra era um simples filme de terror ou qualquer coisa doutra natureza, 61 este nao hesitou em optar pela segunda hipétese. Funda- mentando-se no enorme impacto que o filme teve sobre o pablico do mundo inteiro, afirmou que, com excepgao de alguns detalhes espectaculares, o filme tratava do problema do mal com muita seriedade, Além disso reavivou o interes- se pelos exorcismos, que estayam muito votados ao esque- cimento. Para além das ciladas normais, como é 0 caso das tenta- des que atingem toda a gente, como se pode cair nas cila- das extraordindrias armadas pelo deménio? Pode cair-se nelas consciente ou inconscientemente, isso depende dos casos. Existem pelo menos quatro causas essenciais: porque Deus o permite; porque se é vitima de um maleficio; porque se vive em estado grave e endurecido de pecado; porque se frequenta locais ou se est4 com pessoas maléficas. 1 — Porque Deus o permite. Sejamos claros: nada acon- tece sem a permissao de Deus. Por outro lado, claro que Deus nunca quer o mal, embora o permita quando somos nds a queré-lo (Ele criou-nos livres), e sabe tirar o bem até do mal. Neste primeiro caso, nao ha qualquer culpa huma- na, mas unicamente uma intervengao diabélica. Conforme Deus permite habitualmente a acgao normal de Satands (as tentagdes), dando-nos a todos as gragas para resistir a ela e tirando daf méritos, se formos fortes, também pode permi- tir, algumas vezes, a accao extraordindria de Satands (pos- sessa0 ou perturbagdes maléficas) a fim de exercitar 0 ho- mem na humildade, na paciéncia e na mortificagao. Podemos lembrar duas situagGes j4 mencionadas: quan- do hd uma aegao externa do dem6nio que provoca sofri- mentos fisicos (tais como as pancadas e as flagelagdes so- fridas pelo St.° Cura d’ Ars ou pelo Pe. Pio); ou quando € autorizada uma verdadeira infestagdo, como dissemos a propésito de Job e de S. Paulo. A vida de numerosos santos apresenta exemplos deste tipo. Entre os da nossa época, cito dois beatificados por 62 Joao Paulo II: o Pe. Calabria e a irma Maria de Jesus Cruci- ficado (a primeira drabe beatificada). Embora em nenhum dos casos tivesse havido culpa humana (nem por faltas cometidas pelos préprios nem por maleficios feitos por outros) tiveram perfodos de verdadeira e confirmada pos- sessao diabélica, durante os quais estes dois bem-aventura- dos disseram e fizeram coisas contrarias 4 sua santidade, sem que fossem minimamente responsaveis por tal , pois era o deménio gue agia servindo-se dos seus membros. 2 — Porque se é vitima de um maleficio. Igualmente, neste caso a culpa nao é da parte de quem € vitima deste mal. No entanto, hé uma participagao humana, ou seja, uma. culpa humana da parte daquele que faz ou manda fazer o maleficio a um bruxo, Falaremos disso mais em pormenor num capftulo posterior. Por agora sera suficiente dizer que 0 maleficio consiste em prejudicar alguém através da inter- vencdo do deménio, Pode revestir diferentes formas: amar- ragao, mau olhado, maldigao... Mas confirmamos que 0 meio mais utilizado é a bruxaria, (0 chamado «trabalho») e que esta é responsivel pela maioria dos casos de possessio ou outras perturbacées maléficas. Na verdade nio sei como é que conseguem justificar-se os eclesiasticos que afirmam nao acreditar em bruxarias e ainda tenho mais dificuldade: em compreender em que medida é que podem socorrer os fiéis que lhes aparecem incomodados com estes males. Algumas pessoas admiram-se que Deus permita tais coisas. Deus criou-nos livres e nunca renega as suas criatu- Tas, mesmo as mais perversas. No fim faz as suas contas e dé a cada um o que merece, porque cada homem sera jul- gado segundo as suas obras. Entretanto, podemos usar bem a nossa liberdade e receber méritos por isso, ou podemos usd-la mal e ter culpas. Podemos ajudar os outros ou preju- dicd-los através de intimeras formas de mal, sendo 6 mais grave o de pagar a um assassino para que mate uma pessoa. Deus nao age para o impedir. Pode também pagar-se a um 63 bruxo ou a um feiticeiro para que ele faga um maleficio a uma pessoa. Neste caso também no esta previsto que Deus © impega, ainda que na realidade o faga muitas vezes. Por exemplo quem vive na graga de Deus e reza com fervor est4 muito mais protegido do que aquele que nao pratica ou, pior ainda, que vive habitualmente em estado de pecado. Digamos que, como ja tivemos ocasido de repetir, 0 do- minio das bruxarias e dos outros maleficios constitui o paraf- so dos vigaristas. Reina a mentira ¢ a verdade é a excepgao. Terreno de predilec¢ao dos vigaristas, este sector também atrai muito as pessoas sugestiondveis ¢ as mentes fracas, Por isso é importante que 0 exorcista assim como todas as pessoas de bom senso se mantenham atentas. 3— Porque se vive em estado grave e endurecido de pe- cado, Abordemos a causa que infelizmente no tempo em que vivemos esté num crescendo e em consequéncia disso est também num crescendo © ntimero de pessoas vitimas do deménio. No fundo 0 verdadeiro motivo é sempre a falta de fé. Quanto mais a fé diminui, mais a superstigao aumen- ta: € um fenémeno por assim dizer matematico. Creio que © Evangelho nos propde um exemplo emblematico na figura de Judas. Era ladrao. Nao se imagina quantos esfor- gos fez Jesus para o corrigir e o pér no bom caminho, obtendo sempre recusas e obstinag’o nesse vicio, chegando mesmo ao ctimulo de perguntar: «Quanto me pagareis se vo-lo entregar? E eles prometeram-lhe trinta moedas de prata» (Mt 26,15). E pode ler-se esta frase terrivel, durante a Ceia: «E entao, Satands entrou nele» (Jo 13,27). Trata- -se sem sombra de diivida, de uma verdadeira possessio diabélica. No estado actual de desmembramento das familias, aten- di casos em que as vitimas eram pessoas que tinham uma vida matrimonial desordenada, além de outras faltas. Rece- bi mulheres que, além de outros, tinham cometido varias vezes o crime do aborto. Tive casos de pessoas que além de 64 perversdes sexuais aberrantes, se tormaram culpadas de actos de violéncia. E tive também varios casos de homosse- xuais que se drogavam e que cairam noutras ciladas ligadas a droga. Parece-me quase desnecessério dizer que, em cada caso, 0 caminho da cura s6 se inicia através duma conver- sao sincera. 4— Porque se frequenta locais ou se estd com pessoas maléficas. Nesta expressao abranjo a pratica ou a assistén- cia a sesses de espiritismo, de feitigaria, a cultos satanicos gu seitas satinicas (em que as missas negras constituem o ponto culminante), a pratica do ocultismo... a procura de adivinhos, bruxos, cartomantes... sdo tudo praticas que expdem ao perigo de incorrer num maleficio. Ainda é pior quando se deseja estabelecer uma ligago com Satands: existe a consagracao a Satands, o pacto de sangue com Sa- tands, a frequéncia de escolas Satanicas e a nomeagao de sacerdote de Satands... Sao praticas em que, infelizmente, se tem notado um aumento, mesmo uma explosio, espe- cialmente neste uiltimos quinze anos. No que se refere a procura de bruxos e similares, ha um exemplo muito frequente. Uma pessoa sofre de um mal que a tora rebelde a todo 0 tratamento, ou entdo nota que em tudo o que faz sai-se mal. Pensa ter algo de maléfico que a bloqueia. Dirige-se, entZo, a um cartomante ou bruxo que lhe diz: «Fizeram-lhe um bruxedo». Até aqui os gastos sao poucos ¢ o perigo nulo. Porém, logo a seguir, 0 seu inter- locutor prossegue nestes termos: «Se vocé quiser eu liberto- -o e isso fica-lhe em 500 euros» e por vezes ainda mais. Nos muitos casos de que tive conhecimento o valor maximo exigido atingiu os 25000 euros. Se a proposta é aceite, o bruxo ou o cartomante pedem ao cliente que lhe entregue qualquer coisa pessoal: uma fotografia, uma roupa intima, uma mecha de cabelo ou mesmo um pélo, um fragmento de unha, Neste momento 0 mal estd feito. Que faz o bruxo, com os objectos que pediu? E claro, faz magia negra. 65 Devo fazer referéncia a uma coisa: muitas pessoas caem nisso porque sabem que certas senhoras de yirtude «estdo sempre na igreja> ou porque véem o consultério dos bruxos atafulhados de crucifixos, de Nossas Senhoras, de santi- nhos, de retratos do Pe. Pio. Asseguram-lhes entretanto: «Eu s6 fago magia branca; quando me pedem para fazer magia negra, recuso.» Habitualmente hd a ideia de que a magia branca consiste em desfazer maleficios e a magia negra em fazé-los. Mas na verdade, conforme o Pe. Can- dido se fartava de repetir, nao ha magia branca ou negra: s6 existe magia negra. Porque toda a forma de magia (bru- xaria) recorre ao deménio. De modo que, se o infeliz de ini- cio sofria de um pequeno problema maléfico (mas o mais provavel é que nunca 0 tivesse tido), ele volta para casa com um verdadciro ¢ grave maleficio. Nés, os exorcistas, temos muitas. vezes que utilizar mais esforgos para diminuir a obra nefasta dos bruxos do que para tratar 0 problema inicial. Devo acrescentar que muitas vezes hoje, tal como anti- gamente, a possessdo diabdlica pode confundir-se com uma doenga psiquica. Tenho muito apre¢o por estes psiquiatras que tém competéncia profissional e 0 sentido dos limites da sua ciéncia, e que sabem honestamente reconhecer quando um dos seus pacientes apresenta sintomas que nao se en- quadram nas doengas reconhecidas cientificamente. O Pro- fessor Simone Morabito, psiquiatra em Bergamo, afirmou ter provas de que um grande ntimero de doentes apelidados de doentes psiquicos eram na realidade possessos de Sat- ands, € conseguiu curd-los com a ajuda de alguns exorcistas (ver Gente, n° 5, 1990, pp. 106-112). Conhego mais casos semelhantes mas quero analisar um deles em particular. No dia 24 de Abril de 1988, Joao Paulo II beatificou 0 Pe. Francisco Palau, um carmelita espanhol. E uma figura muito interessante para nds porque Palau dedicou os ulti- 66 mos anos da sua vida aos possessos. Adquiriu um hospicio onde acolhia os doentes mentais. Exorcizava-os a todos: os que eram possessos curavam-se; 08 que eram doentes, doentes continuavam. O clero colocou imensos obstéculos & sua accao, claro. Por causa disso teve que ir duas vezes a Roma: em 1866, para falar acerca disso com Pio IX, e em 1870, a fim de obter do Coneflio Vaticano I 0 restabeleci- mento do ministério de exorcista no seio da Igreja como mi- nistério permanente. Sabemos de que forma este Concilio foi interrompido, mas a exigéncia do restabelecimento deste servigo pastoral continua urgente. Sem diivida que é muito dificil distinguir um endemoni- nhado de um doente psfquico. Contudo um exorcista expe- rimentado estd mais apto a distinguir esta diferenga do que um psiquiatra, porque © exorcista tem presente as varias possibilidades e sabe reunir elementos que lhe permitem fa- zer essa distingao. Na maior parte das vezes. 0 psiquiatra nao acredita na possessao diabélica, por isso nfo tem sequer em conta essa eventualidade. Ha bastantes anos, 0 Pe. Candido exorcizava um jovem que, segundo 0 psiquia- tra que o tinha seguido, sofria de epilepsia. Este médico aceitou vir assistir a um exorcismo. Logo que o Pe. Candido pousou a mao sabre a cabega do jovem, este caiu por terra, como acontece nas convulsdes. «Vé padre, trata-se com toda a evidéncia de um caso de epilepsia», apressou-se 0 médico a dizer. O Pe. Candido inclinou-se e voltou a por a mao sobre a cabe¢a do jovem. Este levantou-se bruscamen- te e ficou de pé, imdvel. «Sera que os epilépticos fazem isto?» perguntou o Pe. Candido. «Nao, nunca» respondeu- -lhe o psiquiatra evidentemente perplexo perante aquele comportamento. E inutil dizer que 0s exorcistas prosseguiram até 4 cura deste jovem, submetido, durante anos, a medicamentos e¢ a tratamentos que s6 tinham agravado 0 seu estado. E 0 ponto delicado esta precisamente af: nos casos dificeis, o diagnés- 67 tico requer um estudo interdisciplinar como veremos em se- guida. B que so sempre os doentes que pagam os erros ¢ que muitas vezes, no fim dos tratamentos médicos néo apropriados, ficam num estado lastimoso. Aprecio imenso os sabios que, mesmo sem serem cren- tes, reconhecem os limites da sua ciéncia. O Prof. Emilio Servadio, psiquiatra, psicanalista e parapsicdlogo de reno- me internacional, fez declaragdes interessantes 4 RAdio Va- ticano em 2 de Fevereiro de 1975: «A ciéncia deve parar perante aquilo que os seus instrumentos nao podem verifi- car nem explicar. Nao podemos definir exactamente estes limites porque nao se trata de fenémenos fisicos. Mas creio que, todo o cientista digno desse nome sabe que os'seus ins- trumentos nao vao para além de um certo ponto. No que se refere a possessiio demonfaca, s6 posso falar em nome prdprio e nao em nome da ciéncia. Parece-me que, em certos casos, 0 cardcter maligno e destruidor dos fenémenos atinge um nfvel tao especffico, que é verdadei- ramente impossivel confundir este tipo de fenémenos com aqueles que 0 especialista (parapsicélogo ou psiquiatra) Tegista nos casos do tipo Poltergeist ou outros. «Para dar um exemplo, isso seria comparar um garoto traquina com um criminoso sddico. Ha uma diferenga que nao se pode medir com fita métrica, mas que se pode facilmente perceber. Creio que um homem de ciéneia deve admitir a presenga de forgas que escapam ao controle da ciéncia e que a ciéncia, como tal, nao é capaz de definir.» 68 Apéndice Medo do Diabo? Responde Sta. Teresa de Avila Contra os medos injustificados do deménio, apresenta- mos um extracto da vida de Sta. Teresa de Avila (capitulo 25, 19-22). E uma passagem encorajadora, excepto se for- mos nés préprios a abrir voluntariamente a porta ao demonio... «Se o Senhor € tao poderoso como eu sei ¢ come cu ve- jo; se os demOnios nao passam de escravos, e disso a minha fé ndo me permite diividar, que mal me podem eles fazer se eu sou a servidora desse Senhor e Rei? Entao porque é que nao me hei-de sentir suficientemente forte para enfrentar 0 inferno inteiro? Agarrei uma cruz entre as maos e parecia que Deus me dava a coragem necesséria. Em pouco tempo, vi-me de tal modo transformada que j4 nao tinha medo de descer & arena para lutar contra todos eles, e gritei-lhes: "Venham ca agora que, sendo eu a servidora do Senhor, quero ver o que é que vocés me podem fazer!" E parece que tiveram mesmo medo de mim porque me deixaram tranquila. Dai para a frente aquela angiistia nao me voltou a preocupar e jd no tive mais medo dos demé- nios, a ponto de, quando eles me apareciam, como explica- rei mais a frente, nao s6 j4 nao tinha medo deles mas tinha verdadeiramente a impressao de que eles é que tinham me- do de mim. O Mestre soberano de todas as coisas deu-me sobre eles uma tal soberania que, hoje, j4 nio me metem mais medo do que as moscas. S3o de tal forma cobardes 69 : que, quando se yéem desprezados, perdem a coragem. 86 atacam frontalmente os que véem que se lhes rendem facil- mente, ou entao quando o Senhor o permite a fim de que, com as lutas ¢ perseguicécs, os seus servidores ganhem méritos. Agrada a Sua Majestade que sé tenhamos medo daquilo de que convém ter medo, tendo presente que um 6 pecadg | venial nos prejudica mais do que o inferno inteiro. Essa é que é a verdadeira realidade. Vocés sabem quando é que os deménios se manifestam e nos devem causar pavor? Quando nos preocupamos com as honras, os prazeres e as riquezas deste mundo. Ora nds, _ amando ¢ procurando aquilo que nos devia aborrecer, po- MOS Nas suas mos as armas com as quais nos poderiamos defender, ¢ incentivamo-los a combater contra nés préprios, para nossa maior perdigdo. Da-me pena pensar nisto porque _ bastaria agarrarmo-nos firmemente & cruz e desprezar todas as coisas por amor a Deus, para que Satands fugisse destas praticas, mais do que nés fugimos da peste. Amigo da mentira é sendo ele proprio a Mentira, o Maligno nunca se da bem com aquele que segue o caminho da verdade. Mas. se vé que o espfrito esté obscurecido, faz tudo o que pode para o cegar completamente. Quando ele se apercebe que urna pessoa esta tao cega a ponto de se contentar com as coisas do mundo, que s4o tio fiiteis e vis como brincadeiras. infantis, convence-se de que esta a lidar com uma ¢rianga, trata-a como tal e diverte-se a atacar e a voltar a atacar. Queira Deus que cu nao seja assim mas que, apoiada pela graga, repouse quando ¢ ocasifio para repousar, honre 0: que é digno de honra, me alegre com o que é a verdadeira alegria ¢ nao ao contrério. Assim, poderei ser eu a mostrar os cornos a todos os deménios, que fugirio espavoridos. Nao compreendo o medo dos que gritam: "demdnio! demé- nio!” deviam era gritar: "Deus! Deus!" ¢ assim encher o in- ferno de pavor. Nao sabemos que os deménios no podem 70 nem mover-se sem a permissiio de Deus? Entio para que é que sao vos temores? Quanto a mim os individuos apavo- rados pelo diabo fazem-me mais medo que o proprio diabo pois este nao me pode fazer nada enquanto os outros, prin- cipalmente se se trata de maus confessores, enchem a alma de inquietagio. Por causa deles passei muitos anos de tor- mentos e ainda me admiro de ter conseguido suportar. Ben- dito seja o Senhor que me trouxe a sua ajuda preciosa!» aA © ponto de partida -Umdia, um bispo telefonou-me a pedir que exorcizasse uma pessoa. A minha primeira resposta foi sugerir-Ihe que _ nomeasse ele préprio um exorcista. Respondeu-me, entao, que nfo conseguia encontrar um sacerdote que aceitasse esse encargo. Infelizmente esta dificuldade é geral. Muitas Yezes os padres nao acreditam nestas coisas. No entanto, se © seu bispo lhes propée fazer exorcismos, tém logo a im- pressio de ter mil diabos 4 sua volta e recusam. Jé varias vezes escrevi que se irrita mais o dem6nio a confessar, isto €, a arrancar as almas ao proprio demOnio, do que a exorci- zar, isto €, a retirar-lhe a influéncia sobre os corpos. E au- Menta ainda mais a sua cdlera ao pregar, porque a fé nasce da Palavra de Deus. E. por isso que um padre que tem a coragem de pregar ¢ de confessar nfo deveria ter nenhum temor de exorcizar. Léon Bloy dirigiu palavras severas contra os sacerdotes que recusam ministrar os exorcismos. Refiro-me ao livro 1 Diavolo, de Balducci (Piemme, p. 233): «Os sacerdotes quase nunca utilizam o seu poder de exorcistas porque lhes alta a fé e tém medo, digamos, de irritar 0 deménio», Nao 4 nada mais verdadeiro. Muitos temem represélias ¢ ¢s- se que o Maligno ja nos faz todo o mal que o Se- nhor lhe consente: com ele, nao ha pactos de nao-agressao! Eo autor prossegue nestes termos: «Se os sacerdotes perde- fam 2 fé « ponto de jd nao acreditarem no seu poder de ‘exorcistas ¢ de niio mais fazerem uso dele, isso representa uma desgrag¢a horrivel, uma atroz prevaricagao que deixa os 7B pretensos histéricos que enchem os hospitais irreparavel- mente abandonados aos piores inimigos.» Palavras duras, mas sinceras. E uma traigaéo directa ao mandamento de Cristo. Mas voltemos ao telefonema desse bispo. Eu disse-lhe, com toda a franqueza, que se nfo encontrava padre, deveria ele mesmo encarregar-se dessa missao. Ao que ele me res- pondeu ingenuamente: «Eu? Nao saberia por onde comegar.» Retorqui-lhe entao, tomando a frase que o Pe. Candido me disse quando eu comecei: «Comece por ler as instrugdes do Ritual e reze ax oragdes prescritas sobre aquele que as solicita.» Esie é 2 ponto de partida, Q Ritual dos exorcismos comega pela enumeragao de 2] regras que o exorcista deve observar. Pouco importa se essas regras foram escritas em 1614; sdo directivas cheias de sabedoria, que poderao ser completadas posteriormente mas que ainda se mantém to- talmente validas. Depois de alertar o exorcista para que & primeira vista nao creia com demasiada facilidade na pre- senga do dem@nio na pessoa que se lhe apresenta, ha uma série de regras praticas que no sé Ihe permitem reconhecer se se trata de um caso de verdadeira possessdo, mas também orienta 0 exorcista no comportamento que deve adoptar. Mas a atrapalhagao do bispo («néo saber por onde come- gar») tem justificagao. Nao se improvisa um exorcista. Con- fiar este cargo a um padre € como se se metesse um tratado de cirurgia nas maos de uma pessoa e em seguida lhe pedis- sem que fosse operar. Muitas coisas, demasiadas coisas, nao figuram nos livros, s6 se adquirem pela pratica. E por isso que me surgiu a ideia de relatar por escrito as minhas préprias experiéncias, orientado pela extraordinaria sabedo- ria do Pe. Candido, embora consciente de que ficard muito incompleto; uma coisa é ler, outra coisa é ver. No entanta escrevo aqui coisas que nao se encontram em mais nenhum. livro. 4 Na realidade ainda hd outro ponto de partida. Quando al- guém se apresenta ou é apresentado pelos seus parentes ou amigos para ser exorcizado, comega-se por interrogd-lo a fim de se compreender se existem ou nao razdes validas para proceder ao exorcismo, estabelecendo um diagnéstico. Comega-se portanio por estudar os sintomas que a pessoa ou os familiares denunciam e também as posstveis causas. Comeg¢a-se pelos males fisicos. Em caso de influéncias maléficas, os dois pontes mais frequentemente atingidos sfo a cabega e o estémago. Além das dores de cabega agu- das e resistentes aos analgésicos, nota-se por vezes, em par- ticular nos jovens, uma rejeigio brusca aos estudos: ¢crian- gas inteligentes que até ali nunca tinham tido dificuldades na escola, de repente nao conseguem mais estudar e a sua meméria fica a zero. O Ritual menciona, como sinais sus- peitos, as manifestagdes mais espectaculares: falar correc- tamente linguas desconhecidas ou compreendé-las enquan- to outras pessoas as falam; conhecer coisas longinquas e secretas; demonstrar uma forga muscular sobre-humana. Conforme ja referi, sé fui confrontado com este tipo de fe- némenos durante as béngaos (€ 0 nome que eu sempre dou a8 exorcismos) € nunca antes. Acontece muitas vezes sur- girem comportamentos estranhos ou violentos. Um dos sin- tomas tfpicos € a aversao ao sagrado: pessoas que deixam de rezar, embora antes o fizessem habitualmente; que deixam de ir 4 Igreja e experimentam um sentimento de raiva; que blasfemam e tomam atitudes violentas perante imagens sagradas. A isto a maior parte das vezes juntam-se comportamentos anti-sociais e odiosos contra os seus fami- liares ou em relagdo aos meios que frequentam. Encontra- mos pois varios tipos de procedimentos estranhos. E escusado dizer que, quando alguém se dirige a um exorcista, jé fez todos os exames ¢ jd recebeu todos os trata- mentos médicos possiveis. As excepgées sao rarissimas. Por isso 0 exorcista no tem qualquer dificuldade em tomar 5 conhecimento dos pareceres do médico, dos tratamentos efectuados, dos resultados obtidos. O outro ponto muitas vezes atingido é a boca do est6ma- go, precisamente abaixo do esterno. Esta regio também pode ser o centro de dores lancinantes e rebeldes a todo 0 tratamento. Quando o mal se desloca, tem-se a certeza de estar perante um fen6meno de origem maléfica: ora déi 9 estémago, ora os intestinos, ora os rins, ora os ovdrios.... sem que os médicos compreendam a causa ¢ nado obtenham | © menor resultado através da administragdo de medica-_ mentos. | Afirmémos que um dos critérias de reconhecimento du- ma possessdo diabdlica é fornecido pelo facto de os medi- camentos se mostrarem ineficazes, ao contrario das bén- gos. Eu exorcizei o Marco, vitima de uma forte possessio. Tinha estado hospitalizado muito tempo e tinha safdo mas- sacrado com tratamentos psiquidtricos, incluindo choques eléctricos sem que tivesse tido a minima reacgdo. Quando the foi prescrita uma cura de sono durante a qual lhe administraram durante uma semana sonfferos capazes de por um elefante a dormir, nao dormiu um instante, nem de dia, nem de noite. Deambulava pelos corredores da clinica, com os olhos esbugalhados, um aspecto esgazeado. Final- mente consultou um exorcista e comecou imediatamente a verificar os primeiros resultados positivos. Também a farga anormal pode ser um sinal de possessao diabdlica. Um louco internado num manicémio pode ser mantido imobilizado com colete de forgas; um possesso nao: parte tudo, até as correntes de ferro, tal como 0 Evan- gelho narra a propésito do possesso de Gerasa. O Pe. Can- dido contou-me o caso de uma jovem magra e aparente- mente fragil em que, durante os exorcismos, eram precisos quatro homens para a conseguir manter quieta. Partia todas as cadeiras, incluindo cintos de couro largos com os quais a tentaram amarrar. Numa ocasiao em que estava atada com 76 ] grossas amarras a uma cama de ferro, partiu uma parte € do- brou a outra em Angulo recto. Muitas vezes, 0 paciente (ec também outras pessoas, se toda a famflia estd envolvida) ouve barulhos estranhos, pas- sos no corredor, portas que se abrem ¢ se fecham, pancadas nas paredes ou nos m6veis, objectos que desaparecem ¢ que depois reaparecem nos locais mais disparatados. Eu per- gunto sempre, a fim de determinar as causas destes proble- mas, hd quanto tempo é que comegaram a manifestar-se os distiirbios, se € possivel relaciond-los com um facto concre- to, se O interessado participou em sessdes de espiritismo, se procurou cartomantes ou bruxos, ¢ em caso afirmativo, como € que as Coisas s¢ passaram. E possfvel que, por sugestao de alguém conhecedor, a al- mofada ou o colchao da pessoa visada tenham sido abertos € que, af, se tenham encontrado os mais estranhos objectos: linhas de cores, tufos de cabelos, entrangados, lascas de ma- deira ou de metal, coroas ou fitas atadas de forma muito apertada, bonecas, figurinhas de animais, codgulos de san- gue, seixos... que sao sinais claros de maleficio. Quando os resultados do interrogatério levam a suspeitas de uma intervengao de origem maléfica, procede-se ao exoreismo. Vou a seguir apresentar alguns casos. E evidente que, em todos os episédios focados, mudei os nomes assim como qualquer outro elemento susceptivel de identificar as pessoas em questo. A D. Marta veio varias yezes procurar-me acompanhada de seu marido para rece- ber a béngao. Vinham de longe e a viagem custava-lhes ind- meros sacrificios. Marta andava a ser tratada h4 jé varios anos por neurologistas sem que obtivesse quaisquer melho- ras, Fiz-Ihe algumas perguntas e vi que podia proceder ao exorcismo, ainda que ela jé tivesse sido exorcizada por outros, mas sem resultado. Caiu logo por terra, aparente- mente inconsciente. Enquanto eu rezava as oragdes de in- trodugdio, lamentava-se de vez em quando: «Quero um ver- 77 dadeiro exorcista, nado quero esta coisa!» No inicio do pri- meiro exorcism, que comega com as palavras «Eu te exorcizo», ela acalmou-se, satisfeita, estas palavras i dizer se 0 meu exorcismo Ihe tinha produaido algum ' nhum deles, embora nfo fosse violento. Apresentava a se- guinte caracteristica: quando se sentava no chido, com pernas cruzadas (cle dizia que «fazia como os indian nao havia forga que o conseguisse levantar; era como se ele _ se tivesse transformado em chumbo. Depois de varios trata-- mentos médicos que se mostraram ineficazes, foi levado ao Pe. Candido. Este comegou a exorciz4-lo, e reconheceu qu s¢ tratava de uma verdadeira possessao. Outra caracteristici dele era nao discutir mas, ao pé dele, as pessoas ficat hervosas, gritarem, no dominarem os nervos. Um dia, tou-se, com as pernas cruzadas, no patamar do seu ay mento situado no 3.° andar, Os outros moradores subiam e desciam as escadas, empurravam-no para que ele safsse dali mas ele nfo se mexia. A certa altura, j4 todos os mora do prédio estavam na escada, nos varios patamares pOs-se a conversar com 0 jovem para 0 convencer a ¢ 7B em casa. Mas os policias (trés homens bem constituidos) disseram-Ihe: «Afaste-se padre, isto é assunto para nés.» Quando eles tentaram tiré-lo, o Pedro Luis nao se mexeu nem um milfmetro. Espantados e a suar em bica, j4 nao sa- biam © que fazer. O Pe. Candido disse entio: «Os morado- res que entrem nas suas casas» e, passado um instante, fez- se um siléncio total. Depois disse: «Vocés desgam agora um lance de escada e fiquem a observar». Assim fizeram. Por fim, disse ao Pedro Luis: «Foste muito valente: nio disseste uma tinica palavra, e respeitaste-os a todos. Agora entra comigo na tua casa» Agarrou-o pela mao e 0 jovem levan- tou-se, seguiu-o ¢ foi ter com os pais que 0 esperavam. Gra- gas aos exorcismos, Pedro Luis teve grandes melhoras mas no foi ainda totalmente liberto. Um dos casos mais dificeis de que me recordo é 0 de um homem, outrora muito conhecido, a quem o Pe. Candido deu a béneo durante muitos anos. Também fui a casa dele, dar-lhe a béngio porque ele nao podia sair. Ministrei-lhe 0 exorcismo. Ele nao disse nada (tinha um deménio mudo) e nao notei nele a minima reace4o. A reaceSo violenta fez-se sentir depois de me ter ido embora. Acontecia sempre assim. Ele era ja idoso e s6 foi completamente liberto preci- samente a tempo de acabar serenamente a ultima semana da sua vida. Uma mae estava impressionada com 0 estranho compor- tamento de um dos seus filhos: em certas ocasiées encoleri- zava-se, urrava como um louco, blasfemava e, depois, quando acalmava, nao se lembrava nada desse comporta- mento. Nao rezava nem aceitava receber a béncao de um sacerdote. Um dia, enquanto o filho, que como de costume, tinha safdo com o seu fato de mecinico, estava no trabalho, a mie abengoou a roupa dele rezando pelo Ritual. Ao re- gressar do trabalho, o filho tirou a roupa suja e vestiu-se sem desconfiar de nada. Passados poucos segundos, tirou a roupa com fiiria, rasgando-a quase, e voltou a pér o fato de 719 trabalho sem dizer uma palayra. Nao voltou a vestir aquela” roupa benzida, distinguindo-a perfeitamente das outras pecas de roupa do seu modesto guarda-roupa que nag tinham sido benzidas. Este facto trouxe uma prova da ne- cessidade de exorcizar este jovem. Atormentados por problemas de satide e por barulhos es- tranhos que ouviam em casa, especialmente a determinadas horas da noite, dois jovens irmaos recorreram 4s minhas béngaos. Ao dar-lhes a béngao, notei ligeiras negatividades: e aconselhei-os a frequentar os sacramentos, da oragao fer- vorosa, € a Sar 0S trés sacramentais (Agua, Sleo e sal exor- cizados), convidando-os a vir visitar-me de novo. Através — do interrogatorio, apercebi-me que os seus problemas tinham aparecido no momento em que os pais tinham deci-_ dido levar para casa o av6 que vivia sozinho. Era um ho- mem que blasfemava continuamente, jurava e amaldigoava tudo e todos. O saudoso Pe. Touraselli dizia que basta um blasfemador numa casa para arruinar uma familia com presengas diabdlicas. Este caso comprova isso, Um tinico e mesmo deménio pode estar presente em va- rias pessoas. A jovem chamava-se Josefina. O deménio ti- nha-lhe anunciado que se ia embora na noite seguinte. Sa- bendo, em casos semelhantes, que os deménios mentem_ quase sempre, o Pe. Candido solicitou a ajuda de outros exorcistas e exigiu a presenga de um médico. A certa altura, a fim de imobilizar a endemoninhada, estenderam-na sobre uma mesa comprida. Ela esbracejou e caiu algumas vezes para o chao, mas na ultima fase da queda, caiu lentamente, como se uma mao a segurasse, para que niio se magoasse. Depois de terem tentado, em vio, toda a tarde e até ao meio da noite, os exorcistas decidiram desistir. No dia seguinte de manha, o Pe. Cfindido estava a exorcizar uma crianga de 6 ou 7 anos. O diabo presente no garoto comecou a fazer troca do padre: «Trabalhaste muito esta noite mas nao con- seguiste nada. Fizemos por isso. Também Id estava cu.» 80 Ao exorcizar uma menina, o Pe. Candido perguntou ao deménio como se chamava. «Zabuldo», respondeu ele. Quando terminou o exorcismo, mandou a crianga rezar diante do sacrario, Depois recebeu uma outra menina que também estava possessa, € perguntou também o nome a este deménio. A resposta foi . se hé outros deménios e, em caso afirmativo, quan- 05, quando ¢ como é que o Maligno entrou nesse corpo & juando é que saird. Se a presenga do deménio tem origem m maleficio, pergunta-se em que moldes é que esse ma- ficio foi feito, Se a pessoa comeu ou bebeu substincias éficas, deve vomitd-las. Se algum bruxedo foi escondi- € preciso fazé-lo dizer onde se encontra para o queimar, mando as devidas precaugées. 85 Durante o desenrolar dos exorcismos se existe uma pre~ senga maléfica, esta manifesta-se lentamente, umas vezes, outras vezes, em explosdes bruscas. O exorcista vai ava- liando a forga e a gravidade do mal: se se trata de uma possessdo, de uma vexagdo ou de uma obsessdo; se o mal € de fraca amplitude ou est profundamente enraizado. E di- ficil encontrar textos que fornegam explicacdes claras acer- ca desta matéria. Pessoalmente utilizo o seguinte critério: se uma pessoa, no decorrer dos exorcismos (note-se que é este © momento em que o demGnio é mais forgado a manifestar- -se, constrangido pela forga do exorcismo; embora possa também atacar a pessea noutras ocasides, geralmente fa-lo de modo menos grave), entra completamente em transe, de modo que, quando fala, é o dem6nio que se exprime através da boca dela, se quando ela se debate € o deménio que se serve dos seus membros e no fim do exorcismo ela nao se lembra de nada do que aconteceu, entao trata-se de uma possessdo diabélica, isto é, a pessoa alberga um deménio que age por vezes com os membros dela. Por outro lado, se um indivfduo, durante os exorcismos, apresenta certas reac- ges que revelam um ataque demonfaco, ndo perde comple- tamente 0 conhecimento e no fim se lembra, mesmo que seja vagamente, do que fez ou ouviu, trata-se entdo de uma vexagdo diabdlica: nao € um diabo que se estabeleceu de forma permanente dentro do corpo da pessoa, mas é um diabo que, de tempos a tempos, a assalta e provoca nela dis- turbios fisicos e psiquicos. No entanto, as coisas nem sem- pre se passam assim. Nao me alongarei sobre a terceira forma (além da posses- sao e da vexacdo), a obsessdo diabdlica, que se manifesta por pensamentos obsessivos, invenciveis, que atormentam so- bretudo durante a noite, mas muitas vezes atormentam também de forma permanente. Tenhamos em conta que 0 tratamento é 0 mesmo em todos os casos: oragao, sacra- mentos, jejum, vida crista, caridade e exorcismos. 86 Prefiro mencionar alguns distirbios de caracter geral que possam ser indicio de uma causa maléfica, mesmo que nio seja sempre esse o caso. Nao sao suficientes para determi- nar um diagnéstico, mas podem ajudar a formuld-lo. As negatividades, isto é, os deménios, tém tendeéncia a atacar 0 homem em cinco pentos, de modo mais ou menos grave, segundo a_gravidade da causa: ao nivel da satide, da vida afectiva, dos negécios, do gosto de viver e do desejo de morrer, Ao nivel da satide, 0 Maligno tem o poder de causar dis- turbios fisicos ¢ psiquicos. J4 fiz alusao aos dois males mais vulgares que afectam a cabega e o est6mago. Estes geral- mente sao males estaveis. Ha outros que sao passageiros ¢ muitas vezes s6 se manifestam durante 0 exorcismo (arro- fos, arremessos, convulsoes...). O Ritual sugere fazer o sinal da cruz sobre eles e aspergi-los com dgua benta. Pude tam- bém verificar muitas vezes a eficdcia de os cobrir simples- mente com a estola ¢ impor sobre eles as maos. Ja recebi muitas vezes mulheres aflitas com a ideia de terem de ser operadas a quistos nos ovaries: pelo menos era o diagndés- tico preconizado em vista das dores e das ecografias. Depois da béngao, as dores cessavam € uma nova ecografia jA nao revelava nenhum quisto e nao se falava mais em operagao. Ao Pe. Candido surgiram-lhe pessoas com doen- gas graves que desapareceram depois das suas bénciios, até tumores na cabega, cuja existéncia ja tinha sido confirmada pelos médicos. Evidentemente que isto sé acontece a pes- soas que tém negatividades e em relagao As quais hd razGes Para se suspeitar que o mal provém do Maligno. Ao nivel da vida afectiva, o Maligno pode provocar um estado de irritagao incontroldvel, sobretudo contra as pes- soas que mais se ama. Assim, ele desfaz casamentos, rompe noivados, proyoca discussdes acompanhadas de urros ¢ gritaria no seio de familias em que realmente todos se que- rem bem uns aos outros; € isto sempre por motivos fiiteis. 87 Ele destr6i as amizades, da a impressao, a pessoa visada, de que j4 nao é bem aceite em parte nenhuma, e que as pessoas aevitam, devendo isolar-se de toda a gente. Incompreensao, auséncia de amor, completo vazio afectivo, impossibilidade de se casar. O caso seguinte € também extremamente fre- quente: cada vez que se inicia uma relagio de amizade sus- ceptivel de se transformar num caso amoroso, ou mesmo. quando alguém se declarou abertamente, tudo desaparece bruscamente como o fumo, sem razdo alguma_ Ao nivel dos megdcios, a presenga maligna revela-se na impossibilidade de encontrar trabalho, mesmo quando se tem quase a certeza de ter vaga, nao se encontrando moti- vos ou encontrando-se motivos absurdos; ou entao, as pes- soas que encontram efectivamente um trabalho, abando- nam-no em seguida por razées estipidas, e, quando Ihes surge outra oportunidade, nao comparecem ou deixam igualmente esse emprego com uma facilidade que parece aos familiares uma inconsciéncia ou anormalidade. Conheci familias abastadas que cairam na maior miséria por motivos humanamente inexplicdveis. Foi @ caso, por exemplo de importantes industriais, cujos negdcios comegaram stibita e inexplicavelmente a andar a deriva; ou entdo, grandes em- presdrios que, de repente, comegaram a fazer erros crassos que lhes causaram um montio de dividas; ou ainda comer- ciantes que geriam armazéns muito afreguesados que, sem mais nem menos, comegaram a ver as suas lojas desertas. Em resumo, foram casos que aconteceram relacionados com a impossibilidade de encontrar qualquer espécie de tra- balho ou com o facto da passar de uma situag3o econdémica normal para uma situagao de miséria, dum trabalho intenso 4 inactividade, E sempre sem raz6es validas. * Ao nivel do gosto de viver. Parece légico que os proble- mas fisicos, o isolamento afectivo ¢ as dificuldades econd- micas originem um tal pessimismo que nao se consegue ver senao o lado negativo da vida. Surge, entdo, uma espécie de 88 incapacidade para 0 optimismo ou, pelo menos, para a es- peranga; a vida parece completamente negra, insuportavel, sem a possibilidade de novos projectos. Ao nivel do desejo de morrer. Este é 0 objectivo final do Maligno: conduzir ao desespero e ao suicidio. E devo espe- cificar que, quando alguém fica sob a protecgao da Igreja mesmo com uma tinica béngao, este ponto € eliminado. A pessoa tem a impressao de reviver 0 que o Senhor disse ao deménio a propdsito de Job: «Pois que seja! Disse Javé a Satands, podes dispor dele, mas contudo respeita a sua vida» (Job 2,6). Poderia contar uma série de episddios em que o Senhor salvou algumas pessoas do suicfdio, por inter- vengéo miraculosa. Sao muitas as pessoas que, quando eu exponho estes cin- co pontos, se sentem profundamente tocadas, embora haja graus de gravidade diferentes. Nao me cansarei de repetir que estes casos podem resultar duma presenca maléfica, mas também podem ter outras causas. Por si s6 nao sfo su- ficientes para concluir que uma pessoa esté infestada ou possessa do Maligno. Sobre © quinto ponto, o desejo de morrer e a tentativa de suicidio, uma vez que é 0 aspecto mais grave, gostaria de citar pelo menos dois exemplos. Ocupei-me do caso de uma enfermeira diplomada que, em fase de crise aguda e j4 nao aguentando mais, fez um ra- ciocinio completamente incorrecto. Tendo de fazer uma transfusdo de sangue, pensou: «Eu injecto um outro grupo sanguineo, o doente morre, vou presa e assim refugio-me na priséio». PGs o seu projecto em pratica, completamente se- gura de ter utilizado um outro grupo sanguineo para a trans- fusao. Depois, refugiou-se no seu quarto ¢ esperou que a viessem prender. Mas as horas foram passando ¢ nada. A transfusio desenrolou-se muito bem (ignora-se como), € a enfermeira j4 nfo pensava em mais nada senado em se arrepender da sua estupidez. 89 Joao Carlos, um belo jovem de 25 anos, parecia cheio de vida e em perfeita satide. Entretanto tinha um «hdéspede» que 0 atormentava horrivelmente. Os exorcismos propor- cionavam-lhe um pouco de alfvio, mas nao o suficiente. Uma noite tentou pér fim a vida, como ja tentara fazer ou- tras vezes. Caminhou ao longo das linhas duma importante estagao de caminho-de-ferro, e quando chegou a uma curva larga, estendeu-se atravessado sobre os carris de uma das duas linhas. Conseguiu manter-se nesta posigao insupor- tavel durante 4 ou 5 horas porque se meteu num saco-cama de pélo. Passaram varios comboios nos dois sentidos mas todos na outra linha. E nenhum maquinista ou ferrovidrio se apercebeu da sua presenga. Isto aconteceu de facto. F-me impossivel encontrar uma explica¢ao natural. Perguntei ao Pe. Candido se, no decurso da sua longa ex- periéncia, algumas pessoas a quem ele tinha dado a béngao: tinham falecido. Disse-me nao ter conhecimento senao dum Gnico caso que me relatou. Uma jovem de Roma, j4 reduzi- da a um estado lamentdvel por causa de uma possessao completa da parte do Maligno, tinha comegado a visité-lo para ser exorcizada, Embora registasse algumas melhoras, tinha sempre muita dificuldade em resistir 4 tentagdo do suicidio. A mae, um dia, foi visitar o Pe. Candido, pois acreditava que a filha estava «

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