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2022015 teu nome & Ean da alessio) bildade na palcansiise (sesh Flesofa poltica nolommalo Ciba, ‘omsetemro oo 7002, Renato Janine Ribeiro Renato Janine Ribeiro, [ Golura e mais | Bice | Bast | Cincioe Uniesidade | Cut Liwos | Coniso Uma politica da cultura Os artistas se queixam da pouca importéncia que os candidatos do & cultura, em seus programas de governo. E infelizmente o préprio fato de que a reclamacdo venha deles jé atesta o cardter secundario do tema. Porque nao so eles quem deveria defender a cultura ~ mas nés, o piblico. Se essa defesa cabe aos artistas, sua demanda acaba se tornando corporativa - 0 que néo significa que seja ilegitima, mas apenas que falta, ainda, no Brasil a percepgao, de que a cultura é género de primeira necessidade, Eo piblico que deve pedir, nos programas de governo, por cultura. A idéia-chave & que ela aumenta a democracia e amplia a liberdade. Por isso mesmo, vai além do mero entretenimento, Nada contra nos distrairmos, nos divertirmos, mas 0 importante mesmo 6 podermos sair, de uma experiéncia cultural, diferentes de como éramos antes. Isso, aliés, vale mesmo para os meios de comunicacéo mais populares, Nao fossem as novelas das ultimas duas ou trés décadas, a condigao feminina no Brasil seria pior do que é, A TV fol criticando 0 machismo, valorizando a mulher que trabalha, que defende seus direitos, que escolhe o amor contra a conveniéncia, Seria bom um ministro, ou um secretério, de Cultura promover uma espécie de censo cultural, mesmo que por amostragem. A hipétese é que haja, digamos, quatro faixas de trabalho com a cultura em nosso pais. Primeira, e numericamente a menor: a dos criadores culturais, aquelas pessoas, talvez dezenas ou centenas de milhares, que criam ou ajudam a criar. Eles vivem da cultura, talvez vivam para a cultura, Segunda, e a mais importante: a de quem precisa da cultura para viver, isto é, para sua qualidade de vida. Talvez esses se mecam fem apenas alguns milhdes de brasileiros. Mas sdo quem tem experiéncias culturais: aqueles que saem de um concerto, de um filme, da leitura de um livro, modificados. Para eles, a cultura é vital. Faz parte de sua identidade. Amplia o sentimento de sua dignidade. Sofrem, sim, abalos (quem sai alegre de um filme como Abril despedacado?), mas @ longo prazo suas vivéncias culturais os fortalecem E por isso que a cultura, qualquer cultura, dé algum poder a quem a freqdenta. Um projeto de cidadania, isto é, de constitulgdo dos brasileiros enquanto reais detentores de direitos, deve ter um lugar importante para a pintura, a musica, 0 cinema, 0 teatro. Terceira faixa, talvez a mais numerosa: a de quem vé na cultura apenas 0 entrétenimento. Isso no é errado. E bom que as pessoas Felaxem, se distraiam, sintam prazer com a cultura. Ninguém cultiva a cultura s6 pelo soco no estimago que de vez em quando ela Ihe dé. Mas é pena que dezenas de milhdes de brasileiros no retire, de seu contato com as artes, mais que um passatempo. Passar, preencher e matar 0 tempo nao so as melhores coisas a fazer com 0 tempo livre. O preco desse tipo de experiéncia rala é que as pessoas nessa faixa nao consigam tanta dignidade, tanto poder em suas vidas, quanto poderiam e deveriam ter. Finalmente, quarta faixa: a das pessoas que mal tém contato com a bpinwww reatejanine pro.briCultrapaliiat hint 12 2022015 Renato Janine Ribeiro cultura, nem mesmo como passatempo. Séo os excluidos, reduzidos a um analfabetismo em termos de seu imagin ‘© que deve ser uma politica governamental de cultura? E claro que ela deve apolar os criadores culturais, nossa primeira faixa. E deve também suprimir a quarta faixa, dando a todos os brasileiros pelo menos o direlto ao entretenimento, Mas sua legitimidade democrética no viré de dar dinheiro aos criadores, e sim de tornar estas obras acessiveis - e mais que isso, enriquecedoras - para és, 0 piblico, A meta deve consistir, entéo, em fortalecer o que eu chamei de segunda faixa, isto é, a das pessoas que crescem pelo contato com a cultura, No planejamento da érea de Cultura essa ago deve ser definida como prioridade, fixando-se até mesmo metas quantitativas, O objetivo é levar quem se distrai com as obras de arte a, também, se enriquecer humanamente com elas - isto é, a "subir" da terceira faixa para a segunda, da cultura-passatempo para a cultura-vida Pode se exigir, dos programas apoiados com dinheiro piiblico, incluindo a rendncia fiscal, que tornem piblicos seus resultados ¢ beneficios. Um exemplo: cansei de ver igrejas barrocas, nas cidades histéricas de Minas Gerais, fechadas @ visitacdo, Foram construidas com o que era dinheiro publico, no século XVIII, e restauradas, nos iltimos anos, também com’ nosso dinheiro, Nao podem abrir ou fechar ao arbitrio de seus vigarios, ou sé quando ha missa. Sao de todos nés, inclusive dos brasileiros nao catélicos, E cada programa que for apoiado, dentro ou fora da estrutura de governo, deve ter explicitado seu beneficio para a sociedade. Mais um exemplo: museus que fecham no final de semana (que hoje so poucos) ou de noite (quase todos) talvez respeitem mais os seus funcionarios do que os seus freqiientacores. Quem trabalha no hordrio comercial dificilmente tem tempo, durante a semana, para ver uma exposicao. Mas o importante a idéia: que fique cada vez mais claro que a cultura nao se faz para o bem de quem a faz, por exemplo, os artistas, mas para o bem de quem a vé, consome ou vivencia. E sé isso 0 que Ihe dé forca social. E que fique claro qual € esse bem: a cultura fortalece. Dé dignidade, bpinwww reatejanine pro.briCultapaliiat hint 22

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