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Os pressupostos basicos 1. Modernism: ico eideologico projet © ceatudo da histria litera coloca-nos sempre diante de dois problemas fundamentais, quando se trata de desvendar 0 alcance os exatos limites ctcunscrtes por qualquer movimen- to de renovagio estética: primeiro, é preciso verificar em que me- dida os meios tradicionais de expresso sio afetados pelo poder transformador da nova linguagem proposta, isto €, até que pon- to essa linguagem é realmente nova; em seguida, € como neces- siriacomplementagio, é preciso determinar quas as relagdes que ‘9 movimento mantém com os outros aspectos da vida cultura, dde que mancira a renovasio dos meios expressivos se insere no contexto mais amplo de sua época, Para retomaradistingio apre sentada pelos “formalistas russos”diciamos que se trata, na his ‘ria lceriria, de sewaro movimento inovador: em primeico lu gar dentro da série literira, a seguit na sua relagio com as ou tras séries da totalidade social. Decorre dat que qualquer nova pro posicdo estéticadeverd ser encarada em suas duas faces (comple mentates ¢, als, intimamence conjugadas; ndo obstante, as ve 2es relacionadas em forte tensio): enquanto projeo ettico, di retamente ligada as modificagies operadas na linguagem, ¢ en- quanto projeto ideogico,diretamente atada ao pensamento (vie sfo de mundo) de sua época, Es distin, que pretendemos usar no exame de um a pecto do Modetnismo brasileiro, € iil porque operatéria: néo podemos entretanto cortero rsco de tormécla mecinica e fic na verdade o projet etrice, que & a ertica da velha linguagem pela confrontacio com uma nova linguagem, jé contém em si 0 Seu projet ideolégice.O ataque 3s mancinas de dizer se identifica ao ataque as manciras de ver (Set, conhecer) de uma época; se & ‘a (¢ pela) linguagem que os homens externam sua vio de mu do (jstticando, expliciando, desvelando, simbolizando ou en- cobrindo suas rlagSes esis com a nanureza ea sociedade) inves tir contra o falar de um tempo serd investi tempo. gia dese disfargar em formas miiplas de linguagem; revestin- contra o ser desse retanto, consideremos o poder que tem uma ideolo- dose de meiogexresvor vena ds anes pode pasar or now cericoo que pemaneevelho apenas difscae rcendendoaexpeso da modena via consis burgues omit progessiaa d seo XIXs on mobi das masa, nstaurando na similis para a fae desig Por outolad, tan verde que Mars neti fscsmo — para contin com nos exmpl-em ruprrs pias com o pasado: nse ean pet da poston iolgiareaionsra debe, lingugem cont eens pevtencenesd modemidade Assim, épnielcondhir quads desis no qu, 0s prssuporosbésicoe de, a distingao esttico/ideoldgico, desde que encarada de forma dialévca, é importante como instrumento de andlise. O exame dem movimento atistico deverd buscar a complementaridade clesses dois aspectos mas deverd também descobrir os pontas de aitito © tensio existentes entre cles. Sob esse prisma— e coma nalidade de nos stuarmos numa base teria face a0 nosso ob- jeto de estado: aspectos da critica lterdria no decénio de 30, em Sio Paulo eno Rio— procuramos examinat o Modernismo bra sileiro em uma das linhas de sua evolugao, Distinguimos 0 pro- jet ctéico do Modernism (renovaso dos meio, peur da lin ‘guagem tradicional) do seus projet ideolgico (conscigncia do pats, desejo busca de uma expresso atstica nacional, carter de classe de suas atirudes e produgies) Acxpetimentacio estética &revolucionéra ecarateriza for ‘temente 0s primeiros anos do movimento: propondo uma radi cal mudanga na concepcio da obra de arte, vista néo mais como smimese (no sentido em que o Naturalism marcou de forma exa- cetbada esse termo) ou representagio direta da natureza, mas como um objeto de qualidade diversae de relativa autonon subverteu assim os principios da expresso litera. Por outro lado, inserindo-se dentro de um processo de conhecimento ein. ‘erpretagio da tealidade nacional — caracteristica de nossa lite ratura — nao ficou apenas no desmascaramenco da estética pas sadista, mas procurou abalr toda uma visio do pats que subjazia A produsio cultural anterior 3 sua atividade, Nesse ponto encon- ‘ramos als uma curiosa convergéncia entre projeto esttico € ideolégico: assumindo a modernidade dos procedimentos ex- pressionais o Moderismo rompeu a linguagem bacharelesca, a- tical e idealizante que espelhava, na literatura passadista de 1890-1920, a conscigncia ideoldgica da oligarquia rural inst dda no poder, a geri estruturasesclerosadas que em breve, gragas &s transformasbes provocidas pela imigracao, pelo surto indus- eo Moernisne tral, pela urbanizacio (enfim, pelo desenvolvimento do pas) iniam estalare desaparecer em parte. Sensivel ao processo de mo- Aemizagao¢ erescimento de nossos quadros culturais, o Moder- nismo desteuia burrctas dessa linguager “ficilizada’, acres centando-the a forga ampliadora¢ libertadora do folcloree da Testa popu Asin, as "components" de noma Personalidade vém & tona, zompendoo blogueia imposto pela ideo fc carouenteCv experimen de gun, om suas exigéncias de novo Iéxico, novos torncios sinciticos, imagen surpreendentes, temas diferentes, que permite—e abr, ga—ess peur! pune pp tdi mode Modem arte easkases deat lnguagen: a dcformap do anencone forms, o popular eo pose come contapar aie tfnament academia, cotaniade como nce, So do rao flo da concen como proces deamasane, dor da inguagem waco, Ora, pra ea propa os vanguard aren orm busca apa, dpe mani min Brl—a no An Cana ‘cular bane de pocdencia europe O sen da nce, pntanidde da inspira eam ements qu ccundavanca inmate cea rade 1900-145" “Alterra na cv de ma de" (pp 195-6, opecianene) formas académicas de produgio artical Dirigindo-se eles ¢ dando-Thes gar na nova estétca © Moderismo, de um spas $0, rompia com a ideologia que segregavao popular — ditor- endo assim nossa realdace — einstalava uma linguagem con forme 3 modernidade do sécuo. ‘Outro fator que permite esa convergénca éa transform 40 sicio-ccondmica que ocorteentéo no pas.(O surto indus trl dos anos de guetta, a imigragioe 0 conseqiente proceso de uthanizago por que passamos nesa epoca, comeqam acon figurarum Brasil novo. A atvidade de industializaio permite comparar uma cidade como Sio Paulo, no seu cosmopolitismo, aos grandes centroseuropeus. Esse dado ¢decisivo que a lite- tatura moderna esti em rlagio com a sociedade industrial tan- to na rmitica quanto nos procedimentos (a simultaneidade, tapider, as rénicas de montagem,a economia ea raionalizagio da sins). E de se nota, entretanco, que no Brasil a arte mo- ddema no nasce com o ptrocinio dos capities-de-indsra: a pare mais refinada da burguesiaeural, os detentores das gran- des fortunas de café que acohem,estimilam e protegem 0s &- tones carts da nova corrente, Mario de Andrade insist nese aspecto cm vias partes do seu “O movimento modernist mando com humor: “Nenhum silo de rieao vemos, nenhum niliondrio estangeiro nos acolheu. Os italanos, slemaes si tats se iam de mais guardadores do bom-senso nacional ue Prados ¢ Penteados e Amarsis..”2 4 uma contradigo aparente no fato de a ate moderna, implicando coda aquelsigages com asociedade industria tet sido patrocinada e extimulada por ago da burguesia rural. O 2 Misi de Anrade,*O movimen moder’, Ape de ara Ire p24. 1830-0 enter» Modernismo pparadoxo, todavia, fica ao menos patcialmente esolvido se aten tarmos para a divisio de classes no Brasil, durante a década de 20% apesar da insuficiéncia de estudos a ess respeito, parece hoje confirmado que, além das relagées de produgio no campo paut- lista teem cariter nitidamente capialsta por essa época, uma importante frasao da burguesia industrial provém da burguesia, ‘ural, bem como grande parte das capitais que permitiam o pro- cesso de industtializagio.’ Dai nio haver, de fato, nada de espan- "oso em que uma fiago a burguesia rural assum a arte moderna contra a estética “passadista, “oficializada” nos jomais do gover- noe na Academia. Educada na Europa, cultralmente eefinada, adaprada aos padrdes ¢ aos estlos da vida moderna, ndo apenas podia aceitara nova arte como, na verdade, necessitava dela. Por ‘outro lado — e sso ajuda a explicarocatiter“localista” que marca tio Fundamente o Modemismo—a pur do su “cosmopolitsmo" « burguesia faz praca de sua origem senhorial de proprietiria de terras. O aristocratismo de que se reveste precisa ser justificado por uma tradigio que seja caracteristica, marcantee dstintiva lum verdadeiro carter nacional que ela represente em seu maxi ‘mo refinamento. F interesante observar que, ainda em "O mo- vimento modernista", Mirio de Andrade de riqueea e tradisao” no ambiente dos sales, ese refer vitias vezes ao cultivo da tradigio, representada principalmente pela cozinha, de cunho afro-brasileito, aparecendo em “almogos jantares perfitssimos de composigio”. Dessa forma, os artistas do Modernismo eos senhores do café uniam o culto da moder- nidade internacional a pritica da tadigao brasileira Ver aparl Caone Prins Rp A Repl Vela oI: is Fao, A Rl de 1930 Caio Pad Jt A vel rae Ca 4, Forma oii de rai similagio da vanguarda europeia “Daseclqueloiss I Anon Canin *Aconventainde pon etch I nici eaters Year ica pes Grd hj do movinento:o Minamareo Serafin de Ova I lets, csrncinade Mids, genoa eda posi Pa Dra Araprrs a ingogen era corespondi 1so da histéria propiciava um eeajusa Bea niu Onwali, Da fog enoradors modernist, so ‘que, cingienta anos depois, faz com que suas obras mais repre- sentativas mantenham 0 tago da vanguard, 2 Datase 108 anos trinta Essa convergéncia feliz, no entanto, se i principalmente lurante a fase herdica da Modernist, por razdes que, como & Sto eto long de vere so gorda — seq lord fem toda a sta extensio — nos breves parigrafos mmitemos, entretanto, nosso campo de investigagoes: ndo cabe aqui ‘uma anise da esséncia do movimento modernist, e apenas abor- ddamos tais aspectosa fim de nos stuarmos com maior lareza face & problemética enftentada pela critica lterdria durante os anos * Amon Cando, op itp. 45 a Bean Cc da Ma Orval de Andrade," Manf poo 1100: eres @o Moderisme subseqiientes& Revolugio de 30. Recapitulemos, portato, 0 que foi visto, etentemos chegar até li Vimos que, por uma razio de ordem artistica (a natureza intrinseca da linguagem modernistasolictando a incorporagao do popular do primitivo) oucra de ordem idcolégica (a bur ‘gucsia apoiando-se em sua origem ¢ revalotizando, através da transmutacio estética modemizante, hébios e tradigées cult ris do Brasil arcaico) os dois projetos do Modernism se arti- cculam e se complementam. Podemos agora lear um pouco mais longe oraciocinio cindagar das condigées sociaise politcas que, a essa época, permirem a complementagio Para situa corretamente o Modernism ¢ preciso pensar na sua correlagio com outras sries da vida social brasileira, em es pecial na sua correlacio com o desenvolvimento da economia ca Pitalista em nosso pals. Af parece estar 0 fulcro da questdosaten- tando para a efervescéncia politica dos anos vinte o observador poderd inferir que o Brasil atravessa uma fase de transformages profundas, endentes a configurar um quadro ccondmico-estru. tural mais complexo que o sistema agririo-exportador herdado do Império{ As modificagées no sistema de produgio datam, na turalmente, de muito antes da década de 20: vém de antes Abo- ligdo, com o emprego do trabalho assalariado, epassam pelos su trio” do Brasil. Em termos de mudanga de énfse essa modifica Bs perlite da degen val ado vet ae : hanes Bede odie nen eaben a nk da ai gem vio sendo accita e praticadas (“rotinizadas”, se: ‘gundo Antonio Candido) vio sendo igualmente atenuadas e di Tuidas, vao perdendo a concundéncia que transparece em livros radicais e combativos da fase herdica, como as Memdrias sent ‘mentais de Joio Miramare Macunaima. Tal diluigdo, ass, comega antes de 30, comega no interior mesmo do movimento modernista ej na hora mais quente da Ja O crtico Haroldo de Campos, examinando a dialética en tre "Vanguarda kitsch’, observava com acerto que o Verdams: relismo e a Escola da Anta dissolveram e aguaram a escricura vanguardista.’ Mas é principalmente na segunda metade da dé cada de 30 quea btichizapto da vanguarda parece se cornar mais aguda, mais grave, até desembocar, nos anos quarenta, auma Titeracura incolor epouco inventiva, e numa lingua te preciosa, anémica, *pasadista, pela qual éprincipalmente res ponsivel a chamada “geracao de 45 Mas que tem iso ver com 0 projeto ideoligico do Moder: nismo, coma intensidade da lta politica ue strava aps Revo- lugio de Outubto, com as novas posigdes assumidas pelos inte lectuas artistas brasileiro, com os extremismos partidarstas do Perfodo que nos interes? A nossa ipdteseé esta: na fase de cons 1900; eres « o Moderismo cientzagao politica, de literatura partcipante ede combate, 0 pro- jeto ideolégico colore o projet estético imprimindo-Ihe novos ‘matizes que, se por um lado possibilitam realizagbes flies como as} citadas, por outro lado desviam o conjunto da produsio li- teréria da linha de intensa experimentagio que vinha seguindo e acabam por destruir-lhe o sentido mais intimo de modernidade. ‘Vejamos, deforma répida, alguns exemplos. 1Na poesia tal modificagio sed principalmente por causa dde uma reagio de fundo “direitisa”, que vem do grupo espiti- tualista encabegado por Tasso da Silveira, corte paralelamente 20 Modernismo com as revistas Terra de Sole Feta vai encontrar ‘sua realizado maior nos poemas prolinose retéricos de Schmid. Esse poeta, ranto como os seus seguidores de menos talento € ‘menos técnica (e que proliferaram no decénio de 30), parece-nos uum bom exemplo de diluigio: desejando combater as “ext ridades” do Modernism, 0 que fer na realidade foi incorporar ‘que havia de mais propriamente exterior no movimento (ver- so lvte,inspiragio solta, neo-romantismo) esquecendo-se do que «sce posua de mais contundente (coloquialismo, condensacio, surpresa verbal, humor). 6 deadota eaplicar com relativa mestria alguns processos poé- ticos de compor preconizados pelos modernos, foi incapaz de manteratensio de inguagem que caracterizou a vanguard, dis- solvendo-a no condoreitismo reacionsrio que Mvio de Andra de soube ver e denunciat."” Na prosa de fceo esse balanceio entre rotinizagio e dilui- (ow entre “vanguard” ¢ “kitsch fica bem mais claro, prin: Cipalmente no romance de deniincia, no romance “social”, “po- SSchmide foi capaz de rotinvar, isto ° Miso de Andrade, “Avo do cond in Apc de arte bre era pp 141-71 (prince as pares IV eV). 0s pressupstosbisicos 5, “proletirio”, “nordestino”, que & a grande novidade do jo, Incorporando processos fundamentais do Modernism, ‘como a linguagem despida, 0 tom coloquial e presenca do jee tipo de narrativa mantém, entretanto um arcabougo snauralsta que se €efcaz enquanto registro protesto contra njustias sociis, mostea-seesteticamente muito pousc inven- {¢potico revolucionsrio. Colocados ao lado de Serafin Pon (Grande escrito er 1928, embora publicado em 1933) ou Me- aia, dixam entrever a pequena audicia ea curta moderni- le de seus esquemas. Nio cabe nos estretos limites dessa introdugio — repeti- “mos — um anise da evolugio estérica do Moderismo nos anos ‘tinea, Limitamo-nos aqui a esbosaro roteiro de um conflito que ‘nos afigura importante para compreender e situar os proble- mas que serio enfrentados pela critica nesse momento. A tensio que se estabelece entre o projetoestérco da vanguarda (a ruptu- fa da linguagem arravés do desmudamento dos procedimentos, Aacriagio de novos ciigos,aactude de abertura ede auto-reflexio

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