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FREUD E 0 ViNCULO SOCIAL so 1 vem e tabu. 0 advento do social (Com Totem e tabu Frevd inaugnra sun tcoia do fundamento do foclal © da cultura, Apesat das extieas susckadas por esta obra? fla ocups uma posiglo ceatral ua obra freudiina. Ele propio nos incita a pensar desto modo: “Ew eserevo (Giz ela), nest moment, © Totem com a impressio de quo ser meu mais mmportante, met melhor talvez meu tino bom wabalho, Qualguer coisa em rim me diz que tenho rszio..."# "Desde A inerpretagao dos so- ‘thos, nfo eserevi anda com tamasha conviegios € por is que setedto prever 0 destino reservado a este enssio."S Numa de suns, primeias caras a Ferenz, ele confess: “Tem sido abominével 0 Luabatho que tenho tido com o Toten. Lio tos enormes gue alo sme Inteessam na realdade, pois sel de antemto 0 que saixé dal, ‘meu destino me diz, mas é necesirio passat por tudo iss, stravis de todas a6 matéissreatvas a0 sujelto... minha inpressto 6: ‘ou 36 procurave una poquena Tigeplo e cleme forgado, ns minha Hdade, 5 esposar uma nove mulher"® Assim, ness poucas Unhas, Freud nos adverte da imports: tin de seu tivo, que cle coasidera como 0 mals inovador depois ils A inerpretagdo dos sonhos, nos mostra sua seguranga sobre a iregio'e sguir © nos apresente seu trabalho como 0 info de wma eligi durdvel, como um etsamento forpada, mas a0 mesmo ter bw pete, previso omar Freud ao pé da fer. Assim como a explore- ‘sow sihos & avin ral para 0 conbsemento do inconscient, 1 conve do fenimencetabus e fotémicor const eva rel {iu # eaplonagto dh vingilo soil, Este Teo abe um novo care ote @ tbe = po no pensamento freuiiano que, sab alguns aspects, dé continu ade As suas ovis anteriores, mas que, em outros pons, tende 4 questioné-as radicalments. Nio 6 sem razio que muitos psicuna- Isles oriedaxes tveram o tien tendinds 4 rojlar a obra social tien freagiana ¢ a consideréla come indigna ou mesmo extava. funte® Hes nio viam em gue ela podera sec Ot ao tratamento de eas pacientes, © quando reletiam sobre sua perinéncla, ingue- tavumse 20 pensar nas possves implcagSes de tae ids, Na ver- dade, essa obra murce nfo apenas uma descentraliagio do olhar do analista (ai entdo ceateado 20 individua), em diepdo 40 "so. slow", max_peinspalmente o aparscimento de uma tooria radical: -mgnte_pestmiss, fazndo a Iumanidade naveor de"um cilmaco- rmuldo_em confuia, cine do qual husanidade ao pode jamsie se lbw. Asim, © primeto ciime 140 & tento o prelidio de uma Sle daiaserupe os, Que Dalese 927 0 eoROTO ROE ‘a exitincia humana em socedade. Nio exis mai espe ranga do um dosino fla para a comanidads hamane eeociedo « tam deseavolvinento harmonioto ca seraaidede, Ao cssinar Totem tabu (bem antes de formular explitamente ® hipéiese de uma pulsfo de more), Freu enlerra defisitvamente « fda (que seré ‘manta por Reich coat todos e conta tado) di iberagio pos sfvel do indviduo pelo aio de astumir sua serusidade genital ‘sim cola & teria da maluragia do indiiduo travis da act ‘Ho, reaizgio © eublinagio do suse pustion sexi, ilas que bees, eo) mvlor od mene grad, pdtcn picnics, mesmo que © discus qe acme entucle capi eo. tei. Nio & por new, enti, quo depois Se Toten © bw Freud se Ine a0 estado do narcisismo, ode 0 “sgo" 36 trimorms om tum "objeto", uma imagem, um vest do identileagies puss das? © sua teria se orienta em dregio & psleologia des massis © a pulsdo de morte, Tove e tabu trou una nova via (canto, Preud nfo abandosaré totalmente 4 satigs), x da expeculagio filo. sofia, da reflexto sabre 0 social © & cultura, © sobretdo da ex- lorgéo do que reste 3 anise, daguilo que impede ssdicalmente felcidade du humanidade: a_presngn persistente do_desco de » te berks ww Sato 1. © RETORNO Do TOTEMISMO NA INFANCIA iw agora a0 contetdo do texto em si mesmo. A parte mais lee © mais contoversa 6 2 quarts, intiulada: "O tetoro do {otemismo sa lnfdnci”, As ees primeirae parts extto longe do rom desitecessantes, Vollsemos posteiormente a clas. Mas, 22 indo a adigto, comocaremos pelo exame do capitulo escands- oso, & partir do qual se redireciona obra reudiaa, © que nos diz Freud, de repente, sefo que o nascimento de um_grapo é eneslativg. atm etme cometdo em comum? "Coto tin, os irmos, que than sido expclss, reforarsin juntos”. Tudo omega como num conto de fadss, ox como o relato de um mito ‘riginki, Frond nos fez artim presenti tanto o eater hipottion (a romunesco) do que ele enusca, come seu axpecto de pura crgam, de aurora da humanidade, £0 big bang da civiizapio, Certo dias gio sempre um ato orginal, um a9 fundador (6 a necetsidade de um afo ral, e no sinplesmente sochado, que con- ‘wird Freud, apos ter abandonado a teoca da sedugho, pelo menos fem sua primes versio, a peniar que € nevesstio colocar um Scoatecimento ne ovigem dt ooistg Ble até crocus’ 0 ‘evento sobre o gual se funds a realidad, Pera que se constitua em ‘um movimento inreversivel, 6 necessrio que tenha sido coneluido hum ato (“ao Inicio era @ ata” diz o Fausto de Goce, frase que Freud toma emprosiada) que Go permite a ninguém voltar tris © gue, mesmo reprimido © censurado, volta sempre a assombrat a5 conseiacia, se ineminar nos sonhos, se zevelar nos sintomss ‘newdticos ov noe ats falhos da vida cotidans, Tods ago 6 wma farmudiha. Ele ngo pode ser compreendida sem reertacia a tina ‘origem a partir da qual o tempo pode ser contado (¢ natrado) * fm sua inpotéacia_comum, que os toma semeh ‘Ksmunidos? Essa impoténes, coniude, ‘usu irmis, Elz podcea, ao convo, utigar a rvaiéade entre ‘oss ub AHO of exclidos’ de palavra-e dn soxulignde, a fim do + Nv vial Hrametee “compid (er come)", NT.) fentac tomar o Iupar do pal, ov pelo menos do se stuar no tgar do prego, so qual o pai nde uma parcla de seu poder, Talves Blgans teoham mesmo Yuscado ssceader 2 uma sinaglo melhor Mas expeimentarum a fnutideds do sua tentative, que, esrate ralments, 6 pode resaltar em frcaso, Pot, pack actiar a reper tigdo_d0 poder, ov par seat prefetnea por un Sih, € maces 1-que © pai s perecba engainto pu, O- que presuple qi a cs iiapio jf masceu e que as relagSes de parelesco so etabelece- Fin ¢ foram oconeldas como tal, Ors, © Tempo pimevo v6 60- theca ab Tolagdes de fouga eas rlagdcs sexual nocontrolads. Invenando primeira rego de soidwiodade, reconhecendo 0 onto enguano oairo © enguanto semethants, cass seres podem 56 Fecoahcesr como ios. B esa invensio € « consegigece de sua reunite, lex retormaram juntos: preparendo 0 compl, eles se des ahzem femios. 0 deseo dele & de conjnrar saa impotencia © de Sseapar A fuscinagio mortfora 1 gual se submtem, bem como 3 Imago e ao temor frente 20 onigotente. Ao fazrem io, elt = ienificam uns com os ottes, exprincm sua soliariedade © ‘econbesem o vinelo ibidinl que os ne no 6dio. comum conta © ui. Bis enti 0 golpe de meste de Froud: so& 0 io que tas- foyma_os sere submisos em iemios, € seu assasinalo que rin forms o chefe dx horda em pa. Logo, alo exe pl, ie es, que pode tim ser invesdo, nfo somente posnul ax mutheres, mas finda, © sobretado, € 0 objeto de tm dewjo de morte. pay o> {uanto tl, nfo exisle a nfo ser morto realmeate® ov simbolea- mente; 0 que nos iva a uma nogto fundamenta: 0 pai nfo ence ko ser como ser mileo. Do momento em quo ole 6 rel ¢ encar- 0, de-ango, de confers, come © pal ani- cs zeratado por Nalinowslo» Maso payer vagisie ie groveca revere, terror © enor to meine tempo, o pei € aquele que sors, cain ¢ que deve tatko ter moro eis 0 mime, venedo; se 6 ald dso, 0 por adore dcpostero. das_pribghes, Sex asusinto 6 scompaniade de cupa-evenerago,Nlo ete las 0 pal real. 0 pal € sompre do momente-em_que-a fuaeio pslema.€ reconheciés, of. thos io ‘oprimidos. Hes estio numa posgio de dependéaci, pesos entre deseo © a Wenifcago, Sem a referéncia pate, nenhuma cult 32 da horda ao Estado ta € concebivel. O acesso 4 cultura passa por esta referéncia. Ja ai se delineia a idéia de que a mola da civilizagéo & sempre de ess€ncia conflituosa e tem vocagdo neurética, Reportemo-nos, por um momento, A unido dos irmaos. A con- seqiiéncia do que diz Freud é inquietante em sua simplicidade. Para ele, um grupo s6 é imagindvel e coeso a partir de um. _projeto comum, Partilhamos tal concepgdo, que se tornou alids ba- nal, depois que os psicossocidlogos fizeram dela o ptimeiro prin- cipio da teoria do grupo. Mas o que Freud designa — e ele foi o Unico a té-lo feito — é a natureza do primeiro projeto que pode unir seres diferentes, Ele propde que o primeiro projeto, aquele que permite justamente a tomada de contato e o estabelecimento de relagdes comunitarias, s6 pode Ser uma conspiracéo contra um _ou- fro, contra um poder vivenciado como maléfico. Ent&o, tanto a alteridade quanto o reconhecimento mituo procedem de um movi- mento contrério e séo inauguralmente um efeito do édio partilhado. A primeira vez em que os seres sabem o que querem é quando po- .dem_dizer o que rejeitam. Nao é 0 termo origindrio de todo grupo (e de todo individuo) enquanto tal e se pensando assim, Nao a dominacao, ndo total que sé pode se exprimir pela destruig¢io do outro. O_objetivo desta aniquilagio nao é o simples desapareci- mento deste outro, que recusa qualquer relacio de alteridade, pos- suidor das mulheres e da linguagem, situado a uma distancia ver- tiginosa_dos criminosos, mas principalmente a apropriagdio desta poténcia e desta violéncia origindria, “Enfim, eles mataram_e devo- raram._ 0 pai.” Pelo ato de incorporacgio, que segue-se ao assassinato, sela-se de forma durdvel a existéncia do grupo. O banquete coleti- vo, durante o qual sfo incorporados as virtudes e os poderes da- quele que imagina possui-los, 6 0 momento em que © grupo vive um sentimento coletivo, no transe e na excitagio, em que cada um pode ver no olhar do outro o mesmo 6édio e o mesmo contenta- mento, se identificar ao outro na medida em que este se torna seu semelhante pela incorporagio de uma poténcia, de uma carne e de um sangue nico. O_sangue do onipotente corre na veia de todos. O momento do festim se apresenta como o segundo momento forte desta histéria: eles se reuniram, eles o devoraram, O assassi- nato, momento intermedidrio e central que organiza o que o ante cede e€ 0 que o sucede, é ao mesmo tempo um momento fugidio e, sem duvida, menos fundamental do que parece em primeira ané- lise. Explicitando melhor: se o desejo de morte no estivesse pre- totem e tabu . 33 sente, a reunido nao seria concebivel, se o assassinato nfo tivesse sido consumado efetivamente, o festim seria inimaginével. E, no entanto, o evento essencial ¢ a conspiracio longamente preparada. Ela suscila um sentimento de forga comum, favorece a coesdo do grupo, preside o nascimento dos irméos. Outro momento forte: o da refeigdo. Ao comerem juntos da mesma carne, os irmfos se re- conhecem definitivamcnte como tal, isto &, em igualdade, repartin- dco os despojos, unidos pelo mesmo sangue. E ent&io necessdrio de- vorar 0 morto, intcriorizar suas capacidades, a fim de se garanti- rem uma origem ideal, que transforme os membros do grupo em fragmentos representativos deste ideal e em seres humanos (e nfo em outros pretendentes 4 onipoténcia). Esta refeicio em comum tem por conseqtiéncias: a preeminéncia definitiva do pai, que ter4 sido 0 tnico, para sempre, a ter possuido tanto poder e, em coro- lario, sua idealizagéo permanente; a coesio de um grupo descen- dente de uma mesma origem, pela carne e pelo sangue; e, pela criagio do pai como tal, a existéncia de filhos que, por sua vez, poderao ser fonte de filiagdo e criar assim um mundo humano;! a instauragéo da igualdade, cada um dos membros tendo incorporado 2 mesma parcela de virtudes e reconhecendo o outro como seme- Ihante e diferente. O ritual crist@o, o qual exige de todos os ho- mens, no momento da comunhiao, que incorporem uma parte do corpo de Cristo, e se descubram, assim, filhos de Deus, seres huma- nos entre outros seres humanos, exprime com toda a forca a idéia de que a devoragéo de Deus é indispensdvel para que cada um possa se transformar num elemento da unidade divina, ligado aos outros pelo amor e nio pelo édio. A refeicfo instaura a comuni- dade feliz, funda um grupo onde a alteridade é reconhecida, a poténcia sexual repartida e onde a linguagem fortifica o vinculo erético. A histéria poderia terminar assim. E nds sé conhecerfamos pequenos grupos coesos que viveriam sob a égide de um poder fraternal. E assim que Freud concebe o fim de seu mito. Os irmaos se sentem culpados por terem matado o pai que temiam e que amavam (pela ambivaléncia de sentimentos). Eles decidem renun- ciar ™ (para nio reacender entre eles uma nova guerra) ao objeto do desejo pelo qual se tinham ligado; paralelamente, eles mitificam O pai, instituindo-o como totem ou Deus, emblema transcendente, respeitado e venerado, vivido como fundador do grupo, N§o total- mente omitido, mas pouco focalizado por Freud, € que, uma vez os irm&os reunidos, ressurge em cada um o desejo de ocupar o lugar 34 da horda ao Estado do pai destronado, se apropriando de seus poderes. Ao amor, su- cede-se a rivalidade feroz entre os irmios (embremo-nos das his- térias de Caim e Abel, Remo e Rémulo, Etéocles e Polinices). O crime ronda entre os irmios. Os irmdos, como o pai, se transfor- mam em “o que é bom para matar”. Impossfvel ser diferente, pois o poder nao foi desmitificado nem mesmo socializado, pelo con- trario, ele se tornou sagrado e, enquanto tal, seu aspecto fascinan- te perdura e se amplifica. O homicidio do pai institui a possibilidade constante do assassinato, A civilizacio nio somente se inicia com O crime, mas se mantém através dele. Mesmo quando o crime real é suspenso, ele permanece admissivel. E sem dtvida por esta razio que, em certas sociedades primitivas (em particular, aquelas des- critas por P. Clastres),18 0 chefe ser4 compelido a evocar a histé- ria do grupo para reforcar uma unanimidade sem a qual a comuni- dade pode explodir a qualquer momento, Compreendemos agora por que o parricidio é indispensdvel A criagio da cultura: ele nos introduz no mundo da culpabilizagio, da rentincia (tanto A reali- zacgao do desejo quanto ao seu inverso, ao desejo de realizacio), da instituigéo de uma fungio paterna na origem da humanidade, da necessidade da referéncia a uma lei externa transcendente (im- pedindo a arma de guerra de ser o tnico “julgamento divine”), que se manifestaraé em “organizacdo social, restrig6es morais e da religigo” 14 Passamos entio do tempo primordial (o grande tempo regido pela repeti¢do infinita dos mesmos atos e pensamentos), da horda, conduzida por um tirano onipotente, caracterizado pela recusa do amor e pelo manejo da forca, ao tempo da histéria tornada pos- sivel por esta primeira infragio da ordem, que foi a deciséo undéni- me do crime. Passamos de um mundo de relag6es de forca a um mundo de relagdes de aliancas e de solidariedade (mesmo se estas permanecem frageis), de um estado de natureza a um Estado de direito, onde a lei é encarnada por aquele que representava em vida 0 arbitrio total. Esta criac#o do social é acompanhada (precedida/ /seguida) pela expressAo de sentimentos complexos: amor, venera- cao, amizade, culpa. O nascimento do grupo é inconcebivel sem o surgimento correlativo de sentimentos. Se a hipdtese da horda primitiva, da conspiragéo dos irmaos, do assassinato do pai e do arrependimento dos filhos fez o sucesso totem e tabu 35 (e o escdndalo) do livro de Freud, ela nio o resume. A maioria dos criticos tem tendéncia a se contentar com essa hipdétese, es- quecendo assim as questGes tratadas nos primeiros capitulos, isto é, o desejo de incesto, a relagio do tabu e da ambivaléncia, a oni- poténcia das idéias. Ora, a exploragio dessas quest6es nfo sé for- nece novos elementos A hipdétese central (“toda sociedade repousa sobre um crime cometido em conjunto”) e lhe confere um carater de necessidade tedérica, mas ainda fornece elementos decisivos a teoria de Freud sobre a instauracio do social e seus mecanismos de funcionamento. 2. Q DESEJO DE INCESTO l’rcud ja o tinha percebido ha muito tempo, apesar de sé dar-Ihe scus “titulos de nobreza” e seu nome definitivo, “Complexo de Edipo”, em 1910. Ele ja tinba mostrado seu cardter estruturali- yvante para o futuro do individuo e para a constituic&io das neuro- ses. Mas em Totem e tabu ele di um passo decisivo. Freud revela que o desejo do incesto esta presente cm todas as sociedades, e se mianifestando de tal forma nas socicdades primitivas, que estas sao verdadciramente possuidas pelo medo do incesto. Dai, a let da exo- pimia, que “proibe aos membros do mesmo cla totémico de ca- sit-se ou de ter relagoes sexuais uns com os outros”.5 Em outras palaveas, a proibigio do incesto nio ¢ apenas um elemento indis- pensdavel ao funcionamento da familia, 4 aceitacdo da alianca e da filiagiio (c logo, a estruturagfio do individuo); ela se torna o ele- mento central em torno do qual se organiza o socius e que, se- gundo Lévi-Strauss,16 permitira definir a fronteira entre natureza e cultura. E certo que Freud nao inova, e os socidlogos (Durkheim em primeiro lugar) e os etndédlogos j4 tinham se interessado pro- fundamente por esse problema. Porém, Freud acrescenta a neces- sidade de uma instancia interditora visando impedir a satisfacfo da pulséo no imediato e permitir a ligagio duravel e inevitavel do de- scjo e da lei, tanto no individuo quanto no corpo social. A ques- tio do Edipo nado é mais uma questio colocada no desenvolvimento do psiquismo individual; ela é a questio decisiva 4 qual todo corpo 36 da horda ao Estado social deve responder para alcangar o estado de cultura, isto é, para viver em relacgdes estabilizadas e simbolizadas. A tmica res- posta possivel consiste na edificagio de uma proibicdo, na cons- trugéo de uma instancia repressora. A civilizagio nasce com e pela repressio. Nao pode existir corpo social (instituigdes, organiza- gdes) sem a instauragdo de um sistema de represstio coletivo. Igual- mente, néo ha sociedade que possa surgir sem ser regida por um sistema de parentesco, ou seja, de regras de alianca e de filiacao, condigéo do reconhecimento da diferenga dos sexos e das geracées. Sen&o ela sé funcionaria sob o reino de fantasias do caos primor- dial, da indiferenciagio e da permissividade total, Para se constituir, uma sociedade deve impedir a realizagio ndo-mediatizada da sa- tisfagdo da pulsio sexual. A expresso pulsional direta é incompa- tivel com a criagao do socius; este s6 se constréi em relacio a um desejo, e o desejo sé se faz ouvir na medida em que responde a uma lei de organizagio. Contudo, somos obrigados a escutar igual- mente o rumor obsedante da pulsio sempre presente, buscando a satisfagao, minando o sistema social criado que, pata se proteger, deve erigir continuamente proibigGes extremamente complexas. Se as sociedades primitivas promulgaram tantas interdigGes, n&o foi, pro- vavelmente, por temerem mais o incesto do que nossas sociedades, mas porque as primeiras institui¢des sociais foram as que serviram para reprimir, organizar e canalizar a sexualidade; as outras insti- tuigdes (econdmicas e politicas) se construfram posteriormente; por nao apresentarem o mesmo grau de urgéncia, se fundaram sobre esse primeiro alicerce. O primeiro drama da humanidade, e o tnico permanente, é o da tensio entre a tentagfo e a proibig¢fio do incesto; os homens desejarao sempre transgredir a interdic¢fo (consentindo assim na ex- pressio do desejo) mesmo sabendo que, se eles se permitirem a transgressdo e se mantiverem nesse estado, deverfo assumir as con- seqtiéncias desse ato: a destruigfo do social e do individuo. Entio, se €& necessério, como sustenta Freud, “considerar as relacdes de uma ctianga com os pais, dominada como é por desejos incestuosos, como 0 complexo nuclear das neuroses”,!” devemos concluir provi- soriamente que, ja que o complexo de Kdipo constitui o eixo em torno do qual se estrutura a cultura, a obra civilizadora é neurética em sua prépria esséncia. A aceitagio da neurose coletiva é o prego a pagar para sair do reino da violéncia cega. totem e tabu © 37 3. O TABU E A AMBIVALENCIA DOS SENTIMENTOS Niio se compreenderia o cardter imperativo da interdigéo do in cesto, se a sociedade se limitasse a fazer dele a possibilidade de trocas sociais. EB preciso ainda aceitar que o sonho da endogamia, a concentragio exclusiva sobre um pequeno grupo desconectado do mundo pode, também, ser terrivelmente fascinante; entretanto, to- das as sociedades tentam descarté-lo, por exprimir e mascarar si- multaneamente, o sonho do assassinato do rival abominado e ado- rado, daquele que ocupa a fungéo paterna. © estudo do tabu vai mostrar de maneira mais clata o duplo movimento de amor e édio (ambivaléncia) que lhe é subjacente. O que é o tabu senfo, “de um lado, o sagrado, o consagrado, ¢, do outto, o misterioso, 0 perigoso, o proibido, 0 impuro”,'® simulta- neamente o atraente e o temido. O tabu tem por “base uma agao proibida, para cuja realizagfo existe forte inclinagdo do inconscien- te?.19 A caracteristica do tabu é de ser revestido de um considerdé- vel poder, tanto para o bem como para o mal, Qualquer pessoa que entre em contato com ele torna-se ela propria tabu. Esta “proi- bigio de tocar” os objetos ou os seres tabus se compreende me- {hor ao considerarmos os trés tabus essenciais estudados por Freud: c dos inimigos assassinados, dos chefes, e dos mortos, ou seja, o tabu de trés categorias que podemos chamar “os estranhos estran- geiros”: o inimigo como estrangeiro 4 tribo, o chefe como estran- geiro ao grupo (possuindo as capacidades proibidas aos mortais, tais como permitir as vitérias na guerra ou favorecer a colheita abundante), o morto como estrangeiro a vida. Os estrangeiros assemelham-se no seu cardter fora do comum: o poder que eles po- dem exercer em relacgao a nés. O inimigo nos mata, o chefe nos sub- juga, os mortos nos assombram e nos chamam. E como néo desejar destruir estes poderosos personagens (mesmo se simultaneamente os reverenciamos, e cada vez mais o fazemos), para recriar um mundo onde nada esteja fora do prumo e nao nos sintamos invadidos pelo medo? A “proibigio de tocar” encobre secu verdadeiro significado: a “proibicio de matar”, a “proibigao de expressar agressividade para com os mortos” ou “os inimigos” (pois o perd&o destes sera solicitado), Deste modo, sempre nos confrontamos com persona- 38 da horda ao Estado gens pelos quais s6 podemos ter sentimentos extremos. O sonho de matar nao é, para cada um de nés, aquele sentimento mais extre- mo, que exprime o desejo de autonomia e poder? Na base da constituigio de um tabu encontra-se a rentincia A satisfagfo de um desejo. Entretanto, a rentncia que se expressa em um ritual que compreende diversas privacgdes nao é suficiente. O desejo de transgressaio parece ter sido tio poderoso que, para im- pedi-lo de surgir, foi necessdrio uma forga suplementar comple- tando o esforgo repressor contido no cerimonial de interdigfo. Esta forcga nada mais é do que a consciéncia moral (produto do senti- mento de culpa), a que Freud se refere nos seguintes termos: “ER possivel... falar de uma consciéncia tabu ou, apéds um tabu ter sido violado, de um senso de culpa tabu. A consciéncia tabu é pro- vavelmente a forma mais remota em que o fenémeno da conscién- cia € encontrado...”. Esta consciéncia “é a percepegao interna da rejeigio de um determinado desejo, influindo dentro de nds. A én- fase, contudo, é dada ao fato de esta rejeic#o nio precisar apelar para nada mais em busca de apoio, de achar-se intciramente segura de si propria. Podemos descrevé-la, sem nenhum receio, como uma consci€ncia angustiante”’2° Quais so estes desejos, senio os de- sejos de agressio, o desejo de matar? Deste modo, Freud cons- tantemente volta a seu ponto fundamental, o desejo de matar os poderosos, e suas implicagdes légicas: a rentncia necessaria, a im- possibilidade de rentincia definitiva, a aparigéo do sentimento de culpa e a emergéncia da cultura. O crime nado apenas vagueia: ele é fundador. S6 sonhé-lo ja acarreta os mesmos efeitos.2l Nio basta somente renunciar uma vez, € preciso aprofundar-se na rentincia, Ndo pode haver limites A in- vengao de tabus, de rituais obsedantes, de “proibigdes de...”. Tal- vez eSte processo chegue um dia a alcancar um “nivel de tensio in- toleravel”. Mas, no momento, parece que a humanidade nio fina- lizou seu caminho por esta via. 4. O ANIMISMO, A MAGIA E A ONIPOTENCIA DO PENSAMENTO O terceiro capitulo do livro é particularmente interessante porque nos diz ou possibilita entender sobre a onipoténcia do pensamento, totem e tabu 39 do narcisismo, da projegio e da arte, bem como sobre a relagio destes elementos com as pulsdes agressivas. A “onipoténcia do pensamento” é expressio de um paciente de Freud. Este termo expressa a capacidade que as idéias (forte- mente investidas afetivamente ¢ intensamente representadas) pos- suem de transformar-se em fendmenos reais. Entretanto, nao se trata de qualquer idéia, mas daquela que visa nossa rela- ¢io com o outro, objetivando dominar seu comportamento e sua vida. O que pronunciamos em relagio ao outro sao os de- sejos de presengca (de vida) ou de auséncia (de morte). O pen- samento cria a existéncia e o desaparecimento. Nio estamos longe do jogo do carretel, do fort-da que Freud evocara em Além do prin- cipio de prazer2® do aparecimento e do desaparecimento do ser amado e ao mesmo tempo detestado. Particularmente reveladora, ao longo do texto, é a predomindncia de citagdes de desejos de mor- te, Para Freud, a onipoténcia do pensamento parece ter mais liga- cdes com as pulsGes agressivas do que com a influéncia positiva sobre o destino de alguém, Fundar um mundo segundo nosso de- sejo, fazer desaparecer aquilo que ele tem de nocivo é, no minimo, trabalhar para a destruicgféo do outro?8 Percebe-se assim a conexao necessdria entre a onipoténcia do pensamento e o narcisismo, fase na qual o sujeito se toma pelo objeto de amor e onde o outro nao existe como tal (na sua prépria alteridade), mas somente como ins- trumento da satisfagio do sujeito e, mesmo, de sua vontade de do- minar o mundo. Neste caso, o narcisismo reveste-se de um carater mortifero, que o mito de Narciso manifesta quando este se afoga seduzido pelo reflexo de sua propria imagem. O homem-narcisista, querendo construir o mundo a sua prépria imagem, nao apenas des- ir6i os outros, mas também se perde, tio fascinado que esta por si proprio. Pode-se dizer que o recuo da realidade social significa a busca e a perseguicio da autodestruicgfio de si prédprio e ao mesmo tempo a dos outros. Entretanto, Freud mostra muito bem a projecdo destes desejos de morte sobre os espfritos e os demdnios que assumem o compo- nente hostil dos sentimentos ambivalentes e que tornam-se, com isso, perseguidores do sujeito. A teoria inteira da parandia, que fora claborada sobre o estudo do caso do presidente Schreber, encon- ra, neste texto, seu desabrochar no campo social. Os homens- narcisistas, os megalomaniacos, se transformam finalmente em pa- ranéicos, agindo no e sobre o “socius’. Como nao atribuir esta 40 da horda ao Estado necessidade projetiva ao difuso sentimento da onipoléncia do pen- samento (na sua conotagio narcisica) que nado é somente domina- ¢ao do mundo pela magia (ou pelo ferro, ou pelo fogo), mas, si- multaneamente, destruicio do sujeito por si préprio? O individuo recorre a este mecanismo para escapar @ sua propria morte, que marcaria a evasio total do campo da realidade e a instalagado defi- nitiva na neurose, A neurose nao é, na realidade, somente pertur- bago da vida psiquica do sujeito, mas o signo da proximidade de sua morte. Como o sujeito pode continuar a viver, quando ele é excluido de qualquer comunidade humana? Como escreveu Freud: “Do ponto de vista genético, a natureza associal das neuroses tem origem em seu propésito mais fundamental, que é fugir de uma realidade insatisfatéria para um mundo mais agraddvel de fantasia. O mundo real, que € assim evitado pelos neurdticos, acha-se sob a influéncia da sociedade humana e das instituigSes coletivamente criadas por ela. Voltar as costas a realidade é, ao mesmo tempo, afastar-se da comunidade dos homens.” 24 A projecdo, deste modo, permitindo externalizar os conflitos, mantém a onipoténcia do pensamento. Ela esté, portanto, estrita- mente vinculada a posigées ou estruturas parandides ou perversas. Ao projetar a cnipoténcia hostil sobre os deménios, o ser humano torna-se perseguido pelos maus espiritos, nao podendo sentir seu proprio comportamento de perseguidor, o que the permite conti- nuar acreditando, em parte, na onipoténcia das idéias positivas que surgem dele. O ser humano se concebe como “senhor e dono da natureza”, podendo ainda se conceber como dominador do mundo para o bem dos outros, como criador do mundo, como criador do real. O real?5 & 0 que os perversos e os parandicos desafiam (mes- mo se diferem em varios pontos), Neste aspecto nos lembramos do famoso aforismo “a perversio é 0 negativo da neurose”. A perver- s40, em especial, permite conservar a onipoténcia do pensamento no seu lado positivo, sem sentimento de culpa; facilita, assim, a conservacao de um lado narcfisico que torna possivel estabelecer os necessérios compromissos com a realidade, A tecnocracia nfo se enganou, ela visa criar um mundo calmo, sem culpabilizar os indi- viduos, tenta transformar (destruir) o mundo, dando a sensagao de agir pelo bem comum. , Talvez assim nés tenhamos nos afastado do texto freudiano, Mas seu terceiro ponto, a arte, se relaciona diretamente 3 onipo- totem e tabu 41 téncia do pensamento, ao narcisismo e a projecdo, o que nos per- mite retomé-lo. _ Segundo Freud “apenas em um tinico campo de nossa civiliza~ vio foi mantida a onipoténcia de pensamentos e esse campo é 0 da arte, Somente na arte acontece ainda que um homem consumi- lo por desejos efetue algo que se assemelhe A realizacdo destes desejos € o que faga com um sentido lidico produza efeitos emo- cionais — gragas a ilusfo artistica — como se fosse algo real. AS pessoas falam com justiga da ‘magia da arte’ e comparam os artis- lus aos magicos”.26 A arte, na verdade, precisa de um a priori nar- cisista, ela permite projetar diretamente na escritura (redacional, pic- (Grica ou musical) os fantasmas, conflitos e sentimentos ambivalen- {es que perturbam o criador. Sem divida “a arte funcionou origi- nalmente a servigo de impulsos que estio hoje, em sua maior par- le, extintos, E entre eles podemos suspeitar da presenga de muitos intuitos magicos”27 Nao diremos, como Freud, que esses “impulsos cstao em sua maior parte extintos”, Pelo contrario, no mundo mo- derno, fundamentalmente regido pela politica, a arte de governar, a arte da politica (ou mesmo a politica como arte suprema) é impulsionada ao mais elevado grau. Como nao entender que a ma- gia das palavras, o fascinio que elas exercem sobre milhées de ci- dadaos, a referéncia a solugdes milagrosas constituem o elemento fundamental do espetdculo cotidiano, 0 que permite a uma calego- ria de dirigentes assentar e glorificar seu poder e ainda pensar que i realidade deve curvar-se aos projetos e leis por eles edificados. Se toda arte tem uma estreita relagio com a perversio, e se a magia é uma arte, pode-se avaliar que a magia desapareceu deste mundo, A onipoténcia do pensamento em seus aspectos parandicos ¢ perversos tem ainda um Jongo caminho pela frente. Pois ela man- tém relagdes diretas como todo o poder e, como pensava Freud, com i poténcia dos chefes da horda. Em sua Ultima obra, Moisés e o monoteismo,?8 Freud retorna ao fendmeno mental: “este fendmeno reside numa superestimagdo da influéncia que nossos atos mentais (nesse caso, intelectuais) podem exercer na alteragdo do mundo externo. No fundo, toda magia, precursora de nossa tecnologia, re- pousa nessa premissa. A ‘onipoténcia de pensamentos’ foi, supomos nés, expresséo do orgulho da humanidade no desenvolvimento da Fula, que resultou em tao extraordindrio avanco das atividades in- telectuais, Escancarou-se 0 novo reino da jntelectualidade, no qual idéias, Iembrangas e inferéncias se tornaram decisivas, em contraste 2 hrda oo Bead com a atvidude psguice infer que tinha como seu cantesdo as De¥eepgdes ditetss pelos gts sensors, Ese foi, incisutivet ‘mente, um dos mais importanes extgios no eaminho da Ronin! zagio"® Kauffmann comente es texto dizeado: “Dagui em diante fencontnese o tema do assssinato do eRefe da horés, pela assink- lagi ci onipoténcin do pensamento ao investimento’aaccisico, da Yingungsm naseente, promovido 20 resto da constinigio da lin ‘guaser. A hipGtese do assisinato oxyinal pode entéo, ser form Tada nos seguines termos: o acesso da humanidade & lingvsyem ‘em, como contepartds, © suryimento de uma culpa cole, visto ‘aue'0 grupo, excluindo 0 onipotente, eriow condigies de se apro: iar da poténcia signiicane™* ‘Segundo esa andlise, coneutinos que o podsr dirsio do chete a horda, sua “soberant artculapto”, exprimindo-se dietamente pelo poder fisico © pelo poder sexual (em tempor priaeros howe "um personagem que estava fadado 1 parecer gigantesco”) fase seompanhar jgualmente do poder da palavza, qe aparece como. & ‘inien que o grupo deve considers, A efetiagio da conspiraglo eve ter exiido de exda um dos membros » apropiagio « © sper feigonmento deste jnsirumeato, Mals adiante, quando 0 grupo tore e dividir 0 corpo do chee estabelecer a6 regs do troca e de reciprocidade, tothe indspensével contiaase a desenvolver est ia frumento rudimentr, « Unguagem em estado nascente, Fare entio novos assnalr 1) gue os membros da horda tm o semimento de que a tn guagem 6 um instrumento de pote, visto gue 56 0 chefe da horda ‘a domina (cla representa mesmo a quintesrincia do poder, pois nfo fxits nenkum histo eae presenge fia, sexual © poder da pel ra). A Tinguagem € vivida como a expresifo da onipotéacia, Motive pelo qual, qrando os membros do grupo apropriarun-se ds Fngas- fm, jlzaramans de modo pastcusr, afo’te furarsm 2 rflexto ‘de-que pensar sobee alguna coisa & exercr sobre ela wm dominio ‘ireto e completo. 2) por outro ado, a partir do momento em que a finguegem 4 compartihada, ela, inciaimeate, 36 podoré ace a expressio dt culpa e da inerdicdo, 2a pedpria medida das condigbes assastnts e sus apropriagGo. Assim, pela primera vez eles podecto recanhe- fer no chefe Gslonomia do pal c, simollancamente, reconhocer nm inmios: © que implica se namearem e viserem juntos © medo © veneragio em realedo t0 Bi ota tab e Mas, do mesmo modo que o assussinato daquele que se tor risk opal nfo significa 0 fim da violnci, e sim a eniida no ‘mando do crime generalizdo, a apropeasio da linguager ndo sig- nice wnicemente culpa, ela signiica'a crenga na “onipottacia do Pensimento” © a lta para determina’ agusle (ou aquels) que tem © direto de express voatade coltive, aquele (ow aqueles) culo pensumeato merece forar-se onipoteate ‘A projepdo sobre os demnios impede a jrrapglo, nfo-medtan tienda, dos aspectos mortferos do narisimo. Ela permite a atua- Vie das caractersiens paranéicas o porvesas du onipotincia do pensameato sob a forma da magia, da Wéenic, dn arte poliiea ou, simplesmente, daar. |& A ORDEM CULTUHAL Enoeeremos aqui nosso comentério (parcial, como todo comenté- rio), deste lvro excepeionsl, serito por Freud com conviegéo € Prazer, © qual fie continue sendo tio a sue obra mais comtro= ‘orda, como a mais contestda, Lembremos que Frewd monca a regou, pelo conteiio, retomou seus temas em Palolopia de grupo ‘andlise do ego e em Moise e 0 monottino. ‘Ao longo deste trabatho,teremos opertunidade de volta 2 esta inci, vio se elu una necessidade extrtural da obra de Freud te Lorna Toten ¢ tabu unt livre “fusdador”. Citsm08 passage, Iwan conbecida, que Ibe consagreu Lévi-Stnuss em 43 extnuwas ‘ementares do parentsce: "Mas, como todos os mits, 0 que é nywesntado om tio grande forge deumdtica em Totem tabu Iie das fterpetages. O deseo da mie ou da ima, o ssa sito do pal e © arepeadimento dos flies no eocrespondem, sex shiv a qualquer fat ou eonjunto de fos, que ceupam ni ise levie wi igae dfinido, Mis tadazem,talven, em forma seiblica, ‘80 mesmo tempo duradouro e antigo, O prestgio dete ma poder de moder, sem que se sit, os pensamentos dos Inn promémn jastemente do fato dor tos por ele evordos nun- Teva milo cometidos, porque a cultura sempre © em toda parte ‘yin wn AS satisfagoes simbdlias nes quis, segundo Freud, t erie senimento do ineesto 80 conser, poranto, 44 da horda ao Estado comemoragao de um acontecimento, Sao outra coisa e, mais do que Isso, sdO a expressdo permanente do desejo de desordem, ou antes, de contra-ordem”.*” Tais palavras, sedutoras e célebres, fornecem aos etnologes e socidlogos uma abordagem do texto freudiano, afas- tando (por sua identificagio com o mito) as criticas histéricas, que lhe foram dirigidas com vigor e, freqiientemente, com grande vio- Iéncia. Exprimem, simultaneamente, uma interpretagio do texto com a qual concordamos plenamente e uma outra interpretagdo que so é possivel aceitar se esvaziarmos o trabalho de Freud de sua propria substancia. Ao escrever sobre o assassinato do pai como um sonho duravel e antigo, a partir do qual “Freud explica com éxito nao o inicio da civilizagaéo, mas seu presente” e “consegue explicar nao porque o incesto € conscientemente condenado, mas como acontece que seja inconscientemente desejado”,?? Lévi-Strauss enuncia uma idéia eminentemente justa: que o que temos chamado de sonho de assassinato esta sempre presente de maneira lancinante e, mesmo nao se traduzindo em um ato real, se traduz através da culpa.% Tratando-se cu de um crime real ou de um desejo inconscicnte de assassinato, as conclusées sio as mesmas. Entretanto, Freud dissera a Jones, confidenciando-lhe suas dividas: “Antes eu falei de desejo de matar o pai e agora eu descrevo o fato real, mas apesar de tudo existe uma grande distancia entre o desejo e o ato”, Desenvolvendo esta idéia freudiana, somos levados a retificar o pensamento de Lé- vi-Strauss no seguinte sentido: para que a culpa nasga, o sonho de assassinato pode ser suficiente. Todo nosso desenvolvimento anterior (particularmente sobre o tabu), mostra bem esta quest&o. Mas ndo existe sonho que nado se figue a um ato. Se ninguém houvesse ma- tado o pai (ou aqucle que no inconsciente dos homens representa o poder na sua violéncia e nudez), se ninguém houvesse cedido A tentagdo e nao houvesse cometido co que F. Redl chamara o “ato iniciador’’,®> suscetivel de exercer “uma influéncia maléfica”, ndo se poderia compreender por que leis e regras tao severas forarn pro- mulgadas. Lembremos Frazer (que inspirou Freud): “A lei s6 proi- be o que os homens seriam capazes de fazer sob a pressao de alguns de seus instintos. Aquilo que a prépria natureza proibe e pune nfo tem necessidade de ser proibido e punido pela lei”. Foi necessario entao que tivesse ocorrido, néo somente um ato isclado, mas uma tgoria de atos mostrando (de modo repetitivo) que o assassinato nao é, unicamente, uma importante fantasia, mas um acontecimento localiz4vel que adquire sentido: assassinato do pai mas, também, totem e tabu 45 assassinato dos pais. Foi preciso que 0 incesto se produzisse para sey proibido de maneira tao radical. E testemunhas atestam que, se © incesto nado é um fendmeno freqtiente ©, ao menos, suficien- temente comum.® BH o que nos mostra Freud. Ao assinalar um ato como origindério, ele assinala ainda que tal ato (como todo ato hen pinario) inicia uma cadeia. A leitura de Freud convida-nos a refletir sobre o assassinato do pai e a rivalidade entre os irmios como um clemento constitutivo da cultura. Nesie ponto, a interpretagao de Lcvi-Strauss néo satisfaz. Na verdade, nao vemos _somente emer- vir na sociedade desejos de contra-ordem, ao contrario, a civilizagao é a manifestacdo (continua e violenta) de partidarios de diferentes ordens. Justamente a diferenga entre © homem e o animal é que ° jogo vivido pelos seres humancs é formalmente apresentade come j080 aberto, onde a luta é sempre possivel e o vence oF nae ; antemao conhecido.®? Contrariamente ao que escreveu Lévi- trauss sobre “os atos por ele [Freud] evocados nunca terem sido come dos, porque a cultura sempre ¢ cm toda parte se ones isso”’, ns pensamos, fitis a Freud, que a ordem cultural mani esta-se ee ; combate, o jogo aberto, assim como pela repressdo desis fen a clas; tanto pela atualizagéo do incesto como por sua inter isos Pe busca da onipoténcia e do dominio da linguagem, como pelo esta- belecimento de regras de reciprocidade. Lévi-Strauss, ao tornar o assassinato do chefe um simp v nhs, apaga a efetiva luta pelo poder, 0 combate pela conquis a a palavra, Ele os transforma em puras fantasias. Ao contrario, eve mos ser reconhecidos a Freud por nos ter dito que no inicio exis iu o ato, & ter assim inaugurado sua obra scciologica, buscando exgue- la sobre fendmenos reais e nao unicamente sobre fendmenos ima ginados. Até o presente momento, vérios elementos aparecem como " ea assassinato do chefe da horda (acontecimento real “ pré-histéria ¢ da hist6ria) converte o chefe em pai, em simbo o da comunidade e converte os membros do grupo em filhos e em inmaes. © crime preside o nascimento do grupo, da historia da meus me b) As primeiras instituigdes socials, permitindo regu ar Swrnta blema da possivel rivalidade dos irmaos para a obtengao e di sao das mulheres séo, assim, as que serviram para recaleat € canalize 1 sexualidade. A proibic&io do incesto encontra al sua razao de existir, A tentaciio do “entre-soi”, da endogamia, encontra aqui scu carater fascinante, obstinado e repetitivo. “ te harka 9 ato 1A pmiigio do inceto alo & suficiente, os iemtos podem Jaws ocupar 0 Hogar do onipotente. A eonstugan dos tabus, ‘crnnmatt te envolve © objeto tabs, tém por fagio exprinie ‘uubivsteia ds seatimentos e a culpa coleivs, A culpa fe surgi ‘8 conseioeis moral, gue visa impede © asasinat real (Lan par ‘sme fatdsida) eo incest, 41) A impossblidade de sproprasto da potéaca fice sexual ls unm “Ser nico” por um dos membros. do gropo possbllita. a ‘eutaiva de eaptar esto poder por intemmétio di onpotéaci do ensamento. As ida 880 mbsttton da forea. A patentia © a per verso enconrari, deste modo, a possibiidads do seu suiyimento © de seu. desenvolvimento, ©) A civlizagio vive do assasinato © da repressio do assass- nat, do deseo insatiseto © da vontade de iransgressio das norma © Beipo € o elemento estrutral da civilzasio’® Tode evilaagio fem, entéo, uma essncia neurstca. A passagem da forga i civil ‘aglo € a passagem de um mundo rogido pela forga a um mando sovernado pela neurose. En Totem ¢ tabu Weve 0 advenio do socal. Em Pscolog de grupo... serio apresentedon 08 meceismos do fuscionamento 0 social. Totem e tabu nos fez eatrever a ginese des iasituisdes, Poicoogia de gepo... os Tard entrar na vida 4 istiugSes, capislo 11 A ordem das geracies A relacdo adultos/jovens A situugdo de jomem & por defingdo, uma sitagéo preciri., Quan- ‘do Frond evoca aseasinto do chefe de hords, & org imsginoa tum tempo em que © ebele manteria seus fithos em estado de infan filzagdo permanente, proibindo-thes 0 acesso 3s mulheres, ow se}, 120 que permite a um mening tornar-e homem. AS socedades hu ‘mans, contarameate, fundamse através de consante.passagem (pa os machos o somente para eles) da situapio de esangas te duzdas a uma cxstincia “nfrasocial” A de “homens jovens, reco rnhecidos socialmente ¢ ainda dependentes” fnaimeate 2 situagio ‘de “homens detentores da plenitude de diteitos e de. privlégioe™+ Siuapio temporéra, submissio temporsris, eta € a sorte das celangas machos. Soxe ao compacétel 8 des’ mulheres, clocadas fem sitwagio de menoees “ad vtam aeternan". 4, A RELAGAO PAL/FILHIO. [A sitaagio pui/filho 6 fortemente marcada por entagoniamo, ambi. valencia e, 36 vezes, rueldade, ‘Se sem pal nio exstem fils (no sentido social do txmo), scm fs, ito & sem individuos capazes de reconhicer a Jel do pil ¢ do te densfcarem aoe idens que cle transmit, tambéon nfo pode existr pa. Se, como diva Hegel, “a eranga vive a morte de fuk pais", se ao erescer a crianga os mata progressivamente, ac orn nuldnoma, esvaia-os de sous conhcelmeatos e de suas perro is, se a sovtedade deve, eto, iastuir um cerimonial a fim de ode dee ert 216 ‘que esse eiasinto lento ao se degenere em violénla Fisica, tame ‘bém & verdade que € a erianga que cro © pal, que Iresforma sdulto cm um individuo, encareegado pela caletvidade, por ele mesmo, da fomapio e transtormacio des “infavivene™ num set tosis. ‘Tornando-se pei, © adulto se v8 confinado a um papel de iniiaor © do edvcador, tomn-se 0 depositirie da ei do gropo € teansformese também emt dominador potencial, tendo, om erat 50- siodades, diteito de vide e de morte bre a erin ‘Ao tornurse pal, tormse iglnente i srupo. Enguanto ele € satsiro, ele € vagibundo, desig. io Aireto de fazer alga com outros elise ovtros grup 6 poss vel Indio de mulheres dos outios A pateraidade a truisforny en rmembro acsitével,cacionel, um dudliduo social, £ a exagi lisca ‘de um “nlo-scia!” — a rianga. (quo deve sr imersa mo wich) ‘= que transforms possivel pernurbador em individ integral, ‘Mas esa cranga macho € fonie de um duplo peri. Prost c criado pela mie, pode por ela ser absorido. Elo pode ner laos mente 0 tho de sur mde ©, por iso, contiauar son crv porte “uma mulher". O pai, ent, nlp poder ser investido eit pi, ‘enquanto ideale a coloividade no poderé rcoohes- he comin ‘um dos seus. E preciso entio que el arcangue a eiungs desn ie evoradra e excesivamente amerosa (4 iniciagio, fein cle tivo, desempenbars ee pape). "Arrancado du mic, le pode tomar-se wm rival path & pa teapassada a relagdo simbiten, emerge a rela fueron, Alta entte 0 pai ¢ 0 flko pela mie comegs, 0 dessa de eistogin so Uesperta no pui® ¢ o de essaminto se desperta no fll, Cima di tin Freud: “existe fondamento para pensrso quo. prubigies totémices slo dirigidns peincipelmente conten ox devsjo incestuoioe io fitho"* Esse {iho necesirio 20 homem, transforma cm rival Inguictune, deve ser reconduzido 20 seu lugar em xin clase de idee, cmon sag de sto ferme ete Wenge © op 2 0 SloNIICADO DoS RIrOS DE INICIAGAO ‘A situopdo acima comentads corresponderio ot itos de inicagzo ‘hservouse sempre, © com justa rao, que a iniiagto cia por 20 “te herle oo ato ‘objetivo separar deintvemente as evlangas da mio fazer masce- ‘rem homens por pastenoginese, apés entrerlos i. mori inciutlos ‘be comonidade dos machos e falosinteriorizar es qualidades dos fncostais gue presidem a eeviménia A inicagio desempeths, atrs- ‘Ge desies procedimentos ¢ tui, seu papel fundamental de sada tio mundo de natures (das mulheres) ¢ de entrada no mundo da ‘altre (dos ancestrais e dos homens), Preeo-2os que os estadiosos Dowco se interesaram pelas dfcldades das provas ae qusis devem, Se submiter of nodes, ainda. que tenhamos conhecimento de re Jatoe estos ede extrtorinésios documentos pitérico "No entinlo, se acompasharmes os trabalhos de Castes, deve- ‘mos aditr que "t tortura & x eséaei do ritual de inkingdo™. Os ‘Gusiagal tabatham toda a supeticis das eosts de seus jovens (no Tito de pasagen da condigéo de adolescente A de guereio cgi dor), exgindo gue cle figue em silacio, © alo © fazem com a fara fe bumbu comb, “gue nfo seri sufcleatemente doloroso", mas “Som uma pedra poveo amolada, una peda que, ao invés do co tar, ry’ Asim, “a dor acabu por torarse insiportivel, six Tencioto,o torurado desmaia"® Os habitants do Chaco trespassam, © penis dos iniiados com um osto de jaguar, Ene os Manis da ‘América do Norte (estdados por Catlin), “tures pelo corpo, bro ‘hes presos nas fxdas, enforeamento,amputage: a ima corida, ‘os reeutsor da cruckiads, parecem inesgtavels"? 0 se pode dat um plo. or que tal vilénca? Clastes respone: “No stual de ini so. a socedade imprite sua marca robee © corpo... oa, em oateas Palsvees, ela Smprime sus Te" 'A cbrigagio do sofrimento paca inscrover a sociedade no car~ ilo 6, como er6 Clases, "Ndo darts o dejo de poder, no ers 0 dejo de submissio", mas plo contetio, no te revoltarés, sovterde lei do pal (que é no apenss a ei do pat bilGyico, mas Ale toda a tibo e a dos ancesrais), nfo mals desejrés mats, is no conto respeitaco-s, nfo mais dosjarés tomar twa mie r nestarse of lagos de alitnga previstos para S, deves tomare ‘scr ps sempre submisso, que no dave mals ser inovador (Como ‘nr eyo em gue eras joven € loo), que no pode ser ported 4 lswinin (como as mulheres). E, um dia, 10 também, ne ‘uly, paste fazer oatzos sofesem. Sof van nM 2 erdon dae grotes a ver @ que ponto estlo prtximos castragio simbolien e castrate real... bastvia quate nada para se pater de uma & outma), softer 6 entrar, finaimentc, mum tnundo de submisio e de dominesio. ‘Tormarse homem € entrar nas rolgGes astisties, ‘© pai, mesmo pronuncianéo « interiglo do Ineesto, mesmo seado apoisdo pela comunidade para fazer ‘0 flho entrar 9 ciclo submistio-dominagfo, pode, no enlanto, temer a revelta ou a ani smosidade’ dos Sos, Um estado de EP. Skinner nos oferece um cexzmplo claro disso ¢ fornoco uma contbuigio essencial & valid Go das tesestreudianas, "“O antagoalsmo opondo pai filha resulta necesartamente do fato de que o primcieo tem a convicsdo de que © avango sovial de seu flbo “depende da sua propria morte". promogéo de um tem por condigio « superaséo do outro; 0 filho 16 pode entio deejec (mesmo inconssentemente) a more do pal” E Skinner ainda serescenta um dado preciso pare divimir qualquer ‘vida: “Os pals Mossi so tio senses 2 ii de serem subst. os pros Mlhos que se ressentom to vE-los ersset © progredie.* (© pat também ser separado do sou Tho primoginito a6 a puber= dude. Essa sepuragdo revels que cada um dos temos dx relagko consti uma ameaga para 0 outre; © pal pode desjar 0 desapare: simento do ftho, fature rival — o afastemeato o inoceata; 0 ilho pode dese « anulagio do pai obsticlo & sus peépia realizaio 0 evilzmeato permite redair eo efiminar as sungGes do eon tendo suplantar 0 pal, Poe ossslio ds morte do pal, "0 prison deve demonstra publicamente que alo esava em tials vipa oestrad Yel com 0 mort, que continuo Tea” Ele pode en 40s bens © a08 cargos do pai com condigho de ter sun inoctaca, demonstagio que se extende poe mises Este esto € preciso, pos nos indica que a ambivl sentimentos © a agressividade earacerzam, de mania eslulra a¢ relagées pal-fibo, O filo € » permoneee parm sempre nauele que desea a morte do pal para, por sua ver, par exam s0joo coma pai. Se petinente uma andite nivel intillonsy eae teriando este Tata como agucln que visu a ober, para as mulheres, posites socins © “um acesto socal” (como estore Balandie), ela & contude, lsufciente, B necosirio nlerpretr também ese come petigfo em tenmos mais éirtamente exstenctis. Se 0 pai s6 6 um Thomem vivo, membro integral clo um grupo social, atrs¥é6 do iho, cle pode vir a ser um homem morio ausvés deste mesmo filo; 212 da horda ao Estado filho nio existe (enquanto portador de uma lei), a n&o ser através do pai, ¢ cle € sufocado em sua poténcia por este mesmo pai. A siluagao ¢ insoluvel. O pai é sempre um ser que profbe e um objeto de identificagdo, o filho é sempre o criador e o destruidor de seu pai. As sociedades nada podem fazer, a nfo ser, cada uma a sua mancira, tentar lidar com esse antagonismo (e, ao mesmo tempo, usle amor) intransponivel, estruturante da experiéncia humana. Referimo-nos agora a um texto de natureza completamente di- ferente do anterior, 0 diario de Heroard 5 médico de Luis XIII. Surpreendemo-nos pela concentragio do ambiente em torno do “pe- queno Jesus”, do Delfim, do qual todos falam e que a todos diverte. Espantados ficamos com as caricias, as “gracinhas” e as diversdes fortemente erdticas de seu pai para com ele e pela insisténcia com a qual “o bom Rei Henrique” recomenda agoitar seu filho, sob pre- texto de que isso tinha sido muito bom para ele. A violéncia “dos carinhos e dos golpes” (visto que o proprio Henrique IV age com brutalidade contra seu filho A primeira manifestacio de oposi¢ao) exprime claramente, nesse caso, a ambivaléncia de sentimentos do pai. Contudo, num tal contexto, e em semelhante idade (o Delfim & particularmente acoitado entre trés e seis anos), a rivalidade pos- sivel do filho nao é perigosa para o pai. Apesar de seu cardter par- ticular, este exemplo permite evidenciar até que ponto o fato esta em jogo. Quanto mais feliz um pai pode sentir-se por ter um “filho adulado”, mais ele teme inconscientemente a ameaca que paira sobre sua propria virilidade, essa virilidade alegre que comeca a se afir- mar, € O pai nao consegue deixar de antecipar o dia no qual esse filho poderé ter com ele relacdes de violenta oposigéo, constituin- do-se em um risco real para o seu proprio poder.36 Contudo, nao nos deve surpreender que o pai busque a morte do filho, Quantos pais martirizam cotidianamente seus filhos,7? os estropiam, os negam, ou simplesmente impedem-nos de viver e de se desenvolverem de ma- neira aut6noma. Quantos professores s6 conseguem suportar alunos incapazes de concepcdes pessoais, submissos As suas idéias c injun- ¢6es? Por outro lado, talvez, o estudo das duas guerras mundiais poderia, se conduzido de modo sistematico, dar consisténcia A in- luigio segundo a qual, durante esses dois periodos, as guerras teriam sido deflagradas pelos pais para se verem livres dos filhos, obtendo assim gléria e proveito. Se € absurdo imaginar que esse desejo de assassinato dos filhos possa estar na origem das guerras, é menos ubsurdo pensar que cle possa encontrar ali sua realizacdéo sem culpa- a ordem das geracées 213 bilidade, acompanhada do prémio, para o pai, de uma extensdo herdica que recai sobre ele e reforga a imagem idealizada que ele tem de si mesmo. Seja como for, o filho sendo, ao mesmo tempo, criador e rival potencial do pai, constitui para este uma ameaga permanente. S6 sua submissdo, cega e total, pode tornar essa ameaga menos inquie- tante e€ menos operante e fazer dele, um dia, um portador da lei, ao invés de um portador da discérdia, um representante da comuni- dade ao invés de um representante do “pulsional”. Do contr4rio, o filho sera abandonado a sua pr6épria sorte, exposto (como na Grécia antiga) ou liquidado (o infanticidio reencontra seus titulos de nobreza, na época atual).18 3. PAIS E FILHOS NA SOCIEDADE MODERNA Desde © inicio deste século, um maior conhecimento da crianca teve como efeito essencial o panico dos pais. Entre uma educacio autoritaria e castradora condenada pelos costumes (cujo exemplo mais completo € preconizado pelo pedagogo Schreber,!® pai muito famoso de um parandico célebre, o presidente Schreber) e uma educagdo compreensiva (como aquela divulgada nos manuais do Dr. Spock), que requer uma atengio particular dos pais aos desejos e a evolugéo das criangas, cs pais, ndo sabendo mais o que devem fazer, renunciaram, em muitos casos, a ocupar seus lugares na es- cala das gerag6des. Ndo se deve essa evolugio a evolugdo geral das relagdes pais-filhos, tal como sistematizada por M. Mead? Conhe- cemos sua tese: ela distingue as culturas pés-figurativas, nas quais as criangas sdo instruidas, acima de tudo, pela geracao precedente; cofigurativas, nas quais as criangas, como os adultos, aprendem com seus pares; e pré-figurativas, nas quais os adultos aprendem algu- mas ligGes com seus filhos, que sfo de alguma forma desconhecidos para eles e que vivem suas préprias experiéncias. As sociedades primitivas seriam essencialmente pds-figurativas, pois elas fazem de- rivar a autoridade do passado, As grandes civilizagdes teriam sido capazes “de utilizar algumas formas de educacio cofigurativa entre pares”2° Atualmente estariamos no amanhecer da terceira cultura, na qual serao os jovens que impordo, com raz&o, seu novo saber. au 1s horte a9 eteto “*Podemos nos iaspirar nos jorens, que parecer depositar sua f€ em ttopias quo. so fellzariam imdiatameate... acedito que, nesse onto, eles nos mosiram © caminko, qu eles nos indicum como de- vemos zoliflar nossa mianesa de pensar” #* eixemos de lado 0 frig earfor de reconsrugéo histrica dessa obra. Esa tese presenta aspectos sedutores e parece exp far um grande aimero do fendmenos observivels. No’ eatante, ela & no fondo, completamente jaacetével: ela supe que as relasbes puis thor dependedam principalmente de transformagdes hisirices, fecnoldgieas e econdmicss, Ora, se € verdade que e crienga atual mente (partcalamente o filbo) aprende mals através ds experi fa possoul através de sua fiagdo a um gropo de companheiros, por intermdio da escola © dos meios de cominicaglo de mass, © 2 6 verdade ainda gue of pais (0 pal, do. mancra_privicuiada) ‘nfo posrucm mais 0 conjanto do saber a sor transmisido ¢ #00 “ul tuapareadoe™ por seus Bs, consqientemeate, sb a imagem do pal tends 4 se estumar ¢ evontislmente cai no sdfeuo, ito nos pare coe ser devido menos a incompetéaia dos pals (a vaiedade dos bores e dp sous modes de trensmissio) do que 8 soe incapecidade {de se stasrem no logar da Tei de desempeaharem seu papel de Imerdicdo © de pélo do idenificapzo. O problema nfo € 0 dos pals transmitiem todo o saber aos fos, 0 problema 6 que eles sabam, sssumindo sous lagers, simboliar of Yeloret que pernitem viver fem sociedade, Ora, or pais munoa soueram fazer ino: pois aio 80 trata de um saher do qual eles possam scr depoitérios e para 0 qual bastaria garande sea tansmisfo, Tratz-se de_ uma posgdo (sir nt order da Te) sempre contestivel que, portant, represen ta sempre uma parada alt. "Em noses sociedades modecnas Sndlviduaistas (onde a escola ‘fo pode mais, como no ancien régime, representar 0 papel ds grande educadors, & qual of pais podism Jegar seu poder), onde ln um deve trtar a erie cpiasa sem grande apoio da sociode- tle (a menos que se apee aos diferentes cursndciros socials que in- ‘utiram 0 eenéro), 46 exitem duns vias posseis © simultanea- nie estfvelss a opresnio dita (‘matise uma ering” mart tufvca-se esse crlanpa) ou 8 demisnzo. A vi dif, nfo si- . som anfopero 30. acostumente, consstindo a represents: rm saa dupla versio de intedigzo © de permissvidade, Peeve exinnmmente Sndua para 4 maloria das pessoas Como en: la me aucprecndor com a violin do alguns jovens, com sua dii- ord das grates a5 cldade de se reportar a alguma 1), com seus deseos de um mundo fem isis onde #6 ss pulses seriam consideradas? Freud dizi: 0 fnferno seria 0 mundo entrogee as eriangas de quatro anos. Pelo fomportamento dos pis, as evlangas de qutro enos pululam, 08 Dollmorfor perverscs existem em abondincia, qualquer que sium, fi verdade suas idadesfsiolgies, Os pus ¢ adults passam a hos- tliaar exets criangas. Ou eles aio os véem ¢ ignoramnos, ot cles fs pereqvem, ou tentam volar aos métodos trdicions, ow abane donam tado ap6t trem perdido o doimo; de qualquer modo, cls ‘fo sabem como sb comport. ‘Assn, coatatiameate aM, Mead, ponsamos: a) que em t0- das as toiedades, mesmo as mals primitva, os jovens represntam forge de invensto e de contstagio c que a crucidade dos rituals 6 pode ser compreendige nesse cantesto (mesmo se, como vimos, ‘utr causasentram em jogo); 6) que esa forga nada tem de Bort fm si, O jovem 6 vm rival, perves, viento, com sede de amor, ‘vendo sob fantisms ds onipotéaeia. Se alo hima si para d= fine seu pepe 36 the rosia deixar falac dentro dele o “pulsional” feo arcsico; e) que nenbuma sociedade conseguiu tratar srens~ ‘mente tal problems, A eranca sempre leve que passer por uma ‘bmisso tals ou menos tota/® ela permaneceu como o “inus0", 6 revetda em potealal. Raros sio os extmplos de pais e filhos fue #6 vvenciam uns aos oniros como complementares © nfo como fnlagonstas, A dominapHo sobre as eciangas tem sinds, muito ten po pela fren "A. mening ado teve Tugat em nosso desenvolvimento. No se trata de um exquecimenta, A menina, fara mulher, nto € peigosa pata 0 pai e 36 encontta numa stwagio do submissio que no handonari nunss, patthanda aisim arte comum day mulheres. ‘Os cspeisins em Africa, cimpo Balance, exio todos de seonlo sobre a eorn de que # angio da “soviedade feminins” um “empobresimento dpi” c xmpre distaneiado da sociedade Inaveaina, A inieiagso feminina, por exemplo, & rar, © quando st, se limita a6 petlcas de exeisio ou do escarificapio, com ou ‘em ceriménia (quindo hi coriminia, esta nfo apresea'a o Tad fespetacular das eeriménias reservadas os homens), Enqusnto of omens podem se familaizar com a lingua sagrada, a meninas sto simplesmente informadae de seu dever de obedicia a seus fr turos marides e respecivas famiis, Quanio aos grupos de ade ae 1 bars to Esato das mulheres, on bem eles no exstem, ou bem sto sem importa is, ob entfo ko menos complexos do. que os das homens = [A dominagio constant sobre as mherst & necesita & cons- twosto da sociedad homana (a pact do momento no qual 8 ale ridade nfo pode ser plesamente reconhecida ¢ assumida), a domi nagdo sobre os jovens & indlspensivel & reprodugio. da sociedad, © € tio preeria como © sto ab “idades” do. bomen, capitulo UE A ordem natural e a ordem cultural A relacdo com a natureza: participacdo e exploracio Hrouve uma époct em que os povos cousruicam ¢ natarera seu pre: lender domin-la ov destue, respeiandos, viveniando-a como parte consiuinwe deles ou, melhor ainda, viendo como 0 pro Tongamento natural do seus corpos ¢ alma. Qusis foram as rezies dessa associsgéo entte homem © nata~ eau, como se munifesa esta sepurngio-opasigio © complement dade que percebomos, por que nfo howve desejo de dominagio da satareza durante séculos e por que esse desejo se manifesou nostas kings décadas,qusis so as relagbes ene 0 eaepo do homtem ¢ 0 corpo do animil ¢ das plantas? Eis aqui algumss quetdes esea- 1. A KELAGAO CoM 0 MUNDO E ‘a CONSTHUGAD DA COMUNIDADE No primsito capitlo, "A citacia do concreto”, de O pensumento selvagem, Lévi-Strauss referse a um grande némero de tabalon ‘que comprovam que todos os bigeaas estudados mantim sempre logos de faniliariade profunda com a flora focal, com a fauna que exe, com as érvores da floresta, Um Gnico exemplo: “Um trago cameteistien dos Negrito € seu conhocimento inespotével os 1s. ‘os animal e vegetal. Este saber ato Implce apenas a ideticagio ‘specifica de um miinero fenomenal de planta, pfssars, mamie- "os e insetos, mas também © conhecimento dos babifos e costes nh3 da horda ao Estado de cada espécie...”.1 Através dessa ciéncia pratica, indiferente a uma. classificagdio precisa das coisas “sem utilidade”, os povos cons- trorm um mundo do qual tém uma experiéncia precisa, do qual conhecem o significado e que thes permite explicar as coisas e os seres, os outros e a eles prdéprios, Toda classificagéo, mesmo se faz intervir o intelecto,? toda or- panizagio de diferengas depende mais do afetivo do que do inte- Iccto. Para o primitivo, o espaco nao é homogéneo, as regides tém seu valor emocional, a natureza é “encantada’’® Para ele nfo existe diferenciagio entre seu eu e o mundo exterior. Freud nos mostra nas primeiras paginas de O mal-estar na civilizacdo que nosso sen- timento de um eu autdnomo, fortemente diferenciado do ambiente nao era assim em sua origem, Pelo contrério, o bebé nao diferen- cia seu eu do mundo exterior: o eu do bebé inclui tudo; apenas mais tarde, sob diversos estimulos (em particular, a dor e o sofri- mento), ele excluird de si préprio o mundo exterior. “Como conse- qiiéncia, nosso sentimento real do ego nada mais é que o residuo, por assim dizer, “reduzido” de um sentimento de uma extens&o mais vasta, tfo vasta que alcancava tudo, e que correspondia a uma uniéo intima do ego e de seu meio”# A partir do momento em que o eu é desligado do mundo exte- rior (ao mesmo tempo em que mantém uma cadeia de trocas com ele), ele passa a investi-lo emocionalmente, pulsionalmente, afetiva- mente, e a ser por ele investido da mesma forma. Esse duplo movi- mento de investimento é tranqiiilizador: se o narcisismo do homem é irremediavelmente ferido (o mundo nao sera jamais somente dele), é ao mesmo tempo reparado (o mundo exterior nao the é totalmen- te exterior, o mundo externo é também um mundo interno e pode entio ser submetido ao controle do individuo). Esse duplo movi- mento encontra naturalmente um perigo: o de nao mais existir, agredido no interior de si mesmo por este mundo, despossuido de si pela projecio total de seu corpo, Para mascarar esse perigo, é necessério situar simultaneamente: 1) a exterioridade do ambiente, gracas as classificagdes que o fazem reconhecivel e o colocam a boa distfincia (suprimindo ou neutralizando suas caracteristicas agres- sivas); 2) a participagio intima de cada ser neste ambiente que o lorna familiar, semelhante a si, prolongamento do seu corpo. © primitivo soube entéo conservar vinculos profundos com o mundo ¢ conviver com ele em complementaridade e nfo em anta- a ordem natural e a ordem cultural 219 gonismo. Se ele o conseguiu, foi devido ao apoio de toda sua comu- nidade, pois ele nao devia realizar sozinho esse trabalho. Se nos parece (como assinalamos acima) que o primitivo péde construir tais classificagSes para evitar os perigos pessoais de uma separacao definitiva entre ele prdéprio e o mundo exterior, o que faz deste iltimo um mundo unicamente demoniaco e agressivo, tam- bém nos parece que ele s6 poderia fazé-lo, na medida em que a so- ciedade inteira, pouco diferenciada e da qual ele é apenas um dos elementos, sentisse os mesmos temores e vivesse aS mesmas expe riéncias. O primitivo nfo existe a nao ser como membro da comunidade e ele nfo se coloca os problemas de individualidade como nés po- demos coloca-los. Deve-se ent&o reconhecer a possibilidade de um grupo viver coletivamente seus temores inconscientés, de inventar solugdes que respondam a esses desafios, e deve-se ainda admitir que essa vivéncia coletiva nao se distingue substancialmente da vivén- cia individual A partir do momento em que os individuos se encontram em grupos (ou comunidades), instalados em lugares circunscritos, ten- do que realizar juntos uma tarefa comum, tendo que definir entre eles mesmos as relagdes que devem manter uns com os outros e to- dos com o ambiente, segue-se um processo de aproximacdo, de si- milarizacéo e, enfim, de homogencizagio de fantasias e de condu- tas. Todo individuo torna-se o Jugar (corporal e psiquico) onde se inserevem os resultados das interagdes sociais, todo corpo social passa a tratar das mesmas questées que interrogam, provocam an- gustia e alegria em cada individuo, Nao se deve pensar que somente as sociedades primitivas souberam encontrar um modo de distingao/ participagdo entre o que é de dentro e o que é de fora. Se, como observamos, esse saber tende a desaparecer atualmente, ele nao es- teve menos presente ao longo dos séculos em todas as sociedades que tentaram (todas) organizar a relag&io entre seus habitantes e o mundo ambiente, no tempo e no espago.é Os povos souberam encontrar no “de-fora” o de dentro, na natureza o social, nos outros a si préprios. Nao se trata de um re- torno do “Mesmo”, mas do estabelecimento de vinculos de recipro- cidade com aquilo que, no inicio, devia parecer o mais afastado do homem. Por esse vinculo com o que é de fora, com as plantas ¢ os animais, os homens elaboram suas relagdes nfo somente com o meio-ambiente (tornando-o mais seguro), mas também, e principal- 0 te tars oo edo mente, elboram stas relagSes entre sx com feito “os anima, fos homens, o¢ objtos inanimades foram conctbides quase sempre, fin nue orig, como tendo uma relagdo da mais perfela iden dads..." "No haveria ome, na verdad, exagerar o estado de in- UUstingde do qual 0 esprit humano party” (Durkheim ¢ Maus), Segundo Rovsieau! "A lnguagom figura foi a primeira a apare: cer, 0 sentido prépeio fo 0 tltimo. $6 s© chamou uma coisa pelo Seu nome quando fol possivel vvéla em sua verdadera forma. In Clnimente, se falvs em forms de poesia" Falar em forma de poesia & cnconter similaidade entre as coisas muis afusindas, & omar familar 0 inaiito, & estabeleerlgap5es com o que perience, pra o peasemesto [éico, a dominos diferentes; nio & distor 1 ising mineral, vegetal ¢ animal, € acrolitar que a palavea equi vale 40 ato, que 0 mundo aasee da palevra dia, € proceder a as Sociapbes livres onde “os perfumes, a5 cores ¢ 08 sons $e respon dem" Baudelaire, ‘Agie metuforcamente 6 também falar a lnguagen do incons- cient. fazer do pal um cavalo ou um alo, como 0 fzeram os ‘equenos Hans e Arpsz, Da mesa forma, como sustentmos acina, f deferéncia com a qual os primitives tratam um animal oa ut ‘lami, ao pooio do so comporterem como os descendentes dees, fio pode ser compreendida som 0 deslocamento (metonimice) dos tentimentos ambialentes com relasfo a0 pal para o animal ou a planta totem. Isto fornou-e posal pargue, como dir Boron! eam animal, mesmo sendo concrelo e indWvidsl, € Visto eseuc ‘mente como ama qualidade, esencaimeote taribém como um a foro" Percepgio flit O sentimento agresivo e naturalmente. Fe erent dos fihos free 40 pal individual, dos fhos trente ao ehete a horda, individuo preciso, peteebido como onipotente ov como ‘quem sbise de seu poder, val podet se desiocar mocentomente para ‘na outa espécie e tomar-se geuérico, ucorentando dessa forma o 6dio (080 se odcia umn géneroy® © val etabeleser uma proto contra as andidas de retaliaglo posses (um pai pode querer bat ‘om sea fho, um génera anal nfo pode ter esse dese). A. pas ‘sem do individual 20 genésleo autorzs a trnspesigo do drama Inatvde ao drama coletve, Nessa passagem gankuse em dramai- ‘isis, perdese en earga de angistia. [Ni somente 0 seatimento desiocado afasa 0 perigo consul vio poke pal, mar favorece também or vineulos comuniris, Bers- twin'®Iyiionte precisa & esse respito: "Os legos individunis do exten marwat € 0 orton cate ma ml no steam a stnsfo, 0 aniaal& perebio, dims, como tm stro, Par explcar que dois cli cnsituem due expe Serena, demos & unt dele o nome de'um atial © 4 a0 Qt¥ 0 nome do um euro animal” Cate vm does somes tonado, ‘stsdamerte 6 apeass una denominagio: jones, eqovalem am afimayio, tes dzem, a vedas, quo os dos lis 0 de au ‘erento 8 ‘Ao constuier dows copéies asin *acentuando. 4 du ade” oF membros dor cls Finns dane operags fendamenins 19)” pla Guage les do into « um prin tpo de f0- ionamento bindso'™ (aplicsGo paticular da stociaglo pela con Triedads, qu € tm tag univer do onsen hana”) ae permite a sada da indferencago, abrindo asin camisho pare a {panangto don aces do und, 29) pela inde dn refecncia « sangutscifeents, cles most 8) 8 poshiidads de ter mulheres na melee exists dt {xbo; B) a probieo so lasso com as mubere do mesmo elt (Go memo sangue); e) que evencem = una comunidae desesne deste den mesmo ancetal, donde 4 cbigacto dese reconbece- tem ioduy com indo ¢) ited da vada (e do use) fstte mien (que pera se zenondee se a mulbors fosiem con: ‘Saran °3 dnposi"). ‘Ao siunen© a0 6 feoeisten, le wassformacy 0 inion (pois que pevencntes misma tbo) ow or Ines (Poe Aue pertencentes'a um onto grupo) em tliades,¢ no interior do GX se trsformam em imios, nos quis correo mesmo sanzne ¢ fue tte — 0 mati prnepal (as mulheres) do antaponismo te Ao dsaprecdo —az6e park se ajuavem e 46 anon. Adie feaga de sunguc exo promessa de par nte os mis © de ‘forgo do viseulo Midna eae les (auxlidos pela dente: {Go comin 0 memo ences tanformado em ideal do 90) ¢ fe relates de uosss com 0s alads (e nGo de relpes antago a) (© process completo pode st deseo como se segue: — a me tifa permite a passage do pe a0 animal ov plas, «-metnimia instars o deslocament don Jeter, 0 mesmo song falta 6 indivilos de salieiodado ¢ do allng"~ a imersio do. ho- tmem na actress, sua paripasio no mundo natunl permtethe finimzar © sentieato ‘Je cup conta 0 pal, refogar & noxlga Ao palo Healzaro animal substitu, terloaar of memos ax lores © ideis, se reconhecerem como iemlos © term amigos com quem fazer tocas. A Tinguagem pottica, © a linguagem do incon iene estio na riz éa eringio de comunidades estvels. Someate ‘quando a linguayom tver se toenado prncipalmente rasional © que © homem nfo mais desefar esrotar seu inconseente € que seré rom pido 0 pacto gus © homem havia assnado com a aalarece e com ea. serethants, 2 IMPLICAGAO PINSOAL IE HELAGAO COMA NATUREZA, Desde o tudo do M. Sahlins, que teve muita repercusio, sobre “sprimeiaa socladade do abuadiacie” # onde clo ani 4 econo nia dos exgadoreseoltores, sabemos que esses powos nio vier 4 procura incesante de alimentagio © que, de modo ger, eles *vi- vem ben", mesmo so em algumas regiSes o alimeato pode vir a falter em ceros periodos do ato Iso ao ignites, 6 claro, @ue cles vivam com abundinia tal como poderamos imaginar em nos say sociedades, mas que cles tém necesidades moderadas que me nifesiam indferenga aos bens © a0 equipamento teeaospico © que, sssim, eles chegam a obter di relagGo com a natureza ab satsages (que dela sliiam, io seria, no entanto, 0 caso de pintar um quad ilo des sas sociedades, Shins note, 8 partir &t asl de diversos estedos, ‘que um certo aimero do grupos doméstces, siada que orgizados para garantc a propria subsistéacia, nfo o conseguem, que 0 sub femprego de mio-de-cbra acontece principalments com a miode- obra maseulina (a miowdeobra feminina se encanira em situacio fnversa). Se, aiém disso, nos referrmos aos trabalhos de R. Fit sobre os Tiedpis, poresberemios que esse povo da Polinéia, exjo Snimo comunitério era proverbial (We, the Tikopia) vin desmo~ sonar seu sisema social nos perfodos dn grande fome de 1952 e 1953, consecutivs & passagem do tempestades devasadoras, Cada familia tentou revolver sozinha o problem, ot movimentoe de ex: ‘easto © de gencrosdade se tomaram mals rros,o& roubos ¢pilhe- fgens se mulipliceram, as esruturas de parsntesco © de poder s¢ esopregaram, $6 subsita a famfin dementar. “A crise colocou a ‘dura prova ceriak tolerinciae estrutuais, Fla revelou a frag orien att @ «onl extant as fo cElebre “Nés, 20 mesmo tempo em que demoastzava como ev- Aincia a forga do grupo doméstce, A sessénca familiar pasiow 4 ae mostrar como uma fortaleza que, cn caso de crite se fiola to mundo exteor, levanta suas porte-levadias socias — ieso ‘quando ela nlo se ocapa em pilhar os pomares de parentes e vie zinbos Esso cxemplo 6 contudo, extreme, Na maior parte do tempo, of cagadorercoletors ov agscultores souberam ensontcar tum modo de ter ume relagio positva com a asturcs. Como teste smunho disso, basa a caltura do miho nas soeiodades prtcolom- ianas, © milbo ¢ « plantadeuss, a pluntamils das Américas. Blo r= presenta 0 fandameato coleivo © coding das civiagies desde 1 periodo de Coexacan (entre 5.200 1» 3.400 aC.). A parti a omesticagdo da plantas, agscultora comega a. nase, a 32 iversifcar © a aleangar, if maeis de 2.000 anos, um nivel de deen volvimento notivel, auliado pela evolugto do tlenicas de ign so, O miko fol wssoiado 2 ghobora e 20 flo, fomecendo wma slimentagio de base equilbrada, permitindo a sintese dos aminot- fides esseacais, Ele possui ainda a vantagem complementar de brotar praticamente em todo tipo de solo ¢ em todas as ltt, (0 milho tornouse, hi msis ou menos qunge anor, una plan- ta de bse para as cultuzas européas, prinipalmente na Franga © ng Tia, Podemos consiatar que fol somento depois de 1968 gue © rendimento da cultura de mitho ness paises alnglu o nivel dos précolombianos, Isso demonsia que as eiviizagdos pré-colombis- ras hit 5.000 anos. aps terem adotada uma vida semisedentdca ‘em imporinntes grupos através do um conhesimenta progrestio © Iinaciowy da nature, ado tentaane violently, moe esposila™ (pois, esse ens. tatinse de uma veradeira simbios). Tae Sgnadas como fal Se o¢ deuses no sobreciregiin ws set sh rno nenbum pode feztlo, Q-aasimento de um Dewy sanscrnkents, por cata la, facilis eInstaigio de um per tasemlene com Soespi0 totaltra ‘AE tocedades estudadas por Clastres nas preveitam: “Tox ‘ow quite todas slo drgidas por lideres, cefes ¢ aprewntan uns Craterition decisive. nembum detss cieiges posi “per Defrentamo-noe eno com un. enoeme conjunta de seis whe fs dotntores do que em outros Tugaes se china pokey ss feudal, em poder, onde a politien € deteoiad eon wan expo Tne le toda coordonigto.¢ violenca, fora de tl stern Iheranica, nde, resuming, ao hi nenhums lag se sme rncito-bedinei!s" © papeb do chele & de precieher acu "ever she panna” que consist eesencialmente cn wins clea, dive "ores ropetid, dae normas do vida tradi Sioa ‘ins s6m poder menopotista (0 chefe & apenas w arauia Us su el), noun gu, como fs safientamos, a vida das mulhorey © ds eran- fon nosens oeiedadee nada fenha de invejvel ‘Quanto A sociedade grega (a de Atems do século V), ela fot ‘pa do conse um sister de demeeracingiroia onde 0 “demos” ‘ra as consi Uniemenie de castes nsiculis. mas de campone= ss, comcriales © atesios, onde as dechbes slo tomadas ein = 238 da horda ao Estado sembléias soberanas, a qual cada cidadao é livre de assistir ou nao, onde cada um dispde de “isegoria” (o direito de falar na assem- bicia), cnde as tarefas do governo sao repartidas em um grande nimero de incumbéncias anuais e um conselho de quinhentos mem- bros & escolhido, por sorteio, para um periodo limitado a um ou dois anos, nao sendo restrito a uma camada de funciondrics. S6 as sociedades de sagrado imanente, necessariamente pouco extensas € pouco numerosas (Atenas no século V conta aproxima- damente com 45.000 pessoas), que estabelecem uma relacdo pessoal com os deuses e a natureza, podem elaborar um inicio de poder democratico. Nelas, ordem humana, ordem religiosa, ordem natu- ral se reconciliam ¢ se apdiam umas nas outras. Ninguém pode pre- tender encarnar o sentido e dele tornar-se mestre, a partir do mo- mento em que todos se referem ao mesmo discurso que enuncia o carater sagrado do cla, da cidade, das coisas e dos seres. O surgimento das religides monoteistas vai transtcrnar essas relagdes. Essa transformagao se deu em dois tempos que tiveram efeitos diferentes: o moncteismo judeu e o monoteismo cristio. O monoteismo judeu, estabelecendo a existéncia de um Deus incriado, tnico, criador de todas as coisas no comeco do mundo, situado fora das leis da natureza, escapando a todo dominio do des- tino, transforma o mundo em expressio da vontade tnica do Deus vivo. Naéo ha mais mitos, nao florescem mais os deuses. O mundo foi desencantado. Uma arvore nada mais é do que uma 4rvore. uma pedra s6 € uma pedra. S6 Deus é€ santo, porque ele vive no céu, além do mundo sensivel. Ele nao pode ser representado e nem seu nome prenunciado pois nele se resume o ser. Ele d4 ao povo a lei (a Tora) que devera, para alcancar a santidade, observar estritamente seus preceitos. Deus de amor, de justica, de sabedoria, é também o Deus da célera, que pode ser experimentada por tcdas as nagées, e até mesmo por seus prdéprios filhos, com os quais ele fez uma alianga privilegiada, se estes ficarem em falta com ele. Os profetas por ele escolhides s4o visitados por sua palavra, sao seus intérpretes, e devem anuneiar, as vezes contra suas vontades prdéprias, a lei e a verdade promulgadas por ele. Os homens, quaisquer que sejam eles (mesmo os profetas), vivem em condicdes de subordinacdo a ele. O monotefsmo cria assim uma esfera do sagrado intocével, transcendente, que, ao liberar c homem dos fdolos e da magia, The confia a tarefa de vir a ser o senhor do mundo e de submeté-lo 4 Ici do criador, para realizar o Reino de Deus. Em tal perspectiva, ana RR a ordem cosmoldgica 239 nio hé mais relagéco de intimidade com a natureza, nao ha mais transgressdo possivel, néo ha mais negociagao (oferendas, sacrificios) com Deus ou com os ancestrais, nao ha mais igualdade possivel. A tinica relagdo é a de subordinagdo do homem a Deus, da natureza aos homens. As coisas sensiveis perderam a importancia; sé a lin- guagem importa, pois exprime a lei do Senhor; a espiritualidade ¢ 2 dnica manifestagac humana reconhecivel por Deus. O homem torna-se possuidor e senhor da natureza para maior sléria de Deus. Contudo, ele nao podera levar a termo sua missao. Para que esta se realize, e para que advenha o reino de Deus, sera necessdria a vinda do Messias a terra, Assim a religiao judaica tor- na-se uma religido da espera. Todos os eventos da hist6ria humana so apenas momentos vazios: 4 espera do Messias, s6 importa o estudo cotidiano da Tora e sua interpretagao constante. Assim o monoteismo judeu, que instituiu a nomocracia, nao permitiu ao homem vir a ser o transformador da natureza, afastan- do-o definitivamente dela. O moncteismo colocou cada homem em situacdo de culpabilidade. Ele habituou-o a obediéncia escrupulosa, e a ser “o povo do livro”, Desse modo, ele fincou as primeiras esta- cas da subordinacdo total e da racionalizagac do mundo. O cristia- nismo terminar4 essa obra inacabada. O monoteismo cristae apresenta caracteristicas fundamental- mente diferentes, relacionadas a vinda do Redentor: a) contrariamente ao povo judeu, o cristéo nio precisa mais esperar e desejar a aparigaéo do Messias. Com a Redengao, o ciclo dos acontecimentos que vio da génese A Redengdo é definitivamente fechado, na espera do Julgamento Final. Cabe a cada um, entao, prosseguir a hisi6ria terresire para tentar criar, aqui, o Reino de Deus. O cristo vai entéo se investir totalmente na historia, tratar de fazer-se senhor da natureza, e construir instituig6es duraveis. b) a partir do momento em que Deus se fez encarnar e que ele se encentra presente entre os homens, a criagdo pode e deve continuar: “os homens crentes e suas instituigdes enquanto formam a carne, o corpo de Deus encarnado, participam diretamente do gesto criador”’.1* Como ele, os homens séo individualizados (Deus se encarnou em Jesus Cristo), como ele, participam diretamente do infinito e da capacidade criadora (Jesus representando a onipotén- cia, a onipresencga e a onisciéncia de Deus). Esses homens perfeitos, que tém como tarefa continuar a obra de Cristo sobre o plano ter- restre, serdo levadcs » -eir ndo apenas por sua missdo apostélica, 2A0 da horda ao Estado mas também pela obrigagao de criar as instituigdes (estatais, econs- micas) que permitam a inscrigéo da palavra de Deus nas conscién- cias, condutas e espagos. c) enquantc o povo judeu havia tecido um vinculo privilegia- do com Deus, o Cristo se dirige a todos cs homens da terra, Logo, ndo ha distincdo entre judeu e grego; todes tém o mesmo Senhor, prédigo com todos aqueles que o invocarem. O Cristo, seguindo o ensinamento de Abrado, tornou-se “pai de uma multiplicidade de povos”. O monotefsmo cristao se espalha por toda a terra e em todas as consciéncias. Ele faz funcionar as legides terrestres. d) a encarnacdo deve se estender a uma Igreja, representando o corpo de Deus. E a primeira vez, contrariamente as organizagoes das cutras grandes religides, que uma instituigao humana afirmava nao somente sua origem divina, mas seu ser divino. A Igreja € inves- tida (enquanto representante do corpo de Deus) de uma missao ter- restre, tendo por objeto a unificagdo de toda a humanidade a fim de que ela possa se apresentar um dia unida e reconciliada em Jesus Cristo. A Igreja é entéo combatente, ela deve exercer uma acao tem- poral e é, por seu préprio fundamento, expansionista, A militancia é componente fundamental da Igreja, como ser4 para tCdas as Igre- jas (laicas) que nascerao do declinio da Igreja Catdélica. e) o homem sobre a terra, apés ter recebido a Revelacado, nao se torna menos pecador. $6 o Cristo, ser heterogéneo, é um corpo sem pecados. O pecado significa a natureza profundamente falha e impura do interior do homem. Sem o pecado, o homem teria se tornado perfeito. Pecado ligado ao corpo, ao prazer da carne, que indica a impossibilidade, para cada ser, de sair de sua pele e de ter acesso ao corpo gloricso do Cristo; pecado ligado & predominancia das pulsdes, j4 que a pulsdo tem que ter sido operante para que 0 nascimento humano fosse possivel. Ao inventar o pecado da carne, o cristianismo opera uma transformagao essencial na estrutura do imagindrio. Para os judeus, o Deus “incriado” era totalmente dife- rente dos seres que ele criou. seres de carne, de lama e de argila. O sagrado se apresenta totalmente transcendente. Contrariamente, entre os cristaos, quando Deus se faz homem, cle corre o risco de ser completamente tomado por essa corporei- dade, de suscitar um novo paganismo. Assim, € preciso simultanea- mente que ele tenha um corpo e que nao o tenha. Essa contradi- gio s6 & superada se sua concepcio for extraordindria (a visita do anjo 2 Maria), se a mae for imaculada, se José for apenas uma tase a ordem cosmoldgica 241 testemunha, e nao um pai. Ele nao pode ter sido criado por um ato da carne: nisso se constitui sua origem divina. Mas, no mesmo ato, o ato da carne (a sexualidade) 6 a marca indelével no homem de que ele pertence ao humano e nio ao divino. Para ter acesso ao divino, para poder encontrar Jesus, 0 homem nada pode, senao se desligar de sua carne. Assim, 0 cristianismo situa a sexualidade (¢ seu cortejo de pul- sdes, de processos de afeigao e seducdo) na origem do homem. Nis- so, como Freud havia notado em Moisés ¢ o monoteismo, 0 cris- tianismo vai ao encontro das religides anteriores ac judaismo, que sempre privilegiaram as divindades fem‘ninas e a sexualidade exu- berante. Ele diz que o homem € o fruto nao da palavra e da lei de Deus, como no judaisme, mas da libido. O cristianismo reconhece entao o lugar central da libido e tenta imediatamente nega-lo. Ao centralizar-se na sexualidade e sua negagao, 0 cristianismo nos ensina duas coisas: 1) que o bumano deve ultrapassar (trans- cender) a carne para passar de seu corpo terrestre ao corpo gic- rioso de Deus; 2) que a sexualidade age sempre e que ela é capaz de conduzir o homem aos seus mais baixos instintos: que, portanto, a transgressdo das interdigdes é possivel e o gozo é permitido e, ao mesmo tempo, proibido, Nao é sem razao gue os santos sao recru- tados essencialmente entre os antigos pecadores. E& preciso ter ex- perimentado o gozo fisico, para poder se separar do corpo ¢ entrar no gozo do corpo divino. f) assim a encarnagao do Cristo resulta no reforgo do senti- mento de culpa e na submissao total a todos aqueles (padres ou reis) que podem ser os porta-vozes do Senhor, ou sua “encarna- cic”. Obriga a cada um a recusar em si as pulsoes, ou, mais ¢xa- tamente, a lutar contra elas num combate sempre desigual, e a se interessar, pelo contrario, pela dominacdo da natureza ¢ pela cons- trucdo de instituigdes que portarao sobre a terra a marca de Deus, na espera de que chegue a hora da volta gloriosa de Cristo. Pela criagdo de uma esfera sagrada ao mesmo tempo irans- cendente e imanente (Jesus em cada um de nos), © cristianismo completa e transforma a obra do judaismo. Todos os povos (€ nao apenas um unico) estao unidos ¢ sob a dependéncia de Deus, que se expressa na hist6ria, na Igreja, corpo de Deus; os humanos sido entdo convidados a aceitar as injungdes de Deus, a divulgar sua palavra e a realizar obras gue sejam conformes a scus designios. Eo (shorts 9 Bato [A passagem dan religies da imanénsia ¢ da seasualidado 36 seligides da transoendGnsa v do Iatleto assiaala © camniaho que vai das sorzdades scomodadas nataeza e sem sister de poder se psrido. Gocluingo todos os indvidaos revonkecdos como membeos Integrals do cla ou da cidade, povoadas de deuses que intervém es negivios homanos, desproocupdas erm teansarmar © mundo, viven- do no ritmo do mito © ds tragéia, as sociededes que pretenden fubmeter a natuczs, @ calender sobre a totlidade do globo, con- ‘guintar toot 08 poves, mesmo os mais alastads, sobmissas a un $6 Deus (e 20s ris abengoados por ee), convencidas e sua forea legitimldads, gncuntides por so {6 todas prosias « propogar tl 6 ea comovar n se propaar ga vida terrste para se tormarem 0 Povo iaiozo de Deus. Do mito passames 4 hiséia, da calma da lends so furor dos eweatos convulsivos. Com 0 Wao do. moao- telsno comegs a histis ds aleaagio © da exploregso de todos 0s omens

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