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Teorias da mudanca social: as perspectivas lineares e as ciclicas” Resumo A teoria da mudanga social alinhaya as principsis questées que a soviologia tem problematizado a0 longo de sa formagao e desenvolvimento. As teorias lineares © ciclicas condensam os mais importantes debates acerca do devir. Partindo de alguns pressupostos do evolucionismo e do neo- evolucionismo este artigo objetiva trazer & tona tanto es convergéncias e divergéncias constituidoras de uma das concepedes que tém predominado social change theories the Maria José de Rezende Universidade Estadual de Londrina Abstract ‘The theory of social change lined up the main issues that sociology has discussed along its formation and development periods. The linear and cyclic theories put together the most important debates about the future, Having as @ starting point some presuppositions of the evolutionism and the neo-evolutionism, our purpose is to bring up for discussion gt only the convergences but also the divergences which constitute fone of the conceptions that has prevailed in Social Sciencies: the near and eel eerapectives Revists de Ciéncias Humans, Floriunépetix: EDUFSC, 0.32, 34-37%, etude 2002 390 — Teorat da muchoge sci porspetvas nears € a ecticus nas cigneias sociais: a perspectiva perspective ofthe directive linearity da linearidade diretiva dos of the historic processes as to the processos histéricos, quanto a contraposition to these tendencies Contraposi¢ao a estas cotrenies that is done through the cyclic feita pela teoria ciclica que tende theory which tends to emphasize @ acentuar 0 carter ndo-linear e the non-linear and non-directive nio-diretivo da mudanga social, character of the social change. Palavras- chave: Mudancasocial, Keywords: Social change; linear processo linear, processo cfclico, process; cyclic process; evolucionismo, neo-evolucionismo. evolutionism; neo-evolutionism, Introdugio ‘© fothear os manuais de teoria sociol6gica, os de introdugao & Sociologia e 0s de Sociologia geral das décadas de 60 € 70, do século XX, o iniciante nos estudos de Ciencias Soeiais depara-se, quase ue impreterivelmente, oom capftulos que tratam especificamente da problemética da mudanga social. Uma parte significativa destes materiais buscam dat conta das questdes atinentes aos embates que a rigor compdem tanto as teorizagées acerca deste tema quanto as implicagées metodolégicas que as vérias perspectivas sociol6gicas enfrentaram a0 tentar explicar ¢ dinamica social ‘Somente atftulo de exemplo é interessante mencionar algumas obras possuidoras de orientagies tesrico-metodoldgicas distintas € que trazem em seu bojo capitulos especfficos acerca da mudanga social. Dentro de ‘uma lista imensa podem-se citar brevemente os seguintes livros: Uma introducéo @ Sociologia (Anderson e Parker, 1974): Sociologia (Meiver € Page.1963); A Sociologia como critica social, (Boitomore, 1976) Introdusdo & Sociologia.(Bottomore, 1970}; Sociologia sistemética (Mannheim, 1962); Pensamento tedrico em Sociologia (Skidmore, 1976): Novas teorias sociolégicas (Sorokin,1969); Teoria social moderna (Cohen, 1976); Politica e sociedade numa época de transicaa (Germani, 1973); Mudangas sociais no Brasil (Fernandes, 1979); Sociedade de classes ¢ subdesenvolvimenso (Fernandes, 1975) & A Sociologia numa era de revolugéo social (Femandes, 1976) Reviats de Cidncies Huminss, Flvindpois: EDUFSC, 0.52, 349.878, outubro de 2002 Maria Jose de Revende — 351 No ambito deste artigo, no entanto, nfo se tem o objetivo de discutir as obras acima mencionadas; algumas delas, porém, serviro como pano de fundo para ilustrar as diversas correntes tedricas que tém buscado construir uma sociologia da mudanga social. Nao ha, todavia, uma iinica teoria da mudanga, mas varias, uma vez que, ao se deterem em aspectos, diferentes da vida social, dentro de uma multiplicidade de elementos produtores da mudanga, os cientistas sociais acabaram construindo uma gama diversa de reflexes acerca do modo como a dinamica das imfimeras sociedades se processa. 0 objetivo deste artigo é sistematizar tanto as perspectivas direcionais unilineares ¢ multiineares quanto as perspectivas nio- direcionais da mudanga social. Constatou-se que, no decorrer do século XX, a principal contestagao as teorias assentadas na diretividade do processo histOtico foi elaborada por Pitirim Sorokin (1889-1968) que elaborou uma das mais férteis criticas as diversas vertentes do evolucionismo socioldgico, Portanto, no final desta exposigio, dar-se-é as seus escritos uma maior relevancia, Asanilises do evolucionismo clissico e do neo-evolucionismo serio circunseritas, exelusivamente, a temdtica da mudanca social. Extrair- se-o dos escritos de seus principais tedricos (cléssicos ‘contempordineos) aqueles elementos que tém possibilcado a sedimentago de um amplo leque de explicagdes acerca das trajetSrias fundadas em uunicidades ou em muttiplicidades diretivas. Os cientistas sociais que formularam ¢ reformularam continuamente, a0 longo do sécalo XX, as teses embasadoras da multilinearidade buscaram alcangar evidéncias de que existem intimeros processos continuados ¢ constantes de progresso ede inovagao. Coube & teoria ciclica da mudanga social, principalmente aquela que foi desenvolvida por Pitirim Sorokin, uma critica veemente 20s postulados da direcionalidade progressiva. ‘Mudanga social: as perspectivas direcionais 0 evolucionismo classico e os processos unilineares As idéias de Comte (1798-1857) € as de Spencer (1820-1903) acerca da dinamica social congregam, no ambito da fundagao da Sociologia como ciéncia, as primeiras tentativas de explicagaa da maneira como a vida social estava em constante modificagio Revista de Cignsas Homans, lorianépolis: EDUFSC, 0.32, 9:49:37, outrage 2002 As tentativas daquele segundo de precisar 0 funcionamento ¢, também, as alteragdes na sociedade o levou a uma distingao “que ‘estd_no cere da linguagem sociolégica: estruturas por oposigéo a fangdes” (Sztompka, 1998:25), (Os legados do principal tedrico do positivismo eos do principal te6rico do evolucionismo para a teoria dx mudanga social foram distintos em vérios aspectos, mas somente ern um, nao o foram: a nogo de unilinearidade diretiva, Tanto as leis de coexisténcia (estética social) e as de sucessio (dinamica social) erm Comte quanto““a nogao de mudanga evolucionista” (Levine,1997:134) em Spencer, a qual ele retirara da biologia, tinham um mesino modo de conceber a hist6ria, cou seja, esta filtima era tida por eles como seguidora de uma trajetéria unidirecional (Spencer, 1972; 1961; 1904; Comte, 1899; 1934). Nao seto analisadas, neste artigo, as diferencas existentes entre as pressuposigdes de Comie as de Spencer. Hi evidentes distingdes entre eles no modo de conceber a propria vida social. E uma delas € 0 peso dado por aquele primeiro & vida coletiva ¢ a relevancia, atribuida pelo segundo, & vida individual. Durkheim, influenciado por Comte, afirmava: “nio dévemos, como Spencer, apresentar & vida social come ‘meraresultante de naturezas individ solitaias, uma vez que, pelo contréio, ‘io as itimas que emergem da primeira” (Durkhiem, 1984; 286). Atendo-se a0 individualism de Spencer ja se t8m elementos suficientes para se tecer uma ampla reflexo acerca de suas divergéncias com Comte, No entanto, demonstrar-se-& um ponto de convergéncia entte os dois que se tornou chave para a sociologia: a tese da unilinearidade diretiva da mudanga social, Ater-se-a somente a este ponto de confluéncia entre as suas perspectivas ‘Observe-se que 0 socislogo britinco preocupou-se em assinalar que haviam diferengas fundamentais entre ele 0 principal representante 4o positivism (Spencer, 1968) Em A sociologia da mudanca social, Piotr Sztompka demonstra ‘que Comte e Spencer inauguraram uma das visdes da histéria que balizou ‘uma parte expressiva das andlises nas ciéncias sociais: a suposicto de que @ humanidade tendia a seguir um caminho evolutivo inconteste (Sztompka, 1998:182-6). Enquanto para equele primeiro a evolucdo do espirito, do conhecimento, ia sempre no sentido do progresso, aquele segundo ora afirmava que “o pogresso da evolugao nao ere” Revste de Cléncias Humanes, leriandpolis: EDUFSC. n.32, 9349-378, outubro de 2002 Marie tose de Retende — 39% algo automiético ora argumentava que “ohomem, por sua natureza, estava predestinado a progresso” (Timasheff, 1960:59). Esta segunda concepeéo prevaleceu, no entanto, ao longo da obra de Spencer que, em ‘uma passage de On social evolution, afirmava: “As sementes de civilizagao existentes no aborigene e distribuidas pela terra, viriam Certamente, com 0 correr do tempo, a cair aqui e ali em circunstancias adequadas a seu desenvolvimento” (Spencer, 1972:238). Augusto Comte construiu uma visio unilinear diretiva da humanidade caleada no pressuposto de que “em prine{pio, nao si deve dissimular que nossa progresséo social repousa essencialmente sobre a morte, isto 6, que os pasos sucessivos da humanidade supdem necessariamente a renovagao continua, suficientemente répida, dos agentes do movimento geral, que, habitualmente quase imperceptivel no curso de cada vida individual, s6 se torna verdadeiramente pronunciado passando de uma geracio & seguinte. © organismo social submete-se a este respeito, ¢ de maneira nfo menos imperiosa, & mesma condigio fundamental do organismo individual"(Comte, 1934: 334). A.lei dos trés estégios (teol6gico, metafisico e positivo) formulada por Comte assentava-se na sua concepgao de um curso histérico tunidirecional, Em sua concepeao, a humanidade teria produzido, de forma ininterrupta, um processo progressivo de dominio - fundado no conhecimento - do mundo. As mudangas sociais ocostidas na hist6ria das civilizagées teriam sido fruto de uma crescente evolugio do espirito, a qual provocou modificagées na sociedade como um todo, O estagio mais avancado seria, ent#o, aquele em que “os individuos formulam leis baseadas na evidéncia e na experiéncia (.). ‘Os avangos rumo ao progresso da ciéncia tornariam possiveis a elaboragio de métodos cada vez mais precisos e capazes de prever € controlar o mundo” (Sztompka, 1998:182). A evolugao social posta nestes termos nao dispensava, para Comte, ‘a necessidade da coer¢ao como uma forma de manter a sociedade em cresvente processo evolutivo, 0 que se colocava de modo distinto para Spencer. Ao “ideal de Comte de subordinago dos individuos.a uma ampla regulamentagao moral através de hierarquias politicas e sociais, (..) Spencer se opde com o ideal de minimizar as coergoes externas € rmaximizar a cooperacio esponténea” (Levine, 1997:161). Revista de Ciéncias Humanss,Floindpolis: EDUFSC, 1.32 349-878, ooubro de 2002 seta: as poopetives Durante décadas, o desenvolvimento da ciéncia e da indistia fi para Spencer, uma prova irrefutavel de que a bumanidade estava

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