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I A nagéo como novidade: da revolugao ao liberalismo A caracteristica basica da na¢io moderna ¢ de tudo que a cla esti ligado é sua modemidade. Isso, agora, é bem compreen- dido, embora a suposicio oposta — a de que a identificagio nacional seja tio natural, fundamental e permanente a ponto de preceder a historia — ainda seja tio amplamente aceita que talvez Seja ttl esclarecer a modemidade do vocabuldtio a respeito do assunto. Q Dicionério da Real Academi nacional & “a lingua oficial ¢literdria de um pais e, & diferenga de dialetos-¢ linguas de.outras nacdes, 6 aingua-geralmente falada”, ‘A mena relagio € exabelecida no verbete “diet” entre ete ex fas agora era dada como “um Estado ou corpo poliice que reconhece um cen- tro supremo de governo comum” ¢ também *o teritério constitu. do por esse Estado e.seus habitantes, considerados.como um todo” —e,.portanto, o elemento de um Estado comum e supre- iO E central a tais de lo menos no mundo ibérico. A znaciin € o “conjunto de los habitantes de um pais regido por un mismo gobierno” (grifos meus).* Na recente Encilopédia Braslira 27 * naciém até 1884. Na verdade, como a Marto? a nagio & “a comunidade de cidadios de um Estado, vie vendo sob o mesmo regime ou governo e tendo uma comunhe de interesses; a coletividade de habitantes de urn territério com tradigées, aspiragdes e interesses comuns, subor central que se encarrega dle manter a unidade do grupo Povo de um Estado, excluindo o poder gover disso, no Dicionério da Academia Espanl “nagio” nio é encontrada até 1995, quando é des coletividade de pessoas que tm a mesma otigem émica e, em Geral, falam a mesma lingua e possuem uma tradi¢io comurn™ Gobierno, 0 governo, nao foi, portanto, ligado ao conceito de jue formou um Estado, Na medida em que i, esse corpo de homens apenas fortuitamen- te seria uma unidade Bestoa cult com conhecimento da Roma anton Are tag tow nfo era vnc a um Eade, ¢ ae 1928 mio satiny & 30% emocional do patrotsmo mederno, que dein Pook ons now propria nacio, com a soma otal dc cohas hateeen ce (era putida, presents ¢futuran que foes me ade dos pavious. Ceruent, » Ebanks do sere ait Ny tetmente na vanguarda do progrensdeetooey GAT £26 samo land da ngs can ae of europeus ao qual no € walmente meee 28 atribuir o rétulo de “Estade-nagio”. De qualquer m: se duvidar de que a Gri-Bretani fossem “Estadosnagées” em sentido muito diferente. Porta desenvolvimento de seu vocabulirio especifico pode ter interesse ge inguas romanicas, a palavra ‘nagio” é vernécula. Em Sutras linguas, quando é usada, € um empréstimo estrangeiro. Isso nos permite tracar. as distingdes no seu uso de modo mais claro. Assim, no alemio culto e no vulgar, a palavra Volk (povo) tem hoje claramente as mesmas associages que as palavras deriva- das de “nati, mas essa interagio & complexa. No alemio vulgar medieval, 0 termo (nati), quando usado — e podese pressupor, 4 partir de sua origem latina, que ele era dificilmente usado a no ser entre 0s literatos ¢ pessoas de extragio real, nobre ou senhor?. al —, nio tem ainda a conotagio de Volk, que fo nas no século XVI. Como no francés medieval, s to ou grupo de descendéncia (Geschlechi)* Como em outros lugares, a palavra desenvolveu-se para des ctever grandes grupos fechados, como guildas outras corpora: ses, que necessitavam ser.diferenciados de outros com os quais ‘coexistiam: daf as “nacdes" aparecerem como sindnimo de estran- Beiro, como no espanhol, as “nacdes” de mercadores estrangeiros (comunidades estrangeiras, especialmente de comerciantes, vi. vendo em uma cidade ¢ nela gozando de privlégios"):* as fami ares “nagdes" de estudantes nas antigas universidades. Dai ta bém o menos familiar “regimento para a nagio de Luxemburgo"? Contudo, parece claro que a evolucio da palavra tenderia a dex tacar o lugar ou o territério de origem — o pays natal de unia antiga definigéo francesa que rapidamente se tornou, a0 menos na cabeca dos iltimos lexicégrafos, 0 equivalente a “provincia® enquanto outros enfatizam 0 grupo de descendéncia comuim, movendo-se portanto na dire¢io da etnicidade, como na insis. téncia holandesa a respeito do significado fundamental de natie como “a totalidade de homens que se supde pertencer ao mesmo stam", De qualquer modo, continua intrigante o problema da rela- so dessa “nagio" vernacula, mesmo tio alargada, com o Estado, pois parece evidente que, em termos étnicos,lingtisticos ¢ outros, 29 4 io poderiam ser simplesmente equalizados com as nagaes. O dicion: mente destaca, como uma pecul fato de estes usarem a palavra “nagao” designar pessoas que pertencem a um Estado, mesmo que nao falem a mesma lingua? Uma discussio muito instrutiva a respeito desse enigma vem da Alemanha do século XVIIL. Em 1740, para o en hann Heintich Ze i ignificava um miimero unido de Birger (1 culo XVIII, € melhor deixar esta palavra com sua ide), 08 quais partilhavam um corpo de cost. isto se segue que a palavra nao pode ter significado territorial, desde que os membros de diferentes na- ‘es (divididos por “diferencas nos modos de vida — Lebensarten — € costumes”) podiam viver juntos em uma mesma provincia, por pequena que esta fosse. Se as nagdes tivessem uma conexio intrinseca com o territ6rio, os wends* da Alemanha teriam que ser chamados de alemaes, 0 que eles patentemente nio sio. O ‘exemplo vem naturalmente a mente de um estudioso saxo, fami- liar com a Gltima — e ainda sobrevivente — populagao eslava da ‘Alémanha lingtistica, & qual ainda ndo lhe ocorreu rotular com 0 Problematico termo “minoria nacional”, Para Zedler, a palavra que descreve a totalidade das pessoas de todas as ‘naces", viven- do i uusado no mesmo sentido que “Vola”; 3s vezes como sinénimo de “estamento” da sociedade (Stand, ordo) € outras vezes para qualquer associagio ou sociedade (Gesellschaft societas). Qualquer que seja 0 significado “proprio ¢ original” (ou qualquer outro) do termo “nagio", ele ainda é claramente dife. rente de seu significado modemno. Podemos, portanto, sem ir * Um dos povoseslavos da Alemanha do Leste, (N-T.) 30 Dictionary, j& sublinhava isso a0 indicar, em 1908, que o velho significado da palavra contemplava principalmente 4 unidade 62 embora seu Uso recer déncia e unidade politica’ Dada a novidade ica do conceito moderno de “na- $40", sugiro que 0 melhor modo de entender sua natureza feguir aqueles que, sistematicamente, comesaram a operar coin indicasse mais “a nogao de indepen como veremos, os contem- so de tais palavras, e parte Porque a mesma palavra podia significar simultaneamente cola: muito diferentes. © significado fundamental de “nagio*, ¢ também.o mais Reatentemente ventilado na literatura, era politico. Equalizan “o povo" ¢ o Estado a maneira das revolugdes francesa e smericn ne uma equalizagio que soa familiar em expresses coino “Esta, donasio", “Nagdes Unidas” ou a retérica dos tltimos presidentes lo XX. Nos EUA, o discurso anterior preferia falar em “confederacio”, ‘nossa terra comum”, “piiblico”, jbemestar pablico” ou “comunidade", com o fim de erie, at implicagées unitérias e centralizantes do termo “nario om vee £50 208 direitos dos estados federados." Na era das revolugses, fazia parte ou cedo se ca de mmasen John Start Mil nfo det una nario apenas peas do sentimento nacional, Também acrescentou que oxfectaee, dum nicionaldade “engumgae sea um goles dae Prios, ou exchusivamente de uma poredo deles"." Observarae 31 «A equagio nacio = Estado = soberano, vinculou indubitavelment te a nagio ao terri "YOu pow independent esberno, gut ceune indlividuos que o compdem e a ertentne tte i890 mime. cup sta soberanis&inalenner MMO 4 tro que De fato, se do i ale em coum, nae aso ho de vineule ve nem® Ue estas também pudessen eee * oi i shin ei ae ae “o. Povonagio, visto de baixo, era precisam Fa neo rani dares Timo a eomtta © privlégio, como na vertad 2 WE 8 americanos tsaram 800 i Sea re a a icionsrio “a nacio" tem im mente, povo sis eram tio secundérias quanto itiam ser mais arde para os SrePiinas Evidentemente, © que ditinguia or colonos aineice wee do rei Jorge © seus teguidores nfo era « lnguagem ou a Uircidade e, do mesme modo, a Repdblica francest nao viv di ‘tidadealguma em elogero angloamericano Thomas Paine para Shun Assembla Nacional ceto para um territério de extensio indefinida (¢ talvez para a cor da pele) nenhum desses critérios uniu a nova nagio americana. Além disso, na medida em que durante as guerras revolucio napoleénicas a “grande nation” francesa alargou suas fronteiras para éreas que néo eram francesas sem possuir nenhum dos crté- rios citados de vineulo nacional, tornase claro que nenhum deles era a base de sua constituicio. No entanto, estavam com certeza presentes os virios ele- mentos posteriormente usados para descobrir definigdes da nacionalidade no estatal, sejam os associados com a nagio revo luciondria, sejam os que criavam problemas para ela; € quanto mais esta se queria una ¢ indivisa mais a sua heterogeneidade interna criava problemas. Nao hi diivida de que, para a maioria dos jacobinos, um francés que nio falasse francés era suspeito e que, na pritica, critério etnolingiistico de nacionalidade freqientementé aceito} Como colocou Barére em seu relatério 20 Comité de Seguranca Pablica: ‘Quem, nos Departamentos do Alto Reno e do Baixo Reto, junto 4 aoe traidores, chamando a Prissia ea Austria em nosas frontei- a8 invadidas? Foi o habitante do campo (alsaciano), que fala a ‘mesma lingua de nosos inimigos e que conseqieentemente consi- derase mais seu irmio ¢ seu cidadio-companhsiro do que compa- heirocidadio ¢ irmio dos frances, que se ditigem a ele em ‘outra lingua e tém outros costumes.” ‘A insisténcia francesa na uniformidade lingiistica, desde a |/Revolugio, foi realmente marcante e, para a época, era bastante excepcional. Retornaremos a isso posteriormente. Mas o que deve ser notado é que, na teoria, nlo era o uso nativo da lingua francesa que fazia de uma pessoa um frances — e como poderia sélo se a Propria Revolugio gastou fanto tempo provando que pou soas na Fran¢a realiente dela se utilizavam?™ — e sim a dis de adotar a lingua francesa junto com outras coisas como as dades, as leis ¢ as caracteristicas comuns do povo livre da Franca, Em certo sentido, adotar o francés era uma das condigSes da plena cidadania francesa (¢, portanto, da nacionalidade), da mesma for- ‘ma que adotaf 6 inglés se tornou condigio da cidadania americana. Para ilustrar a diferenca entre uma definigio basicamente lingist- «a de nacionalidade ¢ a dos franceses, mesmo em sua forma extre- ma, lembremomnos do fildlogo alemao que vamos encontrar adian- te, tentando convencer o Congresso Estatistico Internacional da necessidade de inserir a questio da lingua nos censos estatais (cf. adiante, pp. 98-9). Richard Béckh, cujas influentes publicagSes na década de 1860 argumentavam que a lingua era o tinico indicador adequado da nacionalidade, um argumento ajustado ao nacionalis mo alemio desde que os germinicos estavam amplamente distri buidos na Europa central e oriental, foi obrigado a clastificar os Judeus ashkenazim como alemies, na medida em que o fiche era, sem diivida, um dialeto germanico derivado da Alemanha medic. val, Essa conclusio nao podia ser partilhada pelos alemies anti semitas, como Béckh sabia. Por seu lado, os franceses revoluciond- rios no precisavam nem entendiam esse argumento, dado que lutavam pela integracio dos judeus na nacio francesa. De seu Ponto de vista, os judeus sefardim, que falavam o espanhol medie- vale 05 judeus asikenazim, que falavam idiche — ¢ a Franga conti nha ambos — eram igualmente franceses desde que accitassem as condicdes da cidadania francesa, o que naturalmente incluia falar francés. Correlatamente, 0 argumento de que Dreyfus nio podia ser “realmente” francés porque descendia de judeus foi correta- mente entendido como um desafio & prépria natureza da Revol. sio Francesa ¢ a sua definigéo de nagdo francesa, E, contudo, na altura do relatério Barére que se encontram dois conceitos muito diferentes de nagio: o revolucionériode- 34 mocritico ¢ 6 nacionalista. A equagio Estado = nagio = povo aj ‘1 ambos, mas para os nactonalsias a sua inchis les politicas derivava da existéncia anteridr d idadio = Estado, a qual constitufa uma “nagio" em relagio a restate da raga humans* Nem podcmos equecer que ‘os Estados, qualquer que fosse sua constituicao, teriam doravante {que darse conta de seus sujeitos, pois, na Era das Revolugdes, tor- nara-se mais dificil governé-los. Como expressou o libertador grego. Wo era mais verdade que “o povo pensa que 0s reis \dade nao mais os cercava. Quando reviveut a antiga ceriménia de coroa- eee eae spice tio Fe rage oT no ges Se ee Seco er oe ee ar ee gria, depois do Compromisso de 1867), para nio mencionar 0 res como Estados independentes, que demandavam um novo status como povos nacionalmente fundados, do Oeste da Bélgica aos Estados que sucederam aos otomanos no Sudeste europeu 35 (Grécia, Sérvia, Rome de duas revoltas nacio- nais dos poloneses exigindo sua reconstituicéo como Estadone. io do modo como o imaginavam. Na verdade, a burguesia e seus lectuais ndo desejavam evitar essa reflexdo. Pois o que Walter igchot havia chamado de “formacio de nagio” constituia 0 con- tetido estencial da evolucio do século XIX™ No entanto, desde que o niimero de Estados nacées era pe- queno no inicio do século XIX, a questio Sbvia para as mentes inquiridoras era quais das numerosas populaces européias classi. ficdveis como uma “nacionalidade”, cont P tomarse um Estado mento administrative Estados existentes estari io) quale dos numeross outeo do carter de “nagio™ A consinico de lias com entries de cebténcs de nae tora Gis on reais servia «ese objetivo. Parecia So que seat aes os Estados coincdiam com nagdes ¢ vicewerin Por wen ado a famom questo de Renan “por que Holands & uaa etic enguanto Hanover ou o Grioducado de Parma nio oor Jevantva um conjnto de qucstges anal, Por onto lo, a ede que seu interesse era com sa propria nignalidae om o Estado em que vviam. Mesmo eles cneontavanee eres as demandas de outras naconalidades Estadon com olnos bee Toda além dese ponto, encontramos no dcors Heel do século XIX um surprecndente rau de rguidade lege ane nio nto falénca em pensar at fim o problema da sgse is sim ao presuposo de que a nagio nio dena ser expends sor i era ébvia. Daf o fato de bon parte da worn Hibcal da bes merge apenas & margem do dscuso de caritores bes ice dio, como vemos, Uma rea central do acute liberal concn ‘mpedia consderar a "nagio”inelectulmente, Noss teh no restante deste capitulo €adereconstui uma tora era corre a “nacio", muito ap modo como os arquedlogon reconsecenr Fotas comers partir de depeston de medion 36 ‘A melhor maneira parece ser a de comecar com a nogio ‘menos satisfatéria de nagio, ou seja, a do sentido dado palavra por Adam Smith no titulo da sua grande obra. Pois, no contexto, hacio significa simplesmente um Estado territorial ov, nas pala- vas de John Rae — uma afiada cabeva escocesa que na América do Norte, no comeco do século XIX, criticava Smith — “cada comunidade, sociedade, na¢io, Estado ou povo separado (termes ‘que, no que concerne ao nosso assunto, podem ser considerados sindnimos)"* No entanto, pensamento dos grandes economis- 0s liberais certamente deve ser relevante. para pensado- res liberais de classe média que consideraram a “nacio" de outro ponto de vista, mesmo que ndo fossem economistas, como John ou, como Walter Bagehot, editores do. The Economist. Teria sido um acaso historico o fato de a era clissica do liberals ‘mo do livre-comércio ter coincidido com a “formagio de nacdes" que Bagehot considerava tio central em seu século? Em outras : © Estadonacio, como tal, desempenhou uma fungao vento capitalista? Ou ainda: -a viu essa fungao? Pois € evidente ao historiador que © papel. das economias definidas por fronteirds estatais era grandeA economia do mui do novecentista era mais internacional do que cosmopolita. Te6ri- ‘cos do sistema mundial tentaram mostrar que © capitalismo foi qiado como um sistema global em um continente, e'ndo em ‘outro lugar, precisamente por causa do pluralismo politico da Europa, a qual nao constituia ném fazia parte de um tinico “impé- jundial*. © desenvolvimento econémico nos séculos XVI a foi feito com base em Estados territoriais, cada um dos quais tendia a perseguir politicas mercantilistas como um todo unificado. De modo mais Sbvio ainda, quando falamos de capita- lismo mundial no século XIX e comeco do XX, falamos das suas uunidades nacionais'componentes no mundo desenvohido — da indistria briténica, da economia americana, do capitalismo ale- mao diferente do capitalismo francés ¢ assim por diante, Durante © longo: periodo que vai do século-XVIII acs anos que se seguiram a Segunda Guerra Mundial, parece nao haver espaco ¢ lugar na ‘economia global para aquelas unidades genuinamente extraterri- toriais, transnacionais ou intersticais que desempenharam um 37 papel tio grande na génese da economia capitalista mundial ¢ que sio, hoje, novamente tio proeminentes: por exemplo, mink Estados independentes cuja significdncia econémica esté fora de proporeio ao seu tamanho e recursos — Liibeck ¢ Gand no sécu- lo XIV, Gingapura e Hong-Kong novamente hoje. De fato, consi- derando o desenvolvimento da economia mundial moderna, ten- demos a ver a fase na qual o desenvolvimento econémico foi integralmente vinculado as “economias nacionais” de um nimero de Estados territoriais desenvolvidos como situada entre duas eras essencialmente transnacionais. A dificuldade dos economistas liberais do século XIX ou dos liberais que, como esperado, aceitavam os argumentos da econo- ‘mia politica clissica era a de poderem reconhecer o significado ‘econémico das nagdes apenas na pritica, mas nfo na teoria. A ‘economia politica clissica, e especialmente a de Adam Smith, foi formulada como uma critica do “sistema mezcantil”, ou seja, pre- cisamente © sistema no qual os governos trataram as economi- as nacionais como conjuntos a serem desenivolvidos pelos esforcos ¢ politicas estatais. O livre-comércio ¢ o livre-mercado se dirigiram precisamente contra esse conceito de desenvolvimento econémi- co nacional, que Smith acreditava ter demonstrado ser contrapro- dutivo. A teoria econémica foi entio elaborada unicamente na base de unidades individuais de empresa — firmas ou pessoas — racionalmente maximizando seus ganhos e minimizando suas per- das em um mercado que nio tinha extensio espacial especifica. No limite, esse era o mercado mundial, e no poderia deixar de sélo. Embora Smith estivesse longe (tio longe quanto a teoria geral do crescimento econémico) de se opor a certas fungies do governo que cram relevantes para a economia, nio havia lugar Para a nac3o ou qualquer coletividade maior do que uma empresa, ' qual, a propésito, ele nio se importou em investigar muito. Assim, J. E. Caimes, no auge da era liberal, chegou a gastar * seriamente dez paginas considerando a proposi¢ao de que uma teoria do comércio internacional nao era necesséria se fosse dis tinta de qualquer comércio entre individuos.” Concluin que, cembora as transagdes internacionais estivessem indubitavelmente se tomando cada ver mais constantes, havia ainda muitas fricgdes que justificavam considerages & parte a respeito do problema do comércio entre Estados. O economista liber Guvidava que o conceito de “renda nacional” tivesse algum signifi- ado, Essa idéia pode ter tentado aqueles que nio se contentavam Com idéias superficiais, mas os economistas liberais estavam indo Tonge demais mesmo que as estimativas da “riqueza na termos monetarios, estivessem erradas."* Edwin se an et oe pe vido aie a aap an a a eres tee Car ca ee ec eA Pate a a eee ee eae ee eee era Obrigado a operar com 0 conceito de economia nacional. Como 0 saintsimoniano Michel Chevalier apologética ¢ afetada- ‘mente anunciou em sua aula inaugural como professor de econo- mia politica no Collége de France: Somos charhados a nos preocupar com os interesses gerais das sociedades humanas, mas nio nos é proibido considerar a situagao ‘particular da sociedade na qual vivemos™ (Ou entéo, como Lord Robbins afirmou uma vez mais em relagao aos economistas politicos classicos: “Ha pouca evidéncia 39 dé que eles ultrapassaram com alguma freqiéncia o teste da vantagem nacional como critério de politica econémica, ¢ me- nos ainda de que estavam preparados para aceitar a dissolucio dos liames nacionais™® Em resumo, eles nio podiam nem que- riam escapar da ‘nagio", cujo progresso Porter inquiria com satisfago a partir de 1885, pois pensava que era desejavel “deter. minar os meios pelos quais qualquer cornunidade consegue a superioridade entre as nagdes". Nem é necessério acrescentar au or "qualquer comunidade” ele queria izer “a propria eo munidade".* Na verdiide, como poderiam ser negadas as funces econé- micas e'mesmo os beneficios do Estado-nacio? A existéncia de Estados com monopélio da moeda, com finangas piblicas e, por “tanto, com atividades e politica fiscais era um fato. Eram ativida. des econdmicas que nao poderiam ser abolidas mesmo por aque- les que quisessem climinar suas intervengdes danosas na econo- mia. Além disso, mesmo extreitiados libertérios podiam-aceitar, , “que.a divisio da humanidade em nagées auténo. mas é essencialmente econdmica”.* Pois, na era péerevoluciond- via do Extado-nacio, o Estado garantia, afinal de contas, a segu. \ Fanga da propriedade e“dos contratos — e como disse J.B. Say, Rotoriamente um inimigo da empresa pablica, “nenhuima nagic conseguiu um nivel de riqueza sem estar sob um governo regu. ~% As fungdes do governo podiam até ser'raciondlizadas pelos economistasliberais como livre-competigio. Assim, Molinari argu. ‘mentava que “a fragmentagio da humanidade em nagées é ttl na medida em que desenvolve um principio extremamente poderoso de competitividade econémica’.*” Mencionava a Grande Expos, sio de 1851 para bascar «Mas mesmo sem essas justfica- $6es, a funcio do governo no desenvolvimento econdmico foi assumida. J. B. Say, que nao'via muita diferenga.entre uma nacio £ seus vizinhos ¢ duas provincias vizinhas, acusava no entanto 2 Tanta — isto é, o Estado ¢ governo francés — de descuidar do desenvolvimento dos recursos domésticos do pais, preferindo « conquista estrangeira. Em resumo, nenhum economista — mes. mo da mais extrema convicgio liberal — podia negligenciar ou no levar em conta a economia nacional. Apenas eles nao gosta- vam de referirse a els, ow nio sabiam como fazélo, 40 " lar sobre a economia nacional anos 50. Mais claramente americano Alexander Hamill volver 0 germe da nacionalidade”; ou pode ser que, Suuos federalists que poco flava em nacho € muito mais de ‘economia, ele sentisse que a nagio tomaria conta de si se o gover- no federal tomasse conta do desenvolvimento econ: ‘em qualquer caso, a nagio implicava uma econo! Sum tnemaice promogia pels Esado © que no elo XIX, significava protecionismo. re et mediocres o bastante para nio Co do hamiltonianismo, embors © pobre Carey e outros tivestem tentado.” Todavia esse argumento foi afirmado, licida ¢ temente, pelos economistas alemies chefiados por Friedria © qual, francamente inspirado por Hamilton, havia adquirido suas idéias durante sua estada nos Estados Unidos na década de 1820, qiando tomou parte nos debates sobre a economia nacional do periodo.” Para List, a tarefa da economia — que os alemaés des- de entio tenderam preferencialmente a chamar de “economia nacional” (Nationalockonomia) ou de “economia do povo"” (Vo- Uswirth-schafl & “economia politica” — era a de “realizar 0 desen- 41 volvimento econémico da nacio e preparar sua entrada na socie- dade universal do futuro™" E desnecessirio acrescentar que esse desenvolvimento tomaria a forma de uma industrializagio capita. lista levada adiante por uma burguesia vigorosa, Contudo, o que é realmente interessante aqui a respeito de ior “escola historica” dos economistas alemies que inspiragio — como também economistas nacio~ nalistas de outros paises como Arthur Griffith, da Irlandat” que cle claramente formulou uma caracteristica do conceito ‘libe- ral” de nasdo até entio comumente considerada como garantida, A nasio teria que ser de tamanho suficiente para formar uma Uunidade vidvel de desenvolvimento. Se caisse abaixo desse pata. mar nio tera justificativa historica, [sso parecia muito ébvio para Fequerer argumentacio, ¢ era raramente discutido. O Dictionnaive Politique de Garnier-Pagis de 1843 pensava ser lo que a Bélgica ou Portugal quisessem ser nacdes independentes, dado seu visivel pequeno tamanho.* John Stuart Mill justificave o ine. $08 Para strem capazes de constituir uma nacionalidade respeits- yel™-fOutros discordavam, entre os quais Mazzini e Cavour, em. bora fossem apéstolos do principio da nacionalidade. De fito, o proprio New English Dicionnary definia a palavra “nagao" nio ape. as da forma usual familiarizada por J. S. Mill na Gri-Bretanha, mas também como “um agregado amplo de pessoas” com caracte, risticas adequadas (grifos meus).** List claramente afirmou que: Rormal .. Uma nagio resrita em populagio ou territério, especial Tnente s© Possuir uma lingua distinta, pode apenas poseuir uma \neratura estropiada, ¢ insttuigBes estropiadas para promover ans prong, itneia. Um Estado pequeno nio pode, em seu terrtirio, Promover & perfeicio os virios ramos de produgio. Os beneficios ami 8 econdmicos de Estados de larga escala (Grosstaate), pensava o professor Gustav Cohn, eram demenann 42 dos pela hist6ria da Gri-Bretanha e da Franga. Eram beneficios menoren sem Givids, do que acl prvivios de uma ‘economia gtot lizmente a unidade mundial ainda no cera alcangivel. Enquanto isso, “tudo a que a humanidade aspira para toda a raga humana ... até agora ja foi (cundchst einmal) al cangado por uma significativa frago da humanidade, isto é, 30 a 60 milhdes de pessoas”. E assim “segue-se que 0 futuro do mundo civilizado, por um longo tempo ainda, tomara a forma de grandes Estados (Grossstaatentildung)"." A. propésito, notamos o pres suposto constante de as “nacdes" serem a segunda melhor opgio para a unidade mundial, ponto que retomaremos adiante. ~ Duas conseqiiéncias decorrem dessa tese, a5 quais eram quase universalmente aceitas por pensadores sérios do assunto, mesmo quando nao as formulavam to explicitamente como o fizeram os alemaes, os quais tinham algumas razdes histéricas para fazé ‘Primeiro, segue-se que o “principio da nacionalidade”, cado na pratica, servia apenas para nacionalidades de um certo tamanho. Daj o fato, de outra forma surpreendente, de Mazzini, 0 apéstolo desse principio, nao visualizar a independéncia da Irlan- da. Quanto as demandas das nacionalidades menores ainda ou das nacionalidades potenciais — sicilianos, bretdes, galeses — podiam ser levadas menos a sério ainda. De-fato, a palavra Kicinstaatere (0 sistema de mini-Estados) era deliberadamente de- preciativa, Representava aquilo contra o que os nacionalistas ale- mies lutavam, A palavra “balcaniza¢io”, derivada da divisio do territério antes formado pelo it turco em vros pequgnos Estados independentes, ainda retém s fo negativa,|Am- ‘bos os termos pertenciam ao vocabulério dos insultos Esse “principio do ponto critico” é excelentemente ilustrado pelo ‘mapa da futura Europa das nagdes desenhado pelo proprio Maz- zini em 1857, que compreendia uma diizia precisa de Estados ¢ federagbes, dos quais apenas um (desnecessitio dizer, a Itilia) indo seria obviamente classificado como multinacional por crité rios posteriores-#[O “prinefpio da nacionalidade” na formulagao wilsoniana, que dominou os tratados de paz ..26s a Primeira Guer ra Mundial, produziu a Europa de 26 Estados — 27 se agregarmas © Estado Livre Irlandés que seria logo estabelecido. Eu apenas acrescentaria que um estudo recente dos movimentos regionalis 43 tas somente da Europa oriental registrou 42 deles,#* demonstran- no entanto, é que no perfodo clissico ismo liberal ninguém sonharia em abandonélo. A autodeterminagio das nagdes ajustava-se apenas para as nacdes consideradas vidveis: ‘ou seja, vidveis culturalmente e, & légico, ignificado exato de viabi- léia de Mazzini e de Mill a respeito da autodeterminacio nacional era fundamentalmente diferente da do presidente Wilson. ‘Consideraremos adiante as razées da mu- danga de uma.a outra, Todavia, vale a pena notar en passant que 0 “principio do ponto critico" nio foi inteiramente abandonado ‘mesmo na era wilsoniana. Entre as guerras, a existéncia de Lu. xemburgo ¢ Liechtenstein tou como um leve embarago, mes- cas fossem muito bem-vindas pelos tas. Ninguém sentia-se feliz pela existéncia da cidade In wee de Danzig, nem mesmo nos dois Estados vizinhos que a queriam dentro de seu prépris tersit6rio; menos ainda aqueles que sentiam que nenhuma cidade-Estado seria vid XX como tinha sido nos dias hansedticos.'Os habitantes da, Periférica Austrig-quase unanimemente deséjavam a sua inte: gracio na Alemianha, porque simplesmente nio podiam acre. ditar que unt Estado tao pequeno quanto o delet fosce visvel Foi apenas a 45 e, mais ainda, depots da descolonizagio aoe ve na entidade de nagées para entidades como Dominica ow ithas Maldivas ou Andorra.’ AA segunda conseqiiéncia & que a consigugio de nagées foi inevitavelmente vista ‘ i cura razdo para a aflomalia do caso irlandés ou para qualquer outro nacionalismo puramente separatista. Como vimos, era tech to na teoria que a evolucio social expandiria a eicala de wnidades iais humanas, da familia € da tribo para o condado ¢ o cantion para o regional, para o nacional e ocasionalmente para o fobal, Assim sendo, as nacoes estavam afinadas com a erelurio istorica nat medida em que elas ampliassem a escala da sociedade humana, permanecendo iguais as outras “4 oe Na pric, iso significava que se esperava que os movimen- racionais fosem movimentos pela expansio ou unica nae Clonal. Assim, todos os alemese italianos esperavam juntar-se em tm Estado nacional tl eomo o gregos. Os so iriam fandirse com 0s croatas em tuma Gnica Tugoslava (até cntéo sem nenhum precedente histérico) e, para além disso, 0 sonho de uma federa- ica astombrava aqucles que procuravam uma unidade jepois da Segunda Guerra Mundial {Os tchecos fundir- seriam com’ os eslovacos, os poloneses e combinar com 8 i menos da Mol de Estado na Polénia prépartilha —, 0s ror i iriam se unir com aqueles da Valiquia ¢ da Trans por diante. Tudo isso era evidente nigdes de nagdes baseadas Sob Seana ea SE hore ere ee eee Co eee peels Sa ae en assunto, dentro do partido social democrata austriac a qe eee eee eee ee 45 dosnagses foi accita sobretudo porque parecia e Gionalidades pequenas, «especialmente te peque 46 tinham a ganhar fundindo-se em nace thai, através destas, sua contribuicdo para a humanida cia”, disse Mill articulando 0 consenso de obea ‘Prova que é possivel para uma nacionalidade fundi sorvida por outra”. Para o int ganho enorme: Uma ver aceito também que ser’visvel Nao havia implicava hostile rogeneidade ni de. lente. Muitas eram geralmente aceitas, mesmo gu extavam longe de st hosts, em prin "rtacao nacional. a . : Rada de chauvinista nessa atitude genérica. Nao idade as linguas ¢ as culturas de tais vitimas colett, 46 rvadores sensiveis, ° irse ¢ ser ab- Meriores atrasados, isso seria um que uma nagio independente ou “real” teria Pelos critérios entio definidos, seguia-se vas das leis do progresso (como entio certamente seriam chama- das). Pelo contrario, ‘onde a supremacia da nacionalidade estatal stdo, a nagio maior poderia yguas menores ¢ as tradigdes lades menores que continha, le cores de'sua palheta macro. na nagio maior — ou, se se preferir,aceitaram as s — também nio reconheciam diferengas irreco microcultura ea macrocultura, chegando mesmo a se reconciliar com a perda daquilé que nao poderia ser adaptado & Idade Mo- derma, Foram os escoceses, € nao os ingleses, conceito de “britinicos do Norte” depois da U: Foram os portavozes ¢ lideres galeses no Pais de Gales do século XIX que duvidaram que sua prépria lingua, tio poderosa como meio para a religiio e a poesia, poderia servir como lingua ttl para a cultura no mundo do século XIX — isto é assumiram a necessidade e as vantagens do tavam conscientes das possibilidades de carreiras britinicas aber- tas para os galeses que falavam inglés, mas isto no diminui seu vinculo emocional com a antiga tradigio. Isso é evidente até mesmo entre aqueles que aceitavam o eventual desaparecimento do idioma, como o reverendo Griffiths, do Dissenting College, de Brecknock, que demandava apenas que a evolugio natural fosse deixada a seu curso: Deixea (a lingua galesa) morrer acreditada, condignamente € em paz. Ligados a ela como somos, poucos desejariam adiar sua cut nisia, Mas nenhum sacrificio seria julgado grande demais para pre- Quarenta anos depois, outro membro de uma nacionalida- de pequena, o teérico socialista Karl Kautsky — por origem, um tcheco —, falava em termos semelhantes, resignado mas nio desa- paixonado: ‘As linguas nacionais serio crescentemente confinadas 20 uso do- méstico e, mesmo Ii, serio tratadas como uma velha pega herdada 47 jo fia ets ram problemas de nacional cxjo fut ores acolhiam as menores, desde que nio as desafias into menos eles se comportassem como ingleses, mais podiam cultivar sua maneira de ser irlandesa ou escocesa. Do mesmo modo, os nacionalistas pan-germanicos na verdade encorajaram a producio ‘tura em baixoalemio ou frisio,* desde que esta nio. 2m apéndice desty e nacion Bell, Coldoni e cangder nape franc6fonon no fieram objedo 0. Foram of flamingants que restram no Bancts Hears net mente caos em ue a nat lider ou 0 Sut enon aoe ene, suprimir as Inga. clturasnienores mas ine i oo fora da Franga no século XIX aad Assim, alguns povos ot nacionalidades foram destnados a nunéa se tomarem nagber Outros conseguiram, ou Consguiriam, a sua wal exténca como maybe telarnaan cles tnham sim futuro € quais néo tinham Os debe ae Aauilo que conetnta a0 Coa tert lingua, emi, te do ponto eiteo” era naturalmente inated oe Bdmero de pequnos pony na G6 Renan sobre o Hanover e o Gréoducado de Parma era comtas, no © de contrasté-los com qualguer nagio, mas com es is (NT) 18? BPMs dos rade, ainda hoje flada no Nordeste da Holanda. 48 outros Estadosnagdes da mesma modesta magnitude, como os Paises Baixos ou a Susa. Como veremos, a emergéncia de movi ‘mentos nacionais de maséa, pedindo atengio, implicaria revises substanciais de julgamento; mas na era cléssica do liberalismo poucos deles, com excecio do império otomano, realmente pa- reciam pedir reconhecimento como Estados soberanos indepen- dentes, algo distinto da demanda de autonomia em virias formas. , Como sempre, o caso irlandés era anémalo também a esse res. peito — ou pelo menos assim ficou com o aparecimento dos fenianos, reivindicando uma Reptilica Irlandesa que s6 poderia ser independente da Gri-Bretanha. 5 Na pritica, havia apenas trés critérios que permitiam a um ) povo ser firmemente classificado comio hago, sempre que Tose suficientemenite grande para passar da entrada. O priméiro destes érios era sua associacao histOrica com tim Estado existente ou um Estado de passado recente-e razoavelmente durivef] Ha- via pouca controvérsia sobre a existéncia de um povonagio inglés ou francés ow dé um povo russo ou polonés, e também pouca controvérsia fora da Espanha sobre existéncia de espanhola com caracteristicas nacionais bem compr Pois uma vez dada a identificagio da nagio com 0 natural que estrangeiros pressupusessem que 0 nico um pais fosse aquele pertencente ao povo-Estado, um hibito que ainda irrita os escoceses. © segundo critério era dado pela existéncia de uma elite cultural longamente estabelecida, que possuisse um vernéculo ad- ministrativo ¢ lterdrio escrito: Isso era a base da exigéncia italiana e alema para a\existéncia de nagées, embora os seus respectivos “po- vos" nio tivessem um Estado ‘nico com o qual pudessem se iden- tificar. Em ambos 0s casos, a identificacao nacional era, em conse- léncia, fortemente lingiifstica, mesmo que (em nenhum dos dois asoe) a lingua nacional fosse falada diariamente por mais do que ‘uma pequena minoria — na Italia foi estimado que esta era 2.5% a populacéo no momento da unificagio" — e que o resto falasse virios idiomas, com freqiiéncia incompreensiveis mutuamente:® © tereeiro critério, que infelizmente precisa ser dito, era dado por uma provada capacidade para a conquista. Nao ha nada como um povo imperial para tomar uma populagio consciente’ 49 de sua existéncia coletiva como povo, como bem sabia Friedrich List. Além dis Pssas eram, entio, as concepries de nagéo e Estadonagio dos ideSlogos da era do tiunfante liberalismo burgués: digamos, die 1880 a 1880. Essas concepsiies faziam parte da ideologia liberal dle dois modos. Primeiro, porque o desenvolvimento das nagSes era inquestionavelmente uma fase do progresso ou da evolurio hu. mana que ia do pequeno ao grande grupo, da famflia a tibo, a regio, & nagio ¢, em hima instincia, a0 mundo unificade do € portanto tipico G. Lowes wundo seria unificado mesmo tinica lingua mundial, 5 nais reduzidas ao papel dor va nos planos tanto di inglés se.tornou a lingua global, mesmo que ela sw. plemente; "mais do que substitua,-as_linguas nacionais. . 50 / escolha. Os préi ral, a nagko (ato &,4 eniava 6 estigio de evolugio alcanga- ~{ do.na metade do século XIX. Como vimos, outra face da moeda aco COMO progres portanto, e logicamente, =a o de cominidades e povos menores aos maiores. Isso no impli Se ies ae ton, embora igo padewe acontecer. As populagS wus do povo escolhido pelos seu flhos¢ Cxjos nome, slaos ot alemaes magiares, tesemunharam bun da asimilagdo podiam ser subetanciais fas também em outro sentido a nagdo moderna era parte da ideologia liberal. Estava ligada ao que sobrou dos grandes slo- "ais liberia reepeito da feito desu necenidade Unde ext pars a fatern aque s propria naglo era associagio entre estas duas linhas de pensamento pode ser ilus trada pelo exemplo de um tipico pan-germinico da Austria, nas- cido em uma area de conflito nacional agudo, a Moris 1938, permaneceu durante toda a sua vida um apaixonado nacio- ta alemo, antitcheco e anti-semita — embora tenha ultrapat- “'sado 0 limite quando colocou todos os judeus em campos de 51 concentragio, como sugeriram seus companh Ao mesmo tempo, ele era acerbamente Em seus escrits, com um entus mais surpreenden- te ainda, pela criagdo de um corpo de “‘cidadios do mundo’ (Wel tdiiger).. que ~ Jonge dos provincalismos de cidades pequenas ¢ de horizontes ligados pela torre da igreja, abrsse o planeta para aqueles até entio prisioneiros de seus cantos regi “Tal era, portanto, 0 conceito de “nagio visto pelos pensadores liberals no apogél d era em que o “prinefpio da nacionalidad rminagao assim garantidos nio Podiam exercé-los, impedidos pelos seus grandes e.rapaces vizi- hos, € a maioria deles nio contava com muitos simpatizantes dos Princfpios dé 1795. Pensase nos cantées livres das montanhas da Sufga, que dificilmente estari Rousseau que escreveram n: longe das mentes dos leitores de spoca a Declaragao dos Direitos do ci tos autonomistas ou independentes, em tis comunidades, ainda nio haviam chegado. De ponto de vista do liberalismo — e, como o exemplo de Marx e Engels o demonstra, no apenas do liberalistto ‘causa 2 ‘nacio” estava no fato de esta representar um estigio no de, hist@rico da sociedade humana; ¢ a questio do eum Estadonagio especifico dependia de este 'ado a0 progresso ou & evolugio historica avanca. mostrarse adec 52 da — para além dos sentimentos subjetivos dos membros da na- Gionalidade envolvida ou das simpatias pessoais do observador.# A admiragao burguesa universal pelos escoceses das terras altas no levou, ao que eu saiba, algum escritor a demandar a sua existéncia como nagéo para eles — nem mesmo os sentimentalistas que Jlamentavam o fracasso da restauragio Stuart sob Bonnie Prince Charlie, apoiados principalmente pelos cls das terras altas, Portanto, se 0 tinico nacionalismo historicamente justificavel cera aquele ajustado ao progresso — isto é, aquele que alargava, no restringia, a escala de operacio humana na economia, na sociedade e na cultura —, qual podia ser a defesa dos povos pe- quenos, das linguas menores e das tradigdes menores, na grande maioria dos casos, a ndo ser uma expresso da resisténcia conser vadora ao avanco inevitével da histéria? Os pequenos povos, lin- guas ¢ culturas ajustavam-se a0. progresso apenas no caso de ‘arem um stafus subordinado a alguma unidade mai para se tornar um repositd lia da familia que Kautsky atribuiu a eles. O qual, é claro, muitas das pequenas comunidades ¢ culturas do mundo parecem ter aceitado. Como © observador liberal culto ter raciocinado, por que deveriam as pessoas de lingua comportarse diferentemente dos que falam 0 dialeto de Northumberland? Nada os impedia de serem bilingiies. Os eser- tores em dialetos ingleses no escolheram s lingua nacional padréo, mas com a consciéncia de que ambas tinham seu valor e seu lugar. E, se no curso do tempo, o idioma local retrocedesse diante do idioma nacional, ou mesmo desapa. recesse, como aconteceu com algumas linguas celtas marginais (0 émico eo manx deixaram de ser falados jé no século XVIM), tio, certamente, isso era inevitivel, embora lamentivel. Essas linguas nao morreriam sem lamentos, pois uma geracio que in. Yentou 0 conceito eo termo “folelore” poderia contar sobre a diferenga entre o presente vivo ¢ as sobrevivencias do passado. }, Para compreender a “nagio" d -cassica é portan-_ to essencial ter eni-mente que a “construcio de nagdes", por mais ‘que seja central & historia, do s€eul6 XIX, aplicavaze scrsente a “algumas Taio, a demanda pelo “principio de nacio. de ser a antiga ms 58. ero de poves on regides, mesmo cos como o império Habsbur go, onde jé dominava claramente a politica, Nao seria demais dizer que, depois de 1871, ¢ com excegio da lenta desagregagao do império ofoman¢ \cial no mapa da Europa e reconheciam poucos problemas nacionais aptos a envolvé-los, exceto a perene Questio polonesa. De fato, fora dos Bélcis, a Gnica mudanga no da Europa entre a criacio do império germanico © a Pri separagio da Noruega da Si de alarme e as excursées nacionais 8 spunha sequer que os énimos nai Hlungria, De qualquer modo, ue 05 funcionérios do império Habsburgo esperavam quando, de modo muit decidiram aceitar uma resolugio do Estatistico Internacional de Sio Petersburgo em 1873, iingua nos futuros censos, embora lu agio até 1880 para permitir que a opinido se acalmasse com 0 tempo.” Eles nao poderiam estar mais espetacularmente errados em seus progn: com sua permanente anomalia, 1e politicos nao se apercebessem 54 cia da democracia eleitora, Sa mao elcome mina Talvez seja essa a razdo pela qi qiiente sobre 0 nacionalismo na era seja pouca e tenha de alguma forma um ar casual. Observadores como Mill e Renan sentiam-se despreocupados 0 suficiente sobre os elementos que tenciais e reais, oF FAT vimentos politicos de masta, era agora objeto de uma pre sis pratica real. E 0 debate sobre quesides fais Como i teorieos da nacionalidadé rios tipos de agit para os partid 6 socialistas da Europa central e oriental, fazia uma grande dife- ),renga qual a base teérica sobre a qual a nagio fosse definida. Marx e Engels, como Mill e Renan, consideraram tais questées ‘marginals. Na Segunda Internacional os debates foram centrais, uma constelagio de figuras eminentes, ou figuras que seriam emi- nentes — como Kautsky, Luxemburgo, Bauer, Lenin ¢ Stalin — | contribuiram para eles com importantes escritos. Se tais questoes | Preocupavam os teéricos marxistas, também era de uma impor Pritica aguda para, digamos, os croatas € os sérvios, 0s énios e of bilgaros saber se a nacionalidade dos eslavos do .odo ou de outro. lidade”, que os diplomatas debate- ipa da Europa entre 1830 © 1878, era portanto diferente do fenémeno politico do nacionalismo que se 8B tomou crescentemente central na era da politica de massas ¢ da democratiza¢ao européia. Nos dias de Mazzini, pouco importava para a maioria dos italianos se o Risorgimento tinha existido, de modo que, como Massimo d’Azeglio admitiu em sua famosa frase, “Nos fizemos a Itélia, agora temos que fazer italianos”." Nao im. poriava nem mesmo para aqueles que, presciipados com “a ques. tio polonesa’, sabiam que provavelmente a maioria dos campone- ses polacos (para no mencionar © tergo da populago do antigo Reecspopolita pré-1722 que falava outros idiomas) nao se sentiam 1 ainda como potoneses nacionalistas; como reconheceu o liberta- faz a nagio ¢ nio a tiagio que faz 6 Estado”*Contudo, depois de _1880, importaria crescentemente de fato como homens e walle es_comuns sentiamse a respeito da naconalida ortante considerar os sentimentos ¢ atitudes desse tipo dos po- vos préindustriais, sobre os quais 0 novo apelo do nacionalismo Politico poderia ser construido. © préximo capitulo tratard disso, NOTAS 1964), vol. 18, p. 581 naire Historique de UAncien Langage Woordenbock (1913), col. 1588, John Heinrich Zedler, Grosses voolsténdiges UniversabLexicon aller Wissenschaften und Kinste.. vol. 28 (Leiptig-Haia, ,reproduzido por Grar, 1961), cols. 9013. |. Oxford English Dictionary, vol. VII (Oxford, 1983), p.-90. John J. Lalor (org.), Cyclopedia of Potical Science (Nova York, 1889), Yo. Ii, p. 982: “nation”. As nots relevantes slo reimpressas, ou mes. ‘mo traduridas, grandemente de antigos trabalhos franceses. “Poderseia concluir dessa definigio que a Nacio esti destinada a formar apenas um Estado e que este constitui um todo indivisivel.” (itiden, p. 923). A definico que advém desse “poderseia - € que uma Nagio constituiu “um agregado de homens , ‘mesma lingua, tendo os mesmos costumes, e partilhando certas qua lidades morais, que 0s distinguem de outros grupos de nauureza similar”, Esse € um dos numerosos exercicios na arte de questionar, pela qual o argumento nacionalista muitas vezes foi nocauteado. J.S. Mil, UsBtarianism, Liberty and Representative Government (ed. po- ‘Pular, Londres, 1910), pp. 359-866. 37 16/Extra V (Madri, abr. 1978), p. Ubiltarianiam, Liberty and Representative Government pp, 859 1, D. Julia, e J. Revel, Une Poique de la Langue sect ls Palos: L'Engute de VAS Grégoire (Pats, 1975), p. 298. Para o problema geral da Revolugio Francesa € ver também Renée Balibar ¢ Dominique Laporte, Le Politique t Pratique de le Langue. Nationale sous la 1974). Para o problema especifico da Alsicia, ver E. tes Lingaistiques en Alsace jusqu'en 1945 (Estasburgo, P. Lény, Histoire Linguistique d'dlace et de Lorraine (2 vos, Cyclopedia of Political Science, vol I, p. 923, E. J. Hobsbawm, The Age of Revolution 17891848 (Lone res, 1962), pp. 91-92. Mare Bloc, Les Rois Thaumaturges (Paris, 1924), pp. 402-404 1. Walter Bagehot, Phisies and Poli ), caps. IT, IV em “Nation-making”. in Alfred Zimmern (org), Modan Economy by John Rae (1884), org. C. W. 26, Leading Principles of Political Economy Newly ), pp. 158 e segs. - Edwin Cannan, History of the Theres of Production and Distibution in English Political Economy from 1776 to 1848 (Londres, 1894), pp. 10 e segs 58 48, 49. 50. 51, Para a contribuiglo de Etbin Kristan ao Congresso de Bi . "Nation", por Elias Regnault, Dictionnaire Polit 1854) reed. in Lalor, Cyclopedia of Political Science, vol. I, p. 957: “Nations in political ‘economy’, Thidem, pp. 958-958. Thider, p. 957. biden, p. 938, ‘Schumpeter, History of Economic Analysis (Ox 6. W. Now, “Friedrich List in Amerika", (Weltutrischafliches Archiv, 2, 1925, pp. 199-265, ¢ ¢ “Frederick List in America” (American a 36, pp. 249-268). Friedrich List, The National Sytem of Political Economy (Londres, 1885), p. 174 . Para um bom sumério de seus pontos de vista, F. Strauss, Irish Nationaliom and Britsh Democracy (Londres, 1951) pp. 218220. com uma intro- dugto de GarnierPagas (Paris, 1842), Coit de derrsério em chamar a Bélgca de Nacto?” Considerations on Representative Government, in Uttarianion p. 365. Oxford Engish Dictonary, VI, p80 idem, pp. 175176. Gustav Cohn, Grundleung der Nationalocomomis, vo. 1 (Stata 1885), pp. 447-449. Ver Denis Mack Smith (org), I Risngimento (Bar, 1968), p. Jochen Blaschke (0 Regionlbewegungen (Frankfurt, 1980). Maurice Block, in Lalor, Gelopatia of Poitcal Scion, vol 1 59 claborou seu programa nacional, ver Georges Haupt, Mic (Claudie Weill, Le Maraisteset la Question Nationale 1848-1 Mill, Utiktarianism, Liberty and Representative Government, pp. 363-864, CE. Roman Rosdiolsky, “Friedrich Engels und das Problem der ‘geschichuslosen Volker"™ (Archiv fir Sevialgeschicht, 4/1964, pp. 87- 282). XXVI, parte Il (Relat6rio dos condados de Brecknock, Cardigan ¢ Radnor), p. 67. ‘Haupt, Lowy e Weill, Les Marist, p. 122. }. Dentro da Espanha eram evidentes as diferengas culturais, linguist: ‘cas ¢ institucionais enure as pessoas dos reinos de Ar Castela. No império espanol, do qual Aragio foi excluido, Tillio de Mauro, Storia Linguistica dll alia Unita (Basi “Obwohl sie alle in einem Reich ‘Deutscher Nation’ ni lebien, darf nichts dardiber hinwegt xugural do presidente J. Hobsbawm, The Age of Capital 1848-1875 (Londres, ses do cap. 1 Ein treuer Diener seienes ungetreuen Staats 1938 (Viena, 1984). Agradeso a Clemens GE carta de Friedrich Engels « Bernstein en 22/25 2.1882 (Wake ToL 3S, pp. 278 © segs.), sobre os eslavos dos Bilcis: “E mesmo que Sx rapazes fossem tio admiréves quanto os escocescs das Tetras ‘Rus consagrades por Walter Scott — outro bando de ladries de Sado terriveis —, o maximo que podemos fazer & condenat 08 modes 60 como a sociedade os trata hoje. Se estivéssemos no poder, nés também teriamos que negociar com 0 banditismo dessa gente, o qual faz parte de sua heranca.” 1. Emil Brix, Die Ungangsprachen in Alisterech ruischen Agitation und ldthanischen Volkshlungen 6. ito na primeira reunio do parlamento do recému Po 1, Famous Sayings and Their Authors, Detroit, 1970). of Modern Poland (Londres, 1966), p. 48.

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