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C 0 muro de arrimo do “doutorzeco” noticia trigica desaba sobre uma universidade séria: levou bomba no MEC 0 curso de enge- nharia civil! © assunto justifica infindaveis elucubracdes, mas me detenho apenas em um aspecto, por ser uma birra minha, por décadas. Na justificada dnsia de consertar, foram troca- dos seis professores. Nao tinham mestrado e foram substitufdos por doutores em tempo integral, como gosta 0 MEC. Com isso, atende-se a uma das exi- géncias para reabrir os vestibulares. Esse remendo esté no epicentro de um dos maiores equivocos do MEC. A legislacdo do ensino superior veio da cabega de ciemtistas — alguns no- tiveis. Por isso, as atividades cldssicas de pesquisa nas dreas cientfficas foram corretamente trata- das e valorizadas. Professores consagrados foram substituidos por jovens que ainda vao aprender a dar aula. Péssimo para os alunos, mas nao comove o MEC? Lastimavelmente, esse marco legal ignorou a existéncia, dentro do ensino superior, de cursos profissionais e de servico. Em engenharia, direito, administracio, pedagogia e oyttos € necessdrio somar bons profes- sores nas disciplinas de formacdo teérica aos das aplicadas. E, de quebra, curapre oferecer a experién- cia prética de aplicar. Em um livro clissico (The Reflective Practi- sioner), D. Schoen fala das ruminagdes nao verba- lizadas dos profissionais ao realizar o seu traba- Iho. Sao descritas como experiéncia técita, “teoria do olho clinico”, ou o intersticio nao codificado entre o que descreve a teoria ¢ 0 ato de fazer. Dat que: (1) adquirir essa metalinguagem é parte inse- pardyel da profissionalizagao; (2) apenas verda- deiros profissionais podem transmitir essa dimen sao do profissionalismo; (3) leva tempo para for- ‘mar um profissional ‘Um belo exemplo é dado pelo programa de um hospital australiano que, por seu sucesso, foi replica- ‘cuwojo pemoura 40 pelo mundo afora. A direcao do hospital notou ASTRO economia que mortiam trés quartos dos pacientes por parada cardfaca. Identificando o problema como demora no alendimento, criou uma equipe sempre pronta para agir to logo ouvisse pelos alto-falantes 0 ter- mo “Code Blue”. Com isso, caiu a mortalidade, ‘mas apenas alguns pontos porcentuais. Nova provi déncia: qualquer médico on enfermeira poderia acionar 0 Code Blue, mesmo que os sinais vitais do paciente estivessem normais. Ou seja, s€ 0 jeitdio estivesse suspeito, mesmo sem os sintomas cldssi- cos, poderiam soar o alarme. Surpresa! A mortal dade caiu para menos da metade. Moral da historia: ‘© quie salva os pacientes € 0 que ndo est nos livros de medicina, mas na “teoria da pratica’”. E 0 “olho clinico”. O préprio médico ndo sabe explicar por que chegou a tal diagnéstico, mas intui que algo estd errado. Os novatos precisam adquirir tal expe- rincia, mas apenas quem a tem pode oferect-la, Portanto, cada disciplina requer professores com 0 perfil talhado para ela. Do professor de cal- culo, nada melhor do que exigir um doutorado. Mas 0 professor que ensina a consiruit prédios de- veria ser alguém que acumulouanos no canteiro de obras. Se houvesse doutores com essa ‘experincia, tanto melhor. Mas nao hh, pois doutorados preparam paraa pesquisa e para a universidade. Se 0 MEC methora as notas de quem substimi verdadeiros profissionais por jovens doutores (ue nada sabem de construir pré- dios, 0 resultado desse equivoco € grotesco. Premia quem ensina uma profissao que nfo tem, ape- nas leu livros e escreveu papers. Os professores dispensados, com m: de 35 anos de experiéncia, tinham escritério de cengenharia respeitado e prestavam. consultoria. E, obviamente, ensinavam em tempo parcial, pois no poderiam abandonar sua empresa. Para 05 alunos, isso ¢ 6timo, assegura que o professor ensina a engenharia que se pratica de verdade. Para 0 MEC, tempo parcial perde ponto. Nao de- veria ser 0 contrério, perder ponto se fosse tem- po integral? Tgualmente ausente das politicas pablicas & a valorizagao da comperéncia na sala de aula. E a didatica do cotidiano, adquirida com a experién- cia. No caso, professores consagrados ¢ estimados pelos alunos foram substitufdos por jovens que ainda Vao aprender a dar aula. Péssimo para os alunos, mas no comove 0 MEC. Conversa de corredor na universidade: “Pois é, tiraram nossos engenheirdes e os substituiram por “doutorzecos’ que jamais fizeram um muro de ar- rimo™. Quem tem fazio, os alunos ou 0 MEC? ‘ela | BE MAIO, 2013 | 27 atidig-——_— | | |

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