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jey6ip eon9e}se ep seanoadsied eR ROO pies Arante Pr >» ADMINISTRACAO REGIONAL DO SENAC NO ESTADO DE SAO PAULO Presidente do Conselho Regional: Abram Szajman Diretor do Departamento Regional: Luiz Francisco de Assis Salgado Superintendente Universitario: Luiz Carlos Dourado EDITORA SENAC SAO PAULO. Conselho Editorial: Luiz Francisco de Assis Salgado Luiz Carlos Dourado Darcio Sayad Maia Clairton Martins Marcus Vinicius Barili Alves Editor: Marcus Vinicius Barili Alves (vinicius@sp.senac.br) Coordenagao de Prospecedo Editorial: Isabel M. M. Alexandre (ialexand@ sp.senac.br) Coordenagdo de Producdo Editorial: Antonio Roberto Bertelli (abertell @sp.senac.br) Supervisio de Producdo Editorial: Izilda de Oliveira Pereira (ipereira@ sp.senac.br) Ediicdo de Texto: Luciana Garcia Preparagdo de Texto; Olivia Martins Revisdo de Texto: Edna Viana, Eloiza Helena Rodrigues, Jussara Rodrigues Gomes, Léia Fontes Guimariies Projeto Gréfico e Editoragdo Eletrénica: Fabiana Fernandes ‘Capa; Fabiana Fernandes, sobre imagem de Galdpagos, de Karl Sims Impressdo e¢ Acabamento: Cromosete Grifica ¢ Editora Lida, Geréncia Comerciat: Marcus Vinicius Barili Alves (vinicius@ sp.senac.br) Supervisdo de Vendas: Rubens Gongalves Folha (rfolha@ sp.senac.br) Coondenagdo Administrativa: Carlos Alberto Alves (calves @sp.senac.br) Apolo: MIRAPESP Proibida a reprodugiio sem autorizagio expressa. 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Acchamada “estética digital” nao se limita a rejeigdo da obra pu- ramente contemplativa nem a valorizagao do processo em vez do re- sultado da criagdo; ela funde arte e ciéncia, fazendo com que as conseqiiéncias desse hibridismo esbarrem em questdes éticas diaria- mente debatidas em todo o planeta a partir do uso da clonagem, da robética, da informatica e de outras ramificagées das dreas do conheci- mento. O Senac Sao Paulo firma-se como uma instituicdo atualizada e ciente das necessidades que o mundo moderno impée, contribuindo para a difusdo de estudos e conceitos de vanguarda. REAGENTS So TIE Apresentagao: decifrando os enigmas da estética digital Desde a ultima década do século XX, muitos analistas da socieda- de e da cultura tém enfaticamente repetido que estamos vivendo um verdadeiro choque do futuro, ocasionado, sobretudo, pelos avangos das ciéncias fisicas e biolégicas. Enquanto a fisica, a engenharia e a eletrénica provocaram a explosao da teleinformatica, das telecomuni- cagdes e 0 advento das préteses tecnolégicas, sensdério-cognitivas, a biologia levou ao desenvolvimento da biotecnologia e da bioindustria. Aglutinada sob o rétulo de revolucdo digital, para alguns, essa nova era constitui um verdadeiro salto antropolégico comparavel ao da re- volucao neolitica pelas transformagées que esta trazendo para todas as esferas da sociedade: economia, trabalho, politica, cultura, comunica- ¢30, educagdo, consumo, etc. Diante de um panorama tao vasto e téo complexo, a hipdtese que tem norteado meu trabalho de reflexdo como tedrica da cultura é a de que, em tempos de mutagao, ha que se ficar bem perto dos artistas. Neste momento histérico-antropoldgico, que alguns chamam de ter- ceiro ciclo evolutivo do sapiens sapiens, temos de prestar atenc¢do no que esto fazendo os artistas que se situam na ponta-de-langa da cul- perspectvas da es tura, pois sdo eles os primeiros a enfrentar face a face os horizontes da incerteza, sao eles que estdo criando as novas imagens do humano e de seus ambientes no vortice das atuais transformacdes. Parecem ter sido norteadas por hipoteses similares as idéias que Priscila Arantes desenvolve neste livro. Tanto é que sua metodologia de trabalho partiu da aproximagao dos artistas e dos ensinamentos que deles a autora péde extrait, Quando os primeiros ensaios informativos ou tedri- cos sobre a chamada arte das novas midias estavam apenas despontando no Brasil, alerta a existéncia de varios artistas que, pelo Brasil afora, esta- vam experimentando com as midias digitais, com a ciberarte, com a arte das redes, Priscila Arantes se pds a campo e fez entrevistas, coletou depoi- mentos e cuidadosamente estudou as obras desses artistas. Contraria- mente ao que podem pensar os céticos ou os distraidos, os artistas das novas midias em nosso pais so muitos ¢ vém apresentando obras extre- mamente significativas quando comparadas ao que se esté produzindo no resto do mundo. Nessa medida, se, de um lado, a qualidade deste livro de Priscila Arantes vem dos méritos que nado faltam a autora, de outro lado, essa qualidade também se deve ao nivel de exceléncia das obras que artistas brasileiros vém produzindo com as novas midias. Acasalando a pesquisa de campo com o método de exploracdo intensiva das necessidades que o objeto de investigag3o coloca ao pes- quisador, a autora tratou de tecer os fios do nascimento dessas obras na trama historica de suas antecessoras e também de contextualizar as obras dos artistas no cenario internacional, comparando-as ao que esta sendo proposto por artistas que esto desenvolvendo seus projetos nas insti- tuigdes e em laboratérios avancados de arte e novas midias espalhados pelos paises centrais. A par disso, buscou a bibliografia mais atualizada sobre 0 assunto, entrando em didlogo com autores que, téo corajosa- mente quanto ela propria, nao temem enfrentar as interrogagdes com que a terra ainda incégnita da estética digital nos surpreende e desafia. Ao meu querido marido Wagner e aos meus filhos Tiago e Carolina, pela compreensdo e carinho. Material com direitos autorais Agradecimentos Aos meus pais queridos, pelo incentivo e carinho; a professora Lucia Santaella, pela confianga, amizade, orientagao e apoio fundamen- tal para o desenvolvimento deste trabalho; a todos os artistas que, com suas criagdes, possibilitaram a elaboragdo deste trabalho. Aos meus queridos amigos, colegas e professores da PUC-SP. A Gley Fabiano e Daniela Kutschat, pelo incentivo e apoio na Publicagdo desta pesquisa. Minha especial homenagem ao professor doutor Philadelpho Menezes (in memoriam). Material com dire tos autorais Introdu¢gao No interior de grandes periodos histéricos, a forma de percep¢éo das coletivdades huma- Nas se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existéncia. O modo pelo qual se organiza a percepgao hu- mana, 0 meio em que ela se da, nao 6 apenas condicionado naturalmente, mas também his- toricamente. Walter Benjamin, “A obra de arte na era de sua reprodutibiidade técnica* Nao é de surpreender que o ensaio “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, escrito pelo fildsofo Walter Benjamin em meados do século XX , ainda sirva de subsidio para as discussdes con- temporaneas que dizem respeito as produgées artisticas em midias di- gitais. Nesse famoso ensaio, Walter Benjamin tenta detectar as modificagdes estéticas trazidas as manifestagdes artisticas pelo adven- to da reprodutibilidade técnica. A tese da qual parte o filésofo é que na sociedade modema ha uma desintegracdo do valor auratico da mani- ria: ica otal M18 perspectivas dae festagdo artistica. Com a reprodutibilidade técnica, a obra de arte se metamorfoseia, perdendo seu status de unicidade atrelado a uma de- terminada dimensao espaco-temporal (sua “aura”). Com a perda da aura ha nao somente uma modificagdo na forma pela qual o receptor e 0 produtor se relacionam com a producdo artistica, como também uma alteragdo na funcado desempenhada pela obra de arte no contexto mais geral da sociedade. Conseguindo relativizar 0 pessimismo de Marcuse, Adomo e Horkheimer, 0 filésofo frankfurtiano oferece nesse ensaio uma visao dialética para os avancos da tecnologia e de seus efeitos na pro- dugdo artistica. Apesar de 0 ensaio de Walter Benjamin datar do século passado, ¢ importante considerar suas contribuigdes e sua atualidade para que se pense sobre as modificagées trazidas pelas midias digitais a pratica artistica contemporanea. O momento da obra de arte na atualidade, no entanto, ja nao diz mais respeito somente a era da reprodutibidade técnica, mas a era digi- tal, a esse momento histérico permeado pela revolugao da informatica e por sua confluéncia com os meios de comunicacdo. Foi a partir desse prisma que nasceram as questdes que percor- rem todo este trabalho: é possivel pensar em uma estética digital? Quais sdo os conceitos estéticos reclamados pela obra de arte na era digital? A primeira vista essa tarefa me pareceu bastante drdua, ja que a crise nos conceitos do establishment artistico provocada pela arte em midias digitais é tamanha que, as vezes, o proprio artista tem dificul- dade de se reconhecer como artista e de ser reconhecido pela critica. Apesar das dificuldades, fui percebendo um crescimento vertigi- noso da producdo na area, principalmente na ultima década do século XX. Incluida em festivais de arte, bienais e exposigdes, bem como fa- zendo parte de textos de pensadores nacionais e do exterior e adqui- tindo as mais diversificadas nomeagées - ciberarte, tecnoarte, arte 19 Bi introdugao eletrénica, arte informatica, arte numérica, arte em novas midias -, a arte em midias digitais parece ter realmente encontrado um lugar de destaque no cenario artistico contemporaneo. Essa constatagdo enco- rajou-me a levar adiante minha idéia inicial, conduzindo-me a uma outra indagagdo: se ¢ possivel pensar em uma estética digital, em que medida ela se diferencia dos paradigmas estéticos anteriores? A presente investigagdo ndo somente aborda as producées e a experiéncia das artes em midias digitais desenvolvidas principalmente no Brasil, como também levanta questdes com o intuito de discutir as perspectivas da estética digital. Trata-se de um percurso de leitura, entre 0s muitos possiveis, que seleciona eixos histéricos e conceituais, no sentido de verificar os trabalhos artisticos que exploram as potencia- lidades estéticas oferecidas pelas midias digitais. Assim, 0 fio condutor desta pesquisa é a arte em midias digitais desenvolvida no Brasil. Nao que a pesquisa ndo apresente trabalhos tealizados por artistas importantes do cenario internacional, como Jeffrey ‘Shaw, Char Davies, Karl Sims, Peter Weibel, Christa Sommerer e Laurent Mignonneau, Ken Rinaldo, Victoria Vesna e 0 grupo Knowbotic Research, entre outros. Contudo, ela tentou centrar-se no mapeamento da pro- dugao artistica brasileira. O motivo dessa escolha é que, apesar do desenvolvimento da rea no pais, seja pelo aumento do numero de artistas, seja por eventos © cursos voltados para a area de arte em midias digitais, ainda existe muito pouco material que recupere essa pratica, historicamente, no Ambito nacional. Ao mesmo tempo, as praticas artisticas em midias digitais vem ganhando novos espacos em festivais e centros internacionais. O ZKM. (Alemanha), 0 lamas (Japdo) e o Mecad (Espanha) sao alguns dos cen- tros voltados para a artemidia. Na rede, listas de discussdo, como o Rhizome, propdem importantes debates sobre a cibercultura. E even- @rte © rida: 20 tos como o Simpésio Internacional de Arte Eletrénica (International Symposium Electronic Art - Isea), realizado cada ano em uma cidade diferente, o Ars Electronica, na Austria, e o Siggraph, nos Estados Uni- dos, ampliam o espago expositivo e de discussdo a respeito dessas no- vas praticas artisticas. No Brasil nao tem sido diferente. Se nos anos 1970-1980 a arte tecnolégica ainda contava com poucos espacos € aceitabilidade do publico em geral, os anos 1990 assistiram a uma ex- pansao das criagées artistico-tecnoldgicas, o que levou essa producao a sair do eixo Rio de Janeiro-Sao Paulo, ampliando seu leque de atuagado para outras cidades do pais, como Porto Alegre e Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, Brasilia e cidades de Minas Gerais, entre outras. Vale lembrar os eventos Brasil High-Tech, realizado no Rio de Janeiro em 1986, e Arte no Século XXI: a Humaniza¢ao das Tecnologias, organizado por Diana Domingues em 1995, bem como uma das pri- meiras curadorias de web-arte no Brasil, realizada por ocasiao da XXIV Bienal Internacional de Sao Paulo,' em 1998. Outras iniciativas que merecem destaque sao a Il Bienal Mercosul, em 1999, que contou com um espaco especifico para a ciberarte;? a exposigdo City Canibal, no Pago das Artes, em 1998; a exposigao Arte Suporte Computador, de 1997, na Casa das Rosas, que realizou um dos primeiros concursos bra- sileiros de web-arte de que se tem noticia no pais; o evento Emocgdo Art.ficial, que vem sendo organizado desde 2002 pelo Instituto Itau Cultural; o Festival Internacional de Arte Eletrénica (File), organizado por Paula Perissinotto e Ricardo Barreto; o Prémio Sergio Motta de Arte e Tecnologia, destinado a premiar e estimular a pesquisa e a produgado artistica na drea de midias digitais; a XXV Bienal Internacional de Sao Paulo, que contou com uma curadoria especifica de net-arte,’ entre outros eventos que vém acontecendo no pais. ' Curadoria de Ricardo Ribenboim © Ricardo Anderios. » Curadoria de Diana Domingues. » Christine Mello foi a curadora do setor de net-arte dessa bienal. Gre © rica perspectvas da esitética digital Ml 22 arte-processo, 0 rompimento com a dicotomia obra/publico, o aspecto processual e temporal das praticas artisticas contempordneas sido al- guns dos pontos de discussdo nesse primeiro capitulo. No capitulo “Percursos da artemidia na contemporaneidade”, pro- curo fazer um mapeamento das praticas artisticas em midias digitais, apresentando desde os trabalhos pioneiros que exploraram 0 compu- tador como forma de experimentagao estética até os trabalhos mais recentes. Os conceitos de interface, cibernética e simulagao sdo alguns dos temas abordados nesse capitulo. No capitulo “Artemidia no Brasil”, fago um mapeamento das artes em midias digitais desenvolvidas no pais. Partindo de nomes pioneiros na area da arte tecnolégica, como Waldemar Cordeiro e Abraham Palatnik, € passando por uma série de experimentagées artisticas que atuaram na confluéncia entre arte e comunicacdo nos anos 1980, com a utilizacdo do fax, do slow-scan tv, de satélites e do videotexto, apresento uma série de experimentagdes em diferentes areas da midia digital. No capitulo “Em busca de uma nova estética”, dialogando com pen- sadores que se tem debrucado sobre a estética tecnolégica, como Walter Benjamin, Gianni Vattimo, Max Bense, Peter Weibel, Paul Virilio, Edmond Couchot ¢ Philippe Quéau, entre outros, apresento 0 conceito de interestética (estética da interface) como uma das possibilidades para se pensar sobre a estética que se situa na interface com as midias digitais. De que falam as praticas artisticas em midias digitais? De que forma a pratica artistica em midias digitais se diferencia das praticas artisticas anteriores? Que novas possibilidades de criagdo sao possiveis com os dispositivos e redes de comunicac4o? As redes telematicas ofe- recem novas possibilidades de criagdo para os artistas? Sera que as pra- ticas em midias digitais vem propondo novos conceitos estéticos? Essas, entre outras questdes da mesma natureza, fazem parte de @rte e midia: perspectivas da estética digital. @no © mida: ostética otal Ml 24 que a autora, em vez de usar a expressdo “novas midias”, utiliza “midias digitais”, tal como adotada neste estudo, para designar essa nova fase da cultura contempordnea estreitamente influenciada pela revolugdo da informatica e pelas tecnologias numéricas. Empregar a expressdo “arte em midias digitais” sugere, nesse sentido, uma produgdo artistica que atua nado somente na interface com a informatica, mas também na confluéncia com os meios de comunica- ¢40 mediados por computador. Como foi dito anteriormente, nao existe ainda um consenso terminoldgico para designar essas novas formas de expressdo no cam- po da arte. Nos anos 1950-1960, a expressdo mais usada era “arte ci- bernética”. Nos anos 1970-1980, passou-se a usar “arte informatica” e, nos anos 1980, “arte € tecnologia”, “arte numérica” e “arte eletrénica”. Atualmente os termos e expressées mais utilizados sao ciberarte, “arte das novas midias” e artemidia, entendendo-se 0 ultimo como as “for- mas de expressao artistica que se apropriam de recursos tecnolégicos das midias e da industria do entretenimento em geral, ou intervém em seus canais de difusdo, para propor alternativas qualitativas”® Sem pretender encerrar a discussdo, optei por utilizar a expres- sdo “arte em midias digitais” para designar essa parcela da artemidia que faz uso das midias digitais para o desenvolvimento de propostas estéticas. A expressdo “arte em midias digitais” abrange, desse modo, as formas de expressao artisticas que se apropriam de recursos tecnolégicos desenvolvidos pelas industrias eletrénico-informaticas e que dispo- nibilizam interfaces dudio-tatil-moto-visuais propicias para o desen- volvimento de trabalhos artisticos, seja no campo das artes baseadas > Astindo Machado, sproximagbes € distingdes", em Galéxia: Revista Transdisciplinar de Comunicagao, Semistica, Cultura, n® 4, So Paulo, Programa de Pés-Graduacio em Comu- nicagaio ¢ Semiética, PUC-SP, 2002, p. 20. 25 Bi itrocugto em rede (on-line e wireless), seja na aplicagao de recursos de hardware e software para a geracdo de propostas estéticas off-line. A arte em midias digitais ndo ¢ uma corrente auténoma, mas parte integrante do contexto da producdo artistica contemporanea. Nesse sentido, apesar de suas particularidades, ela retoma questdes coloca- das em debate no campo da arte contemporanea, no que diz respeito a crise dos suportes tradicionais, bem como ao rompimento com a dicotomia obra/publico, ao aspecto processual e temporal das praticas artisticas, a aproximagao da arte com a vida e a ruptura com os espagos expositivos tradicionais como museus e galerias de arte. Ao mesmo tempo, a arte em midias digitais também traz consigo questionamentos relativos ao campo de desenvolvimento das tecnologias informaticas, como as nogées de interface, software e hardware. Nao por acaso, Lev Manovich, em seu ensaio “New Media: from Borges to html”, chega a afirmar que J. C. Licklider, Douglas Engelbart e Ivan Sutherland, entre outros nomes importantes da histé- tia e desenvolvimento das ciéncias da computagao, sdo os grandes ar- tistas do nosso tempo.® E dificil saber, contudo, quando exatamente teve inicio a utiliza- ¢4o da informatica no campo da arte. Mas, de acordo com alguns histo- tiadores, como Margot Lovejoy, Frank Popper e Michel Rush, a utilizacdo de computadores em arte parece datar ja de meados do século XX.” Du- rante os anos da Guerra Fria houve um grande avanco na drea tecnolégica, principalmente nos setores de pesquisa ¢ desenvolvimento de computa- dores. O primeiro computador eletrénico, o Eniac (sigla em inglés para “computador e integrador numérico eletrdnico”), foi desenvolvido pelo © Lev Manovich, “New Media: from Borges to htmi", disponivel em http://www.manovich.net. > Margot Lovejoy, Postmodern Currents: Art and Artists in the Age of Electronic Media (2 ed, Nova Jersey: Prentice Hall, 1997}; Frank Popper, Art of the Electronic Age (Nova York: Marty N. Abrams, 1993}; Michael Rush, New Media in Late 20% Century Art (Nova York: Thames & Hudson, 1999). fisico John Mauchly e pelo engenheiro Presper Eckert na Universidade da Pensilvania, com o patrocinio do Exército norte-americano, em 1946. A partir dos anos 1950-1960, recursos informaticos para a producdo, ma- nipulagao e exibigdo da imagem ja estavam disponiveis. Por meio de algoritmos executaveis pelo computador, as primei- ras obras em computer art eram, na sua maioria, ndo-figurativas. Michael Noll, Georg Nees, Vera Molnar, Manfred Mohr e, no Brasil, Waldemar Cordeiro foram alguns dos primeiros artistas a trabalhar com os siste- mas computacionais. A medida que o computador foi-se tornando mais acessivel, prin- cipalmente a partir dos anos 1980-1990, com sua popularizagdo e com © advento da internet, as possibilidades de experimentacdo artistica com os recursos informaticos comegaram a se ampliar. Questionar as distancias espaco-temporais, criar ambientes que ampliam o campo perceptivo do interator, criar espagos especificos de cooperacdo onde os usuarios experimentam, compartilham, transformam e intensificam maneiras de sentir e ver o mundo, trabalhar com questées da area da biologia e vida artificial tem sido, desde entdo, a tonica das experimen- tagdes em midias digitais. Ciberinstalagées, cibercendrios, ambientes imersivos, sistemas multiusuarios, telepresenga, teleperformances, ins- talagdes e performances digitais, net-arte, robotica, vida artificial, arte transgénica, propostas estéticas que utilizam comunicagao sem fio, tra- balhos on-line e off-line sio algumas das formas pelas quais os artistas contemporaneos vém trabalhando com as midias digitais. Falar de arte em midias digitais, ao mesmo tempo, nao significa restringir seu debate a questdes estritamente tecnolégicas: é também perceber, como mostra Arlindo Machado, de que forma esses dois ter- mos, arte e midia, vém se contaminando e se entrelagando no intuito de propor novas estratégias poéticas na contemporaneidade.’ * Arlindo Machado (org.), Made in Brasil: trés décadas do video brasileiro (Sio Paulo: Natt Cultural, 2003). 27 Bi introduyao Nesse sentido, as artes em midias digitais nao somente exploram os recursos tecnoldgicos oferecidos pela industria informatica, mas tam- bém, muitas vezes, atuam na contramao desses préprios recursos, de- senvolvendo propostas que colocam em xeque as prerrogativas dos suportes tecnolégicos. De acordo com Arlindo Machado: O que faz, portanto, um verdadeiro criador, em vez de simplesmente subme- ter-se as determinagdes do aparato técnico, 6 subverter continuamente a fungo da maquina ou do programa de que ele se utiliza, 6 manejé-ios no ‘sentido contrario de sua produtividade programada.® Ao mesmo tempo, como mostra Lucia Santaella, nao podemos desconsiderar as midias digitais e, portanto, as praticas artisticas que utilizam recursos midiaticos isoladas de seu contexto social.'° Ao con- trario, trata~se de perceber que muitas vezes essas experimentagdes trazem a tona questdes que dizem respeito as particularidades que per- passam a cultural digital. Muitos desses trabalhos, assumindo quase um viés desconstru- tivista, subvertem os protocolos normais do transito e fluxo de informa- des realizados em rede, discutindo o contexto e a estrutura especifica da internet, e, ao mesmo tempo, trazem a luz temas que, no ciberespago, se tornam mais explicitos, como a questdo da autoria e do direito autoral, plagio, hackeamento, copyright, situagées de compartilhamento e espa- 0s colaborativos. Colocam em discusséo, também, questdes que dizem tespeito a privacidade, 4 manipulac3o do corpéreo e a ética de relaciona- mento com as novas formas de vida, e propiciam novas experiéncias sen- sdrias por meio de instalagdes interativas e poéticas imersivas. > Ibid, p. 23. "© Lucia Santaella, Cultura ¢ artes do pds-humano: da cultura das midias & cibercultura (S8o Paulo: Paulus, 2003). 29 Bi introducao ¢40 positiva com o mundo das artes. Gianni Vattimo, por exemplo, assinala uma explosdo da estética para fora de seus limites precisos definidos pela tradigao. Fala do “estranhamente pervertido”, expressio de um sintoma geral da contemporaneidade, quando tudo é aparéncia e simulacro."? Ja Paul Virilio discute uma estética do desaparecimento, ao se referir as tecnologias do tempo real e a revolugdo das telecomu- nicagGes que afetam nossas percep¢ées de forma substantiva.'? Menos radical é Walter Benjamin, que, para além de uma visdo sociologizante da pratica artistica, defende, de forma determinante e ainda atual, a idéia de que as novas condigdes da produgao e da fruigao artistica surgidas na sociedade de comunicagao de massa modificam de maneira substancial a esséncia da obra de arte.'* Com a expansio das praticas artisticas em midias digitais, princi- palmente apds os anos 1990, tem havido um interesse crescente por parte dos tedricos no desenvolvimento de novos conceitos estéticos que possam expressar as especificidades da cultura digital. Levando em consideragdo essa demanda, esta obra pretende, a partir de alguns eixos conceituais, propor o conceito de interestética como uma das possibilidades de reflexdo sobre a estética na contempo- raneidade. Gianni Vattimo, 0 fim da modemidade: niflsmo ¢ hermenéutica na cultura pés-modema (So Paulo: Martins Fontes, 1996). ” Paul Virilio, O espago critico e as perspectivas do tempo real (So Paulo: Editora 34, 1999). Walter Benjamin, “Magia e téenica, arte € politica", trad. Sérgio Paulo Rovanet, em Obras escothidas, vol. | (6* ed. Sdo Paulo: Brasiliense, 1993). Transformagdes no campo da arte Sabe-se, entretanto, que, depois da primeira metade do século, manifestou-Se POUCO & Pou- co uma corrente de idéias que tentou introdu- Zir uma relagdo mais imediata entre a arte e seu pUblico. Seu objetivo eva fazer o espectador par- ticipar na propria elaborag&o das obras de arte, Fazé-lo partinar, assim, do tempo da criagao. Edmond Couchot, A tecnologia na arte: a fotografia & realidade virtual A morte da arte O trajeto seguido pela arte - de sua fase moderna 4 contempora- nea — tem sido o de se conduzir 4 vida, negando gradativamente tudo aquilo que se relaciona de forma mais direta aos conceitos da estética tradicional: a moldura na pintura e o pedestal na escultura, a utilizagdo do suporte de representacdo, a exposicdo em espacos convencionais, como Qe @ mida: perspectvas da esténca aigna Ml 32 museus e galerias de arte, a dicotomia obra/pul .. Nessa perspectiva, evidencia-se 0 emprego de materiais industriais ¢ de uso cotidiano. Tijo- los, placas de aluminio e tubos de luz fluorescente sao fontes de experi- mentagao estética na arte minimalista de Carl André e Donald Judd. A arte povera faz uso de materiais “desprovidos de valor”, como terra, areia ou detritos. E 0 espaco confinado da galeria é posto em debate quando Robert Smithson, Walter de Maria e Christo comecam a utilizar paisagens e ambientes naturais. Acrescente-se a esse repertério 0 fato de que os meios de comunicacao e os suportes tecnolégicos,' como video, compu- tador, fax, videotexto e slow-scan tv, ou “televisio de varredura lenta”, comegam a fazer parte do cendrio artistico. Para alguns, esse itinerario seguido pela arte evidenciaria sua sentenga de morte. De fato, o tema da morte da arte surge na filosofia, mais precisa- mente na estética hegeliana,’ migrando, posteriormente, para a pr6- pria arte, quando as vanguardas artisticas do inicio do século XX comegam a romper com os valores estéticos herdados da tradigao. Essa Tuptura se produziu por meio de varios fatores que deram origem a uma série de movimentos artisticos no inicio do século XX e que forma- ram a base da arte contemporanea, na qual se insere a producdo artis- tica que lida com as midias digitais. ‘Um dos fatores que contribuiram para essa transformagao foi a cri- se da representacdo, a ruptura com o ideal de representagdo da natureza ({mimese) herdado da tradigao. Quando os pintores impressionistas, ao trocar o atelié pelo ar livre, comecam a apreender o objeto em sua * Tomo de empréstimo a definigo de técnica e tecnologia elaborada por Lucia Santaella em Cultura ¢ artes do pés-humano: da cultura das midias cibercultura (So Paulo: Paulus, 2003), p. 152: “Enquanto a técnica é um saber fazer [...] @ tecnologia inclul a técnica, mas avanga alm dela, Ha tecnologia onde quer que um dispositive, aparelho ou maquina for capaz de encamar, fora do corpo humano, um saber técnico, um conhecimenta cientifico acerca das habilidades técnicas cientificas” » Lucia Santaella, “A arte depois da arte", em José Wagner Garcia, Amazing Amazon: estética evolucionéria (Sto Paulo: Lemos, 2002), p. 9. 33 DB arstormagtes no cargo da arte luminosidade natural, a pintura naturalista, baseada na imitagdo da natu- reza e no espaco racional renascentista, comeca a morrer. A partir de pes- quisas sobre variantes de cor e sobre a incidéncia da luz solar nos objetos naturais, Monet, Degas e Renoir, entre outros pintores impressionistas, abdicam da cor absoluta, abrindo as portas para a utilizagao da cor arbi- traria, empregada de forma mais contundente pelos pintores fauvistas, como Henri Matisse e André Derain. Ao tomar as cores arbitrarias, os artistas se libertam da fidelidade das cores dos objetos representados, 0 que significa um primeiro passo rumo a crise da representagao. O Quadrado preto sobre fundo branco (1913), de Malevich, cau- sou espanto geral por ter levado ao extremo o despojamento que ma- nifestava a pintura ocidental em relagdo ao ideal de representagao: nele, nao apenas a forma atinge total simplificagao, como também a cor de- saparece. Em seu Branco sobre branco (1918), em que uma forma qua- drada branca quase desaparece sobre um fundo também branco, Malevich reduz de forma radical seu vocabulario, decretando o fim da pintura representativa. Les demoiselles d’Avignon (1906-1907), de Picasso, rompe com a representacao naturalista, guiada pela perspectiva renascentista, de acordo com a qual o objeto era representado sob um unico ponto de vista. Apesar de empregar a perspectiva multipla, 0 cubismo analitico ainda trabalhava com a idéia de janela, de “vidro translucido” através do qual poderiamos contemplar o mundo representado. Serd na segun- da fase do cubismo, com 0 cubismo sintético (colagem), que podere- mos encontrar uma ruptura radical com a visdo de espaco renascentista e, concomitantemente, com a visio da arte como mimese, como repre- sentagao da natureza. Nessa fase, os cubistas comecam a introduzir na superficie da tela letras passadas em esténcil ou fragmentos de jornal. Com isso, o artista pretende criar novos efeitos plasticos e ultrapassar os limites da percepgao visual que estdo atrelados a uma visdo tradicio- © mica: a ogtal B34 nal da arte. Com o cubismo sintético trata-se de ultrapassar os limites das sensagées visuais que a pintura sugere, despertando no observador também as sensacées tateis. Fragmentos de jornal, magos de cigarro, papéis de parede tira- dos da realidade e incorporados a superficie da tela sao indicadores da substituic¢do da representacao da realidade por sua propria apresenta- ao. Abdicar do espago ilusionista significa, nesse sentido, negar uma visio da arte que prega uma cépia servil da realidade. E por isso que Ferreira Gullar pode dizer que, quando a pintura abandona a represen- tacdo, a moldura perde seu sentido.’ Nao se trata mais de erguer um espago metaforico, ilusionista, no qual uma janela parece abrir-se re- cortando um “pedacinho do mundo”, e sim de incorporar a obra no espaco real e de emprestar a esse espaco, pela aparigado da obra, aten- ao especial. A obra sai da tela para adentrar o espaco real, vivenciado plenamente pelo espectador. Quando Marcel Duchamp, no inicio do século XX, leva seus ready- mades para 0 universo da arte, é a mesma idéia que se amplia. Objetos feitos industrialmente, ndo realizados pelo proprio artista, mas retira~ dos do real, séo incorporados ao universo da arte. E importante lembrar que nos ready-mades duchampianos, assim como nos jogos coletivos (cadavre exquis)* desenvolvidos pelos artistas surrealistas, podemos ja encontrar, paralelamente a uma ruptura com os padrées tradicionais da obra de arte, um questionamento do papel do artista e da visdo do artista-génio no cenario mais geral da arte. A crise da representagao e 0 questionamento do papel do artista colocados em debate no inicio do século XX trouxeram também um Ferreira Gullar, Etapas da arte contemporinea: do cubismo a arte neoconcreta (3 ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999). ‘Técnica utilizada pelos artistas surrealistas por meio da qual um grupo de pessoas cria, coletivamente, uma composigao textual ou imagetica. Cada pessoa s pode ver o final do que © jogador anterior reatizou. 36 Bi Tanctormagtes ne rompimento com os suportes tradicionais de representagdo, como a pintura e a escultura. Embora ja no inicio do século XX, sobretudo com o dadaismo, o futurismo, 0 construtivismo russo e 0 suprematismo, os artistas te- nham procurado a utilizagdo de outros meios para expressar suas idéias, foi na década de 1960 que a expansdo dos meios artisticos ocorreu de forma generalizada. Varios fatores contribuiram para essa mudanca. Com a industrializagdo em ascendéncia, os produtos gerados em série sofreram crescente estetizagdo € passaram a competir com os objetos artisticos. Houve também um progressivo desenvolvimento da tecnologia, provocando uma mudanga substancial em todos os aspec- tos da sociedade. A cultura de massa passou a ser uma realidade cada vez mais presente, afirmando-se na década de 1960 como um fenéme- no impossivel de ignorar. A arte pop desarticulou as fronteiras entre a alta cultura e a cul- tura popular, levando para o campo da arte o imaginario da cultura de massa e da sociedade de consumo. Claes Oldenburg, com suas escultu- ras, levou objetos do cotidiano, sobretudo aqueles ligados a alimenta- ¢40 - como hamburgueres, cachorros-quentes e sorvetes -, a produgdo artistica, enquanto Andy Warhol utilizou imagens da cultura de massa. Objetos e materiais da prdpria realidade, como tijolos e lampadas de néon, também foram utilizados por Donald Judd e Dan Flavin, entre outros artistas minimalistas que reforgaram o tema da crise da arte, aproximando a arte da vida. Aestetizagado dos préprios meios de comunicagao, com o desen- volvimento da arte em video, por exemplo, faz parte dessa tendéncia de levar a vida a producdo artistica. Nao é de estranhar, nesse sentido, que durante todo o século XX os teéricos da arte estivessem obstinados em reiterar 0 tema da morte da arte. @ne © irksa: perspectvas da estétca dgta Ml 36 As artes participativas A partir dos anos 1960 é possivel encontrar, de forma mais expli- cita, trabalhos que procuram colocar em debate a visio contemplativa do observador em relacgdo ao objeto estético e ao espago ilusionista. Minimalismo, arte cinética, grupo Fluxus e instalagdes sdo alguns dos nomes que poderiamos citar como referéncia a essa arte mais participativa, que, ao romper com o mutismo contemplativo preconi- zado pela arte tradicional, muitas vezes chama o publico a explorar a obra de arte com a utilizagdo de outros sentidos além do olhar. Esse é 0 caso de algumas das produgées desenvolvidas pela arte minimalista. Quando Carl André dispés 137 tijolos refratarios em uma extensdo de 11,5 metros no chao de uma galeria, sua preocupagdo era trabalhar com uma nova configuragao espacial. A escultura, aqui, nao era apreendida pelo olhar, mas a partir de uma relagdo participativa, na medida em que, para apreender a totalidade da obra, o publico era convidado a percorré-la com os pés. Quando o publico é chamado a tocar nos Bichos (anos 1960), de Lygia Clark, ou a vestir os Parangolés (1964), de Hélio Oiticica, ¢ a mes- ma idéia que esta presente. O publico pode sentir a obra, vesti-la, tocd- la, sentir seu cheiro, seu gosto. Como afirma Ferreira Gullar: Enisso reside outro aspecto novo e importante desses niio-objetos de Lygia Clark. E que, com eles, a relagao entre o espectador ea obra se modifica. O ‘espectador — que jd entao ndo é apenas 0 espectador imével- @ chamado a participar ativamente da obra, que ndo se esgota, que ndo se entrega total- mente, no mero ato contemplativo: a obra precisa dele para se revelar em toda a sua extensdo. Mas aquela estrutura mével possui uma ordem interna, exi- géncias, @ por isso nao bastard o simples movimento mecénico da mao para reveld-la. Ela exige do espectador uma participacdo integral, uma vontade de conhecimento e apreenséo.* * Ferreira Gular, Etapas da arte contempordnea: do cubismo a arte neoconcreta, cit., p. 256. 37 Hi Transtormagdes no campo da ate Nesse mesmo espirito, podemos citar algumas obras da arte cinética, como as de Jesus Soto e Julio Le Pare. Jesus Soto produziu a idéia de movimento a partir do desenvolvimento de estruturas vibratérias, como em Vibracdo (1965). O efeito de movimento se reali- zava quando o artista dispunha determinado objeto, como uma estru- tura de arame, sobre um fundo rugoso. 0 efeito cinético sé era possivel se 0 espectador se movimentasse diante da obra, fazendo-a vibrar. Vale a pena lembrar, ainda, os trabalhos do grupo Fluxus, que também procuraram romper com a relacdo contemplativa e passiva do publico em relagdo a obra de arte, como em Cut Piece (1964), uma performance de Yoko Ono na qual o publico era convidado a cortar pedagos de suas roupas. A superagao dos limites do objeto e da obra de arte acabada, a preo- cupagao com a participagéo do publico, a utilizagéo de novos suportes artisticos e a ruptura com o conceito de mimese sao alguns dos elementos norteadores da produgao artistica a partir dos anos 1950. O que acabou, por certo, para estes artistas era uma forma de fazer arte que postula uma tadicalizagao de oposigées como arte/vida, pintura/escultura, publico/obra. Aarte se mistura com a vida, e 0 publico é chamado a “viver” a obra. No lugar do mutismo contemplativo ha uma produgdo que reclama a partici- pagao do espectador. Ao mesmo tempo, a participagao ativa do espectador na produgdo da obra de arte sugere a idéia de processo, chamando a aten- ¢4o para a maneira como a obra se manifesta entre o publico. Confluéncias entre arte, ciéncia e tecnologia A partir do século XX, uma série de artistas comecou a trabalhar de forma mais sistematica na interface entre arte, ciéncia e tecnologia, re © mica: perspectives da estética doit Hi 38 com 0 objetivo de criar novas propostas estéticas que expressassem 0 espirito da sociedade industrial em desenvolvimento. Ja no inicio daquele século, os artistas futuristas, negando os valores do passado, fizeram uma apologia desenfreada dos avancos tecnolégicos da sociedade industrial. No Manifesto futurista reveren- ciaram a velocidade e o movimento, postulando um novo culto a bele- Za, maquinico, no qual “um carro de corrida, sua carroceria ormamentada por grandes tubos que parecem serpentes com respiracdo explosiva [...] um automével estridente que parece correr como uma metralha é mais belo do que a Vitdria alada de Samotrécia’® A Garrafa no espaco (1912), de Umberto Boccioni, assim como o Dinamismo de um cao na coleira (1911), de Giacomo Balla, evidenciam a preocupagao dos artistas futu- ristas em desenvolver um objeto dinamico, que se manifestasse no flu- xo do espago-tempo. Também dessa época sao os Discos espirais (1923), de Marcel Duchamp: uma maquina motorizada formada por circulos desenhados em papel, colocados sobre uma placa rotativa. Quando a maquina gira- va, os desenhos pintados sobre sua placa circular pareciam formar cir- culos concéntricos, causando um efeito de espiral. No Manifesto realista (1920), Naum Gabo e Pevsner utilizam o termo cinético para referir-se as novas praticas artisticas que oferecem ao observador uma nova relagdo espago-temporal. Um dos exemplos mais interessantes foi a Construgdo cinética (1920), de Naum Gabo: uma vara metdlica acionada por um motor elétrico. Nesse trabalho o artista rompe com a visdo tradicional da escultura (algo que se da no espaco), para desenvolver a idéia de uma escultura que se manifesta no decorrer do tempo: renuncia a massa escultérica tradicional, propondo uma massa virtual que se forma a partir do movimento de uma haste metalica acionada por um motor elétrico. © Niko Stangos (org), Conceitos da arte modema (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991), p. 71. nagdes no campo da arte Ja o Acessério de luz para um balé ou Modulador de luz e espago (1923-1930), de Laszlé Moholy-Nagy, um dos pioneiros na utilizagdo da luze do movimento no campo da arte, era uma espécie de escultura maquinica que desenhava em toro de seu eixo um amplo tecido de luz e sombra. E importante lembrar, também, os trabalhos do artista experimen- tal suigo Jean Tinguely. Oriundo da tradi¢do dadaista, sua obra explorou e desafiou os limites da maquina e da tecnologia industrial. Homenagem a Nova York (1960), apresentada em 1960 no jardim do Museu de Arte Modema de Nova York, era uma escultura cinética que se autodestruia no decorrer de sua atuacdo performatica. Jean Tinguely foi inovador nado somente na utilizagao de dispositivos tecnolégicos no fazer artistico, mas também na importancia que deu a participagdo do espectador na obra de arte. Em Cyclograveur (1960), 0 espectador era convidado a pedalar uma bicicleta para que um prego pudesse atingir um plano vertical; em Rotozazas (1967), 0 espectador jogava bola com uma maquina. Nicholas Shéffer também utilizou dispositivos tecnolégicos so- fisticados para criar a sensagdo de movimento, numa estética que se dava no tempo. Em Construcdo-Cibernética-Espa¢o-Dinamica (CYSP 1), de 1956, baseando-se na teoria cibernética de Norbert Wiener, utili- zou dispositivos de controle para movimentar um arranjo escultural. Cabe ainda ressaltar a utilizagdo de tecnologias audiovisuais como fonte de expresso artistica, que, buscando romper com os paradigmas tradicionais da estética, abriu as portas para o desenvolvimento da videoarte no inicio dos anos 1960. ‘Um dos conceitos fundamentais que percorrem a estética do video, vale lembrar, € a idéia de tempo: “[...] tempo inscrito na imagem, tem- po de transmissao da imagem e a duracdo de tempo necessaria 4 sua apreensdo sensoria”” ” Christine Mello, Extremidades do video, tese de doutorado (Sio Paulo: PUC-SP, 2004), p. 140. One @ rica: perspectivas da estética doital M40 Vale ressaltar que, apesar de o video trazer consigo o elemento tempo, podemos falar em “modalidades de temporalizacdo”, como des- taca Basbaum, teferindo-se a outras praticas no campo da arte.* A arte cinética, bem como o happening e a pratica da performance na arte tea- tral, que procuravam romper com as modalidades fixas e estaticas, tam- bém colocou em debate a idéia do fluxo temporal no campo da arte. Em Magnet TV(1965), com a ajuda de imas poderosos, Nam June Paik, um dos pioneiros no campo da videoarte, desviou o fluxo de elétrons no interior do tubo iconoscdpio da televisdo. Na mesma épo- ca, Wolf Vostell, na videoinstalagao 6 TV-dé-coll/agen (1968), apre- sentou seis televisores que transmitiam imagens abstratas segundo um processo de desestruturagdo (ou “dé-coll/agen”) do fluxo eletromag- nético, revelando a estratégia, empregada pelos primeiros artistas do video, de subversao e critica do meio televisivo como veiculo ideoldégi- co e meio de comunicagao de massa. Afirma Arlindo Machado: Basicamente, os videoartistas dos anos 1960 visavam navegar na contracorente das midias de massa (da televisdo principalmente), promovendo um trabalho de corrosao dos aparelhos produtores de imagem técnica. Eles queriam, basica- mente, desintegrar a imagem especular consistente, produzida pelos dispositvos tecnokigicos, e intervir diretamente sobre o fluxo dos elétrons, criando configura- ges e texturas desvinculadas de qualquer homologia com um modelo exterior.” Slipcover (1966), de Les Levine, Video Corridor (1968), de Bruce Naumann," ¢ a instalagdo Wipe Cycle (1969), de Frank Gillette e Ira Schneider, frutos das experimentagdes com imagens de feedback e time- delay, foram algumas das primeiras instalagdes no campo da videoarte. * Ricardo Basbaum, “Formas do tempo", em Revista da Universidade de Sdo Paulo, n® |, Sao Paulo, USP-CCS, 1989. * Atlindo Machado, Maquina © imagindrio: 0 desafio das poéticas tecnolégicas (Sio Paulo: Edusp, 1993}, p. 22. "© Michael Rush, New Media in Late 20° Century Art (Nova York: Thames & Hudson, 1999). 41 BB Transtormagdes no campo da ane Esses trabalhos romperam com a “tradicional passividade” do publico em relagao 4 imagem de tevé, integrando o espectador na obra e, dessa forma, colocando as experimentagdes em video nas prerrogativas mais gerais da arte contemporanea. Quando Nam June Paik comega a desenvolver projetos via satéli- te, 6a mesma idéia que se amplia. Em Good Morning, Mr. Orwell (1984), 0 videoartista coreano produziu um trabalho via satélite com a colabo- racdo de varios artistas de Nova York, Paris e Sao Francisco, tendo como base 0 romance de George Orwell, 1984. Contrariamente ao livro de Orwell, que enfatiza o aspecto negativo da midia como instrumento de manipulagao da consciéncia, 0 objetivo de Paik foi mostrar o potencial cultural e participativo do video. No final dos anos 1960, Billy Kliiver, Robert Rauchemberg e ou- tros artistas fundaram em Nova York o grupo Experimentos em Arte e Tecnologia (EAT), para atuar na interface da arte com a tecnologia. Um dos objetivos do grupo era possibilitar 0 desenvolvimento de propos- tas artisticas realizadas em co-autoria entre artistas e engenheiros sob uma perspectiva interdisciplinar. Desde 0 inicio dos anos 1960, a interface entre a arte e a tecnologia ja se tornara uma das ténicas no campo da arte. No final dessa década, 0 curador e historiador Pontus Hultén inaugurou no Museu de Arte Moderna de Nova York uma das primeiras exposigées de arte e tecnologia: The Machine as Seen at the End of the Mechanical Age, 0 que revelou, de certa forma, a entrada da area de arte e tecnologia para © mainstream artistico."" Simultaneamente ao processo de aproximacao entre arte ¢ tecnologia, observa-se também, desde 0 inicio do século XX, um novo ® Margot Lovejoy, Postmodem Currents: Art and Artists in the Age of Electronic Media (2 ed. Nova Jersey: Prentice Hall, 1997), p. 66. ra @ rida perspcthas da estice Gata M42 elo entre a arte e os diversos ramos das ciéncias. Importante ressaltar que a relacao das artes com o mundo das ciéncias nao é recente e muito menos fruto do século XX. Jé no Renascimento os artistas utilizavam uma série de preceitos cientificos - da geometria, anatomia, disseca- ¢40, Optica, teoria das cores, etc. - para desenvolver suas propostas estéticas. Foi a partir século XX, contudo, que essa interface ganhou maior amplitude e complexidade, como afirma Couchot: No decorrer da segunda metade do século XX, o leque de referéncias & iéncia se alarga ainda mais. O campo tradicionalmente consagrado & mate- matica @ a 6ptica aumenta e se renova. A arte geométrica, os minimalistas, entre outros, mas nde somente, recorrem aos processos serais e combinatérios; aopart, os cinéticos, as leis da éptica."? Em 2002, Stephen Wilson publica Information Arts: Intersections of Art, Science and Technology.” A publicagao revé o estado-da-arte e projetos desenvolvidos em varios paises do mundo, em um amplo mapeamento de trabalhos artisticos que incorporam conceitos da mate- matica, dos processos bioldgicos, das ciéncias fisicas e das ciéncias da computagao, entre outras. Fazendo uma retrospectiva historica da rela- do entre arte e pesquisa tecnocientifica, o autor assinala a importancia de ampliar 0 conceito de criagdo artistica e da prépria arte, jd que muitos dos experimentos contemporaneos lidam com materiais e suportes ndo- ortodoxos e com ferramentas ou idéias oriundas de “outras” areas. Essas produgées sao muitas vezes apresentadas em contextos e espacos nao- tradicionais de exposig¢do, como laboratérios de pesquisa ou a internet. Langando um breve olhar para a historia da arte, podemos iden- tificar uma série de exemplos de como os artistas vém sendo influencia- ™ Edmond Couchot, A tecnologia na arte: da fotografia a realidade virtual, trad. Sandra Rey {Porto Alegre: UFRGS, 2003), p. 134. Stephen Wilson, Information Arts: Intersections of Art, Science and Technology (Cambridge: MIT, 2002), p. 134. 43 MB Transformagdes no campo da arte dos por diferentes ramos das ciéncias. Podemos lembrar, por exemplo, as influéncias que a matematica exerceu na arte concreta de Max Bill na primeira metade do século XX. Sua escultura Fita sem fim (1935) ilustra bem um problema matematico conhecido como “fita de Moebius”, ex- periéncia que revela a continuidade de uma superficie que anula o con- ceito euclidiano de espaco. Herbert W. Frank e Manfred Mohr, entre outros pioneiros na utilizagdo da informatica na pratica artistica, ex- ploram o algoritmo para criar imagens. Podemos lembrar também a geometria fractal, uma das areas da matematica que vem ganhando atencao nos ultimos anos. Desenvolvida e sistematizada por Benoit Mandelbrot, ela coloca em xeque 0 sistema euclidiano de representagdo, ao desenvolver um novo tipo de geometria, diferente da geometria classica. Muitos artistas langaram mao da geome- tria fractal para realizar propostas estéticas, como o grupo brasileiro *.* (Asterisco Ponto Asterisco), que apresentou, em 1989, na XX Bienal In- ternacional de Sdo Paulo, a instalac3o Fractal Art (fi@UFaM ). Contando com a participagao de Artemis Moroni, Paulo Cohn, Maria Rita Silveira de Paula, Antonio Rentes, Mitur Sakoda e Wilson Sukorski, a instalagao con- tinha imagens, videos e musicas geradas computacionalmente por meio de algoritmos fractais, esculturas de néon e¢ sensores fotoelétricos. Utilizando sofisticada tecnologia, como radares e¢ satélites que permitem a captagdo de informagao do espaco na Terra e vice-versa, os eventos em sky-arte, desenvolvidos fora e dentro do Brasil, também procuraram extrair as potencialidades estéticas que surgem do didlogo entre arte e ciéncia. Otto Pienne, um dos pioneiros na drea de sky-arte, afirma que ela pode ser dividida em duas frentes: os trabalhos que sdo fruto das informagGes capturadas do espago via satélite e aqueles que utilizam informagées capturadas da Terra.'* “ Frank Popper, Art of the Electronic Age (Nova York: Harry N. Abrams, 1993). 45 Ul Tarstorragdes ro cargo da are teriais inteligentes e de energia solar, desenvolver uma escultura que se movimentasse de acordo com o percurso solar. A SCIArts possui um nucleo fixo de pessoas, mas também desenvolve projetos com co-participantes (técnicos, cientistas, tedricos e artistas), conforme as caracteristicas de cada projeto. Na primeira fase do Gira S.O.L, participaram Enos Picazzio, George A. Oliva, Jorge Otubo e Rejane Cantoni, além dos integrantes da equipe - Milton Sogabe, Femando Fogliano, Renato Hildebrand e Rosangella Leote. Ja o artista brasileiro Mario Ramiro, entre os anos de 1986 ¢ 1991, iniciou, juntamente com suas criagdes em arte telematica, uma série de experién- cias que exploravam forgas fisicas. Ao lado de artistas de outros paises, como Takis, um dos primeiros a utilizar as forgas eletromagnéticas no campo da escultura, e David Durlach,'® Mario Ramiro realizou esculturas que ex- ploraram o campo magnético, como €é 0 caso de Gravidade zero (1986). Nesse trabalho Ramiro liberou a escultura de sua base; para isso, criou um campo de forga eletromagnético, utilizado para controlar a agdo de gravi- dade sobre um pequeno objeto metalico suspenso, o que fez a escultura levitar. Ja Raquel René ¢ Rafael Marchetti, em Non_Sensor (2004-2005), subvertem 0 uso do sistema motion capture para produzir distorgdes nes- se sistema como meio de construgao grafica pela interface criada. Guto Lacaz, artista brasileiro contemporaneo, criou para o Arte Cidade I, em 1994, a obra Periscdpio ( figura 4), uma torre de 32 metros colocada no prédio da Light, no centro da cidade de Sdo Paulo. No interior da torre havia dois espelhos - de 3 metros por 2 metros, a 45 graus -, um no topo e outro na parte inferior. Pelos espelhos, um observador que estivesse na calgada poderia ver uma pessoa posicionada no quinto andar do prédio e vice-versa. Uma das caracteristicas da revolucado da tecnologia da informa- ¢40, como bem assinala Manuel Castells, ¢ a crescente convergéncia de © Ibidem. rte © mic: perspecthas da estéica digtal 46 tecnologias especificas para um sistema integrado, no qual se toma impossivel distinguir em separado trajetérias anteriormente percebi- das como distintas. Diz 0 autor: Assim, 0s avangos decisivos em pesquisas bioldgicas, como a identificagao dos genes humanos e segments de DNA humano, s6 conseguem seguir adiante por causa do grande poder da informatica. Por outro lado, 0 uso de materiais biolégicos na microeletrénica, apesar de ainda muito distante de uma aplicagao mais genérica, jé estava em estgio experimental em 1995.” Essa convergéncia serve ainda de material para experimentacao de artistas contemporaneos que tém sua producao voltada para a interface entre biologia e tecnologia. Robés que podem expandir capacidades de nosso corpo, criaturas artificiais que evoluem e se reproduzem e organis- mos artificiais que vivem simbioticamente com organismos naturais tem sido algumas das formas pelas quais os artistas contemporaneos, nessa convergéncia entre arte, ciéncia e tecnologia, tém colocado em debate esse hibridismo da cultura digital. Nesse cruzamento da arte com a bio- logia (denominado bioarte ou “arte transgénica”, entre outros nomes), destacam-se trabalhos com insetos, vegetais e bactérias. Alguns artistas realizam trabalhos sobre vida artificial em silicio {in silicio), tendo como suporte o ambiente computacional. Karl Sims, por exemplo, em seu conhecido trabalho Galdpagos ( fiGUPalS), exibido de 1997 a 2000 no Intercommunication Center de Téquio (ICC), utili- zou um software de programagao genética para fazer evoluir artificial- mente criaturas em computador. Na instalagdo, doze computadores simulavam o crescimento e 0 comportamento de uma populagdo de formas animadas abstratas. O visitante podia controlar a evolugdo dos organismos artificiais selecionando aqueles que lhe parecessem mais " Manuel Castells, A sociedade em 3 cra da informagdo: economia, sociedade ¢ cultura, trad. Ronei Vendncio Majer (S80 Paulo: Paz ¢ Terra, 1999), p. 79.

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