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IDEIAS | curriculo UMA BRIGA * COM MUI ECONOMI Alunos, professores e ganhadores do Nobel colocam fogo no debate sobre as deficiéncias na forma¢ao dos economistas — e como. elas acabam afetando a vida de todos nés EDUARDO SALGADO ANIMOSIDADE HISTOR!- A ENTRE as selecies de futebol de Brasil e Argentina, a competi- .cdonem sempre velada entre Bill Gates, da Microsoft, e Steve Jobs, da Apple, ea briga entre os pilo- tos de Formula 1 Ayrton Sennae Alain Prost na década de 90 sio conhecidas por todos. Uma rivalidade igualmente renhida, mas menos falada, éa que di- vide os economistas em dois grupos com visio de mundo distinta. De um lado, estio os defensores de modelos ‘matemiiticos para explicar o compor- tamento das pessoas. A matematica seria um antidoto contra analises i consistentes com base apenas na intui- G40. De outro, estio os que dizem que arealidade é muito complexa para que tudo fique restrito ao que pode ser tra- duzido em formulas. A briga é antiga, mas ganhou um 150 | werwexamecom novo impeto nos tiltimos tempos por causa da crise mundial de 2008. Para ‘quem denuncia a suposta fé exagera~ da na matematica, o maior evento econdmico das iltimas décadas eraa prova que faltava. Nenhum modelo previu 0 armagedom provocado pelo sistema financeiro. “Pior do que nao antever foi dizer, como alguns econo- mistas disseram logo antes da crise, que a economia mundial, devido a inovagdes financeiras, estava menos suscetivel a contracdes de crédito”, ‘Adair Turner, ex-presidente da Financial Services Authority, o 6rgio regulador do mercado financeiro bri- tanico, e autor de Economics After the Crisis (48 economia depois da crise”, numa tradugio livre), Os que falam em excesso de “mate- ‘matiza¢io” langam mao até do humor para ilustrar o que chamam de impor- tancia desmedida dada aos aspectos TA LONDON SCHOOL OF ECONOMICS: soe do comportamento que podem ser quantificados. Os economistas hoje em grande miimero nas universidades de ponta dos Estados Unidos e nos periddicos académicos mais respeita- dos seriam como o bébado que sai do bar e, aoperceber que perdeu a chave decasa, a procura somente debaixo do poste de luz. Alvin Roth, professor da Universidade Stanford e ganhador do Nobel de Economia de 2012, conside- ra esse tipo de acusacao injusta e ten- taexplicar,com uma analogia, por que amaioria dos economistas nao previu a crise, “Se tivermos uma nova epide- mia mundial de gripe, as pessoas no vio criticar amaneira como a medic na tem sido estudada, Em vez diss vio pedir mais pesquisas e mais mé icos”, diz, Ouseja, os acontecimentos dos tltimos anos teriam evidenciado anecessidade de mais, nio menos, mo- delos matemiticos. Toda essa discussio ganhou mais foreacom entrada em cena dos est antes, que estioagitando universida- des na Europa com seus grupos de discussio online. Em abril, os alunos da Universidade de Manchester, na Inglaterra, divulgaram um manifesto em defesa de mudangas no curso de economia zpoiado por Andrew Halda- ne, diretor do departamenta de estabi- lidade financeira do Banco Central inglés. Uma das inspiracées para todo esse barulho foi uma manisfestacdo feitana Universidade Harvard hé dois anos e meio. Cerca de 70 alunos de Greg Mankiw, autor de Principios de 6 de agosto de 2014 [151 IDEIAS | curriculo _Macroeconomia, um dos livros-textos mais vendidos em todo o mundo, le- vantaram e sairam no meio de uma aula do curso introdutsrio de econo- mia. “O pessoal que organizou o walk out protestava contra qualquer coisa rno campus, mas nesse caso tinha ra- 240”, diz o brasileiro Lucas Freitas, que estuda computacao em Harvard, era aluno de Mankiw e participou da ma- nifestacio em favor de maior plur dade. Como é comum em revoltas es tudantis,as causas desses movimentos sio muitas e difusas, mas uma ideia despontaem todosos lugares: a defesa de que é preciso haver um debate a respeito da formagio dos economistas (© QUE MUDA No QUADRO-NEGRO? Embora se diga que, caso alguém queira ouvir trés opinides divergen- tes, és6 pedir conselho a dois econo mistas, numa coisa eles parecem estar de acordo: precisam methorar sua capacidade de comunicacio. Essa é uma queixa comum no exterior e tam- ‘bém no Brasil. Muitos economistas jovens tém dificuldade de se expres sare de trabalhar em grupo com pro- fissionais de outras areas, uma ques- $32 | wwwexemecom uns PN Bz Com o apoio de um diretor do BC inglés, alunos de economia de Manchester exigem mudancas no curriculo ‘0 que jé entrou no radar das univer- sidades. Os alunos precisam ser trei- nados para saber explicar em portu- gués € sem jargdo 0 que pensam”, afirma Marcos Lisboa, vice-presiden- te da escola de negdcios Insper. “Co- municagio, assim como lideranga, é vital para o sucesso profissional.” Algumas outras mudaneas no curri- culo esto a caminho. Em razio da crise, pesquisas sobre temas como mercados de crédito e volatilidade de pregos de bens ganharam nova énfase. “Existe um intervalo de tempo entre que acontece na fronteira do conhe- cimento e 0 que entra nos cursos de OS TRES PECADOS CAPITAIS Apésacrise, as criticas aos curriculos dos cursos de economia aumentaram. As principais criticas sao: renca desmedida nos modelos matematicos Oque causa Incentiva 0 uso indiscriminado esemeritica dos modelos Faltade treinamento em comunicacso ‘Oque causa Recém-formados incapazes de trabalhar ‘com pessoas de outras areas de nistone © que causa Aumenta a dificuldade dos alunos de perceber a existéncia de padroes ‘econémicos ao longo do tempo ‘graduacio, mas muitas mudancas cer- tamente virgo”, diz Benjamin Fried- man, professor de economia politica ‘em Harvard, O que ainda esta incerto 6 seos graduandos de economia terio mais aulas de histéria econdmica, his- t6riado pensamento e psicologia com- portamental, como muitos querem. “Ninguém pode ser contra o uso da matemitica como um importante ins- trumento, Mas necessério ampliar 0 Teque”, diz o fildsofo e economista Eduardo Giannetti da Fonseca, um defensor de que, para achar a chave, usando a piada do bébado, as vezes é preciso tatear longe do poste de luz.

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