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Biologia do

Desenvolvimento
QUINTA EDIÇÃO
Biologia do
Desenvolvimento
QUINTA EDIÇÃO

Scott F. Gilbert
Swarthmore College

Tradução e Revisão

Adolfo Max Rothschild


Zuleika Rothschild
Francisco A. de Moura Duarte
Maria Helena Corrêa Marques
A capa
FOTOGRAFIA DA CAPA: O mRNA para o Fator 8 de Crescimento
Fibroblástico pode ser detectado pela hibridização in situ da montagem
total usando RNA marcado quimicamente que é complementar a
essa mensagem. No embrião de pinto de 3 dias, a mensagem do Fgf8
é encontrada no ectoderma mais distal dos brotos dos membros, no
limite entre o cérebro posterior e o cérebro intermediário, nos somitos,
nos arcos branquiais do pescoço e na cauda em desenvolvimento. O
FGF8 é importante para diversos processos desenvolvimentais e
desempenha papéis críticos no crescimento dos membros e na
padronização do desenvolvimento do cérebro. Capítulos 3, 7 e 18.
(Fotografia cortesia de E. Laufer, C.-Y. Yeo e C. Tabin.)

FOTOGRAFIA DA CONTRACAPA: Fotografia de um embrião de pinto


de 20-21 dias nos estágios de “pipping” (bicando a casca internamente)
Do original: Developmental biology, e pré-eclosão. Note o revestimento peridérmico proeminente na
Fifth Edition extremidade do bico (dente do ovo), usado pelo pinto para fazer
Copyrigth ® 1997 by Sinauer Associates,
Inc. buracos na casca do ovo, a qual se tornou mais fina e mais quebradiça,
como uma conseqüência da utilização de minerais pelo embrião para
Dados Internacionais de Catalogação na seu crescimento esquelético. Esse estágio desenvolvimental marca a
Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do livro, SP, Brasil) transição do embrião em um pinto que respira ar. Capítulos 1 e 5.
_____________________________________ (Fotografia do International Poultry Journal, cortesia de R. Tuan.)
Gilbert, Scott F., 1949-
Biologia do desenvolvimento /
Scott F. Gilbert. -- As páginas de título
5. ed. -- Ribeirão Preto, SP :
FUNPEC Editora, 2003. PÁGINA ESQUERDA: A expressão gênica gera limites nos discos imagi-
Título original : Developmental biology nais da Drosophila. Os discos grandes e pequenos dentro da larva da
Vários tradutores e revisores. mosca formam as asas e os halteres, respectivamente, no adulto. Nes-
Bibliografia. se estágio, a proteína Apterous (vermelho) é expressa somente nos
ISBN 85-87528-61-0 compartimentos dorsais; a proteína Cubitus interruptus (azul) mar-
ca os compartimentos anteriores (mas não os posteriores) (uma linha
1. Biologia do desenvolvimento I. Título.
formando esse limite pode ser observada). A coloração verde (origi-
03-4459 CDD-571.8 nária da proteína Vestigial) no interior demarca o limite entre o mem-
_____________________________________ bro livre e a articulação ligando-o à parede torácica. Capítulo 19. (Fo-
Índices para catálogo sitemático: tografia cortesia de J. Williams, S. Paddock e S. Carroll.)
1. Bilogia do Desenvolvimento: Ciências
da vida 571.8 PÁGINA DIREITA: Expressão do gene paraxis no embrião de pinto no
estágio de 6 somitos. Hibridização in situ da montagem total usando
Direitos para a língua portuguesa cedidos
pela Sinauer Associates, Inc. para a RNA marcado com “digoxygenin” complementar a uma porção da
Fundação de Pesquisas Científicas de mensagem paraxis do pinto mostra a expressão desse gene durante a
Ribeirão Preto que se reserva a formação do somito. A proteína Paraxis é importante no estabeleci-
propriedade desta tradução.
mento da estrutura desses grupos mesodérmicos. Capítulos 2 e 9.
Proibida a reprodução dos textos (Montagem fotográfica cortesia de R. Tuan.)
originais, mesmo parcial e por
qualquer processo, sem autorização
da editora.
Para Daniel, Sarah, e David
Tabela de Conteúdos

PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento


Introdução ao desenvolvimento Genes e desenvolvimento:
animal 1 1 Introdução e técnicas 35 2
O objetivo da biologia do desenvolvimento 1 As origens embriológicas da teoria dos genes 35
Os problemas da biologia do desenvolvimento 2 Núcleo ou Citoplasma: Qual Controla a
Os estágios do desenvolvimento animal 3 Hereditariedade? 35
Nossa herança eucariótica 5 O Cromossomo X como uma Ponte Entre Genes e
Desenvolvimento entre eucariotos unicelulares 6 Desenvolvimento 37
Controle da Morfogênese no Desenvolvimento em A cisão entre a embriologia e a genética 38
Acetabulária 6 Primeiras tentativas da genética do desenvolvimento 39
Diferenciação em Ameboflagelados Naegleria 10 Evidência para a equivalência genômica 40
As Origens da Reprodução Sexual 12 Metaplasia 40
Eucariotos coloniais: A evolução da diferenciação 16 Clonagem de Anfibios: A Restrição da Potência
As Volvocaceanas 16 Nuclear 42
Q Informações adicionais & Especulações Clonagem de Anfíbios: A Pluripotência de Células
Sexo e Individualidade em Volvox 18 Somáticas 43
Diferenciação e Morfogênese em Dictyostelium 21 Q Informações adicionais & Especulações
Q Informações adicionais & Especulações Clonando Mamíferos por Prazer e Lucro 45
Evidência e Anticorpos 25 Sobre E.coli e elefantes: O modelo operon 47
Q Informações adicionais & Especulações Síntese diferencial de RNA 49
Como o Grex Sabe Qual Lado Está Para Cima 27 Hibridização de ácido nucléico 54
Padrões desenvolvimentais entre metazoários 28 Clonagem de DNA genômico 55
Os Poríferos 29 Hibridização de DNA: entre e intra espécies 58
Protostomatas e Deuterostomatas 30 Seqüenciamento de DNA 59
Análise de mRNA através de bibliotecas de cDNA 61
Técnicas de localização de RNA 63
Hibridização In Situ 63
Transferências Northern 64
Tabela dos Conteúdos vii

Encontrando mensagens raras pela reação da polimerase Identificando moléculas de adesão celular e seu
em cadeia 66 papel no desenvolvimento 92
Determinando a função do gene: células e organismos Caderinas 92
transgênicos 69 CAMs da superfamília de imunoglobulinas 95
Técnicas de inserção de DNA novo em uma célula 69 Moléculas da junção celular: proteínas da junção em
Camundongos quiméricos 70 fenda 97
Experimentos com genes com endereçamento A base molecular da afinidade célula-substrato 99
(Gene targeting ou Knockout) 70 Afinidade diferencial a substrato 99
Determinando a função de uma mensagem: RNA antisense 73 A matriz extracelular 99
Reinvestigação de velhos problemas com novos métodos 73 Receptores celulares para moléculas da matriz
Uma conclusão e um alerta 75 extracelular 104
Adesão diferencial resultante de sistemas de
Base celular da morfogênese: adesão múltipla 106

Afinidade celular diferencial 79 3 Moléculas de receptores e vias de transdução


de sinais 107
A via JAK-STAT 107
Afinidade celular diferencial 80 A via RTK-Ras 108
O modelo termodinâmico de interações celulares 84 Q Informações adicionais & Especulações
Q Informações adicionais & Especulações Mutações negativas dominantes em receptores 110
Evidência para o modelo termodinâmico 87
A via do inositol fosfato 111
A base molecular das adesões célula-célula 88 Cruzamentos entre vias 112
As classes de moléculas de adesão celular 88 A matriz extracelular e a superfície da célula como
Q Informações adicionais & Especulações fontes de sinais críticos para o
Anticorpos monoclonais e genética reversa 89 desenvolvimento 112
Moléculas de adesão celular 92 Interações recíprocas na superfície celular 113

PARTE II Padrões de Desenvolvimento


Fertilização: Iniciando um Prevenção da Polispermia 140

novo organismo 121 4 Q Informações adicionais & Especulações


A Ativação do Metabolismo dos Gametas
Ativação do metabolismo do óvulo 149
147

Estrutura dos gametas 121 Respostas precoces 149


Espermatozóide 121 Respostas tardias 151
O óvulo 125 Fusão do material genético 152
Reconhecimento do óvulo e do espermatozóide: Ação à Q Informações adicionais & Especulações
distância 128 A Não-Equivalência dos Pronúcleos de
Atração do Espermatozóide 128 Mamíferos 154
Ativação Espermática: A Reação Acrossômica no Rearranjo do citoplasma do óvulo 156
Ouriço-do-Mar 129 Preparação para a Clivagem 158
Q Informações adicionais & Especulações
Ação à Distância: Gametas de Mamíferos 131
Clivagem: Criando
Reconhecimento do óvulo e espermatozóide:
Contato de gametas 132
Reconhecimento Espécie-Específico em Ouriços-
multicelularidade 167 5
do-Mar 132 PADRÕES DE CLIVAGEM EMBRIONÁRIA 168
Ligação de Gametas e Reconhecimento em Clivagem holoblástica radial 169
Mamíferos 135 A holotúria, Synapta 169
Fusão de gametas e a prevenção da polispermia 139 Ouriço-do-Mar 170
Fusão entre as membranas do óvulo e do Anfíbios 173
espermatozóide 139 Clivagem holoblástica espiral 175
viii Tabela dos Conteúdos

Q Informações adicionais & Especulações Mecanismos de gastrulação em aves 238


Adaptação pela modificação da clivagem Gastrulação em mamíferos 242
embrionária 178 Modificações para desenvolvimento dentro de
Clivagem Holoblástica Bilateral 179 outro organismo 242
Clivagem holoblástica rotacional 180 Formação de membranas extra-embrionárias 245
Compactação 181
Q Informações adicionais & Especulações
Início do desenvolvimento vertebrado:
A Superfície da Célula e o Mecanismo de
Compactação 184
Formação da massa celular interna 185
Neurulação e ectoderma 253
FORMAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL 254
7
Fuga da Zona Pelúcida 185 Neurulação: aspectos gerais 254
Q Informações adicionais & Especulações Neurulação primária 255
Gêmeos e células embrionárias precursoras 186 A mecânica da neurulação primária 257
Clivagem Meroblástica 188 A formação da placa neural 257
Clivagem discoidal 189 Formação do assoalho da placa neural 258
Clivagem Superficial 192 A modelagem e dobramento da placa neural 259
Q Informações adicionais & Especulações Fechamento do tubo neural 260
Exceções, Generalizações, e Clivagem Q Informações adicionais & Especulações
Parasítica da Vespa 195 A modelagem dorsoventral do sistema nervoso 264
MECANISMO DE CLIVAGEM 196 Neurulação secundária 264
Regulando o ciclo da clivagem 196 Diferenciação do tubo neural 265
Fator promotor de maturação 197 Formação das regiões do cérebro 265
Q Informações adicionais & Especulações Q Informações adicionais & Especulações
MPF e Seus Reguladores 198 Determinando as regiões do cérebro anterior e
O mecanismo citoesquelético da mitose 201 cérebro médio 268
A formação de novas membranas 203 Arquitetura de Tecido no Sistema Nervoso Central 270
Organização do cerebelo 272
Gastrulação: Reorganizando as Organização cerebral 274

células embrionárias 209 6 Tipos de neurônios 276


Desenvolvimento do olho em vertebrados 279
Dinâmica do desenvolvimento ótico 279
Gastrulação em ouriço-do-mar 210
Diferenciação da retina neural 280
Ingresso do Mesênquima Primário 210
Q Informações adicionais & Especulações
Primeiro estágio da invaginação do arquêntero 215
Porque os bebês não enxergam bem 282
Segundo e terceiro estágios da invaginação do
Diferenciação do cristalino e da córnea 283
arquêntero 217
A CRISTA NEURAL 284
Gastrulação em peixes 218
A crista neural e seus derivados 284
A transição da blástula intermediária e a aquisição
A crista neural do tronco 285
de motilidade celular 218
Vias de migração das células da crista neural do
Formação das camadas germinais 220
tronco 285
Gastrulação de anfíbios 221
A matriz extracelular e a migração da crista neural
Movimentos celulares durante a gastrulação de
do tronco 287
anfíbios 221
Q Informações adicionais & Especulações
Posicionando o blastóporo 224
Análise das mutações que afetam o desenvolvi-
Movimentos celulares e a construção do arquêntero 226
mento das células da crista neural 290
Migração do mesoderma involutivo 229
A potência do desenvolvimento das células da crista
Q Informações adicionais & Especulações
neural do tronco 291
Reguladores moleculares do desenvolvimento:
Diferenciação final das células da crista neural 292
Fibronectinas e as vias da migração
A crista neural cefálica 293
mesodérmica 230
Vias migratórias das células da crista neural
Epibolia do ectoderma 232
cefálica 293
Gastrulação em aves 233
Potência de desenvolvimento das células da crista
Generalidades sobre gastrulação em aves 233
neural cefálica 295
Tabela dos Conteúdos ix

A crista neural cardíaca 296 Início do desenvolvimento


A EPIDERME E A ORIGEM DAS ESTRUTURAS CUTÂNEAS 297
A origem das células epidérmicas 297 vertebrado: Mesoderma e
Apêndices cutâneos 299
Conclusões 300
endoderma 341 9
Especificidade axônica 307 8 MESODERMA 341
Mesoderma dorsal: A notocorda e a diferenciação dos
somitos 341
A geração da diversidade neuronial 307 Mesoderma Paraxial 341
Especificação do Neurônio Motor de Vertebrado 308 Somitômeros e a Iniciação da Formação do
Especificação dos Neurônios Motores em Somito 343
Drosophila 310 Geração de Tipos de Células Somíticas 344
Formação de padrões no sistema nervoso 312 Miogênese: Diferenciação do Músculo
Seleção de trajetórias: Orientação pela matriz Esquelético 347
extracelular 313 Q Informações adicionais & Especulações
Orientação pelo Terreno Físico: Orientação por Construção Muscular e a Família MyoD de
Contato 313 Reguladores Transcricionais 349
Orientação para Gradientes de Adesão: Osteogênese: O Desenvolvimento
Haptotaxia 314 dos Ossos 351
Condução por Sinais Migratórios específicos Q Informações adicionais & Especulações
do Axônio: A Hipótese das Trajetórias Controle da Condrogênese na Placa de
Marcadas 315 Crescimento 357
Orientação pela Repulsão Específica de Cones de Mesoderma da Placa Lateral 358
Crescimento 317 Formação das Membranas
Q Informações adicionais & Especulações Extra-Embrionárias 359
Sexo,Odor e Adesão Específica 319 O Coração 361
Seleção de trajetória: Orientação por moléculas Formação dos vasos sangüíneos 366
difusíveis 320 Q Informações adicionais & Especulações
Sinais para condução múltipla 323 Redirecionando o Fluxo Sangüíneo no
Neurônios Motores Vertebrados 323 Mamífero Recém-nascido 372
Axônios da Retina 325 O Desenvolvimento de células sangüíneas 373
Seleções de alvos 326 O Conceito de Célula-tronco 373
Especificidades Adesivas em Diferentes Regiões Células-tronco Pluripotenciais e Microambientes
do Tectum 328 Hematopoéticos 374
Seleção de endereço: Desenvolvimento dependente de Desenvolvimento Osteoclástico 377
atividade 331 Locais de Hematopoiese 378
Sobrevivência diferencial após a inervação: Fatores ENDODERMA 380
neurotróficos 331 Faringe 380
Q Informações adicionais & Especulações O tubo digestivo e seus derivados 382
Neurônios Fetais em Hospedeiros Adultos 334 Fígado, Pâncreas e Vesícula Biliar 382
O desenvolvimento de comportamentos: constância e O Tubo Respiratório 383
plasticidade 334
x Tabela dos Conteúdos

PARTE III Mecanismo da Diferenciação Celular


Regulação transcricional da expressão Ruptura e reorganização de nucleossomos: o papel
dos complexos de ruptura 436
gênica: Fatores de transcrição Ruptura e reorganização de nucleossomos: o papel
e a ativação de promotores da competição de histonas 437

específicos 391 10 Regiões de controle de loco: transcrição do gene da


globina 437
Q Informações adicionais & Especulações
Éxons e Íntrons 392 Trocas no gene de globina 440
Estrutura e função do promotor 394 Metilação de DNA e atividade gênica 442
Estrutura do promotor 396 Correlações entre metilação do promotor e
Função do promotor 397 inatividade gênica 442
Q Informações adicionais & Especulações Metilação e a manutenção dos padrões de
RNA polimerase e os fatores trans-reguladores transcrição 443
no promotor 399 Q Informações adicionais & Especulações
Estrutura e função dos intensificadores 402 Metilação e impressão gênica 444
Necessidade de intensificadores 402 Compensação de dosagem do cromossomo X de
Função do intensificador: Modelos temporais e mamíferos 446
espaciais de transcrição 403 Q Informações adicionais & Especulações
Fatores de transcrição: Os trans-reguladores dos O mecanismo de inativação do cromossomo X 449
promotores e dos intensificadores 404 Associação do DNA ativo com a matriz nuclear 451
Proteínas de homeodomínio 405 Ligação da cromatina ativa a uma matriz nuclear 451
Os fatores de transcrição POU 406 Topoisomerases e a transcrição gênica 453
Q Informações adicionais & Especulações Isoladores e domínios 454
Regulação da transcrição dos genes de cadeia Resumo 455
leve das imunoglobulinas 409
Fatores de transcrição básicos do tipo hélice-alça-
hélice 415 Controle do desenvolvimento pelo
Q Informações adicionais & Especulações processamento e tradução
Regulando as proteínas bHLH miogênicas:
Governando a troca entre proliferação e
diferenciação de células musculares 416
diferencial do RNA 461 12
Fatores de transcrição do zíper básico da leucina 416 CONTROLE DO DESENVOLVIMENTO PELO PROCESSAMENTO
Q Informações adicionais & Especulações DIFERENCIAL DE RNA 461
Armadilhas do intensificador: natural e Controle do desenvolvimento precoce pela seleção de
experimental 418 RNA nuclear 462
Fatores de Transcrição Dedo de Zinco 420 Os mecanismos de emenda de RNA: Spliceosomes 465
Receptores Nucleares de Hormônios e Seus Emenda alternativa do RNA: Criando proteínas
Elementos Responsivos a Hormônios 420 alternativas a partir do mesmo gene 466
Proteínas que dobram o DNA 423 Um gene, Muitas Proteínas Relacionadas 466
Ativação dependente de contexto ou silenciamento 423 Processamento Alternativo de RNA e
Regulação da atividade do fator de transcrição 425 Determinação Sexual em Drosophila 468
Uso Disseminado do Processamento de RNA para
o Controle da Expressão Gênica 471
Regulação transcricional da REGULAÇÃO DA TRADUÇÃO DOS PROCESSOS
expressão gênica: A ativação da DESENVOLVIMENTAIS 471

cromatina 431 11 Mecanismos da tradução eucariótica 472


Controle da síntese protéica pela longevidade diferencial
do mRNA 474
Nucleossomos e a ativação da cromatina reprimida 431 Degradação Seletiva de mRNAs 475
Acessibilidade a fatores trans-reguladores 432 Controle da tradução de mensagens do oócito 476
Sítios hipersensíveis à DNAase I 434
Tabela dos Conteúdos xi

Caracterização de RNAs Mensageiros Q Informações adicionais & Especulações


Armazenados em Oócitos 477 A Ativação do Genoma Embrionário 488
Q Informações adicionais & Especulações Regulação dos genes da tradução em larvas e
Determinando o Destino Celular por Meio do adultos 490
mRNA Localizado do Oócito 480 Determinação de Gametas em C. elegans 490
Mecanismos para a regulação da tradução das RNA Antisenso Natural 491
mensagens dos oócitos 481 “Disjuntores” do Controle da Tradução 492
A Hipótese da Mensagem Materna Mascarada 482 Editoração do RNA 493
A Hipótese da Cauda Poli(A) 483 Controle da tradução e síntese protéica coordenada:
A Hipótese da Eficiência da Tradução 486 Produção de Hemoglobina 494
Outros sistemas de ativação do mRNA: Mensagens Epílogo: Regulação Pós-tradução 497
sem “Cap” e Mensagens Seqüestradas 486

PARTE IV Especificação do Destino Celular e os


Eixos Embrionários
Especificação celular autônoma A genética da
por determinantes especificação axial em
citoplasmáticos 505 13 Drosophila 543 14
Comprometimento celular e diferenciação 505 Resumo do desenvolvimento de Drosophila 543
Pré-formação e epigênese 507 AS ORIGENS DA POLARIDADE ÂNTERO-POSTERIOR 545
Os Teratologistas Franceses 509 Visão Panorâmica 545
Especificações autônomas em embriões de tunicados 510 Os genes de efeito materno 546
O determinante formador de músculos do Evidência Embriológica da Regulação da
crescente amarelo 511 Polaridade pelo Citoplasma do Oócito 546
Especificação citoplasmática das linhagens O Modelo Molecular: Gradientes Protéicos no
endodérmicas e epidérmicas e o eixo ântero- Embrião Precoce 547
posterior 514 Q Informações adicionais & Especulações
Localização citoplasmática em embriões de moluscos 515 Modelos de Gradientes da Informação
O lóbulo polar 517 Posicional 551
Especificação celular no nematódeo Caenorhabditis Evidência que o Gradiente da Proteína Bicoid
elegans 521 Constitui o Centro de Organização Anterior 552
Controle maternal da identidade do blastômero: O O Centro de Organização Posterior: Localizando e
controle genético das células progenitoras Ativando o Produto de nanos 556
faríngeas de C. elegans 524 O Grupo Gene Terminal 557
Regulação em C. elegans 527 Os genes da segmentação 559
Q Informações adicionais & Especulações Uma Visão Panorâmica 559
“Ser ou Não Ser: Esse é o Fenótipo” 529 Os Genes de gap 561
Divisões celulares assimétricas no desenvolvimento Os Genes pair-rule 563
tardio 530 Os Genes de Polaridade Segmentar 565
Localização citoplasmática de determinantes de células Os genes de Seleção homeótica 569
germinativas 531 Padrões de Expressão dos Genes Homeóticos 569
Determinação de células germinativas em Iniciando os Padrões da Expressão dos genes
nematódeos 531 Homeóticos 572
Determinação da célula germinativa em insetos 532 Mantendo os Padrões de Expressão dos genes
Componentes do plasma polar da Drosophila 534 Homeóticos 572
Determinação de células germinativas em Os Elementos Cis-Reguladores e o Complexo
anfíbios 536 Bithorax 574
Resumo 538
xii Tabela dos Conteúdos

Q Informações adicionais & Especulações Indução de especificidade mesodérmica ventral e


Regulação Molecular do Desenvolvimento: As lateral 612
Proteínas do Homeodomínio 576 A criação da atividade do organizador 613
A GERAÇÃO DA POLARIDADE DORSOVENTRAL EM Proteínas secretadas do organizador 613
DROSOPHILA 577 Q Informações adicionais & Especulações
A proteína Dorsal: Morfógeno para a polaridade BMP4 e a lagosta de Geoffroy 616
dorsoventral 577 Fatores de transcrição induzidos no
Translocação da Proteína Dorsal 577 organizador 619
Provendo o sinal assimétrico para a translocação da Q Informações adicionais & Especulações
proteína Dorsal 578 Como o Organizador Neuraliza o
Sinal do Núcleo do Oócito para as Células Ectoderma? 621
Foliculares 578 A especificidade regional de indução 621
Sinalização das Células Foliculares para o A determinação das diferenças regionais 621
Citoplasma do Oócito 580 O modelo do duplo gradiente 623
O Estabelecimento do Gradiente da Proteína Correlatos moleculares da caudalização
Dorsal 581 neural 624
PRIMÓRDIOS DE ÓRGÃOS E EIXOS 585 Q Informações adicionais & Especulações
O modelo de coordenadas cartesianas e a especificação Sinais verticais e horizontais do
dos primórdios dos órgãos 585 organizador 626
Resumo: Alguns princípios do desenvolvimento da Genes homeobox na especificação neural 628
Drosophila 586 Competência e cascatas indutivas 628

Especificação do destino celular Estabelecimento dos eixos


por interações célula-célula corporais em mamíferos
progressivas 591 15 e aves 635 16
Desenvolvimento regulativo 591 Iniciando o eixo ântero-posterior 635
Testando a teoria do plasma germinativo 592 Estabelecendo um Centro de Nieuwkoop 635
August Weismann: A teoria do plasma Expressão Gênica em Tecidos Organizadores 636
germinativo 592 Especificando o eixo ântero-posterior de mamífero: A
Wilhelm Roux: Desenvolvimento em mosaico 593 hipótese do código Hox 637
Hans Driesch: Desenvolvimento Regulativo 594 Homologia dos Complexos de Genes Homeóticos
Sven Hörstadius: Potência e gradientes em oócitos 597 entre Drosophila e Mamíferos 637
Formação de um organismo integrado: Restringindo Expressão de Genes Hox no Sistema Nervoso
a potência das células vizinhas 598 Central e seus Derivados 638
Regulação durante o desenvolvimento de anfíbios 600 Análise Experimental de um Código Hox: Gene
Hans Spemann: Determinação progressiva das Alvo 640
células embrionárias 600 Transformação Parcial de Segmentos por
Hans Spemann e Hilde Mangold: Indução Eliminação de Genes Hox Expressos no
embrionária primária 603 Tronco 642
O centro de Nieuwkoop 606 Análise Experimental do Código Hox: Teratogênese
A formação do centro de Nieuwkoop e a polaridade do Ácido Retinóico 643
mesodérmica 606 Evidência para um Código Hox da Anatomia
A especificação da polaridade dorsoventral na Comparada 645
fertilização 607 Q Informações adicionais & Especulações
A base molecular da indução mesodérmica 609 Animais como Variações sobre o Mesmo Tema
Estabelecendo a regionalização dorsal: o possível Desenvolvimental 646
papel da β-catenina 609 Eixos dorsoventral e esquerdo-direito em mamíferos e
O funcionamento do centro de Nieuwkoop: funções aves 647
para Vg1 e Noggin 610
Tabela dos Conteúdos xiii

PARTE V Interações Celulares Durante a


Formação do Órgão
Interações proximais de tecidos: de crescimento dos fibroblastos como

Indução secundária 655 17 indutores do broto do membro 704


Indução da crista ectodérmica apical 704
Produção do eixo próximo-distal dos membros 706
Interações instrutivas e permissivas 655 A crista ectodérmica apical: O componente
Competência e receptores 656 ectodérmico 706
Fatores parácrinos 657 A zona progressiva: O componente mesodérmico 708
Os Fatores de Crescimento Fibroblástico 658 Genes Hox e a especificação do eixo próximo-
A família hedgehog 659 distal do membro 709
A família Wnt 660 Interações entre a AER e a zona progressiva 711
A superfamília TGF-ß 661 Mutações nas interações entre a zona progressiva
Sinalização Justácrina 662 e a AER 711
Interações epitélio-mesênquima 663 Q Informações adicionais & Especulações
Especificidade Regional da Indução 663 A regeneração dos membros da salamandra e a
Especificidade Genética da Indução 666 retenção do eixo próximo-distal 714
Cascatas de indução embrionária: Indução do cristalino 667 Especificação do eixo ântero-posterior dos membros 716
Os Fenômenos da Indução do Cristalino 667 A zona de atividade polarizante 716
A Base Celular da Indução do Cristalino 668 Sonic hedgehog como definidor da ZPA 717
Formação da Córnea 672 Interações entre a AER e a ZPA para integrar
Formação de órgãos parenquimatosos 672 crescimento e padrão 718
Morfogênese do Rim de Mamífero 673 Especificando a ZPA 721
Os Mecanismos da Organogênese Renal 676 A produção do eixo dorsoventral 721
Q Informações adicionais & Especulações Distinguindo o membro anterior do membro posterior 722
Diferenciação Coordenada e Morfogênese no Q Informações adicionais & Especulações
Dente 682 Lições de limbless 724
Mecanismos de ramificação na formação de órgãos Morte celular e a formação de dígitos 724
parenquimatosos 683 Q Informações adicionais & Especulações
A Matriz Extracelular como um Elemento Crítico Evolução do membro tetrápode 726
na Ramificação 684
Fatores Parácrinos Efetuando Padrões de
Ramificação 686 Interações celulares à distância:
Indução ao nível de uma única célula 687 Hormônios como mediadores do

Q
Indução Vulvar no Nematóide Caenorhabditis
elegans 690
Informações adicionais & Especulações
desenvolvimento 733 19
Interações Célula-Célula e Possibilidade na Metamorfose: o direcionamento hormonal do
Determinação de Tipos Celulares 692 desenvolvimento 733
Metamorfose anfíbia 734
Controle hormonal da metamorfose de anfíbios 735
Desenvolvimento do membro
de tetrápode 701 18 Q
Respostas Moleculares aos Hormônios da Tireóide
Durante a Metamorfose 740
Informações adicionais & Especulações
Padronização no membro 701 Heterocronia 743
Formação do broto do membro 702 Metamorfose em insetos 746
O campo do membro 702 Eversão e Diferenciação dos Discos Imaginais 746
Especificação dos campos do membro: Genes Q Informações adicionais & Especulações
Hox e ácido retinóico 703 A determinação dos discos imaginais da perna
Crescimento do broto de membro precoce: fatores e da asa 750
Remodelação do sistema nervoso 753
xiv Tabela dos Conteúdos

Controle Hormonal da Metamorfose de Insetos 754 Hermafroditismo 795


A biologia Molecular da Atividade da Hermafroditismo no Nematóide C. elegans 795
Hidroxiecdisona 757 Hermafroditismo em Peixes 797
Q Informações adicionais & Especulações Determinação ambiental do sexo 798
Controle ambiental sobre a forma e a função da Determinação Sexual Dependente de Temperatura
larva 761 em Reptéis 798
Interações hormonais múltiplas no desenvolvimento da Determinação Sexual Dependente da Localização
glândula mamária 762 em Bonellia viridis e Crepidula fornicata 799
Estágio embrionário 762 Resumo 800
Adolescência 765
Gravidez e lactação 765 Regulação ambiental do
Determinação do sexo 773 20 desenvolvimento animal 805 21
REGULAÇÃO AMBIENTAL DO DESENVOLVIMENTO NORMAL 806
Determinação cromossômica do sexo em mamíferos 774
Sugestões ambientais usadas pelos organismos para
Determinação Sexual Primária 774
completar seus desenvolvimentos 806
Determinação Secundária do Sexo 774
A colonização larval 806
As Gônadas em Desenvolvimento 775
Refeições de sangue 808
Determinação sexual primária dos mamíferos: Genes
Simbiose no desenvolvimento 808
cromossômicos Y para a determinação dos
Diferenças ambientais previsíveis como sugestões para o
testículos 777
desenvolvimento 810
SRY: O Determinante Sexual do Cromossomo Y 778
Sazonalidade e sexo: Afídios e Volvox 810
Determinação sexual primária em mamíferos: Genes
Diapausa 812
autossômicos na determinação de testículos 780
Plasticidade fenotípica: Polifenismo e regras de
SOX9: Reversão Autossômica na Displasia
reação 813
Campomélica 780
Polifenismo sazonal em borboletas 814
SF1: A Ligação Entre SRY e as Trajetórias
Polifenismo nutricional 816
Desenvolvimentais Masculinas 780
Determinação sexual dependente do ambiente 817
Determinação sexual primária em mamíferos:
Fatores ambientais imprevisíveis controlando o
Desenvolvimento ovariano 781
desenvolvimento animal 818
DAX1: Um Potencial Gene Determinante de Ovário
Defesas induzíveis contra a predação 819
no Cromossomo X 781
Plasticidade fenotípica e mudanças no ambiente 820
Wnt4a: Um Potencial Gene Determinante de
Q Informações adicionais & Especulações
Ovário em um Autossomo 781
Assimilação Genética 821
Determinação sexual secundária em mamíferos 782
A contínua plasticidade do desenvolvimento 822
Regulação Hormonal do Fenótipo Sexual 782
O sistema imune: Desenvolvimento no adulto 822
Testosterona e Diidrotestosterona 783
Aprendizado: Um sistema nervoso adaptável ao
Hormônio Anti-Mülleriano 784
ambiente 823
O Sistema Nervoso Central 785
DISTÚRBIOS AMBIENTAIS DO DESENVOLVIMENTO NORMAL 827
Q Informações adicionais & Especulações
Malformações e distúrbios 827
O Desenvolvimento de Comportamentos
Agentes teratogênicos 828
Sexuais 787
Ácido retinóico como um teratogênico 829
Determinação sexual cromossômica em Drosophila 788
Talidomida como um teratogênico 830
A Via do Desenvolvimento Sexual 788
Álcool como um teratogênico 833
O Gene Sex-lethal como o Pivô para a
Outros agentes teratogênicos 835
Determinação do Sexo 790
Q Informações adicionais & Especulações
Os Genes transformer 793
Estrógenos Ambientais 836
doublesex: O Gene Comutador da Determinação
Interações genética-ambiental 837
Sexual 793
Resumo 837
Genes-alvo para a Cascata de Determinação
Sexual 794
Tabela dos Conteúdos xv

A saga da linhagem Mecanismos desenvolvimentais


germinativa 843 22 da mudança evolucionária 883 23
Migração das células germinativas 843 “Unidade de Tipo” e “Condições de Existência” 883
Migração das Células Germinativas em A Síntese de Charles Darwin 883
Anfíbios 843 E. B.Wilson e F. R. Lillie 885
Migração das Células Germinativas em A evolução do desenvolvimento precoce: E. Pluribis
Mamíferos 844 Unum 885
Q Informações adicionais & Especulações A emergência dos embriões 885
Teratocarcinomas e Células-Tronco Formação de um Novo Filo: Modificando os
Embrionárias 847 Caminhos do Desenvolvimento 887
Migração de Células Germinativas em Aves e Modularidade: O pré-requisito para mudança evolutiva
Répteis 848 através do desenvolvimento 891
Migração de Células Germinativas Primordiais em Modularidade 891
Drosophila 849 Dissociação: Heterocronia e Alometria 891
Meiose 850 Duplicação e Divergência 893
Q Informações adicionais & Especulações Co-opção 894
Grandes Decisões: Mitose ou Meiose? Progressão correlacionada 896
Espermatozóide ou Óvulo? 853 Restrições ao desenvolvimento 898
Espermatogênese 855 Restrições Físicas 898
Espermiogênese 857 Restrições Morfogenéticas 898
Q Informações adicionais & Especulações Restrições Filéticas 899
Expressão Gênica Durante o Desenvolvimento Evolução Conjunta do Ligante e Receptor:
do Espermatozóide 858 Isolamento Reprodutivo 901
Oogênese 860 O mecanismo genético do desenvolvimento da
Meiose oogênica 860 mudança evolucionária: Genes reguladores
Maturação do Oócito em Anfibios 861 homólogos 902
Conclusão da meiose: Progesterona e Pax6 e o desenvolvimento do olho 902
Fecundação 864 BMP4 e a Morfogênese dos Membros 904
Transcrição Gênica em Oócitos 865 Genes Hox e a Evolução dos Vertebrados 905
Oogênese Meroística em Insetos 867 Genes Hox e a Evolução dos Artrópodes 907
Q Informações adicionais & Especulações Caminhos homólogos do desenvolvimento 909
A Origem dos Eixos Embrionários de Criando novos tipos de células: O mistério evolucionário
Drosophila Durante a Oogênese 869 básico 911
Oogênese em Mamíferos 870 Uma nova síntese evolucionária 912
Q Informações adicionais & Especulações
O Reinício da Meiose nos Oócitos de Fontes Para as Citações das Aberturas
Mamíferos 875
dos Capítulos C-1
Índice de Autores IA-1
Índice de Assuntos IA-2
Índice de Abreviaturas IA-3
Prefácio

O s últimos anos do século 20 encontram a biologia do desenvolvi-


mento retornando à posição que ela ocupou no início do século: a
disciplina que unifica os estudos da hereditariedade, evolução e
fisiologia. Em 1896, a primeira edição de B. Wilson do The Cell in Development
and Inheritance anunciou “a verdade maravilhosa que uma única célula pode
conter em seu interior sua extensão microscópica da soma-total da herança
das espécies.” Hoje, a biologia do desenvolvimento está na vanguarda desse
estudo de nossa herança natural. Nos seus aspectos moleculares, ela toca a
química física na sua investigação dos mecanismos bioquímicos pelos quais
proteínas diferentes são produzidas em células diferentes do mesmo geno-
ma. Ela também está na liderança dos estudos evolucionários que procuram
entender como mudanças macroevolucionárias ocorreram. Ela abriu recen-
temente uma área nova da biologia do desenvolvimento ecológico, onde mu-
danças ambientais são vistas criando alterações no desenvolvimento do
organismo. Durante os últimos 3 anos, a biologia do desenvolvimento tam-
bém expandiu para a medicina, fundindo-se com a genética clínica para criar
uma ciência revitalizada da embriologia humana, uma ciência que já se
tornou importante na explanação das malformações congênitas.
A quinta edição do Biologia do Desenvolvimento foi revisada e reescrita
para refletir essas revoluções que estão acontecendo. Aconteceram quatro
mudanças importantes na estrutura do livro desde sua última edição. Pri-
meiro, tornou-se impossível discutir os princípios fundamentais da em-
briologia sem o conhecimento da atividade gênica ou vias da transdução de sinais.
Portanto, essa informação foi trazida dentro da seção introdutória do livro
de modo que interações celulares, tais como fertilização e indução, podem
ser apreciadas tanto no âmbito molecular quanto no morfológico.
Segundo, novo interesse nos efeitos do ambiente no desenvolvimento
normal e anormal conduziu a um novo capítulo. O Capítulo 21, “Regulação
Ambiental do Desenvolvimento Animal,” diz respeito às vias pelas quais o
meio ambiente afeta o fenótipo do organismo. Interesse na proteção ambiental
e em controvérsias envolvendo a possibilidade de poluentes teratogênicos
forçaram uma nova percepção das influências que o meio ambiente repre-
senta no desenvolvimento normal e anormal. Na verdade, os biologistas do
desenvolvimento podem rapidamente encontrar-se à frente dos movimen-
tos da conservação ecológica. As primeiras quatro edições deste livro bus-
caram integrar abordagens molecular, celular e orgânica à biologia do de-
senvolvimento; esta edição adiciona a dimensão ecológica.
Terceiro, esta edição introduz novas ênfases nos papéis dos fatores
parácrinos no desenvolvimento. Não somente os estudos da transdução
de sinais estão colocados na seção introdutória deste livro, como a Parte V
Prefácio xvii

da Quinta Edição inicia com uma visão geral das famílias do fator de cres-
cimento fibroblástico, TGF-β, Wnt e Hedgehog dos fatores de crescimento
e diferenciação.
Quarto, este livro está conectado a um website onde estudantes e pro-
fessores podem encontrar mais material em muitos tópicos selecionados.
Tal material inclui (1) detalhes de experimentos que são extremamente
especializados para serem colocados no texto, (2) informação histórica so-
bre áreas particulares da biologia do desenvolvimento e personalidades
envolvidas, (3) implicações médicas de fenômenos particulares do desen-
volvimento, (4) debates ou comentários em questões relevantes para o cam-
po, e (5) atualizações do material do texto nessa área da biologia de cresci-
mento cada vez mais rápido. Filmes e entrevistas gravadas estão incluídas
e esses artigos de destaque poderão ser expandidos à medida que a tecnologia
os tornar mais fáceis para serem usados. Esse website está conectado tam-
bém a outros websites e podem ser usados para enriquecer a perspectiva de
alguém sobre o que está acontecendo no desenvolvimento animal. A presen-
ça de um website nos permite manter o direcionamento deste livro às pesso-
as para as quais isso foi originalmente pretendido: estudantes dos últimos
anos da graduação e do início da pós-graduação. Ele também me ajudou a
não deixar o livro tornar-se um substituto para peso de papel.
A visão de Roux foi que a biologia do desenvolvimento “algum dia cons-
tituiria a base de todas as outras disciplinas biológicas e, em continuada
simbiose com essas disciplinas, desempenharia uma parte proeminente nas
soluções dos problemas da vida.” Essas foram palavras audaciosas, até mes-
mo arrogantes há cem anos atrás; hoje, elas expressam uma aceitação ampla-
mente sustentada. O desenvolvimento integra todas as áreas da biologia e
desempenha um papel crucial em relacionar o genótipo ao fenótipo. O desen-
volvimento pode ser estudado usando qualquer organismo e em qualquer
nível de organização, de moléculas a filos.
À medida que o campo continuar a se expandir e se aprofundar , uma
palavra de advertência é requerida: a biologia do desenvolvimento não pode
ser aprendida ou ensinada em um único semestre. Este texto é uma tentati-
va para prover cada pessoa com material suficiente para seu curso, mas um
instrutor não necessita se sentir culpado por não determinar todos os capí-
tulos, e os estudantes não necessitam se sentir privados se eles não lerem
todos os capítulos. Isto é o começo do caminho, não sua conclusão.

Como usar o website


Qualquer pessoa pode entrar no website através de sua homepage
[http://zygote.swarthmore.edu/index.html] ou através da sua lista de ar-
quivos de capítulos localizada no [http://zygote.swarthmore.edu/info.html].
Alternativamente, nós colocamos acessos específicos endereçados em todo
o livro onde quer que exista uma entrada relevante no momento da publica-
ção. Todos esses endereços começam com [http://zygote.swarthmore.edu/]
e são seguidos por um código dado no livro texto. Assim, a localização
especificada na página 20 do livro é:

http://zygote.swarthmore.edu/intro2.html

Mais localizações estão sendo adicionadas no website, e essas podem


ser acessadas entrando nos arquivos do capítulo. Em adição, clicando no
botão “Outros Arquivos” abaixo de cada capítulo, as conexões para outros
websites serão facilitadas. Divirta-se.
xviii Prefácio

Agradecimentos
Esta edição, como suas precursoras, deve muito às sugestões e críticas dos
estudantes em minhas classes de biologia do desenvolvimento e genética
do desenvolvimento. O grupo de funcionários e docentes extremamente
corporativo da Universidade Swarthmore também desempenharam pa-
péis importantes na produção deste livro, e os bibliotecários da área de
ciência E. Horikawa e M. Spencer merecem agradecimentos especiais por
terem segurado volumes recentes na biblioteca enquanto eu estava escre-
vendo o livro. Os cientistas que revisaram estes capítulos forneceram enor-
me ajuda tanto na precisão técnica dos capítulos quanto nas sugestões
para trabalho futuro. Esses investigadores incluem: S. Carroll, J. Cebra-
Thomas, E. M. De Robertis, S. DiNardo, E. Eicher, C. Emerson, G. Grunwald,
D. J. Grunwald, M. Hollyday, L. A. Jaffe, W. Katz, R. Keller, K. Kemphues, D.
Kirk, G. Martin, H. F. Nijhout, D. Page, R. Raff, R. Schultz, C. Stern, S.
Tilghman, R. Tuan e M. Wickens. Eu também quero agradecer aos muitos
cientistas que desviaram do seu caminho para ajudar a tornar esta edição
melhor lendo porções específicas dos capítulos. Eles incluem: M. Bronner-
Fraser, J. Fallon, N. M. Le Douarin, E. McCloud, J. Opitz, K. Sainio, H. Sariola,
I. Thesleff e T. Valente. Se eu deixei alguém fora, por favor me desculpem. É
desnecessário dizer que os julgamentos editoriais finais foram de minha
responsabilidade. Meus agradecimentos especiais a Judy Cebra-Thomas
que não somente me aconselhou em certos capítulos mas quem deu exce-
lente ajuda durante meu período sabático permitindo-me terminar este
livro. Agradecimentos também aos cientistas e filósofos, especialmente: C.
van der Weele, R. Amundson, L. Nyhart, R. Burian, H. F. Nijhout, A. F.
Sterling, K. Smith e A. I. Tauber, que participaram nos workshops de biolo-
gia do desenvolvimento da Sociedade Internacional para a História, Filo-
sofia e Estudos Sociais da Biologia. Algumas das melhores críticas cons-
trutivas deste livro-texto vieram dessas pessoas.
Andy Sinauer uma vez mais conseguiu reunir as mesmas e extraor-
dinárias pessoas neste projeto, e foi um privilégio trabalhar com eles. Meus
agradecimentos a ele e aos editores Nan Sinauer e Carol Wigg, coordenador
de produção Chris Small, artistas John Woolsey e Gary Welch, designer
Susan Schmidler, editor de texto Janet Greenblatt, e artista de layout Janice
Holabird. As habilidades editoriais de Tinsley Davis são extremamente re-
conhecidas. Devido ao fato de que os prazos finais devem ser cumpridos e
outro trabalho posto de lado, eu tenho que agradecer minha família por
mais uma vez me permitir prosseguir com isso. Em particular, este livro
nunca poderia ter sido completado se não fosse pelo encorajamento de mi-
nha esposa, Anne Raunio, que, como uma obstetra, gosta do lado mais prá-
tico da biologia do desenvolvimento. Meus agradecimentos a todos vocês.

SCOTT F. GILBERT
1 DE MARÇO DE 1997
Introdução à Biologia
do Desenvolvimento
1 Introdução ao desenvolvimento animal 1
2 Genes e desenvolvimento: Introdução e técnicas 35
3 Base celular da morfogênese: Afinidade celular diferencial 79
I
CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 1

Introdução ao desenvolvimento animal


1
O
A natureza parece nunca mudar, ainda que CONCEITO DE EMBRIÃO é assombroso, e a formação de um embrião é a
sua aparência esteja sempre mudando. É tarefa mais árdua que alguém haverá de realizar. Para se tornar um embrião,
nosso dever como artistas transmitir junta- você teve que construir a si mesmo a partir de uma única célula. Teve que
mente com todos os seus elementos a emo- respirar antes que tivesse pulmões, digerir alimentos antes que seus órgãos estives-
ção dessa permanente transformação.
sem formados, construir ossos a partir de uma massa e ordenar os neurônios antes
Paul Cezanne (ca. 1900)
mesmo de adquirir a capacidade de pensar. Uma diferença marcante entre você e a
máquina é que a máquina nunca é requisitada para uma função antes que esteja
Feliz é a pessoa que consegue discernir as
causas das coisas. terminada. Todo animal tem que estar em funcionamento enquanto se auto-constrói.
Virgílio (37 A.C.)
O objetivo da biologia do desenvolvimento
Para plantas e animais, o único caminho para o desenvolvimento a partir de uma célula,
é desenvolvendo um embrião. O embrião é o intermediário entre o genótipo e o fenótipo,
ou seja, entre os genes herdados e o organismo adulto. Enquanto a maior parte da
biologia estuda a estrutura adulta e função, a biologia do desenvolvimento encontra
maior interesse nos estágios mais transitórios. Biologia do desenvolvimento é a ciên-
cia do vir a ser, a ciência do processo. Dizer que um inseto efêmero vive apenas um dia
não significa nada para um biologista do desenvolvimento, porque o inseto pode ser
adulto apenas por um dia, mas passou outros 364 dias como um embrião e larva.
As questões levantadas por um biologista do desenvolvimento são freqüente-
mente questões mais ligadas ao vir a ser do que ao ser propriamente dito. Dizer que
mamíferos XX são geralmente fêmeas e mamíferos XY são geralmente machos, não
explica a determinação sexual para um biologista do desenvolvimento. Esse quer sa-
ber como o genótipo XX produz um ser feminino e como o genótipo XY produz um ser
masculino. Da mesma maneira, um geneticista gostaria de saber como os genes globina
são transmitidos de uma geração à outra, e um fisiologista pode fazer perguntas sobre
a função da globina no corpo. Porém, o biologista do desenvolvimento pergunta
porque os genes globina se expressam somente nas hemácias e como essas se tornam
ativas apenas em certas fases do desenvolvimento (ainda não sabemos as respostas).
Biologia do desenvolvimento é uma ciência excelente para pessoas que querem
integrar diferentes níveis da biologia. Diante de um problema, podemos estudá-lo a

1
2 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

níveis molecular e químico (p. ex., Como os genes globina são transcritos, e como os
fatores que ativam sua transcrição interagem uns com os outros e com o DNA?), a níveis
celular e tissular (p. ex., Quais são as células capazes de produzir globina, e como o
mRNA da globina deixa o núcleo?), a nível de órgãos ou sistema de órgãos (p. ex., Como
vasos capilares são formados em cada tecido, e como são instruídos a se conectarem e
ramificarem?) e, até mesmo, a níveis ecológicos e evolucionários (p. ex., Como diferenças
na ativação do gene globina permitem o fluxo de oxigênio da mãe para o feto, e como
fatores ambientais acionam a diferenciação de mais hemácias?). Biologistas do desen-
volvimento podem estudar qualquer organismo e todo tipo de célula.
Biologia do desenvolvimento é um dos campos que mais tem crescido e também
um dos mais emocionantes da biologia. Parte dessa emoção vem dos assuntos estu-
dados, porque estamos apenas começando a entender o mecanismo molecular do
desenvolvimento animal. Outra parte da emoção vem do papel unificador que a biolo-
gia do desenvolvimento assume nas ciências biológicas. A biologia do desenvolvi-
mento está criando uma estrutura que integra a biologia molecular, fisiologia, biologia
celular, anatomia, pesquisa do câncer, neurobiologia, imunologia, ecologia, e biologia
evolucionária. O estudo do desenvolvimento tornou-se essencial para a compreensão
de qualquer área da biologia.

Os problemas da biologia do desenvolvimento


O desenvolvimento é realizado por duas funções principais: gera diversidade e ordem
celular dentro de cada geração, o que assegura a continuidade da vida que passa de
uma geração à outra. Assim, existem duas questões fundamentais para a biologia do
desenvolvimento: Como um ovo fertilizado origina um ser adulto, e como esse ser
adulto produz um outro ser? Cada espécie tem suas próprias respostas, mas algumas
generalizações podem ser feitas. Tradicionalmente, essas questões têm sido subdivi-
didas em quatro problemas gerais da biologia do desenvolvimento:
• O problema da diferenciação. Uma única célula, o ovo fertilizado, se desen-
volve e gera centenas de células de diferentes tipos - células musculares,
células epidérmicas, neurônios, linfócitos, células do sangue, células gorduro-
sas, e assim por diante. Essa geração de diversidade celular é chamada diferen-
ciação. Desde que cada célula do corpo contém o mesmo conjunto de genes,
precisamos entender como esse mesmo conjunto de instruções genéticas pode
produzir diferentes tipos de células.
• O problema da morfogênese. Nossas células diferenciadas não são distribuí-
das aleatoriamente; pelo contrário, são organizadas em intrincados tecidos e
órgãos. Esses órgãos estão dispostos de tal maneira que: dedos estão nas
pontas e não no meio de nossas mãos, os olhos estão na nossa cabeça e não
nos pés ou intestinos. Essa criação de forma ordenada, é chamada morfogêne-
se. Como as células se auto-organizam e formam um arranjo correto?
• O problema do crescimento. Somos maiores do que um ovo, mas como as
células sabem quando devem parar de se dividir? Se cada célula de nossa face
realizasse mais uma divisão celular, seríamos considerados horrivelmente mal
formados. Se cada célula de nossos braços tivesse realizado apenas mais uma
série de divisões, poderíamos amarrar nossos sapatos sem nos abaixar.
• O problema da reprodução. O espermatozóide e o óvulo são células muito
especializadas. Somente eles podem transmitir instruções para produzir um
organismo de uma geração para outra. Como essas células são separadas para
formar a próxima geração, e quais as informações no núcleo e no citoplasma
que permitem tal funcionamento?
Recentemente, tem-se dado grande ênfase a um quinto problema:
• O problema da evolução. A evolução envolve mudanças herdadas durante o
desenvolvimento. Quando dizemos que o cavalo de um dedo só de hoje, teve
um ancestral de cinco dedos, estamos dizendo que mudanças no desenvolvi-
CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 3

mento da cartilagem e dos músculos ocorreram ao longo de muitas gerações de


embriões nos ancestrais do cavalo. Como mudanças no desenvolvimento cri-
am novas formas de corpo? Quais modificações hereditárias são possíveis,
dadas as restrições impostas pela necessidade do organismo sobreviver en-
quanto se desenvolve?

Os estágios do desenvolvimento animal


De acordo com Aristóteles, o primeiro grande embriologista da história, a ciência
começa com a curiosidade: “é graças a curiosidade que as pessoas começaram a
filosofar, e a curiosidade permanece desde o início do conhecimento.” O desenvolvi-
mento de um ser a partir do ovo tem sido motivo de admiração através da história da
humanidade. O simples procedimento de se abrir um ovo de galinha a cada dia do seu
período de incubação de três semanas proporciona uma notável experiência quando
se observa desde uma fina camada de células até o total desenvolvimento da ave.
Aristóteles realizou esse procedimento e observou a formação dos principais órgãos.
Qualquer um pode se admirar com esse fenômeno, ainda que ordinário, mas cientistas
são os que procuram descobrir como o desenvolvimento realmente ocorre. E ainda
mais do que dissipar essa admiração, novo conhecimento só faz aumentá-la.
Organismos pluricelulares não se formam de imediato, ao contrário, são formados
por um processo relativamente lento de mudança progressiva, o qual chamamos de
desenvolvimento. Em quase todos os casos, o desenvolvimento de um organismo
pluricelular começa com uma única célula - ovo fertilizado ou zigoto, que dividido
através da mitose, produz todas as células do corpo. O estudo do desenvolvimento
animal tem sido tradicionalmente chamado de embriologia, se referindo ao fato de que
entre a fertilização e o nascimento, o organismo em desenvolvimento é conhecido
como embrião. Mas o desenvolvimento não cessa no nascimento, ou mesmo na vida
adulta, porque a maioria dos organismos nunca pára de se desenvolver. A cada dia nós
repomos mais de um grama de células de pele (fazendo com que as células mais velhas
se desprendam assim que nos movemos), e nossa medula óssea sustenta o desenvol-
vimento de milhões de novos eritrócitos a cada minuto de nossas vidas. Portanto, nos
últimos anos tem sido comum se falar em biologia do desenvolvimento, como a discipli-
na que estuda processos embrionários e outros do desenvolvimento.
As principais características do desenvolvimento animal estão ilustrados na Figu-
ra 1.1. A vida de um novo indivíduo é iniciada pela fusão do material genético de dois
gametas, o espermatozóide e o óvulo. Essa fusão, chamada fertilização, estimula o
ovo a iniciar o desenvolvimento. Os estágios subseqüentes do desenvolvimento são
coletivamente chamados de embriogênese. Por todo reino animal existe uma incrível
variedade de tipos embrionários, mas a maioria dos padrões de embriogênese compre-
ende variações em quatro temas:

1. Ocorrência de clivagem imediatamente após a fertilização. Clivagem é uma


série de divisões mitóticas extremamente rápidas, onde o enorme volume cito-
plasmático do zigoto é dividido em numerosas células menores. Essas células
são chamadas blastômeros e, ao fim da clivagem, eles geralmente formam uma
esfera conhecida como blástula.
2. Após a redução na taxa de divisão mitótica, os blastômeros passam por
mudanças dramáticas quanto às suas posições, um em relação ao outro. Essa
série de redistribuição de células é chamada de gastrulação. Como resultado
da gastrulação, o embrião típico contém três regiões celulares chamadas
camadas germinativas*. O ectoderma, a camada exterior, produz as células
da epiderme e do sistema nervoso; o endoderma, camada interior, produz o
*Do Latim germen, significa “broto” ou “rebento” (a mesma raiz da palavra germinação). Os
nomes das três camadas germinativas são do Grego: ectoderma de ektos (“fora”) mais derma
(“pele”); mesoderma de mesos (“meio”) e endoderma de endon (“dentro”).
4 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Esperma-
tozóide
Mórula
Blástula
Oócito Local das células
embrionárias
Célula germinativa
(“Germ plasm”)
Esperma- Blastocele
tozóide
(gameta Oócito
masculino) (gameta
feminino)
GAMETOGÊNESE
Adulto
sexualmente maduro
Blastóporo
Ectoderma
Gônada
Mesoderma

Estágios
Endoderma
larvais
imaturos

INCUBAÇÃO (NASCIMENTO)

Figura 1.1
Histórico do desenvolvimento de um repre-
sentante animal, um sapo. Estágios que vão
da fertilização até o nascimento são coletiva-
mente conhecidos como embriogênese. As
regiões responsáveis por produzir células em-
brionárias são mostradas em cores. Gameto-
gênese, que é completa no adulto sexualmen-
te maduro, começa em épocas diferentes, de-
pendendo da espécie. revestimento do tubo digestivo e órgãos associados (pâncreas, fígado, pul-
mões, etc.); e o mesoderma, camada do meio, dá origem a diversos órgãos
(coração, rins, gônadas), tecidos conjuntivos (ossos, músculos, tendões, va-
sos sangüíneos) e células sangüíneas.
3. Uma vez que as três camadas embrionárias estão estabelecidas, as células
interagem umas com as outras e se reorganizam para produzir tecidos e órgãos.
Esse processo é chamado organogênese. (Nos vertebrados, a organogênese é
iniciada quando uma série de interações celulares induzem as células ectodér-
micas da porção mediana do dorso a formar o tubo neural. Esse tubo originará
o cérebro e a coluna vertebral). Muitos órgãos contêm células de mais de uma
camada embrionária, e não é incomum o exterior de um órgão ser derivado de
uma determinada camada e o interior de outra. Também durante a organogênese,
CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 5

algumas células sofrem longas migrações do seu lugar de origem até sua loca-
lização final. Essas células migrantes incluem os precursores das células san-
güíneas, células linfáticas, células pigmentadas e gametas. A maior parte dos
ossos de nossa face são provenientes de células que migraram ventralmente
da região dorsal da nossa cabeça.
4. Como observado na Figura 1.1, em muitas espécies, uma parte especializada
do citoplasma do ovo dá origem às células que são precursoras dos gametas.
Essas células são chamadas de células germinativas, sendo destinadas à
função reprodutiva. Todas as outras células do corpo são chamadas células
somáticas. Essa separação entre células somáticas (que dão origem a um
corpo individual) e células germinativas (que contribuem para a formação de
uma nova geração) é freqüentemente uma das primeiras diferenciações que
ocorrem durante o desenvolvimento animal. As células germinativas final-
mente migram para as gônadas, onde se diferenciam em gametas. O desen-
volvimento de gametas, chamado de gametogênese, normalmente não é com-
pletado até que o organismo tenha se tornado fisicamente maduro. Na matu-
ridade, os gametas podem ser liberados e participar de uma fertilização dando
início a um novo embrião. O organismo adulto finalmente sofre envelheci-
mento e morre.

Nossa herança eucariótica


Os organismos estão divididos em dois grupos principais, dependendo apenas se
as células possuem um envoltório nuclear ou não. Os procariotos (do grego karion,
significa “núcleo”), onde estão incluídas as arqueobactérias e as eubactérias, não
possuem um núcleo verdadeiro. Os eucariotos que incluem os protistas, animais,
plantas e fungos, possuem um tegumento nuclear bem formado circundando os
seus cromossomos. Essa diferença fundamental entre os eucariotos e procariotos
influencia a maneira como esses grupos organizam e utilizam seu material genético.
Em ambos os grupos, a informação herdada necessária para o seu desenvolvimento
e metabolismo se encontra codificada nas sequências de ácido desoxirribonucléico
(DNA) dos cromossomos. Os cromossomos procarióticos normalmente são hélices
duplas de DNA, pequenas e circulares consistindo de aproximadamente 1 milhão de
pares de bases. As células eucarióticas geralmente possuem diversos cromosso-
mos, e um simples protista eucariótico possui 10 vezes, ou mais, a quantidade de
DNA encontrada na maioria dos procariotos complexos. Além disso, a estrutura de
um gene eucariótico é mais complexa do que a de um gene procariótico. A seqüência
de aminoácidos de uma proteína procariótica é a reflexão direta da seqüência de
DNA do cromossomo. O DNA de um gene eucariótico que codifica uma proteína,
geralmente, é dividido de tal forma que a seqüência completa de aminoácidos da
proteína é derivada de segmentos descontínuos de DNA (Figura 1.2). O DNA entre
os segmentos freqüentemente contém seqüências que estão envolvidas na regulação
do momento e lugar em que o gene é ativado.
Cromossomos eucarióticos também são muito diferentes dos cromossomos
procarióticos. O DNA eucariótico reveste complexos protéicos específicos, chamados
nucleossomos, compostos por proteínas histonas. Os nucleossomos organizam o
DNA em estruturas compactas e são importantes na designação de qual gene irá se
expressar em qual célula. Nas bactérias não existem histonas. Mais ainda, células
eucarióticas sofrem mitose, na qual o tegumento nuclear se parte e os cromossomos
replicados são igualmente divididos entre as células filhas (Figura 1.3). Nos procariotos,
a divisão celular não é mitótica; não se desenvolve o fuso mitótico e, também, não
existe tegumento celular para se partir. Ao invés disso, os cromossomos filhos perma-
necem ligados a pontos adjacentes na membrana celular. Esses pontos de ligação são
separados entre si pelo crescimento da membrana celular, e finalmente colocam os
cromossomos em diferentes células filhas.
6 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Figura 1.2 (A) CÉLULA PROCARIÓTICA (B) CÉLULA EUCARIÓTICA


Resumo dos passos pelos quais as proteínas
são sintetizadas a partir do DNA. (A) Ex- Envoltório nuclear
pressão procariótica (bacteriana) do gene.
Regiões codificadoras do DNA são colineares
Íntron Íntron
com o produto protéico. (B) Expressão de
Gene 1 2
genes eucarióticos. Os genes são descontínuos DNA
e um envoltório nuclear separa o DNA do Éxon Éxon Éxon
citoplasma. 1 2 3
Núcleo
Transcrição
RNA nuclear
Transcrição

Processamento de RNA
mRNA mRNA
Tradução
Citoplasma Tradução

mRNA mRNA

Proteína Proteína

Procariotos e eucariotos têm mecanismos diferentes de regulação do gene. Em


ambos, o DNA é transcrito por enzimas chamadas RNA polimerases para produzir
RNA. Quando o RNA mensageiro (mRNA) é produzido nos procariotos, ele é imedia-
tamente traduzido em uma proteína enquanto o seu outro terminal está sendo transcri-
to do DNA (Figura 1.4). Sendo assim, nos procariotos, transcrição e tradução são
eventos simultâneos e coordenados. Mas a existência de envoltório nuclear em
eucariotos proporciona a oportunidade de se obter um tipo de regulação celular total-
mente novo. Os ribossomos, que são responsáveis pela tradução, estão de um lado do
envoltório nuclear, e o DNA e a RNA polimerase necessária para a transcrição estão do
outro. Entre a transcrição e a tradução, o RNA transcrito deve ser processado para que
possa passar através do envoltório nuclear. A regulação pela qual o mRNA pode
passar para o citoplasma, torna a célula capaz de selecionar quais das mensagens
recém-sintetizadas serão traduzidas. Assim, um novo nível de complexidade foi adici-
onado, que é extremamente importante para o organismo em desenvolvimento.

Desenvolvimento entre eucariotos unicelulares


Todos os organismos eucarióticos pluricelulares se desenvolveram de protistas uni-
celulares. É nesses protistas que as características básicas do desenvolvimento apa-
receram primeiro. Eucariotos simples nos deram os primeiros exemplos da morfogênese
direcionada pelo núcleo, o uso da superfície da célula para mediar cooperação entre
células individuais e as primeiras ocorrências de reprodução sexual.

Controle da Morfogênese no Desenvolvimento em Acetabulária


Há um século, ainda não havia sido provado se o núcleo continha alguma informação
hereditária ou de desenvolvimento. Algumas das melhores evidências para essa teoria
vieram de estudos onde organismos unicelulares foram fragmentados em pedaços
CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 7

Prófase:
O envoltório nuclear
quebra e um fuso se forma
entre dois centríolos.

Prometáfase:
Interfase: DNA é duplicado em Os cromossomos se
preparação para a divisão celular. ligam às fibras dos fusos.

Cromatídeos do
cromossomo
Núcleo Cromatina Nucléolo
Região do centrômero
Fuso em
desenvolvimento
Centríolos
Áster
Envoltório Envoltório
nuclear nuclear
Nucléolo rompe

Cromossomos filhos

Metáfase:
Os cromossomos se
alinham no equador da célula.

Telófase:
Os cromossomos atingem
os pólos mitóticos e a célula
começa a invaginar.
Figura 1.3
Diagrama de mitose em células animais. Du-
Anáfase:
Os cromossomos duplicados
rante a interfase o DNA é duplicado em pre-
(chamados cromatídeos) são paração para a divisão celular. Durante a
separados. prófase, o envoltório nuclear quebra e for-
ma-se um fuso entre os dois centríolos. Na
nucleados e anucleados (revisão por Wilson, 1986). Quando vários protistas foram metáfase, os cromosssomos se alinham no
equador da célula e se inicia a anáfase, os
fragmentados, quase todas as partes morreram. No entanto, os fragmentos que conti-
cromossomos duplicados (cada duplicata de
nham núcleo foram capazes de sobreviver, regenerando todo a complexa estrutura cromossomo é um cromatídeo) são separa-
celular (Figura 1.5) dos. Na telófase os cromossomos atingem
O controle nuclear da morfogênese celular e a interação do núcleo e citoplasma os pólos mitóticos e a célula começa a
estão muito bem demonstrados nos estudos da Acetabulária. Essa enorme célula invaginar. Cada pólo contém o mesmo núme-
individual (2 a 4 cm de comprimento) consiste de três partes: o disco reprodutivo, o ro e tipos de cromossomos que continha a
pedúnculo e o rizóide (Figura 1.6A). O rizóide está localizado na base da célula onde célula antes da divisão.
essa é presa ao substrato. O núcleo individual da célula se localiza dentro do rizóide. O
tamanho da Acetabulária e a localização do seu núcleo permitiram que pesquisadores
8 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

DNA Ribossomos RNA

Figura 1.4
Transcrição e tradução simultânea em procariotos. Uma porção de DNA de Escherichia coli se
estende horizontalmente por essa microfotografia eletrônica. Transcrições de RNA mensageiro
podem ser vistas dos dois lados. Ribossomos se juntaram ao mRNA e estão sintetizando
proteínas (que não podem ser vistas). O mRNA pode ser visto aumentando de tamanho, da
esquerda para a direita, indicando a direção da transcrição. (Cortesia de O. L. Miller, Jr.)

removessem o núcleo de uma célula e o substituísse por outro, de outra célula. Nos
anos 30, J. Hämmerling tirou proveito dessa singular característica e trocou núcleos
entre duas espécies morfologicamente distintas, A. mediterranea e A. crenulata. Como
é mostrado na fotografia, essas duas espécies têm discos reprodutivos muito diferen-
tes. Hämmerling descobriu que quando um núcleo de uma determinada espécie era
transplantado para o pedúnculo de outra, o novo disco em formação finalmente assu-
mia a forma associada com o núcleo do doador (Figura 1.6B). Assim, foi considerado
que o núcleo era o controlador do desenvolvimento da Acetabulária.
A formação de um disco reprodutivo é um evento morfogênico complexo, envol-
vendo a síntese de um grande número de proteínas, que devem ser acumuladas em
certa porção da célula e então organizadas em estruturas complexas específicas da
espécie. O núcleo transplantado da célula realmente direciona a síntese de seu disco
reprodutivo espécie-específico, mas é uma tarefa que pode levar semanas para ser
realizada. Além disso, se o núcleo for removido da célula de Acetabulária em estágio
inicial do desenvolvimento, antes de formar o disco reprodutivo, um disco normal se
formará semanas depois, ainda que o organismo irá morrer. Esses estudos sugerem
que (1) o núcleo contém informação específica sobre o tipo de disco reprodutivo
produzido (isto é, contém informação genética que especifica as proteínas necessári-
as para a produção de um certo tipo de disco reprodutivo), e (2) o material contendo
essa informação entra no citoplasma muito antes dessa produção ocorrer. A informa-
ção no citoplasma não será usada por várias semanas.

Fragmento
anucleado morre
Corte
Fragmento
Núcleo nucleado
se regenera
Corte

Figura 1.5
Regeneração do fragmento nucleado do protista unicelular
Stylonychia. Os fragmentos anucleados sobrevivem por al- Fragmento
gum tempo, mas finalmente morrem. anucleado morre
CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 9

(B)
Disco
reprodutivo

(A)

Disco
reprodutivo

Pedúnculo
A. crenulata A. mediterranea
Pedúnculo Núcleos transplantados

Núcleo Núcleo

Rizóide

Rizóide Rizóide

1 cm 1 cm A estrutura do disco
reprodutivo é a do
núcleo doador

Figura 1.6
(A) Acetabulária mediterranea (esquerda) e A.
crenulata (direita). Cada unidade é uma célula singu-
lar. O rizóide contém o núcleo. (B) Efeitos da troca de
núcleos entre duas espécies de Acetabulária. Núcleos
foram transplantados para fragmentos de rizóides
anucleados. Estruturas de A. crenulata estão sombre-
adas; estruturas de A. mediterranea não estão som-
breadas. (Fotografias cortesia de H. Harris.)

Uma hipótese atual, proposta para explicar essas observações, é que o núcleo sintetiza
um mRNA estável, posicionado em estado dormente no citoplasma até a formação do
disco reprodutivo. Essa hipótese é amparada por uma observação publicada por Hämmerling
em 1934. Hämmerling fracionou uma Acetabulária jovem em diversas partes (Figura 1.7). A
porção com o núcleo finalmente formou um novo disco, conforme esperado; da mesma
forma o fez a extremidade apical do pedúnculo. No entanto, a parte intermediária do pedún-
culo não formou o disco reprodutivo. Por isso, Hämmerling postulou (aproximadamente 30
anos antes de sabermos da existência do mRNA), que as instruções para a formação do
disco reprodutivo se originavam no núcleo, sendo de alguma forma guardadas dormen-
tes próximo à extremidade do pedúnculo. Muitos anos mais tarde, Kloppstech e
Schweiger (1975) estabeleceram que o mRNA derivado do núcleo se acumula nessa
região. Ribonuclease, uma enzima que cliva RNA, inibe completamente a formação do
disco reprodutivo quando adicionada à água marinha na qual cresce a Acetabulária. Em
células anucleadas, esse efeito é permanente; uma vez que o RNA é destruído, não pode
mais haver a formação do disco reprodutivo. Em células nucleadas, no entanto, um novo
disco pode ser formado após a eliminação da ribonuclease, presumivelmente porque um
novo mRNA é então produzido pelo núcleo. Garcia e Dazy (1986) também demonstraram
que a síntese da proteína é especialmente ativa no ápice da Acetabulária.
Fica claro pela discussão anterior, que a transcrição nuclear tem um papel impor-
tante na formação do disco reprodutivo da Acetabulária. Mas deve ser notado que o
10 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Disco reprodutivo e
pedúnculo regenerados
Extremidade
apical do
pedúnculo

Porção central
do pedúnculo Sem regeneração

Rizóide
e núcleo

Regeneração total

Figura 1.7
Habilidade regenerativa de diferentes fragmentos da A. mediterranea

citoplasma também cumpre uma parte essencial na formação desse disco. O mRNA
não é traduzido durante semanas, mesmo estando no citoplasma. Algo no citoplasma
controla quando as mensagens devem ou não ser utilizadas. Portanto, a expressão do
disco reprodutivo é controlada não somente pela transcrição nuclear como também
pelo controle de tradução do RNA citoplasmático. Nesse organismo unicelular, o
“desenvolvimento” é controlado em ambos estágios de transcrição e de tradução.

Diferenciação em Ameboflagelados Naegleria


Um dos casos mais marcantes de “diferenciação” em protistas, é aquele de Naegleria
gruberi. Esse organismo ocupa um lugar especial na taxonomia protista porque pode
mudar sua forma, de uma ameba para a de um flagelado (Figura 1.8). Durante a maior
parte do seu ciclo de vida, a N. gruberi é uma ameba típica, alimentando-se de bacté-
rias do solo e dividindo-se por cisão. No entanto, quando as bactérias são diluídas
(tanto pela água da chuva quanto pela água nos experimentos), cada N. gruberi
desenvolve rapidamente uma forma aerodinâmica e dois longos flagelos anteriores,
que são usados para encontrar regiões mais abundantes em bactérias. Nessas condi-
ções, ao invés de existirem diversos tipos de células diferenciadas em um único orga-
nismo, essa célula única tem estruturas celular e bioquímica diferentes nos diferentes
estágios de sua vida.
Diferenciação para a forma de flagelado ocorre aproximadamente em uma hora
(Figura 1.9). Durante esse período, a ameba tem que criar centríolos para servir como
corpos basais do flagelo (centros organizadores de microtúbulos), assim como criar o
próprio flagelo. Os corpos basais e os flagelos são compostos de diversas proteínas,
das quais a mais abundante é a tubulina. As moléculas de tubulina são organizadas em
microtúbulos; esses são posteriormente arranjados para permitir o movimento flagelar.
Fulton e Walsh (1980) mostraram que a tubulina dos flagelos de Naegleria não existe
CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 11

(A) (B) (C) (D)

Figura 1.8
Transformação de Naegleria gruberi da forma
em seu estágio de ameba. É produzida de novo (“desde o começo”), começando com amebóide ao estado flagelado. Linha superior
uma nova transcrição no núcleo. Para mostrar isso, os pesquisadores manipularam corada com Iodo/Lugol; linha inferior corada
com um anticorpo fluorescente à proteína tu-
transcrições em vários estágios com actinomicina D, uma droga antibiótica que seleti-
bulina dos microtúbulos. A transformação é
vamente inibe a síntese do RNA. Quando adicionada anteriormente à diluição do iniciada pela eliminação do alimento (bactéri-
alimento, esse antibiótico previne a síntese da tubulina. No entanto, se a actinomicina as) da colônia de Naegleria. (A) 0 minutos;
D é adicionada 20 minutos após a diluição, a tubulina ainda é produzida em tempo (B) 25 minutos, mostrando síntese de nova
normal (aproximadamente 30 minutos mais tarde). Portanto, parece que o mRNA para tubulina; (C) 70 minutos, emergência de
a tubulina foi produzido durante os primeiros vinte minutos após a diluição e usado flagelos visíveis (D) 120 minutos, mostrando
logo em seguida. Essa interpretação foi confirmada quando foi demonstrado que o flagelos maduros e forma aerodinâmica do cor-
mRNA extraído da ameba não continha mensagem alguma, detectável para tubulina po (de Walsh, 1984, cortesia de C. Walsh.)
flagelar, ao passo que mRNA extraído de células diferenciadas continha muitas mensa-
gens desse tipo (Walsh, 1984).
Então, temos aqui um excelente exemplo de controle transcricional de um proces-
so de desenvolvimento: O núcleo da Naegleria responde a mudanças ambientais
sintetizando o mRNA para tubulina flagelar. Notamos também um outro processo que
permanece extremamente importante no desenvolvimento de todos os outros animais
e plantas, que é o agrupamento de moléculas de tubulina para a produção do flagelo.
Esse arranjo, pelo qual a tubulina é polimerizada em microtúbulos, e esses por sua vez
agrupados de forma ordenada, é visto em toda a natureza. Em mamíferos, está evidente
no flagelo do espermatozóide e nos cílios da medula espinhal e do trato respiratório.
Mais ainda, não é somente a tubulina que produz o flagelo. Existem em torno de 300
outras proteínas em cada flagelo, e o movimento flagelar depende da orientação ade-
quada dessas proteínas uma em relação a outra. Até mesmo processos celulares têm a
sua própria “morfogênese” baseada em interações moleculares entre os fragmentos
de proteína. Tal controle pós-tradução, onde uma proteína não é funcional até que
esteja ligada a outras moléculas, será discutido melhor mais tarde. Vimos então, que o
desenvolvimento em eucariotos unicelulares pode ser controlado nos estágios de
transcrição, tradução e pós-tradução.
12 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Figura 1.9 os
Diferenciação do fenótipo flagelado em rp
co m
Naegleria. Amebas que vinham crescendo a de po ça
in o or lar an
em um meio enriquecido com bactéria são ul t
en las
c c
b
tu e ç a ei
s
de ag
e al n t o
lavadas afim de se eliminar as bactérias no da o m p am élu dam s ív o a fl l os m e
u c n v i ã e i
e c
es r gr s, o aç rm ag r
tempo 0. Aos 80 minutos, praticamente toda
í nt e l a A asai rred e lo
s
rm fo Fl o m p l
o
a população desenvolveu flagelo. (Segundo S ag b a ag F m c ta
fl se Fl co to
Fulton, 1977.)
100

Porcentagem da população com flagelo


80

Células de corpo com


60 forma flagelar

40

20

0
0 20 40 60 80 100
Tempo após suspensão (minutos)

As Origens da Reprodução Sexual


A reprodução sexual é outra invenção dos protistas que teve um profundo efeito em
organismos mais complexos. Deve-se notar que sexo e reprodução são dois proces-
sos separáveis e distintos. A reprodução envolve a criação de novos indivíduos.
Sexo envolve a combinação de genes de dois indivíduos distintos em um novo
arranjo. Reprodução na ausência de sexo é uma característica de organismos que se
reproduzem por cisão; não há discriminação nos genes quando uma ameba se divide
ou quando uma hidra brota células para formar uma nova colônia. Sexo sem reprodu-
ção também é comum entre os organismos unicelulares. As bactérias são capazes de
transmitir genes de um indivíduo para o outro por meio dos pilos sexuais (Figura
1.10). Essa transmissão é independente da reprodução. Protistas são também capa-
zes de reorganizar genes sem reprodução. Os paramécios, por exemplo, se reprodu-
zem por cisão, mas o sexo é realizado através de conjugação. Quando dois paramécios
se juntam, eles se unem através de seus aparelhos orais formando uma conexão
citoplasmática através da qual podem trocar material genético (Figura 1.11). Cada
macronúcleo (que controla o metabolismo do organismo) degenera enquanto o
Figura 1.10 micronúcleo passa por meiose para produzir oito micronúcleos haplóides, dos quais
Sexo em bactérias. Algumas células de bactéri- todos, exceto um, degeneram. O micronúcleo remanescente divide-se mais uma vez
as estão cobertas de numerosos apêndices
para formar um micronúcleo estacionário e um micronúcleo migratório. Cada
(pilos) sendo capazes de transmitir genes para
uma célula recipiente (sem pilos) através de
micronúcleo migratório atravessa a ponte citoplasmática e se funde com o micronúcleo
um pilus sexual. Nessa figura, o pilus sexual estacionário (“fertilizante”), criando um novo núcleo diplóide em cada célula. Esse
está realçado por partículas virais que se ligam núcleo diplóide se divide mitoticamente fazendo surgir um novo micronúcleo e um
especificamente àquele estrutura. (Cortesia de novo macronúcleo quando os dois parceiros se separam. Ainda que não tenha
C. C. Brinton, Jr. e J. Carnahan.) ocorrido reprodução, houve sexo.
CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 13

Micronúcleo Fuso
meiótico
Macronúcleo

Ponte
citoplasmática
Dois paramécios Micronúcleos passam Todos menos um
formam por meiose, formando 8 dos micronúcleos de
ponte citoplasmática núcleos haplóides por célula; cada parceiro degeneram
macronúcleos degeneram

Micronúcleo
estacionário

Micronúcleo
migratório

Micronúcleo restante se Micronúcleos migratórios Núcleo diplóide se forma e


divide para formar um micronúcleo atravessam a ponte citoplasmática sofre divisões mitóticas para
estacionário e um migratório e fertilizam os micronúcleos gerar um novo macronúcleo e
estacionários do parceiro dois micronúcleos quando os
paramécios se separam

Figura 1.11
União de paramécios através da ponte citoplasmática, onde dois paramécios podem trocar
material genético, deixando cada um com genes que diferem daqueles com os quais iniciaram o
processo. (Strickberger, 1985.)

A união desses dois processos distintos, sexo e reprodução, em reprodução


sexual, é visto em eucariotos unicelulares. A Figura 1.12 mostra o ciclo de vida da
Chlamydomonas. Esse organismo é geralmente haplóide, portando apenas uma
cópia de cada cromossomo (como os gametas dos mamíferos). Os indivíduos de
cada espécie, no entanto, estão divididos em dois grupos de parceiros: mais e
menos. Quando se encontram, juntam-se os citoplasmas e seus núcleos se fundem
para formar um zigoto diplóide. Esse zigoto é a única célula diplóide do ciclo de vida
e passará por meiose para formar quatro novas células de Chlamydomonas. Aqui
está uma reprodução sexual, pois cromossomos são realinhados durante as divi-
sões meióticas onde mais indivíduos são formados. Note que nesse tipo de reprodu-
ção sexual protista, os gametas são morfologicamente idênticos e a distinção entre
espermatozóide e óvulo ainda não aconteceu.
Com a evolução da reprodução sexual, dois importantes avanços foram alcança-
dos. O primeiro é o mecanismo da meiose (Figura 1.13), pelo qual o complemento
diplóide dos cromossomos é reduzido ao estado haplóide (discutido em detalhe no
Capítulo 22). O outro avanço é o mecanismo pelo qual os parceiros reprodutivos
diferentes se reconhecem um ao outro. Em Chlamydomonas, o reconhecimento ocorre
primeiro nas membranas flagelares (Figura 1.14; Bergman et al., 1975; Goodenough e
Weiss, 1975). A aglutinação dos flagelos permite que regiões específicas das membra-
nas celulares se juntem. Esses setores especializados contêm componentes
reprodutivos específicos que permitem a fusão dos citoplasmas. Seguindo-se à
aglutinação, os indivíduos mais iniciam a fusão estendendo um tubo de fertilização.
14 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Figura 1.12 Reprodução assexual (mitótica)


Reprodução sexual em Chlamydomonas. Duas Parceiro tipo mais Parceiro tipo menos
linhagens, ambas haplóides, podem se repro- (haplóide) (haplóide)
duzir assexuadamente quando separadas. Res-
peitando certas condições, os dois cordões
podem se unir para produzir uma célula
diplóide que pode sofrer meiose para formar
quatro novos organismos haplóides. (Segundo
Strickberger, 1985.) Reprodução
sexual

Acasalamento

Fusão citoplasmática

Zigoto (diplóide)

Maturação (meiose)

Germinação

Dois parceiros tipo mais e tipo menos

Figura 1.13
Sumário da meiose. O DNA e as proteínas associadas replicam durante a interfase. Durante a
prófase, o envoltório nuclear se rompe e os cromossomos homólogos (cada cromossomo é
duplicado, com os cromatídeos juntos no centrômero) se alinham em pares. Reagrupamentos
cromossômicos podem ocorrer entre quatro cromatídeos homólogos nesse estágio. Após a
primeira metáfase, os dois cromossomos homólogos originais são segregados em células dife-
rentes. Durante a segunda divisão, o centrômero se divide, deixando cada nova célula com uma
cópia de cada cromossomo.

MEIOSE I

Envoltório Cromossomos Cromatídeos


nuclear Cromatina homólogos homólogos
Núcleo

Interfase Prófase I precoce Meia prófase I Prófase I tardia Metáfase I

O envoltório nuclear se rompe e cromossomos homólogos (cada cromossomo


sendo duplo, com os cromatídeos ligados no centrômero) se alinham aos pares.
Rearranjos cromossômicos podem ocorrer entre os quatro cromatídeos homólo-
gos neste momento.
CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 15

(A) (B) Figura 1.14


Duas etapas do reconhecimento no acasala-
mento de Chlamydomonas. (A) Varredura por
micrografia eletrônica (7000x) de par em aca-
salamento. Os flagelos que interagem, torcem-
se um em torno do outro, aderindo nas pontas
(flexas). (B) Microfotografia eletrônica de
transmissão (20.000x) de uma ponte citoplas-
mática conectando os dois organismos. Os
microfilamentos se estendem da célula doado-
ra (abaixo) para a célula recipiente (acima). (de
Goodenough e Weiss, 1975 e Bergman et al.,
1975; com permissão de U. Goodenough.)
Microfilamentos

Esse tubo conecta e se funde com um local específico no indivíduo menos. É interes-
sante que o mecanismo usado para estender esse tubo - polimerização da proteína
actina - também é usado para estender processos do espermatozóide e óvulo do
ouriço-do-mar. No Capítulo 4, veremos que o reconhecimento e fusão de espermato-
zóide e óvulo ocorrem de uma maneira espantosamente semelhante a desses protistas.
Eucariotos unicelulares parecem ter os elementos básicos do processo de desen-
volvimento que caracterizam os organismos mais complexos: a síntese celular é con-
trolada pela regulação transcricional, por tradução e pós-tradução; existe um mecanis-
mo para processar o RNA através da membrana nuclear; as estruturas de genes indi-
viduais e cromossomos são como serão através da evolução eucariótica; mitose e
meiose são aperfeiçoadas; e a reprodução sexual existe, envolvendo a cooperação
entre células individuais.Tal cooperação intercelular se torna ainda mais importante
com a evolução de organismos multicelulares.

MEIOSE II

Anáfase I Telófase I Metáfase II Anáfase II Telófase II

Os dois cromossomos O centrômero se divide Cada nova célula tem


homólogos originais são uma cópia de cada
segregados em células cromossomo
diferentes
16 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Eucariotos coloniais: A evolução da diferenciação


Um dos mais importantes experimentos da evolução foi a criação de organismos
pluricelulares. Parece ter havido diversos caminhos pelo qual uma única célula evo-
luiu para uma disposição pluricelular; discutiremos apenas dois deles (veja o Capítulo
23 para uma discussão mais completa). O primeiro caminho envolve a divisão ordena-
da da célula reprodutiva e a subseqüente diferenciação da sua progênie em diferentes
tipos de células. Esse caminho para a multicelularidade pode ser visto em uma notável
série de organismos pluricelulares, coletivamente referidos como a família das
Volvocaceas ou volvocaceanas.

As Volvocaceanas
Os organismos mais simples entre as volvocaceanas são reuniões ordenadas de nu-
merosas células, cada uma parecida ao protista unicelular Chlamydomonas. Um único
organismo de volvocacea do gênero Gonium (Figura 1.15), por exemplo, consiste de
uma placa plana contendo de 4 a 16 células, cada uma com seu próprio flagelo. Em um
gênero relacionado, Pandorina, 16 células formam uma esfera; e no Eudorina, a esfe-
ra contém 32 ou 64 células organizadas em um padrão regular. Nesses organismos, um
princípio muito importante tem-se desenvolvido: a divisão ordenada de uma célula
para gerar um número de células que são organizadas de uma maneira previsível.
Como ocorre na maioria dos embriões animais, as divisões celulares pelo qual uma
única célula de volvocacea produz um organismo de 4 a 64 células ocorrem em uma
seqüência muito rápida e com ausência de crescimento celular.
Os dois próximos gêneros da série volvocacea exibem um outro princípio impor-
tante do desenvolvimento: a diferenciação de tipos celulares em organismo indivi-
dual. As células reprodutivas se diferenciam das células somáticas. Em todos os
gêneros já mencionados, toda a célula pode, e normalmente o faz, produzir um organis-
mo novo completo por mitose (Figura 1.16 A,B). Nos gêneros Pleodorina e Volvox,
porém, relativamente poucas células podem se reproduzir. Na Pleodorina californica,
as células da região anterior são restritas à uma função somática; somente aquelas

Figura 1.15
Representante da ordem dos Volvocales. (A)
o protista unicelular Chlamydomonas rei-
nhardtii. (B) Gonium pectorale com oito cé-
lulas Chlamydomonas-símiles em um disco
convexo. (C) Pandorina morum. (D) Eudo-
rina elegans. (E) Pleodorina californica. Aqui
todas as 64 células são originalmente simila-
res, mas as posteriores desdiferenciam e redi- (A) (B) (C)
ferenciam como células assexuadas reprodu-
tivas chamadas gonídios, enquanto as células
anteriores permanecem pequenas e biflagela-
das, como o Chlamydomonas. (F) Volvox
carteri. Aqui, células destinadas a se torna-
rem gonídios são separadas no começo do
desenvolvimento e nunca desenvolvem carac-
terísticas somáticas. As células menores,
somáticas, lembram Chlamydomonas. Todas,
menos o Chlamydomonas, são membros da
família das Volvocaceas. A complexidade au-
menta do Chlamydomonas unicelular ao
Volvox pluricelular. Barra em A é de 5µm; B-
D, 25µm; E, F, 50µm (Cortesia de D. Kirk.) (D) (E) (F)
CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 17

Figura 1.16
Reprodução assexuada nas volvocaceanas. (A)
Colônia madura de Eudorina elegans. (B) Cada
uma das células de E. elegans se divide e pro-
duz uma nova colônia. (C) Volvox carteri ma-
duro. A maioria das células são incapazes de se
reproduzir. Células germinativas (gonídia) co-
meçaram a se dividir em novos organismos. (A
e B segundo Hartmann,1921; C de Kirk et al.,
(A) (B) (C)
1982, cortesia de D. Kirk.)

células do lado posterior podem se reproduzir. Em P. californica, a colônia normalmen-


te tem 128 ou 64 células, e a relação do número de células somáticas para o número de
células reprodutivas é normalmente 3:5. Dessa maneira, uma típica colônia de 128
células tem 48 células somáticas e uma colônia de 64 células tem 24 células somáticas.
Nos Volvox, quase todas células são somáticas, e muito poucas células são capa-
zes de produzir novos indivíduos. Em algumas espécies de Volvox, células reproduti-
vas como as da Pleodorina, são derivadas de células que originalmente parecem e
funcionam como células somáticas antes de crescer e se dividir para formarem uma
nova progênie. No entanto, em outros membros do gênero, como o V. carteri, existe
uma divisão do trabalho completa: as células reprodutivas que vão criar a nova gera-
ção são colocadas de lado durante a divisão das células reprodutivas que estão
formando um novo indivíduo. As células reprodutivas nunca desenvolvem um flagelo
funcional e nunca contribuem para motilidade e outras funções somáticas do indiví-
duo; são inteiramente especializadas para reprodução. Ainda que as volvocaceas
mais simples sejam consideradas organismos coloniais (porque cada célula é capaz de
existência independente e perpetuação da espécie), no V. carteri temos um organismo
verdadeiramente celular com dois tipos de células independentes e distintos (somático
e reprodutivo), ambos requeridos para a perpetuação da espécie (Figura 1.16C). Embo-
ra nem todos os animais separem suas células reprodutivas das células somáticas (e
as plantas raramente o fazem), essa separação de células germinativas das células
somáticas no início do desenvolvimento é característica de muitos filos animais e será
discutida em maior detalhe no Capítulo 13.
Embora todas as volvocaceas, incluindo seu parente unicelular Chlamydomo-
nas, se reproduzam predominantemente por meios assexuados, também são capazes
de reprodução sexual. Isso envolve a produção e fusão de gametas haplóides. Em
muitas espécies de Chlamydomonas, incluindo a ilustrada na Figura 1.12, a reprodu-
ção sexual é isogâmica, já que os gametas haplóides que se encontram são similares
em tamanho, estrutura e motilidade. No entanto, em outras espécies de Chlamydo-
monas - assim como as várias espécies de volvocaceas coloniais - gametas nadado-
res de diversos tamanhos são produzidos por parceiros de acasalamentos diferen-
tes. Isso é chamado heterogamia. Mas as volvocaceas maiores desenvolveram uma
forma especializada de heterogamia, chamada oogamia, que envolve a produção de
óvulos grandes e relativamente imóveis por um parceiro do acasalamento e esper-
matozóides pequenos e móveis pelo outro parceiro (veja Visões Colaterais & Espe-
culações). Aqui vemos um gameta especializado para retenção de recursos nutricionais
e de desenvolvimento e outro gameta especializado para transporte de núcleos.
Assim, as volvocaceas incluem os organismos mais simples que têm macho e fêmea
distinguíveis, e possuem caminhos diferentes para desenvolver o óvulo ou o es-
permatozóide. Em todas as volvocaceas, a reação da fertilização se assemelha à do
Chlamydomonas porque resulta na produção de um zigoto diplóide dormente, ina-
tivo, capaz de sobreviver a condições ambientais severas. Quando as condições
permitem aos zigotos germinar, eles primeiro sofrem meiose para produzir herdeiros
haplóides dos dois parceiros em números iguais. [other.html#intro1]
18 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Informações adicionais
& Especulações

Sexo e Individulidade em Volvox


S imples como é, o Volvox comparti-
lha muitos traços que caracterizam o
ciclo de vida e histórico de desen-
volvimento de organismos muito mais com-
são parentes. A morte chega para uma
ameba apenas se ela é ingerida ou sofre
um acidente fatal; quando isso acontece,
a célula morta não deixa prole.
conjunto de gonídios. No fim da clivagem,
todas as células que estarão presentes no
adulto, foram produzidas de cada um dos
gonídios. Mas o embrião está “virado de
plexos, incluindo nós mesmos. Como já foi Porém, a morte se torna uma parte es- dentro para fora”: seus gonídios estão do
mencionado, o Volvox está entre os orga- sencial da vida para qualquer organismo lado de fora e os flagelos de suas células
nismos mais simples a exibir a divisão de pluricelular que estabelece divisão de tra- somáticas estão apontando para o interi-
trabalho entre dois tipos de células dife- balho entre células somáticas e células or da esfera oca de células. Essa condição
rentes. Como conseqüência disso, está en- germinativas (reprodutivas). Considere o adversa é corrigida por um processo cha-
tre os organismos mais simples a incluir a histórico de vida do Volvox carteri quan- mado inversão, pelo qual o embrião se vira
morte como uma parte regular, geneticamen- do se reproduz assexuadamente (Figura com o lado certo para fora através de
te programada, da sua história de vida. 1.17). Cada adulto assexuado é um movimentos celulares que fazem lembrar
esferóide contendo aproximadamente movimentos de gastrulação no embrião
Morte e Diferenciação 2000 pequenas células somáticas biflage- animal (Figura 1.18). Um agrupamento de
Organismos unicelulares que se reprodu- ladas ao longo de sua periferia e por volta
zem através de uma simples divisão celu- de 16 grandes células reprodutivas Figura 1.17
lar, tais como as amebas, são potencial- assexuadas, chamadas gonídios, dispos- Reprodução assexual em V. carteri. Quando as
mente imortais. A ameba que vemos sob tas em umas das extremidades do interior. células reprodutivas (gonídios) estão maduras,
um microscópio não tem ancestrais mor- Quando maduro, cada gonídio divide-se entram em um estado semelhante à clivagem do
tos! Quando uma ameba se divide, nenhu- rapidamente 11 ou 12 vezes. Parte dessa desenvolvimento embrionário para produzir se-
ma das duas células resultantes pode ser divisão é assimétrica e produz as 16 célu- res juvenis dentro do adulto. Através de uma
considerada ancestral ou progênie; elas las grandes que irão se tornar um novo série de movimentos celulares semelhantes à
gastrulação, o volvox embrionário se inverte e é
finalmente liberado do progenitor. As células
somáticas do progenitor, sem gonídios, passam
por senescência e morrem, enquanto a colônia
juvenil amadurece. O ciclo sexual total dura dois
Expansão
dias. (Segundo Kirk, 1988.)
de adultos
Embriogênese e juvenis

Adulto com
juvenis
Adulto com
gonídios maduros

Maturação
dos gonídios Expansão continuada
da matriz extracelular

Expansão Morte de células


continuada somáticas - progenitores
de juvenis
Liberação
de juvenis
CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 19

(A) (F) Figura 1.18


Inversão dos embriões V. carteri produzidos
assexuadamente. A-E são micrografias eletrô-
nicas de varredura de embriões completos. F-
J são cortes sagitais através do centro do em-
brião, visualizado por microscopia diferencial
de interferência. Antes da inversão, o embrião
é uma esfera côncava de células conectadas.
Quando as células mudam a sua forma, um
buraco (o fialoporo) abre-se no topo do em-
brião (A,B,F,G). As células se curvam e se
reúnem em um dos pólos (C-E, H-J). (Kirk et
(B) (G) al., 1982, cortesia de D. Kirk.)

das células que as produzem (Pommerville


e Kochert, 1982). Além do mais, nessa mor-
te, as células liberam para o uso de ou-
tras, incluindo sua própria cria, todo o nu-
triente acumulado durante toda a vida.
“Dessa maneira emerge”, como assinala
David Kirk, “um dos grandes temas da
vida no planeta Terra: Alguns morrem para
(C) (H)
que outros possam viver”.
Em V. carteri, foi identificado um gene*
específico que tem um papel importante re-
gulando a morte das células (Kirk, 1988).
Em linhagens laboratoriais possuindo mu-
tações desse gene, as células somáticas
abandonam suas tendências suicidas,
ganham a habilidade de se reproduzirem

(D) (I) * Esse gene (regA) foi clonado e mostrou


codificar uma proteína que age para reprimir
(direta ou indiretamente) todos os genes cujos
produtos são requeridos pela célula para se de-
senvolver como gonídio. Mutações de perda da
função impedirão a proteína de agir, e as células
serão capazes de se tornarem gonídios (D. Kirk,
comunicação pessoal).

(E) (J)

células em forma de garrafa abre um bura- O que acontece às células somáticas


co em um dos lados do embrião produzin- do “progenitor” Volvox agora que as jo- Figura 1.19 “Células garrafas” próxi-
do tensão sobre a camada de células in- vens “deixaram o lar”? Tendo produzido mas à abertura do fialoporo. Essas células
terconectadas (Figura 1.19). O embrião se uma cria e sendo incapazes de uma nova permanecem estreitamente conectadas atra-
utiliza desse buraco para fazer a inversão reprodução, essas células somáticas mor- vés de pontes citoplasmáticas próximas a
seus ápices alongados, desse modo criando
e depois o fecha. Posteriormente, as colô- rem. Para ser mais exato, elas cometem a tensão que causa a curvatura da lâmina ce-
nias juvenis são enzimaticamente soltas suicídio, sintetizando um conjunto de pro- lular interconectada. ( Kirk et al., 1982, cor-
do progenitor e nadam livres. teínas que causam a morte e a dissolução tesia de D. Kirk.)
20 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

(A) assexuadamente e se tornam potencialmen- advento da inevitável morte natural


te imortais (Figura 1.20). O fato desses mu- no reino animal, e tudo em nome do
tantes nunca terem sido encontrados na sexo. ”E pergunta: “Vale a pena?”
natureza, indica que a morte das células
tem um papel importante na sobrevivência Para Volvox carteri, certamente que sim.
do V. carteri sob condições naturais. V. carteri vive em pequenas poças rasas
[intro2.html] que temporariamente se enchem com as
águas das chuvas da primavera e secam no
Entra o sexo calor do verão. Durante a maior parte desse
Mesmo o V. carteri se reproduzindo as- tempo, V. carteri nada livremente, reprodu-
sexuadamente a maior parte do tempo, na zindo-se assexuadamente. Esses volvox
(B)
natureza se reproduzem sexualmente uma morreriam em minutos se a poça secasse,
vez por ano. Quando o faz, uma geração mas o V. carteri é capaz de sobreviver se
de indivíduos morre, e uma nova geração tornando sexual pouco antes da secagem
geneticamente diferente é produzida. O das poças, produzindo zigotos inativos que
naturalista Joseph Wood Krutch (1956) sobrevivem ao calor e à seca do alto verão e
colocou isso de uma forma mais poética: ao frio do inverno. Quando a chuva enche
esses pequenos reservatórios na primave-
A ameba e o paramécio são potencial- ra, os zigotos interrompem a sua dormência
mente imortais...Mas para o Volvox a e criam uma nova geração para reproduzi-
morte parece inevitável, assim como o rem-se assexuadamente até que as águas
é para um camundongo ou o homem. ameacem secar novamente. Como esses or-
Volvox deve morrer, como Leeuwenko- ganismos tão simples prevêem a chegada
ek observou, porque teve filhos e não é de condições adversas com acuidade sufi-
Figura 1.20 mais necessário. Quando sua hora ciente para produzir uma geração sexual no
Mutação de um único gene (chamado regene- chegar, tomba em silêncio, vai para tempo certo, ano após ano?
rador somático A) elimina a programação de o fundo juntar-se a seus ancestrais. O estímulo para mudança do modo
morte em células V. carteri. Volvox recém- Como Hegner, o zoologista de Johns assexual para o modo sexual de reprodu-
eclodido carregando essa mutação (A) é Hopkins, escreveu, “Esse é o primeiro ção em V. carteri é devido a uma proteína
indistinguível do esferóide tipo-selvagem. No
entanto, momentos antes das células somáti- Figura 1.21
cas do esferóide tipo-selvagem começarem a Reprodução sexual em V. carteri. Machos e fêmeas são indistiguíveis na sua fase assexuada.
morrer, as células somáticas desse mutante se Quando a proteína indutora sexual está presente, os gonídios de ambos parceiros passam por
rediferenciam como gonídios (B). Finalmente, uma embriogênese modificada que leva à formação de óvulos nas fêmeas e espermatozóides nos
cada célula do mutante irá se dividir para for- machos. Quando os gametas estão maduros, pacotes de espermatozóide (contendo 64 ou 128
mar ( regenerar) um novo esferóide que irá re- espermatozóides cada), são liberados e nadam para as fêmeas. Ao alcançar a fêmea o pacote se
petir esse ciclo do desenvolvimento potenci- rompe em espermatozóides individuais, que podem fertilizar os óvulos. O zigoto resultante tem
almente imortal. paredes duras que podem resistir à seca, calor e frio. Quando as chuvas da primavera fazem o
zigoto germinar, sofrendo meiose para produzir machos e fêmeas haplóides que se reproduzem
assexuadamente até o calor induzir novamente o ciclo sexual.
Pacotes de esperma-
Desenvolvimento tozóide
sexual de gonídios

Indutor
sexual

Espermatozóide

Macho assexuado Desenvolvimento embrionário Macho sexuado


Gonídio modificado dos gonídios resultando
em produção de gametas
Óvulos

Indutor
Zigotos
sexual

Óvulo

Fêmea assexuada Fêmea sexuada


Meiose e germinação
CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 21

sexual indutiva de 30-kDa. Essa proteína tando placas com V. carteri à temperaturas de aparecer, multiplicar-se, realizando uma
é tão poderosa que concentrações meno- que poderiam ser encontradas em um reser- orgia sexual reprodutiva em poças de água
res que 6x10-17 fazem com que os gonídios vatório raso durante o fim do verão. Quan- da chuva de apenas duas semanas”
sofram um padrão modificado de desen- do isso era feito, as células somáticas dos (Powers, 1908). Ainda que reservatórios tem-
volvimento embrionário que resulta na volvox assexuados produziam a proteína porários formados pela água das chuvas se-
produção de óvulos ou espermatozóides, sexual indutora. Sendo a quantidade da pro- quem sob o calor do verão, Volvox encon-
dependendo do sexo genético do indiví- teína secretada por um indivíduo suficiente trou um meio de sobrevivência: usa o calor
duo (Sumper et al.,1993). Os espermato- para iniciar o desenvolvimento sexual em para induzir a formação de indivíduos sexu-
zóides são liberados para nadar para a fê- mais de 500 milhões de volvox assexuados, ados cujo acasalamento produz zigotos ca-
mea onde fertilizam os óvulos para pro- um único volvox indutor pode converter um pazes de sobreviver sob condições que ma-
duzir zigotos dormentes (Figura 1.21). reservatório inteiro para a sexualidade. Essa tam o organismo adulto. Observamos, tam-
Qual é a fonte dessa proteína indutora descoberta explica uma observação feita há bém, que o desenvolvimento está critica-
sexual? Kirk e Kirk (1986), descobriram que quase 90 anos, de que “na intensa radiação mente ligado ao ecossistema ao qual o or-
o ciclo sexual poderia ser iniciado esquen- solar do verão de Nebraska, Volvox é capaz ganismo se adaptou para sobreviver.

Diferenciação e Morfogênese em Dictyostelium

O CICLO DE VIDA DO DICTYOSTELIUM. Um outro tipo de organização multicelular


derivada de organismos unicelulares é encontrada no Dictyostelium discoideum.* O
ciclo de vida desse organismo fascinante é ilustrado na Figura 1.22. Em seu ciclo
vegetativo, uma solitária ameba haplóide (chamada myxamoebae ou “ameba social”
para distingui-las de espécies de amebas que sempre permanecem solitárias) vive em
troncos caídos, se alimentando de bactérias e se reproduz por cisão binária. Quando
tiver esgotado seu suprimento de comida, dezenas de milhares dessas amebas se juntam
para formar um fluxo corrente de células que convergem em um ponto central. Aqui se
amontoam uma sobre a outra sob forma de um cone chamado de agregado apertado ou
justo. Subseqüentemente, uma ponta surge no topo desse monte, que se dobra forman-
do uma lesma migratória (com a ponta na frente). A lesma (geralmente lhe é dado um
título mais dignificado de pseudoplasmódio ou grex) mede normalmente de 2 a 4 mm de
comprimento e é envolvida por uma bainha viscosa. O grex começa a migrar (se o
ambiente está escuro e úmido) com sua ponta anterior um pouco levantada; quando
atinge uma área iluminada, a migração cessa, e o grex se diferencia em um corpo de
frutificação composto de células esporos e pedúnculo. As células anteriores, represen-
tando 15 a 20 porcento de toda população celular, formam o pedúnculo tubular. O
pedúnculo começa na parte centro-anterior da célula, enquanto as células pré-
pedunculares começam a secretar um revestimento extracelular estendendo um tubo
através do grex. À medida que as células pré-pedunculares se diferenciam, formam
vacúolos e aumentam de tamanho levando a massa de células pré-pedúnculo que
havia ficado nos quatro-quintos posteriores do grex (Jermyn e Williams, 1991). As
células do pedúnculo morrem, mas as células posteriores, elevadas acima do pedún-
culo, transformam-se em células-esporo. Essas se dispersam, cada uma tornando-se
uma nova mixameba.
Em adição a esse ciclo sexual, existe a possibilidade para sexo em Dictyostelium.
Duas amebas podem fundir-se para criar uma célula gigante, que digere todas as
outra células do agregado. Quando tiver ingerido todos seus vizinhos, se enquista
em uma parede grossa e sofre divisões meiótica e mitótica; e por fim, novas mixamebas
são liberadas.
Dictyostelium tem sido um maravilhoso organismo experimental para biologis-
tas do desenvolvimento, porque células inicialmente iguais são diferenciadas em
dois tipos alternativos de células, esporo e pedúnculo. É também um organismo
onde células individuais se juntam para formar uma estrutura coesa composta por
tipos de células diferenciadas, parecido com a formação de tecidos em organismos
* Embora chamado coloquialmente um “fungo celular pegajoso”, Dictyostelium não é um fungo
(como Neurospora), nem é consistentemente pegajoso. É melhor considerá-lo como uma ameba social.
22 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Lesma
(Pseudoplasmódio; grex)

15 h
16 h
14 h
17 h
CULMINAÇÃO 20 h
MIGRAÇÃO

12 h

Esporos
23 h

10 h
AGREGAÇÃO
Mixamebas Fluxos
9 h celulares
Corpo de frutificação maduro

6 h
24h
Figura 1.22
Ciclo vital de Dictyostelium discoideum. Esporos haplóides originam mixamebas, que podem
reproduzir-se assexualmente para formar mais mixamebas haplóides. A medida que diminui o
suprimento alimentar, ocorre agregação em pontos centrais, e forma-se um agregado de
pseudoplasmódio. Finalmente, esse pára de se movimentar e forma um corpo de frutificação
que libera mais esporos. Os números referem-se às horas decorridas desde que a diluição
nutricional iniciou a seqüência desenvolvimental.

mais complexos. A agregação de milhares de amebas em um único organismo é um


feito incrível de organização e convida à experimentação para resolver perguntas
sobre os mecanismos envolvidos.

AGREGAÇÃO DE CÉLULAS DE DICTYOSTELIUM. A primeira pergunta é: O que


induz a ameba a se agregar? Microcinematografia de espaçamento temporal mostrou
que não ocorre movimento direcionado durante as primeiras 4-5 horas após carência
nutricional. Durante as 5 horas seguintes, porém, as células são vistas mover-se por
aproximadamente 20µm / min durante 100 segundos. Esse movimento cessa após
aproximadamente 4 minutos, e em seguida recomeça. Embora o movimento seja
direcionado para um ponto central, não é um simples movimento radial. Antes, as
células se juntam umas às outras para formar correntes; essas convergem em corren-
tes maiores, e finalmente todas se juntam no centro. Bonner (1947) e Shaffer (1953)
mostraram que esse movimento é devido à quimiotaxia: as células são guiadas para os
centros de agregação por uma substância solúvel. Essa substância foi posteriormente
identificada como adenosina 3’,5’ monofosfato cíclico (cAMP) (Konijn et al., 1967;
Bonner et al., 1969), cuja estrutura química está mostrada na Figura 1.23A.
A agregação é iniciada à medida que cada célula começa a sintetizar o cAMP. Não
há células “dominantes” que começam a secreção ou controlam as outras. Antes, os
locais de agregação são determinados pela distribuição das amebas (Keller e Segal,
1970; Tyson e Murray, 1989). Células vizinhas respondem ao cAMP de duas maneiras:
ou iniciando sua movimentação de acordo com as pulsações de cAMP, ou acompa-
nhando a liberação de seu cAMP próprio (Robertson et al., 1972; Shaffer, 1975). Em
seguida, a células não respondem mais aos pulsos de cAMP por vários minutos. O
CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 23

(A) Adenina (B)

(C)

(D)

Figura 1.23
Quimiotaxia de amebas de Dictyostelium de-
vida à ondas espirais de cAMP. (A) estrutura
resultado é uma onda giratória em espiral de cAMP, que se propaga através da química do cAMP. (B) Visualização de várias
população de células (Figura 1.23B-D). À medida que chega cada onda, as células dão “ondas” de cAMP no meio. Células centrais
secretam cAMP em intervalos regulares, e
mais um passo para o centro.*
cada secreção difunde para fora como um onda
A diferenciação de amebas individuais em células pedunculares (somáticas) ou concêntrica. As ondas são mapeadas saturan-
esporos (reprodutivas) é uma questão complexa. Raper (1940) e Bonner (1957) de- do-se papel de filtro com cAMP radioativo e
monstraram que as células anteriores normalmente formam pedúnculo, enquanto as colocando-o sobre uma colônia em agregação.
células remanescentes, posteriores, em geral estão destinadas a formar esporos. No O cAMP das células secretoras dilui o cAMP
entanto, a remoção cirúrgica da parte anterior da lesma não elimina a capacidade do radiativo. Quando a radioatividade no papel
grex formar um pedúnculo. Em vez disso, as células que agora se encontram no final é registada (colocando-o sobre filme de raios-
anterior após a cirurgia (e que originalmente estavam destinadas a formar esporos), X), as regiões de alta concentração de cAMP
agora formam o pedúnculo (Raper, 1940). De alguma maneira, é tomada uma decisão de na cultura aparecem mais claras que aquelas
de baixa concentração de cAMP. (C,D) On-
modo tal, que células anteriores virem células pedunculares e células posteriores
das espirais de amebas movendo-se em dire-
virem esporos. Essa habilidade de células mudarem seus destinos desenvolvimentais, ção à fonte inicial de cAMP. (C) Essa
microfotografia em campo escuro processa-
da digitalmente mostra cerca de 107 células.
* A bioquímica dessa reação envolve um receptor que liga o cAMP. Quando essa ligação Como células móveis e imóveis dispersam a
ocorre, realiza-se transcrição específica de genes, é iniciada movimentação em direção à fonte de luz diferentemente, a fotografia reflete movi-
cAMP, e enzimas adenilciclases (que sintetizam cAMP a partir de ATP) são ativadas. O cAMP mento celular. As bandas claras são compos-
recém-formado ativa seus receptores próprios, assim como aqueles de seus vizinhos. As células tas de células migratórias alongadas; as ban-
na área permanecem insensíveis às novas ondas de cAMP até que o cAMP ligado seja removido das escuras são células que pararam de se
dos receptores por outra enzima da superfície celular, a fosfodiesterase (Johnson et al., 1989). mover e se arredondaram. (D) As células for-
A matemática de tais reações de oscilação prevê que a difusão de cAMP seria inicialmente mam correntes, a espiral de movimento ainda
circular. Porém, à medida que o cAMP interage com as células que recebem e propagam o sinal, pode ser vista movendo-se em direção ao cen-
as células que recebem a parte frontal da onda começam a migrar com uma velocidade diferente
daquela das células atrás delas. O resultado é a espiral rotatória de cAMP e a migração vistas na tro. (B de Tomchick e Devreotes, 1981, cor-
Figura 1.23. É interessante que as mesmas fórmulas matemáticas predizem o comportamento de tesia de P. Devreotes; C e D de Siegert e Weijer,
certas reações químicas e a formação de novas estrelas em galáxias espirais rotatórias (Tyson e 1989, cortesia de F. Siegert.)
Murray, 1989).
24 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Figura 1.24
Células de Dictyostelium sintetizam um adesivo, glicoproteína 24-kDa, pouco após a inanição
nutricional. Células de Dictyostelium foram coradas com um anticorpo fluorescente que se liga
à glicoproteína 24-kDa e foram em seguida observada sob luz ultravioleta. Essa proteína não foi
vista em amebas que tinham apenas parado de se dividir. No entanto, como mostrado aqui – 10
horas após o fim da divisão celular – amebas individuais são vistas apresentando essa proteína
em suas membranas celulares e são capazes de aderir umas às outras.

de acordo com sua localização dentro do organismo inteiro, e assim compensar por
partes faltantes, é chamada regulação. Veremos esse fenômeno em muitos embriões,
inclusive naqueles dos mamiferos.

MOLÉCULAS DE ADESÃO CELULAR EM DICTYOSTELIUM. Como essas células


individuais aderem entre si para formar um organismo coeso? Este é o mesmo proble-
ma que enfrentam as células embrionárias, e a solução que evoluiu para os protistas é
a mesma que aquela usada pelos embriões: moléculas de adesão celular reguladas
pelo desenvolvimento.
Enquanto estão crescendo mitoticamente em bactérias, células de Dictyostelium
não aderem umas às outras. Porém, uma vez que a divisão celular cessa, as células se
tornam progressivamente mais adesivas, alcançando um patamar de coesividade má-
xima aproximadamente após 8 horas de inanição. A adesão célula-célula é mediada por
uma glicoproteína de 24.0000 Da (24-kDa) que está ausente em células em crescimento
mas pode ser vista pouco depois dessa fase (Figura 1.24; Knecht et al., 1987; Loomis,
1988). Essa proteína é sintetizada a partir de mRNA recém-transcrito e fica localizada
nas membranas celulares das mixamebas. Se essas células são tratadas com anticor-
pos que se ligam a essa proteína e a mascaram, as células não irão aderir umas às
outras e todo desenvolvimento subseqüente cessa.
Uma vez que essa agregação inicial tiver ocorrido, é estabilizada por uma segunda
molécula de adesão celular. Essa glicoproteína de 80-kDa também é sintetizada duran-
te a fase de agregação. Se apresentar defeitos ou estiver ausente nas células, lesmas
pequenas se formarão, e seus corpos de frutificação só atingirão aproximadamente um
terço de seu tamanho normal. Assim, o segundo sistema de adesão celular, parece ser
necessário para a retenção de um número de células suficientemente grande para a
formação de grandes corpos de frutificação (Müller e Gerisch, 1978; Loomis, 1988). Um
terceiro sistema de adesão é ativado tardiamente no desenvolvimento, quando a les-
ma estiver migrando. A proteína ou grupo de proteínas que intervem no terceiro siste-
ma pode existir somente em células pré-esporo e pode ser responsável pela separação
de células pré-esporo de células pré-pedúnculo (Loomis, comunicação pessoal). As-
sim, Dictyostelium evoluiu para três sistemas de adesão célula-célula regulados pelo
desenvolvimento, e que são necessários para a morfogênese de células individuais
para formar um organismo coerente. Como veremos em capítulos subseqüentes, célu-
las de metazoários também usam moléculas de adesão celular para formar os tecidos e
órgãos do embrião.
Dictyostelium é um “organismo multicelular em tempo parcial” que não forma
muitos tipos de células (Kay et al., 1989), e os organismos multicelulares mais comple-
xos não se formam pela agregação de células anteriormente independentes. No entan-
to, muitos dos princípios do desenvolvimento demonstrados por esse “simples” or-
CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 25

ganismo também aparecem em embriões de filos mais complexos. A habilidade de


células individuais sentir um gradiente químico (como a resposta da ameba ao cAMP)
é muito importante para a migração celular e morfogênese durante o desenvolvimento
animal. Ainda mais, o papel das proteínas da superfície celular para a coesividade
celular pode ser visto através do reino animal, e moléculas indutoras da diferenciação
estão agora começando a ser isoladas de organismos metazoários.

Informações adicionais
& Especulações

Evidência e Anticorpos

A Biologia, tal como qualquer outra Como então ir para além da mera cor- teínas de membrana em geral). Nesse
ciência, não trata de fatos; antes, relação? No estudo da adesão celular em caso, bloquear a glicoproteína também
trata de evidências. Vários tipos Dictyostelium, o próximo passo foi usar causaria a inibição da agregação celu-
de evidência serão apresentados neste li- aqueles mesmos anticorpos para bloque- lar. Assim, a evidência perda-de–função
vro; não são todos de equivalente vigor. ar a adesão de mixamebas. Usando uma precisa ser amparada por muitos con-
Como exemplo, vamos usar a análise da técnica introduzida pelo laboratório de troles demonstrando que agentes cau-
adesão celular em Dictyostelium. O primei- Gerisch (Beug et al., 1970), Knecht e cola- sadores de perda de função derrubam
ro e mais fraco tipo de evidência é a evi- boradores (1987) tomaram os anticorpos especificamente aquela função em par-
dência correlativa. Aqui, são feitas corre- que ligam essa glicoproteína 24-kDa e iso- ticular, e nada mais.
lações entre dois ou mais eventos, e infe- laram seus sítios ligantes de antígeno (as O tipo mais forte de evidência é evi-
re-se que um evento estimule o outro. partes da molécula do anticorpo que re- dência-de-ganho-de-função. Aqui, o iní-
Como vimos, anticorpos marcados com flu- conhecem o antígeno). Isso foi necessá- cio do primeiro evento estimula um segun-
orescência para uma certa glicoproteína de rio porque o todo da molécula de anticor- do e mesmo em situações onde nenhum
24 kDa, não marcam células vegetativas em po contém dois sítios ligantes de antígeno desses eventos ocorre usualmente. Recen-
divisão; porém, esses mesmos anticorpos que iriam ligar-se artificialmente de manei- temente, da Silva e Klein (1990) e Faix e
acham a proteína em membranas celulares ra cruzada e aglutinar as mixamebas. Quan- colaboradores (1990) obtiveram tal evidên-
de mixameba logo que as células param de do esses fragmentos ligantes de antígeno cia para mostrar que a glicoproteína 80-kDa
se dividir e tornam-se competentes para (chamados Fragmentos Fab) foram adici- é uma molécula adesiva. Isolaram o gene
agregar (veja Figura 1.24). Assim, existe uma onados às células competentes para agre- para essa proteína e o modificaram de uma
correlação entre a presença dessa glico- gação, as células não puderam se agre- maneira a motivá-lo ser expresso continu-
proteína da membrana celular e a capaci- gar. Os fragmentos de anticorpo impedi- amente. Em seguida, recolocaram-no em
dade de agregação. ram as células de aderir entre si, presu– mixameba bem-alimentada, crescendo ve-
Evidência correlativa dá um ponto de mivelmente por ligar–se a glicoproteína getativamente, que usualmente não expres-
partida para investigações, mas não se 24-kDa, bloqueando sua função. Esse tipo sa essa proteína e não tem capacidade de
pode afirmar com certeza que um evento de evidência é chamado evidência-de- adesão. A presença dessa proteína na mem-
estimula outro somente baseado em cor- perda-de-função. Se bem que mais forte brana celular dessas células em divisão foi
relações. Embora se possa inferir que a que a evidência correlativa, ela ainda não confirmada por marcação com anticorpos.
síntese dessa proteína causa a adesão das exclui outras inferências. Por exemplo, é Tais células agora aderiram umas às outras
células, é também possível que adesão ce- possível que os anticorpos tenham mata- mesmo nos estados vegetativos, o que nor-
lular leve as células a sintetizar essa nova do a célula (o que poderia acontecer se a malmente não fazem. Assim, elas tinham
glicoproteína, ou que a adesão celular e a glicoproteína 24-kDa for um crítico canal ganho uma função adesiva somente por
síntese da glicoproteína 24-kDa sejam de transporte). Isso também impediria a expressar essa glicoproteína em particular
eventos separados, iniciados pela mesma adesão celular. Ou talvez, a glicoproteína nas suas superfícies celulares. Essa evi-
causa subjacente. A ocorrência simultâ- 24-kDa nada tinha a ver com a adesão pro- dência de ganho-de-função é mais convin-
nea dos dois eventos pode mesmo ser co- priamente, mas é necessária para o funci- cente que outros tipos de análise. Experi-
incidência e os eventos não terem relação onamento da verdadeira molécula adesi- mentos semelhantes foram recentemente
um com o outro.* va (como através da estabilização de pro- realizados em células de mamíferos (veja
capítulo 3), para demonstrar a presença de
* Em uma carta irônica, caçoando de tais inferências correlativas, Sies (1988) demonstrou uma determinadas moléculas adesivas celula-
notável boa correlação entre o número de cegonhas vistas na Alemanha Ocidental de 1965 até 1980 res no embrião em desenvolvimento.
e o número de bebês nascidos durante esses mesmos anos.
26 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

DIFERENCIAÇÃO EM DICTYOSTELIUM. A diferenciação em uma célula-pedúncu-


lo ou em uma célula-esporo reflete um dos principais fenômenos da embriogênese: a
seleção pela célula de uma trajetória desenvolvimental. As células freqüentemente
selecionam um determinado destino desenvolvimental quando alternativas estão dis-
poníveis. Uma determinada célula num embrião de vertebrado por exemplo, pode tor-
nar-se uma célula da epiderme ou um neurônio. Em Dictyostelium, vemos uma decisão
dicotômica simples, porque somente dois tipos celulares são possíveis. Como uma
célula torna-se uma célula de pedúnculo ou uma célula de esporo? Embora os detalhes
não sejam totalmente conhecidos o destino de uma célula parece ser regulado por
certas moléculas difusivas. Os dois principais candidatos são o fator indutor de dife-
renciação (DIF) e o cAMP. DIF parece ser necessário para a diferenciação da célula
peduncular. Esse fator, tal como o fator indutor de sexo em Volvox, é eficaz em concen-
trações muito baixas (10-10M); e, como a proteína de Volvox, parece induzir a diferen-
ciação de um determinado tipo de célula. Quando adicionado às amebas isoladas ou
mesmo às células pré-esporo (posteriores), induz a formação de células pedunculares.
A síntese desse lipídeo de baixo peso molecular é regulada geneticamente, pois há
cepas mutantes de Dictyostelium que formam somente o precursor de células-esporo
e não de células pedunculares. Quando DIF é adicionado a essas culturas de mutantes,
células penduculares conseguem se diferenciar (Kay e Jermyn, 1983; Morris et al.,
1987), e novos mRNAs específicos pré-pedúnculo são encontrados no citoplasma
celular (Williams et al., 1987). O mecanismo pelo qual DIF induz 20 porcento das
células do plasmódio (grex) a tornar-se tecido peduncular ainda é controverso (veja
Early et al., 1995). DIF pode agir através da liberação de íons de cálcio de compartimen-
tos intracelulares no interior da célula (Schaulsky e Loomis, 1995). [other.html#intro3]
Embora DIF estimule amebas a tornarem-se células pré-pedúnculo, a diferencia-
ção de células pré-esporo é mais provavelmente controlada por pulsos contínuos
de cAMP. Altas concentrações de cAMP iniciam a expressão de mRNA pré-esporo
específico, em amebas agregadas. Além disso, quando lesmas são colocadas em um
meio contendo uma enzima que destrói cAMP extracelular, as células pré-esporo
perdem suas características de diferenciação (Figura 1.25; Schaap e van Driel, 1985;
Wang et al., 1988a,b).

(A)

(B)

Figura 1.25
Substâncias químicas que controlam a diferenciação em Dictyostelium. (A) e (C)
(B) mostram os efeitos de se colocar lesmas Dictyostelium em um meio
contendo enzimas que destroem cAMP extracelular. (A) Grex (pseudoplas-
módio) corado para presença de uma proteína pré-esporo específica (regiões
claras). (B) Grex semelhante corado após tratamento com enzimas que de-
gradam cAMP. Não é visto produto pré-esporo específico. (C) Amplifica-
ção maior de uma lesma tratada com DIF (na ausência de amônia). O corante
usado liga-se à parede de celulose das células pedunculares. Todas as células
do grex tornaram-se células pedunculares. (A e B de Wang et al., 1988a; C de
Wang e Schaap, 1989; cortesia dos autores.)
CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 27

Informações adicionais
& Especulações

Como o Grex Sabe Qual Lado Está Para Cima


S E TODAS AS AMEBAS do grex
começarem no mesmo nível, como
podem células nos quatro-quintos
posteriores da lesma se diferenciar em cé-
da estão emanando da ponta apical do
agregado. Esses pulsos são quimiotácti-
cos para células pré-pedúnculo, mas não
para células pré-esporo, de modo que atra-
luz solar, cessa de migrar e sofre a diferen-
ciação final em esporos e pedúnculo. Du-
rante esse processo (chamado culmina-
ção), o grex se apóia em um dos terminais
lulas-esporo, enquanto células equivalen- em as células pré-pedúnculo para a ponta fazendo com que as células traseiras se
tes do quinto anterior se tornam células da agregado (Matsukuma e Durston, 1979; tornem sua base. Algumas células pstA
pedunculares? A resposta pode estar na Mee et al., 1986; Siegert e Weijer, 1991; migram para o tubo central de células pstB,
observação de que as células originais não Takeuchi, 1991).Portanto, o AMP cíclico e quando entram em contato com o tubo
são todas iguais. Amebas sujeitas à ina- parece ter várias funções no desenvolvi- central, diferenciam-se em células pstB, sin-
nição durante a parte precoce de seu ci- mento de Dictyostelium. Agrega as célu- tetizando componentes de uma nova matriz
clo celular tendem a se mover para a por- las umas às outras, induz diferenciação de extracelular. As células novas são adiciona-
ção anterior do pseudoplasmódio, en- células pré-esporo e dirige a migração de das à região anterior do tubo, forçando-o
quanto amebas expostas à inanição du- células pré-pedúnculo para a parte anteri- mais para dentro da estrutura culminativa.
rante o fim do ciclo, tendem a permanecer or do agregado. Esse tubo se diferencia para tornar-se o pe-
na porção posterior (McDonald e Durs- Uma vez completo, o agregado tomba dúnculo. Ao mesmo tempo, as células pstA
ton, 1984; Weijer et al., 1984). Esse traba- sobre um dos lados e forma o grex migra- que tinham ficado na região posterior do
lho foi confirmado e ampliado por Ohmori tório. A maioria das células pré-pedúncu-
e Maeda (1987), que mostraram que célu- lo estão nos 20 porcento anteriores do
Figura 1.26
las não-alimentadas durante a parte tar- grex, porém, há também algumas células
Regulação da diferenciação de células pedun-
dia do ciclo celular, respondem de manei- pré-pedúnculo espalhadas através da par-
culares durante a fase de culminação do cresci-
ra diferente ao cAMP e mostram adesivi- te posterior. Células pré-pedúnculo podem mento de Dictyostelium. Representação
dade muito mais alta que células jejuadas ser distinguidas pela sua secreção de pro- esquemática mostrando que células pré-esporo
imediatamente após a mitose. Williams e teína A da matriz extracelular para espa- e pré-pedúnculo estão em geral misturadas no
colaboradores (1989) acharam que célu- ços intercelulares. No centro da porção estágio precoce da agregação, mas se separam
las pré-esporo e pré-pedúnculo podem ser anterior do grex, um outro grupo de célu- de modo que a maioria das células pré-
diferenciadas em agregados precoces e las pré-pedúnculo começa a secretar uma pedúnculo se encontrem na parte anterior do
que estão distribuídas de modo aleatório segunda nova proteína (proteína B), para grex. As células pré-pedúnculo A constituem
através desses montes hemisféricos. As- sua matriz extracelular. Essas células são a maior parte do anterior do grex, com alguma
sim, as tendências para certos destinos chamadas células pré-pedúnculo B (pstB), células similares no posterior. Células pré-
foram estabelecidas até mesmo antes do enquanto a maioria das células pré-pedún- pedúnculo B são vistas na parte central da
grex começar a migrar. Dentro de cada agre- culo são conhecidas como células pré- porção anterior do grex. Nos estágios preco-
gado, a maioria das células pré-pedúncu- pedúnculo A (pstA) (Figura 1.26). Outro ces da culminação, as células pré-pedúnculo
lo, migram ativamente para o anterior, en- grupo de células pré-pedúnculo, as célu- do posterior migram para formar o disco basal
quanto células pré-esporo permanecem las pstO, estão espalhadas de maneira e os cálices do saco de esporos; as células pré-
no que se tornará a região posterior do esparsa através das células pré-esporo, e pedúnculo A do anterior migram para o centro
e se tornam células pré-pedúnculo B. Isso es-
grex. Essa migração provavelmente é de- migram mais lentamente em direção ao
tende o pedúnculo até que esse eleve a caixa de
vida a repetidos pulsos de cAMP que ain- anterior. Quando o grex se encontra na
esporos acima da superfície. (Segundo
Harwood et al., 1992).

Células pré-pedúnculo A Cálice superior


Células pré-pedúnculo B
Células pré-pedúnculo AB Células
Direção do movimento celular pré-esporo
Células pré-esporo Cálice
Pré-pedúnculo AB
Pré-pedúnculo AB Inferior Pré-pedúnculo AB
Pré-pedúnculo B
Guarda da Pré-pedúnculo A
retaguarda Disco basal interior
Disco basal exterior

Pré-pedúnculo B Pré-pedúnculo B

Agregado Grex Culminante precoce Culminante médio Culminante tardio


28 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

grex migram para as bordas da região pré- (Gross et al., 1983; Wang et al., 1990). passa a fosforilar um repressor que esta-
esporo e diferenciam-se no invólucro dos Bonner e colaboradores (1985), sugeriram va inibindo a expressão dos genes de di-
esporos e disco basal (Williams e Jermyn, que como a luz causa difusão mais rápida ferenciação do pedúnculo. No estado fos-
1991; Harwood et al., 1992). Finalmente, da amônia, remove o inibidor permitindo forilado, o inibidor é inativo. Portanto, uma
os esporos são levantados 2 mm acima assim, o progresso da culminação. vez que os níveis de cAMP se elevam (pela
do solo, de onde podem ser dispersos A amônia parece inibir a produção do remoção da amônia), a PKA pode inativar
pelo vento ou um animal que passa. pedúnculo pelos menos de duas manei- o inibidor dos genes formadores do pe-
O gatilho para a culminação parece ser ras. Inibe a ação de DIF (Wang e Schaap, dúnculo (Figura 1.27). [intro.4html]
a luz solar ou a baixa umidade. Experimen- 1989), e inibe a produção de cAMP nas
tos recentes sugerem que esses dois fa- células pré-pedúnculo (Schindler e Sus- Figura 1.27
tores causam a difusão de amônia da les- sman, 1977; Harwood et al., 1992). Esse Uma hipótese para a iniciação coordenada da
ma. A amônia é produzida copiosamente cAMP é necessário para ativar a proteína culminação e diferenciação de células
por lesmas migratórias e reprime a culmi- quinase cAMP-dependente (PKA). Célu- pedunculares em Dictyostelium. A luz solar
dissipa a amônia na parte anterior do grex,
nação. Sempre que a amônia estiver exau- las pré-pedúnculo contendo PKA não- permitindo maior produção de cAMP nas cé-
rida (quer naturalmente ou experimental- funcional, não fosforilam certas proteínas. lulas pré-pedúnculo. A concentração mais alta
mente), a culminação começa (Schindler e Essas células não migram para a região de cAMP ativa a PKA, que fosforila um
Sussman, 1977; Newell e Ross, 1982; central anterior, nem se diferenciam em inibidor da expressão gênica do pedúnculo. O
Bonner et al., 1985). A amônia inibe a con- células do pedúnculo (Firtel e Chapman, inibidor fosforilado não pode mais inibir os
versão de células pstA em pstB e proíbe a 1990; Harwood et al., 1992). Os dados genes pedúnculo-específicos. A seqüência pela
qual a formação de esporos é inibida, não está
continuação da formação do pedúnculo sugerem que quando PKA é ativada, clara. (Baseado em modelos de Bonner et al.,
1985, e Harwood et al., 1992)
cAMP
Amônia
Repressor ativo da
diferenciação e de Migração
genes de migração continuada
peduncular do grex

Luz solar PKA


inativa
cAMP

PKA
ativa

Transcrição
do gene da proteína B
da matriz extracelular;
Repressor inativo
migração de células
(fosforilado)
pré-pedúnculo;
diferenciação e
culminação peduncular

Padrões desenvolvimentais entre metazoários


Como o restante deste livro se ocupa do desenvolvimento de metazoários - animais
multicelulares que atravessam estágios embrionários de desenvolvimento - apre-
sentaremos um visão panorâmica dos seus padrões desenvolvimentais.* A Figura
1.28 ilustra os principais rumos evolutivos do desenvolvimento metazoário. A ob-
servação mais impressionante é que a vida não evoluiu segundo uma linha reta;
apresenta diversos caminhos evolutivos ramificados. Podemos ver que a maioria
das espécies de metazoários pertence a um de dois principais ramos de animais:
protostomatas e deuterostomatas.

*Plantas passam por padrões igualmente complexos e fascinantes de desenvolvimento embri-


onário e pós-embrionário. No entanto, o desenvolvimento das plantas difere significativamente
daquele dos animais; a inclusão de um tratamento abrangente do seu desenvolvimento teria dobrado
a extensão deste livro. Por isso, foi tomada a decisão de enfocar neste texto, o desenvolvimento dos
animais. Para uma revisão, veja Singer, 1997.
CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 29

BILATERIA RADIATA PARAZOA

DEUTEROSTOMATAS PROTOSTOMATAS

Ascídios Moluscos Artrópodos Platel- Cnidários Poríferos


Nematelmintos
Vertebrados (Tunicados) Equinodermos Anelídeos mintos (Celenterados) (Esponjas)

Segmentados Não-segmentados
Larva
trocófora

Clivagem em

a
ad
espiral gastrulação

m
lo
protostosomal da

ce
ma

do
lo

eu
ce

Larva dipleura

ps

a
izo

ad
em
(tornária)

m
qu

elo
ag
es

ac
nh
em

Li

em
ag

ag
nh

Clivagem radial
nh
Li

gastrulação Li
deuterostomal

L
DIA
RA
SIMETRIA Platelmintos primitivos RIA
ET
BILATERAL (acelomados) SIM

Larvas planulóides

Protozoários coloniais
primitivos

Protistas flagelados

Figura 1.28
Principiais divergências evolucionárias em animais existentes. (Outros modelos são possíveis,
porém, os esquemas em geral são todos semelhantes ao mostrado aqui.)

Os Poríferos
Considera-se que os protistas coloniais deram origem, ao menos, a dois grupos de
metazoários, ambos passando por estágios embrionários. Um desses grupos é o Porífero
(esponjas). Esses animais desenvolvem-se de um modo tão diferente daquele de qual-
quer outro grupo de animais, que alguns taxonomistas sequer consideram-nos
metazoários (chamando-os, “parazoários”). Uma esponja tem três tipos principais de
células somáticas, mas um deles, o arqueócito, pode se diferenciar em todos os outros
30 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

tipos. As células de uma esponja quando passadas por uma peneira, podem regenerar
novas esponjas a partir de células individuais. Ainda mais, em alguns casos, tal re-
agregação é espécie-específica: se células individuais de esponja de duas espécies
diferentes forem misturadas, cada uma que se re-forma contém somente células de
uma espécie (Wilson, 1907). Nesses casos, admite-se que os arqueócitos móveis cole-
cionam células de sua espécie, mas não das outras (Turner, 1978). Esponjas não con-
tém mesoderma, não havendo portanto verdadeiros sistemas de órgãos em Porífero;
esses seres não têm tubo digestivo, sistema circulatório, nervos ou músculos. Assim,
apesar de passarem por estágios embrionários e larvais, esponjas são muito pouco
parecidos com a maioria dos metazoários (veja Fell, 1997).

Protostomatas e Deuterostomatas
O outro grupo de metazoários emergindo dos protistas coloniais é caracterizado pela
presença de três camadas germinativas durante o desenvolvimento. Alguns membros
do grupo constituem os Radiatas, assim chamados porque têm simetria radial tal como
um tubo ou uma roda. Os Radiatas incluem os cnidários (medusas, corais e hidras) e
ctenóforos (medusas de crista). Nesses animais, o mesoderma é rudimentar, consistin-
do de células escassamente disseminadas em uma matriz gelatinosa. Porém, a maioria
dos metazoários tem simetria bilateral, constituindo assim, os Bilaterias. Esses filos
bilaterais são classificados como platelmintos, protostomatas ou deuterostomatas.
Pensa-se que todos os Bilateria descendam de um tipo primitivo de platelminto. Esses
platelmintos foram os primeiros a ter mesoderma verdadeiro (embora não tivessem
ficado ocos para formar uma cavidade corpórea), e foram considerados parecidos com
as larvas de certos celenterados contemporâneos. Enquanto os platelmintos são des-
providos de celoma (cavidade corpórea), os nematelmintos (e rotiferas) têm uma cavi-
dade corpórea diferente daquela de todos os outros animais, por ser desprovida de
revestimento mesodérmico. A maioria dos filos são celomados, isto é, possuem uma
cavidade corporal revestida por mesoderma.
As diferenças entre as duas divisões de Bilateria estão ilustradas na Figura 1.29.
Protostomatas (do Grego, “boca primeiro”), incluem os filos dos moluscos, artrópodos
e vermes; são assim chamados porque a boca é formada em primeiro lugar, junto ou
próximo da abertura intestinal, produzida durante a gastrulação. O ânus se forma mais
tarde em outro local.
A cavidade corpórea desses animais se forma a partir de uma previamente sólida
corda de células mesodérmicas, tornadas ocas. A outra grande divisão dos Bilateria é
a linhagem dos deuterostomatas. Os filos nessa divisão incluem os chordatas e os
equinodermos. Embora possa parecer estranho classificar seres humanos e cavalos
no mesmo grupo que estrelas-do-mar e ouriços-do-mar, alguns traços embriológicos
acentuam esse parentesco. Em primeiro lugar, nos deuterostomatas (do Grego signifi-
cando “boca depois”), a abertura bucal é formada depois da abertura anal. Também,
enquanto prostostomatas em geral formam suas cavidades corpóreas tornando oco
um bloco sólido de mesoderma (formação esquizelóide), a maioria dos deuterostomatas
formam suas cavidades corpóreas a partir de bolsas mesodérmicas estendendo-se do
intestino (formação enterocélica). Porém, deve-se mencionar que há muitas exceções
a essas generalizações.
Protostomatas e deuterostomatas diferem na maneira pela qual são clivados. Na
maioria dos deuterostomatas, os blastômeros são perpendiculares ou paralelos uns aos
outros. Isso é chamado clivagem radial. Protostomatas ao contrário, têm uma extensa
variedade de tipos de clivagem. Muitas espécies formam blástulas compostas por célu-
las que estão em ângulos agudos relativamente ao eixo polar do embrião. São por isso
considerados sofrer clivagem espiral. Além disso, os blastômeros em estágio de clivagem,
na maioria dos deuterostomatas, têm maior capacidade de regular seu desenvolvimento
do que os prostostomatas. Se um único blastômero é removido de um embrião
quadricelular de ouriço-do-mar ou camundongo, tal blastômero irá desenvolver-se em
um organismo inteiro, e os três-quartos restantes do embrião também irão se desenvolver
CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 31

(A) PROTOSTOMATAS (B) DEUTEROSTOMATAS

1. Clivagem espiral 1. Clivagem radial

2. Desenvolvimento esquizocélico 2. Desenvolvimento enterocélico

Celoma Celoma
Bolsa
Blastocele Blastocele
Intestinal

Mesoderma Bolsas se
se divide destacam

Mesoderma Mesoderma

Intestino Intestino Intestino Intestino

3. Tendência a não regulação 3. Tendência à regulação

Embrião de Um blastômero Desenvolvimento


de 4 células excluído interrompido Embrião de Um blastômero Duas larvas normais
de 4 células excluído se desenvolvem

Figura 1.29
Tendências principais dos prostostomatas e
normalmente. Porém, se a mesma operação fosse realizada em um embrião de lesma ou de deuterostomatas. Exceções à todas essas ten-
verme, tanto o blastômero isolado como os restantes se desenvolveriam em embriões dências gerais evoluíram secundariamente em
certos membros de cada grupo. (A maioria dos
parciais – cada um carente daquilo que foi formado a partir dos outros.
vertebrados por exemplo, não tem uma forma-
A evolução dos organismos depende de alterações herdadas em seu desenvolvi- ção estritamente enterocélica da cavidade cor-
mento. Um dos maiores avanços evolucionários – o ovo amniótico – ocorreu entre os poral; e os embriões de certos deuterostomatas,
deuterostomatas. Esse tipo de ovo, exemplificado pelo da galinha (Figura 1.30), é como os tunicados, não sofrem regulação se os
considerado ter-se originado dos ancestrais anfíbios dos répteis, há cerca de 255 blastômeros são deles removidos.)
milhões de anos. O ovo amniótico permitiu aos vertebrados vagar pela terra longe de
suprimentos de água existentes. Ao passo que a maioria dos anfíbios é obrigada a
voltar para a água para procriar e permitir o desenvolvimento de seus ovos, o ovo
amniótico carrega seu próprio suprimento de água e nutrientes. O ovo é fertilizado
internamente e contém a gema para nutrir o embrião em desenvolvimento. Ainda,
contém quatro bolsas: o saco vitelínico, que armazena proteínas nutrientes, o âmnio,
que contém fluido banhando o embrião, a alantóide, na qual restos do metabolismo
embrionário são coletados, e o cório, que interage com o ambiente externo, seletiva-
mente permitindo materiais chegar ao embrião. O todo dessa estrutura está contido em
uma casca que permite a difusão de oxigênio, ao mesmo tempo sendo suficientemente
dura para proteger o embrião de agressões ambientais. Desenvolvimento semelhante
de proteções do ovo permitiram aos artrópodes serem os primeiros invertebrados
sobre a terra. Assim, a travessia final dos limites entre água e terra ocorreu com a
modificação do estágio mais precoce do desenvolvimento – o ovo.
32 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Figura 1.30 Embrião


Diagrama do ovo amniótico do pinto, mos- Intestino
trando o desenvolvimento das membranas en-
Âmnio
volvendo o embrião. (A) Incubação de três dias.
O mesoderma extra-embrionário se estende do Cavidade
embrião para prover vasos sangüíneos para e amniótica
de várias regiões fora do embrião. (B) Incuba-
Alantóide
ção de sete dias. A origem das membranas será
detalhada no capítulo 9. A gema será finalmen- Cório
te rodeada pelo saco vitelínico que permite a
entrada de nutrientes nos vasos sangüíneos. O Gema
cório é derivado em parte do ectoderma e es-
tende-se do embrião até a casca (onde irá tro- Saco vitelino
car oxigênio e gás carbônico e obter cálcio da Alantóide
casca). O âmnio prove o meio fluido no qual
(A) (B)
cresce o embrião, e a alantóide coleta resíduos
nitrogenados que seriam perigosos para o em-
brião. Finalmente, o endoderma se transforma
no intestino e envolve a gema. A evolução do
âmnio e das outras membranas extra-embrio- A biologia do desenvolvimento proporciona um sortimento infinito de fascinantes
nárias constituiu uma grande linha divisória problemas e animais. No presente livro, encontraremos apenas uma pequeníssima
entre aqueles vertebrados cuja reprodução está amostra deles, servindo para ilustrar os princípios mais importantes do desenvolvi-
ligada à água (anamniotas) e aqueles que po- mento animal (para uma cobertura mais completa da diversidade do desenvolvimento
dem se reproduzir em áreas secas (amniotas).
animal através dos filos, veja Gilbert e Raunio,1997). Estamos apenas observando o
conjunto das marés ao nosso alcance, enquanto todo o oceano do desenvolvimento
se estende à nossa frente. Após uma breve visão dos princípios genéticos e celulares
relevantes para a biologia do desenvolvimento, investigaremos os estágios precoces
da embriogênese animal: fertilização, clivagem, gastrulação e construção do plano do
corpo vertebrado. Capítulos posteriores se concentrarão nos mecanismos genéticos e
celulares pelos quais ele é elaborado. Embora uma tentativa de cobrir as variações
importantes que ocorreram no reino animal tivesse sido feita, um certo chauvinismo
deuterostossômico pode ter ficado aparente.

LITERATURA CITADA

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CAPÍTULO 1 Introdução ao Desenvolvimento Animal 33

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34 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

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Dependence of cell-type proportioning and
sorting on cell cycle phase in Dictyostelium dis-
coideum. Exp. Cell Res. 70: 133-145.
Genes e desenvolvimento:
Introdução e técnicas 2
O que gostaríamos de saber é se a estrutura
é determinada diretamente pela informação
codificada no DNA, gravada no ovo... na
extensão em que estrutura pode ser ex-
pressa por informação. JONATHAN
“E NTRE OS CARACTERES que fornecem os dados para a teoria, e os
genes postulados, aos quais os caracteres se referem, está todo o cam-
po do desenvolvimento embrionário”. Aqui Thomas Hunt Morgan (1926)
estava verificando que o único caminho de genótipo para fenótipo, passava através
de processos desenvolvimentais. No começo do século vinte, embriologia e genética
BARD (1990) não eram consideradas ciências separadas. Divergiram na década de 1920, quando
Morgan redefiniu a genética como a ciência que estuda a transmissão dos traços em
Os segredos que me enlaçam e cativam são oposição à embriologia, a ciência que estuda a expressão desses traços. Durante a
em geral segredos da hereditariedade: como última década, porém, as técnicas da biologia molecular realizaram uma reaproximação
uma semente de pêra vira uma pereira em entre embriologia e genética. Na realidade, os dois campos se ligaram novamente a tal
vez de um urso polar. CYNTHIA
ponto que se torna necessário uma discussão prévia da genética molecular neste
OZICK (1989)
texto. Questões do desenvolvimento animal que não poderiam ser consideradas há
uma década, estão sendo agora resolvidas por um conjunto de técnicas envolvendo
síntese de ácidos nucléico e hibridização. Este capítulo procura situar essas novas
técnicas dentro do contexto do diálogo, ora em curso, entre genética e embriologia.

As origens embriológicas da teoria dos genes


Núcleo ou Citoplasma: Qual Controla a Hereditariedade?
Mendel chamou-os Formbildungelementen, elementos construtores de formas; nós os
chamamos de genes. Porém, é na terminologia de Mendel que vemos como no século
dezenove os conceitos de herança e desenvolvimento estavam intimamente entrelaça-
dos. Entretanto, as observações de Mendel não indicaram onde na célula ficavam esses
elementos hereditários, nem como eram levados a se expressarem. A teoria dos genes,
que viria a ser a pedra angular da genética moderna, teve origem em uma controvérsia no
campo da embriologia. Em fins século XIX, um grupo de cientistas começou a estudar,
por seu valor intrínseco, como ovos fertilizados davam origem a organismos adultos.
Dois jovens embriologistas americanos, Edmund Beecher Wilson e Thomas Hunt Morgan
(Figura 2.1), tornaram-se parte desse grupo de “embriologistas fisiológicos”, cada um
tornando-se partidário na controvérsia sobre qual dos dois compartimentos do ovo
fertilizado - o núcleo ou o citoplasma - controla a herança.

35
36 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

(B)
Figura 2.1
(A) E. B. Wilson (1856-1939; mostrado aqui em
aproximadamente 1899), um embriologista cujo
trabalho, na fase precoce da embriologia e da de-
terminação sexual, muito avançou as hipóteses
cromossômicas do desenvolvimento. (Wilson era
também reconhecido como um dos melhores vio-
loncelistas amadores do país.) (B) Thomas Hunt
Morgan (1866-1945), que desenvolveu a teoria
dos genes a partir da embriologia. Essa fotografia
- tomada em 1915, quando os elementos básicos
da teoria dos genes estavam se encontrando –
mostra Morgan usando uma lente manual para
identificar moscas. (A) cortesia de W. N. Timmins;
(B) cortesia de G. Allen.)
(A)

Quando Morgan e Wilson entraram nesse debate, a disputa já estava bem ativa.
Uma escola associada a Oskar Hertwig, Wilhelm Roux e Theodor Boveri, propunha
que os cromossomos do núcleo continham os elementos construtores de formas.
Esse grupo era desafiado por Eduard Pflüger, T. L. W. Bischoff, Wilhelm His e seus
colegas, que acreditavam que estruturas pré-formadas não poderiam causar tão enor-
mes mudanças durante o desenvolvimento; ao contrário, eles acreditavam que os
padrões herdados de desenvolvimento eram causados pela criação de novas molécu-
las do gameta interativo, citoplasmas. Morgan aliou-se a esse último grupo e obteve
dados que interpretou com sendo consistentes com o modelo citoplasmático da he-
rança. Em seu experimento mais crucial, ele removeu citoplasma do récem-fertilizado
ovo ctenóforo (geléia de crista). Em 1897 Morgan relatou:

Aqui, embora todo o núcleo de segmentação esteja presente, devido à perda de


parte do citoplasma, produz-se embriões com defeito... Parece não haver escape
da conclusão que no citoplasma, e não no núcleo, está o poder de diferenciação
dos estágios precoces do desenvolvimento.
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 37

Wilson, nesse ínterim, tornou-se o maior proponente do ponto de vista de que os


elementos formadores se encontravam nos cromossomos nucleares. Defendeu
vigorosamente essa idéia em seu livro A Célula no Desenvolvimento e na Herança
(1896), salientando a necessidade da presença do núcleo para regeneração dos
protozoários (veja capítulo 1):

Esse fato presume que o núcleo é, se não o local da formação de energia, ao menos,
o fator controlador dessa energia e, por isso, o fator controlador da herança. Essa
conjectura transforma-se em certeza quando nos voltamos para os fatos da matu-
ração (meiose), fertilização e divisão celular. Todos convergem em direção da
conclusão de que a cromatina é o elemento essencial para o desenvolvimento.

Wilson (1895) não se esquivou das conseqüências dessa conclusão*

Agora, a cromatina é sabida ser intimamente semelhante, se não idêntica, à


substância conhecida como nucleína...que a análise demonstra ser um compos- (A)
to químico toleravelmente bem definido, composto de ácido nucléico (um com-
plexo ácido orgânico rico em fósforo) e albumina. E assim, chegamos à notável
conclusão que a herança pode, talvez, ser efetuada pela transmissão física de um
dado composto químico do progenitor para a descendência.

Wilson pensou que o material formador de órgãos que Morgan havia removido do
citoplasma de ovos de ctenóforo, já havia sido para ali secretado pelos cromossomos
nucleares (Wilson, 1894, 1904). Para Wilson (1905) “Os materiais citoplasmáticos pare-
cem ser apenas o meio imediato ou a causa eficiente da diferenciação, e ainda procu-
ramos sua determinação primária nas causas que residem mais profundamente.”
Parte do maior apoio para a hipótese cromossômica da herança estava vindo dos
estudos embriológicos de Theodor Boveri (Figura 2.2 A), um pesquisador na Estação
Biológica de Nápoles. Boveri fertilizou óvulos de ouriço-do-mar com altas concentra-
ções de seu espermatozóide e obteve ovos que haviam sido fertilizados por dois
espermatozóides. Na primeira clivagem, esses ovos formaram quatro pólos mitóticos e
dividiram o ovo em quatro, em vez de duas células (veja capítulo 4). Boveri então
separou os blastômeros e demonstrou que cada célula se desenvolvia anormalmente
e de maneiras diferentes por ter cada célula diferentes tipos de cromossomos. Assim,
Boveri declarou que cada cromossomo tinha uma natureza individual e o controle de (B)
diferentes processos vitais.
Figura 2.2
O Cromossomo X como uma Ponte Entre Genes e Desenvolvimento O caráter singular do cromossomo foi mostra-
do por Boveri e Stevens. (A) Theodor Boveri
Em adição à evidência de Boveri, E. B. Wilson (1905) e Nettie Stevens (1905a,b) de- (1862-1915) cujo trabalho Wilson (1918) co-
monstraram uma correlação crítica entre cromossomos nucleares e o desenvolvimento mentou: “conseguiu a verdadeira fusão de
organizacional. Stevens (Figura 2.2B), uma ex- estudante de Morgan, mostrou que em citologia, embriologia e genética – um feito bi-
92 espécies de insetos (e um cordato primitivo), as fêmeas tinham dois cromossomos ológico que... não fica atrás de qualquer outro
sexo-específicos em cada núcleo (XX), enquanto machos tinham somente um cromos- de nosso tempo.” Fotografia tirada em 1908,
somo X (XY ou XO). Parecia que uma estrutura nuclear, o cromossomo X, estava quando os estudos cromossômicos e embrio-
controlando o desenvolvimento sexual** . Morgan discordou da interpretação de que lógicos de Boveri estavam no seu apogeu. (B)
Nettie M. Stevens (1861-1912), que treinou
tanto com Boveri como com Morgan, vista
*Note-se que Wilson está escrevendo sobre unidades construtoras de forma na cromatina aqui em 1904 quando era estudante de pós-
em 1896 – antes da redescoberta do trabalhos de Mendel ou do estabelecimento da teoria dos doutorado, realizando a pesquisa que correla-
genes. Para uma análise mais detalhada das interações entre Morgan e Wilson que levaram à cionou o número de cromossomos X com o
teoria dos genes, veja Gilbert (1978, 1987) e Allen (1986). desenvolvimento sexual. [(A) cortesia de
**
Baltzer, 1967; (B) cortesia do Instituto
Wilson era um dos amigos mais íntimos de Morgan, que considerava Stevens sua melhor
estudante de pós-graduação. Ambos estavam contra Morgan nessa questão. Mesmo assim,
Carnegie de Washington.]
Morgan apoiou inteiramente o pedido de Stevens para fundos de pesquisa, confirmando suas
qualidades como as melhores possíveis. Wilson escreveu uma elogiosa carta de recomendação,
apesar de saber que ela seria uma rival na pesquisa (veja Brush, 1978).
38 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

os cromossomos determinavam o sexo. Ao contrário, ele considerou o conjunto de


cromossomos como uma característica sexual secundária, controlada por alguma subs-
tância citoplasmática determinadora do sexo.
A “conversão” de Morgan para a hipótese cromossômica ocorreu depois de
obter dados contrários às suas teorias (veja Allen, 1978; Gilbert, 1978; Lederman,
1989). Enquanto criava Drosophila para uma série de experimentos sobre evolu-
ção, Morgan começou a obter várias mutações correlacionadas com o sexo. (Como
ele logo iria mostrar, mutações ligadas ao X apareciam antes de mutações em
outros cromossomos, porque defeitos no cromossomo X não são mascarados
pelo cromossomo homólogo no macho.) Em 1910, Morgan mostrou que os traços
para ambos sexos e cor branca dos olhos estão correlacionados de alguma manei-
ra com a presença de um dado cromossomo X; entretanto, evitou considerá-los
ligados fisicamente. Porém, em 1911mostrou que fatores reguladores da cor dos
olhos, cor do corpo, forma das asas e sexo segregavam-se juntos com o cro-
mossomo X, o que o levou a começar a visualizar os genes como fisicamente
ligados um ao outro no cromossomo. O embriologista Morgan tinha demonstra-
do que cromossomos nucleares eram responsáveis pelo desenvolvimento de
caracteres herdados. [gene1.html]

A cisão entre a embriologia e a genética


A evidência de Morgan proporcionou uma base material para o conceito do gene. A
genética havia sido, em geral, uma ciência empírica sobre procriação de animais e
plantas; Morgan deu-lhe um fundamento científico. Movida pelo desejo de progre-
dir no conhecimento da reprodução de animais e plantas (e seres humanos), e na
capacidade dos geneticistas de obter rapidamente resultados concretos e matemati-
camente verificáveis, a genética logo se tornou a ciência biológica predominante
nos Estados Unidos (veja Allen, 1986; Sapp, 1987; Paul e Kimmelman, 1988). Na
década de 1930, tornou-se disciplina autônoma, desenvolvendo seu vocabulário
próprio, revistas, sociedades, organismos favorecidos, professorados e regras de
evidência. Hostilidade entre embriologia e genética também emergiu. Os geneticis-
tas acreditavam que os embriologistas eram antiquados e que o desenvolvimento
viria a ser inteiramente explicado como o resultado da expressão gênica. Conforme
proclamado por Richard Goldschmidt (1938), “O desenvolvimento, obviamente, é a
produção ordenada de um padrão e assim, em última análise, os genes controlam o
padrão”. Se os embriologistas não olharem para a embriogênese em termos da ativi-
dade dos genes, os geneticistas o farão.
Reciprocamente, os embriologistas consideraram os geneticistas como irrelevantes
e mal-informados. Embriologistas como Frank Lillie (1927), Ross Granville Harrison
(1937), Hans Spemann (1938) e Ernest E. Just (1939) (Figura 2.3), argumentaram que
não poderia haver uma teoria genética do desenvolvimento até que ao menos três
principais desafios fossem resolvidos:

1. Os geneticistas teriam que explicar como cromossomos – que eram considera-


dos idênticos em cada célula do organismo – direcionam tipos diferentes e
variáveis de citoplasmas celulares.
2. Quase todos genes conhecidos na época afetavam a modelagem das etapas
finais (cor dos olhos, forma das cerdas, vascularização alar). Os geneticistas
teriam que produzir evidência que os genes controlam os estágios precoces da
embriogênese. Conforme enunciado por Just (citado por Harrison, 1937), os
embriologistas estavam interessados em saber como uma mosca forma o seu
dorso e não no número de cerdas no seu dorso.
3. Os geneticistas teriam que explicar fenômenos como a determinação do sexo
em certos invertebrados (e vertebrados, como répteis), nos quais o ambiente
determina o fenótipo sexual.
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 39

(A) (B)

Figura 2.3 (C)


Embriologistas tentaram impedir a genética de “conquistar” seu território na década de 1930.
(A) Frank Lillie encabeçou o Laboratório de Biologia Marinha em Woods Hole e foi um líder na
pesquisa sobre fertilização e endocrinologia reprodutiva. (B) Hans Spemann (à esquerda) e
Ross Harrison (à direita) aperfeiçoaram operações de transplante para descobrir quando eram
determinados os eixos do corpo e dos membros. Argumentaram que os geneticistas não possu-
íam um mecanismo para explicar como os mesmos genes nucleares podiam criar tipos celulares
diferentes durante o desenvolvimento. (C) Ernest E. Just fez descobertas cruciais sobre fertili-
zação. Rejeitou a genética e enfatizou o papel da membrana celular na determinação dos destinos
das células. (A cortesia de V. Hamburger; B cortesia de T. Horder; C cortesia do Laboratório de
Biologia Marinha, Woods Hole.)

O debate tornou-se deveras veemente. Numa retórica, refletindo as ansiedades


políticas do fim da década de 1930, Harrison (1937) alertou:
Agora que a necessidade de relacionar os dados da genética com a embriologia
está sendo usualmente reconhecida e a sede de conhecimento dos geneticistas
começa a impeli-los em nossa direção, não pareceria impróprio apontar para
um perigo dessa ameaçada invasão. O prestígio do sucesso desfrutado pela
teoria dos genes poderia facilmente tornar-se um obstáculo para a compreensão
do desenvolvimento, por dirigir nossa atenção exclusivamente para o genoma,
enquanto movimentos celulares, diferenciação e todos os processos desenvolvi-
mentais são de fato realizados pelo citoplasma. Já temos teorias que referem os
processos do desenvolvimento à ação dos genes e consideram toda performance
como nada mais que a consecução dos potenciais dos genes. Tais teorias são
totais e demasiadamente unilaterais.

Até que os geneticistas puderam demonstrar a existência de variantes herdadas du-


rante a fase precoce do desenvolvimento e até que os geneticistas tiveram uma bem-
documentada teoria sobre como os mesmos cromossomos podiam produzir diferentes
tipos de células, os embriologistas em geral não sentiram a necessidade de basear sua
embriologia na ação dos genes. [gene2.html]

Primeiras tentativas da genética do desenvolvimento


Porém, alguns cientistas acharam que nem a embriologia nem a genética estavam
completas uma sem a outra. Várias tentativas foram feitas para sintetizar as duas
disciplinas, mas sua primeira integração bem-sucedida veio no fim da década de
40 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

1930, por parte de dois embriologistas, Salome Gluecksohn-Schoenheimer (agora


S. Gluecksohn Waelsch) e Conrad Hal Waddington. Ambos haviam sido treinados
em embriologia na Europa e tinham aprendido genética nos Estados Unidos com
estudantes de Morgan. Gluecksohn-Schoenheimer e Waddington, tentaram achar
mutações que afetassem o desenvolvimento precoce e processos afetados por es-
ses genes. Gluecksohn-Schoenheimer (1938, 1940) mostrou que mutações nos genes
de Brachyury do camundongo, causavam desenvolvimento aberrante da porção
posterior do embrião, e atribuiu os efeitos desses genes mutantes a defeitos no
mesoderma axial que normalmente teriam ajudado a induzir o eixo dorsal.* Além
disso, Gluecksohn-Schoenheimer (1938) considerou que no trabalho com camun-
dongos não era possível fazer o que os embriologistas experimentais deveriam estar
fazendo - alterando a estrutura durante seu desenvolvimento e observando quais
eram as conseqüências dessa operação. Em vez disso, um novo tipo de cientista era
necessário, o geneticista do desenvolvimento:
Enquanto o embriologista experimental desenvolve um dado experimento e em
seguida estuda seus resultados, o geneticista do desenvolvimento tem que estu-
dar primeiro o desenrolar do desenvolvimento (isto é, os resultados da pertur-
bação do desenvolvimento) para depois, às vezes, chegar a conclusões sobre a
natureza do “experimento” realizado pelo gene.

Ao mesmo tempo, Waddington (1939) isolava diversos genes que causavam mal-
formações alares na mosca das frutas, Drosophila. Também analisava como esses
genes podiam afetar os primórdios que dão origem a essas estruturas. A asa da Droso-
phila, conforme proclamou corretamente, “parecia favorável para pesquisas sobre a
ação desenvolvimental dos genes”. Assim, uma das principais objeções ao modelo
genético do desenvolvimento levantadas pelos embriologistas - que os genes atuam
somente sobre a modelagem final do embrião e não sobre seus principais esquemas de
construção – foi contrariada. [gene3.html]

Evidência para a equivalência genômica


Ainda permanecia uma outra grande objeção para uma embriologia baseada na genéti-
ca: Como poderiam genes nucleares dirigir o desenvolvimento se os genes eram os
mesmos em cada tipo celular? Essa equivalência genômica não estava provada mas
era assumida (porque cada célula é o descendente mitótico do ovo fertilizado) e um
dos primeiros problemas da genética do desenvolvimento era o de determinar se cada
célula de um organismo tinha o mesmo genoma que outra.

Metaplasia
A primeira evidência para equivalência genômica veio após a 2a Guerra Mundial, por
parte de embriologistas que estavam estudando a regeneração de tecidos excisados.
O estudo da regeneração do olho da salamandra demonstrou que mesmo células
adultas diferenciadas podem reter o seu potencial de produzir outros tipos celulares.
Portanto, os genes para os produtos desses outros tipos de células devem ainda estar
presentes, embora normalmente não expressos. Na salamandra, a remoção da retina

*As observações de Gluecksohn-Schoenheimer levaram 60 anos para ser confirmadas através


da hibridização do DNA. No entanto, quando o gene do T-locus foi clonado e sua expressão
detectada pela técnica da hibridização in situ (discutida mais adiante neste capítulo), Wilkinson e
colaboradores (1990) acharam que “a expressão do gene T tem um papel direto nos eventos
precoces da formação do mesoderma e na morfogênese da notocorda”. Embora uma história
completa do desenvolvimento precoce da genética do desenvolvimento ainda permaneça por ser
escrita, mais informações sobre suas turbulentas origens podem ser encontradas em Oppenheimer,
1981; Sander, 1986; Gilbert, 1988, 1991, 1996; Burian et al., 1991; Harwood, 1993; Keller, 1995;
e Morange, 1996.
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 41

neural promove sua regeneração a partir da retina pigmentada, e uma nova lente pode
ser formada a partir das células da íris dorsal. A regeneração do tecido lenticular da íris
(a assim chamada regeneração Wolffiana a partir da pessoa que primeiro a observou
em 1894) foi intensamente estudada. Yamada e seus colegas (Yamada, 1966, Dumont e
Yamada, 1972) acharam que após a remoção de uma lente, uma série de acontecimentos
leva à produção de uma nova lente a partir da íris (Figura 2.4). Os núcleos do lado
dorsal da íris começam a sintetizar quantidades enormes de ribossomos, seu DNA se
replica, e divisões mitóticas se sucedem. As células da íris pigmentada começam, em
seguida, a se desdiferenciar expelindo seus melanossomos (os grânulos pigmentados
que dão ao olho a sua cor; esses melanossomos são ingeridos por macrófagos que
entram no local da ferida). A íris dorsal continua a se dividir, formando um globo de
tecido desdiferenciado na região da lente removida. Essas células começam então a
sintetizar os produtos diferenciados de células lenticulares, as proteínas do cristali-
no. Essas proteínas são fabricadas na mesma ordem que no desenvolvimento normal
da lente. Uma vez formada uma nova lente, as células do lado dorsal da íris cessam sua
atividade mitótica.
Esses eventos não são a via normal pela qual a lente dos vertebrados é formada.
Como será visto em detalhe mais tarde, a lente normalmente se desenvolve a partir de
uma camada de células epiteliais da cabeça, induzida pelas células retinais precursoras
subjacentes. A formação da lente por células diferenciadas da íris representa metaplasia
(ou transdiferenciação), a transformação de um tipo celular diferenciado em outro
(Okada, 1991). A íris da salamandra, portanto, não havia perdido gene algum daqueles
usados na diferenciação das células da lente.

Retina Retina
pigmentada neural

Íris dorsal

Figura 2.4
Lente Regeneração Wolffiana da lente da salamandra
a partir da margem dorsal da íris. (A) Olho
normal, não-operado no estágio larval da sala-
Íris mandra Notophtalmus viridiscens. (B-G) Re-
ventral generação da lente, vista respectivamente nos
dias 5, 7, 9, 16, 18 e 30. A nova lente estará
completa no dia 30. (de Reyer, 1954, cortesia
de R. W. Reyer.)
(A) (B) (C)

(D) (E) (F) (G)


42 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Clonagem de Anfíbios: A Restrição da Potência Nuclear


O teste definitivo sobre se, ou não, o núcleo de uma célula diferenciada sofreu qual-
quer restrição funcional irreversível, seria o de conseguir que esse núcleo gerasse
todo outro tipo de célula diferenciada no organismo. Se cada núcleo fosse idêntico ao
núcleo do zigoto, o núcleo de cada célula deveria ser capaz de direcionar todo o
desenvolvimento do organismo, quando transplantado para um ovo ativado enucleado.
Porém, antes que tal experimento pudesse ser feito, três técnicas tiveram que ser
aperfeiçoadas: (1) um método para enuclear ovos do hospedeiro sem destruí-los; (2)
um método para isolar núcleos doadores intactos; (3) um método para transferir tais
núcleos para dentro do ovo sem danificar o núcleo ou o oócito.
Essas técnicas foram desenvolvidas na década de 1950, em primeiro lugar por
Robert Briggs e Thomas King que combinaram a enucleação com a ativação do ovo.
Quando um oócito de rã-leopardo (Rana pipiens) é perfurado com uma agulha limpa
de vidro, o ovo sofre todas as mudanças citológicas e bioquímicas associadas à
fertilização. Ocorre rearranjo citoplasmático interno e a finalização da meiose perto
do pólo animal da célula. Esse fuso meiótico pode ser facilmente localizado quando
empurra os grânulos pigmentados do pólo animal; a punção do oócito nesse local
induz o fuso e seus cromossomos a fluir para fora do ovo (Figura 2.5). O ovo hospe-
deiro é agora considerado estar ativado (as reações de fertilização necessárias para
iniciar o desenvolvimento foram completadas) e enucleado. A passagem de um nú-
cleo para o ovo é conseguida pela ruptura de uma célula doadora e transferência do
núcleo liberado para o oócito por meio de uma micropipeta. Algum citoplasma acom-
panha o núcleo para seu novo lar, mas a razão do citoplasma doador para o receptor
é somente de 1:105, e o citoplasma do doador não parece afetar o resultado dos
experimentos. Em 1952, Briggs e King demonstraram que núcleos da célula da blás-
tula podiam direcionar o desenvolvimento de girinos completos quando transferi-
dos para o citoplasma do oócito.
O que acontece quando núcleos de estágios mais avançados são transferidos
para oócitos ativados e enucleados? Os resultados de King e Briggs (1956) estão
delineados na Figura 2.6. Enquanto a maioria dos núcleos da blástula podiam produzir
girinos completos, houve um dramático decréscimo da capacidade dos núcleos deri-
vados de estágios mais tardios direcionar o desenvolvimento direto até o estágio de

Pólo animal Fuso


Agulha de vidro meiótico isolado
Micropipeta

Fuso Grânulos Remoção dos cromossomos Ovo ativado Extração e lise da Núcleo doador
meiótico pigmentados e do fuso da célula enucleado célula doadora inserido na célula
enucleada

Figura 2.5
Procedimento para o transplante de núcleos da Membrana
blástula para ovos ativados enucleados de Rana cicatriza
pipiens. As dimensões relativas do fuso meiótico
foram exageradas para demonstrar a técnica. A
bela R. pipiens na fotografia foi derivada dessa
maneira. (Segundo King, 1966; fotografia corte-
sia de M. DiBerardino e N. Hoffner.)
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 43

Estágio desenvolvimental dos embriões e girinos Figura 2.6


dos quais foram retirados os núcleos Gráfico de transplantes nucleares bem sucedidos, em fun-
a l
ud
ção da idade do desenvolvimento nuclear. A abscissa repre-
ca co senta o estágio no qual o núcleo doador (de R. pipiens) foi
e o to ía
a oc a br m ard isolado e inserido no oócito ativado e enucleado. A ordena-
nucleares que se desenvolvem normalmente

r di ec r di m co o c
pr
Porcentagem de embriões de transplantes

ta ta c o s t da mostra a porcentagem desses transplantes capazes de


ul
a
ul
a
ul
a la os no e n
st tr tr ru n iri t i m produzir blástulas que podiam em seguida direcionar o de-
á ás ás êu ir i G
ba
Bl G G N G senvolvimento para o estágio do girino nadador (Segundo
McKinnell, 1978.)

Girinos (Rana pipiens)


nadando normalmente

Horas a 18oC

girino. Quando núcleos de células somáticas de girinos no estágio de broto caudal


foram usados como doadores, não ocorreu desenvolvimento normal. Porém, núcle-
os de células germinativas de girinos do estágio de broto caudal (que irão finalmen-
te dar origem a um organismo completo após a fertilização), foram capazes de
direcionar desenvolvimento completo em 40 porcento das blástulas que se desen-
volveram (Smith, 1956). Assim, células somáticas parecem perder sua capacidade de
direcionar desenvolvimento completo à medida que se tornam definidas e diferenci-
adas, e a progressiva restrição da potência nuclear durante o desenvolvimento
parece ser uma regra geral. Porém, é possível que alguns núcleos celulares diferen-
ciados sejam diferentes de outros.

Clonagem de Anfíbios: A Pluripotência de Células Somáticas


John Gurdon e seus colegas, usando métodos ligeiramente diferentes de transplante
nuclear na rã Xenopus, obtiveram resultados sugerindo que os núcleos de algumas
células diferenciadas podem permanecer totipotentes. Gurdon também achou uma
progressiva perda de potência no decorrer do desenvolvimento, embora células de
Xenopus tenham retido suas potências por um período de desenvolvimento mais
longo (Prancha 1). As exceções a essa regra mostraram ser muito interessantes. Gurdon
havia transferido núcleos do endoderma intestinal de girinos Xenopus que se alimen-
tavam, para ovos ativados enucleados. Esses núcleos doadores continham um
marcador genético (um nucléolo por célula, em lugar dos dois usuais), que os distin-
guia dos núcleos do hospedeiro. Entre 276 núcleos transferidos, somente 10 (1.4
porcento) promoveram o desenvolvimento até o estágio do girino que se alimentava.
Transplantes seriados (que requeriam colocar um núcleo intestinal em um ovo e quan-
do o ovo tinha se transformado em blástula, transferia-se o núcleo da blástula para
vários outros ovos), aumentavam o rendimento para 7 porcento (Gurdon, 1962). Em
alguns casos, núcleos das células intestinais dos girinos foram capazes de gerar todas
linhagens de células – neurônios, células do sangue, nervos e assim por diante – de
um girino vivente. Além disso, sete desses girinos (de dois núcleos originais) se
metamorfosearam em rãs adultas férteis (Gurdon e Uehlinger, 1966); esses núcleos
eram totipotentes (Figura 2.7).
King e seus colegas criticaram esses experimentos assinalando que: (1) não havi-
am sido tomadas suficientes precauções para ter certeza que células germinativas
primordiais, que podem migrar até o intestino, não foram usadas como fontes de
núcleos, e (2) as células intestinais de um girino tão jovem poderiam não se qualificarem
44 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Figura 2.7 EXPERIMENTO


Procedimento empregado para obter rãs ma- Ovo não-fertilizado Girino
duras de núcleos intestinais de girinos de Xe- (cepa 2 – nu) (cepa 1 – nu)
nopus. O ovo de tipo selvagem (2 nucléolos
por núcleo; 2-nu) é irradiado para destruir os
cromossomos maternos, e um núcleo intesti-
nal de um girino marcado (1-nu) é inserido. Em
alguns casos não ocorre divisão; em alguns ca- Núcleo intestinal
Irradiação UV destrói epitelial é inserido
sos o desenvolvimento do embrião é sustado;
comossomos do ovo no ovo irradiado
porém, em outros casos, uma rã inteiramente
nova é formada tendo um genótipo 1-nu. (Se-
gundo Gurdon, 1968, 1977.) Micropipeta

Ovo receptor Núcleo intestinal


irradiado

RESULTADOS

Blástula Blástula Blástula Sem divisão

Girino Girino
(morre)
Embrião
anormal

Rã adulta
(Cepa 1 – nu)

como um tipo de célula verdadeiramente diferenciada porque células de girinos que se


alimentam ainda contêm plaquetas de gema (DiBerardino e King, 1967; McKinnell,
1978; Briggs, 1979). Para responder a essas críticas, Gurdon e seus colegas cultivaram
células epiteliais da membrana natatória de rãs adultas. Essas células mostraram estar
diferenciadas; cada uma continha queratina, a proteína característica de células adul-
tas da pele. Quando núcleos dessas células foram transferidos para oócitos ativados
e enucleados de Xenopus, nenhum dos transferidos de primeira geração progrediu
além da formação do tubo neural, pouco após a gastrulação. Por transplantes seria-
dos, porém, numerosos girinos foram gerados (Gurdon et al., 1975). Embora esses
girinos tivessem morrido antes de atingir o estado alimentar, um único núcleo celular
diferenciado ainda retinha potências incríveis. Um único núcleo derivado de uma
hemácia de uma rã adulta (que nem se replica e nem sintetiza RNA) pode sofrer mais de
100 divisões após ser transplantado para um oócito ativado e, ainda, reter a habilidade
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 45

de gerar girinos natatórios (Orr et al., 1986; DiBerardino, 1989). Embora DiBerardino
(1987) tenha observado que “até o presente, núcleo algum de uma célula
documentadamente especializada, nem de uma célula adulta tenha mostrado ser
totipotente”, tal núcleo pode no entanto instruir a formação de todos os órgãos do
girino natatório.
Algumas das diferenças entre os resultados dos laboratórios de Briggs e de Gurdon,
podem envolver diferenças na fisiologia do desenvolvimento das rãs Rana e Xenopus.
Quando se transfere um núcleo de uma célula diferenciada para o citoplasma do oócito,
se está pedindo ao núcleo para reverter para condições fisiológicas às quais ele não
está acostumado. Os núcleos da clivagem das rãs dividem-se rapidamente, enquanto
alguns núcleos de células diferenciadas dividem-se raramente, se tanto. Falhas em
replicar DNA rapidamente podem levar a quebras cromossômicas: tais anormalidades
foram vistas em muitas células de girinos clonados. Sally Hennen (1970) mostrou que
o sucesso desenvolvimental de núcleos doadores pode ser ampliado tratando-se
esses núcleos com espermina e resfriando os ovos para dar tempo ao núcleo de se
adaptar ao citoplasma do ovo. Acredita-se que a espermina remova histonas da
cromatina podendo “re-acertar” a atividade dos núcleos. Quando núcleos do endoderma
de girinos de Rana pipiens, no estágio de broto caudal, foram tratados dessa maneira,
62 porcento daqueles núcleos que iniciaram desenvolvimento normal, prosseguiram
até a geração de girinos normais. Em animais controle, nenhum dos núcleos conse-
guiu gerar tais girinos. Assim, os genes para o desenvolvimento do girino completo
não pareceram ter sido perdidos pelas células do endoderma.
Podemos olhar para esses experimentos de clonagem de anfíbios de duas manei-
ras. Primeiro, reconhecer uma restrição geral de potência concomitante ao desenvolvi-
mento. Segundo, facilmente ver que o genoma da célula diferenciada é notavelmente
potente em sua habilidade de produzir todos os tipos celulares do girino anfíbio. Em
outras palavras, mesmo existindo um debate sobre a totipotência de tais núcleos,
existe pouca dúvida de que eles são extremamente pluripotentes. Certamente, muitos
genes não usados na pele ou em células sangüíneas, podem ser reativados para
produzir os nervos, o estômago, ou o coração de um girino natatório. Assim, cada
núcleo no corpo contém a maioria (se não todos) dos mesmos genes.

Informações adicionais
& Especulações

Clonando Mamíferos por Prazer e Lucro

C LONAR SERES HUMANOS a


partir de células previamente di-
ferenciadas parece ser o objeti-
vo de editores de jornais e novelistas.
dessem ser geradas de núcleos diferencia-
dos, essa habilidade não poderia ser
extrapolada para células humanas. Além
das dificuldades éticas e técnicas do tra-
1983). Esses zigotos reconstruídos come-
çam a se dividir e são então implantados
no útero. Os camundongos resultantes exi-
bem o fenótipo do núcleo doador. Enquan-
Deve ter ficado óbvio da discussão pre- balho com o organismo humano, o cito- to mais de 90 porcento dos zigotos enucle-
cedente que clonar um indivíduo total- plasma do oócito humano pode não res- ados do camundongo, recebendo pronú-
mente desenvolvido, a partir de células ponder a sinais emitidos por um núcleo de cleos de outros zigotos, se desenvolvem
diferenciadas, é uma formidável tarefa. uma célula em estágio avançado. Trans- até o blastócito (blástula), nem um único
Mesmo em anfíbios, os núcleos das célu- plante nuclear foi conseguido em camun- embrião (de 81), desenvolveu-se até esse
las diferenciadas não foram capazes de dongos, pela remoção de pronúcleos estágio quando núcleos de embriões de 4
gerar animais adultos quando colocados (haplóides) de espermatozóide e óvulo de células foram transferidos para zigotos
em células ativadas e enucleadas. um zigoto, e substituição por pronúcleos enucleados (McGrath e Solter, 1984). Simi-
Além disso, mesmo se rãs adultas pu- de outro (Figura 2.8; McGrath e Solter, larmente, núcleos de embriões de 8 células
46 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

(A) (C) po de ativação e implantação uterina. Usan-


do modificações técnicas, Willadsen (1986)
produziu carneiros de termo completo a
partir de núcleos transplantados de blas-
tômeros do estágio de 8 células; núcleos
de embriões pré-implantados de gado, por-
cos e coelhos foram capazes de direcionar
o desenvolvimento completo quando
(B) (D) transplantados para oócitos ativados e
enucleados (Prather et al., 1987; Stice e
Robl, 1988; Prather et al., 1989; Willadsen,
1989). Porém, em todos esses casos, os nú-
cleos vieram de embriões pré-implantados.
Recentemente, Wilmut e colaboradores
(1997) mostraram que é possível clonar um
carneiro a partir de um núcleo de célula de
glândula mamária adulta. Esse resultado
Figura 2.8 Procedimento para transferir núcleos para o ovo ativado enucleado de mamifero.
Um embrião de célula única, incubado em colcemida e citocalasina para relaxar o citoesquele- poderá ter importantes conseqüências agrí-
to, é seguro com uma pipeta de sucção. Os núcleos haplóides derivados do espermatozóide e colas e legais (Prather, 1991). [gene4.html]
do óvulo, não se juntaram ainda. A pipeta de enucleação perfura a zona pelúcida (a proteína
que envolve o ovo) e aspira a membrana celular adjacente e a área da célula contendo os Clonagem de Plantas
pronúcleos. (A) A pipeta de enucleação é retirada e o citoplasma contendo os pronúcleos é Somente nas plantas os núcleos de célu-
removido do ovo. A membrana celular não está rompida; a continuidade do citoplasma limita- las diferenciadas de organismos adultos
do pela membrana está indicada pela flexa. (B) A membrana celular forma uma vesícula ao podem ser facilmente vistos como capa-
redor dos pronúcleos no interior da pipeta de enucleação. (C) Essa vesícula é misturada com zes de direcionar o desenvolvimento de
vírus Sendai (que induz a fusão de membranas nucleares) e é inserida no espaço entre a zona outro organismo adulto. Essa habilidade
pelúcida e o outro ovo enucleado. (D) O vírus Sendai proporciona a fusão do ovo enucleado foi dramaticamente demonstrada em célu-
e os pronúcleos envoltos pela membrana, permitindo que os pronúcleos (flexa) penetrem na las de cenouras ou tabaco. Em 1958, F. C.
célula. (Segundo McGrath e Solter, 1983; cortesia dos autores.) Steward e seus colegas estabeleceram um
processo pelo qual os tecidos diferencia-
e massa celular interna (os blastômeros que (cujas células são totipotentes) não dão dos de raízes de cenouras podiam dar ori-
formam o embrião, mas não a placenta*) suporte para o desenvolvimento total. Tais gem a toda uma nova planta (Figura 2.9).
também não puderam apoiar o desenvolvi- experimentos provavelmente fracassam Pequenos pedaços de floema são isola-
mento. Em contraste com núcleos de ouri- porque núcleos de blastômeros não funci- dos da cenoura e rodados em grandes
ços-do-mar ou anfíbios, os núcleos dos onam de maneira normal no citoplasma frascos contendo leite de coco. Esse flui-
blastômeros precoces do camundongo zigótico. Por isso, a clonagem de Elvis do (é realmente o endosperma da semen-
Presley a partir de células diferenciadas não te do coco) contém os fatores e nutrien-
*Cada blastômero da massa celular interna
é algo com que possamos contar. tes necessários para o crescimento da
é totipotente no sentido de reter sua capacida-
de de formar células de qualquer tipo no orga- Nem todos blastômeros mamíferos planta e os hormônios exigidos para a
nismo. Essa capacidade permite o aparecimen- são os mesmos, todavia, as espécies diferenciação. Sob essas condições, os
to de gêmeos. mamíferas diferem muito em termos de tem- tecidos proliferam e formam uma massa

Figura 2.9
Experimento de Steward demonstrando a
totipotência de células do floema da cenoura.

Células livre do calo


continuam a se desenvolver
em suspensão
Floema
de raiz

Corte Planta
Planta de Proliferação de
transversal jovem
cenoura massa celular
da raiz
madura (calo) em meio Planta embrionária
de cultura de transferida para meio Planta de cenoura
leite de coco de cultura de agar madura no agar
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 47

desorganizada chamada calo. A continu- de cenoura completa e fértil (Steward et são destacadas como uma linhagem dis-
ação da rotação leva ao desbastamento al., 1964; Steward, 1970). tinta de células no início do desenvol-
de células individuais do calo para o meio Porém, plantas e animais se desen- vimento), as plantas normalmente deri-
de suspensão. Essas células dão origem volvem de maneira diferente; a propa- vam seus gametas de células somáticas.
a nódulos celulares semelhantes a raízes gação vegetativa de plantas por corte Portanto, não é tão surpreendente que
que continuam a crescer enquanto per- (i.e, porções de plantas que quando nu- uma única célula de uma planta possa
manecem em suspensão. A partir desses tridas, regeneram as partes faltantes) é se diferenciar em outros tipos de célu-
nódulos, colocados em um meio solidifi- uma prática agrícola comum. Além dis- las e formar um clone geneticamente
cado com agar, o resto da planta é capaz so, em contraste com anfíbios e mamífe- idêntico (clone, do grego klon, signifi-
de se desenvolver, formando uma planta ros (nos quais as células germinativas cando “ramo”).

Sobre E. coli e elefantes: O modelo operon


Na maioria dos casos estudados, o genoma é o mesmo de célula para célula no orga-
nismo. Os genes para a proteína globina podem ser encontrados em células da pele, e
os genes para as queratinas da pele podem ser encontrados em neurônios cerebrais.
Porém, isso ainda deixa sem resposta outra grande questão levantada pelos
embriologistas: Se o núcleo de cada célula no organismo tem os mesmos genes, como
podem esses genes fazer com que essas células se tornem diferentes? *Pouco tempo
após a 2a Guerra Mundial, muitos biologistas concordaram que:

a maior lacuna, ainda para ser preenchida, entre dois campos da pesquisa em
biologia é provavelmente aquela entre a genética e a embriologia. É o problema
repetidas vezes declarado, porém, até agora não resolvido, de como células com
genomas idênticos podem se tornar diferenciadas, adquirir a propriedade de
confeccionar moléculas com novos, ou no mínimo, diferentes padrões ou confi-
gurações específicos.

Curiosamente, essa citação vem de Jacques Monod (1947), um geneticista


microbiano trabalhando na síntese de enzimas adaptativas, que são proteínas que
embora não sejam usualmente sintetizadas por bactérias ou levedos, serão sinte-
tizadas se os microorganismos encontrarem um novo substrato. Por exemplo, a
bactéria Escherichia coli só sintetiza β-galactosidase e outras enzimas digestoras
de lactose, quando encontram a lactose. Se a lactose está ausente do citoplasma,
essas enzimas não são sintetizadas. Mas, com a introdução de lactose no citoplasma,
esse grupo de novas enzimas aparecem. Em micróbios, ao menos, o mesmo genoma
pode produzir dois estados citoplasmáticos funcionalmente diferentes, depen-
dendo da presença ou não de determinado composto (no caso, a lactose). Monod
lançou a hipótese que o fenômeno da adaptação enzimática podia oferecer a solu-
ção para o problema de como genomas idênticos podem sintetizar diferentes mo-
léculas “específicas”.

*A grande exceção a essa regra da constância dos genes – os genes das imunoglobulinas – é
discutida no Capítulo 10. Cada célula tem todas as subunidades gênicas das imunoglobulinas, mas em
linfócitos, algumas dessas subunidades estão rearranjadas ou mesmo suprimidas do genoma. O
terceiro desafio - a explicação de como o ambiente pode direcionar o desenvolvimento – foi
prontamente compreendida, uma vez que a explicação geral para a expressão diferencial da expres-
são gênica foi estabelecida. Conforme veremos, o modelo do operon demonstrou como uma
substância do ambiente podia efetuar a expresão gênica diferenciada.
48 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Monod não foi o único cientista a achar que micróbios unicelulares poderiam
explicar a diferenciação multicelular. O microbiologista Sol Spiegelman (1947) declarou
que a embriologia estava sendo prejudicada por sua própria terminologia. O problema
da diferenciação não podia mais ser visto como uma propriedade estrutural dos teci-
dos, mas passar a ser considerado uma propriedade bioquímica de células individuais.
A diferenciação deveria ser vista não em termos anatômicos, mas como “produção
controlada de padrões enzimáticos únicos”. Essa redefinição focaliza a atenção para a
relação entre os genes do núcleo e as propriedades do citoplasma. Além disso, a
síntese de uma enzima adaptativa em presença do seu substrato deveria ser discutida
como uma “indução”. Esse é o termo técnico usado em embriologia para descrever a
habilidade de uma célula produzir uma substância capaz de influenciar a diferenciação
de outra. O agente molecular responsável deveria ser chamado “o indutor”. Spiegelman
via uma semelhança fundamental entre a indução de novos tipos celulares no embrião
e a indução de novas enzimas em microorganismos. [gene5.html]
No fim da década de 1950, um grupo de pesquisadores acreditava que micróbios
eram um excelente (e facilmente estudado) modelo para diferenciação embrionária.
Muitos geneticistas microbianos explicitamente ligaram enzimas indutivas a concei-
tos embriológicos. Julgavam ser válida a extrapolação, e apelaram para a unidade da
natureza e, em última análise, as regras simples que esperavam encontrar. Como suge-
rido por Monod (veja Judson, 1979), se alguém entender a bactéria, entenderá o ele-
fante. Muitos embriologistas, porém, permaneceram cépticos a respeito da extrapolação
de bactérias a embriões, enfatizando a complexidade do desenvolvimento e a diversi-
dade da performance embriológica.
Em 1961, Jacob e Monod sintetizaram dados sobre a indução da β-galactosidase
levando à construção do modelo do operon. Esse modelo postula que a pequena
molécula do indutor causava a transcrição de diferentes genes em E. coli (Figura 2.10).
Em sistemas indutivos, uma proteína repressora codificada por genes liga-se ao sítio
operador adjacente aos genes estruturais, impedindo a ligação da RNA polimerase ao
sítio promotor que inciaria a transcrição. Estando presente, o indutor liga-se à proteína
repressora alterando sua conformação de forma a impedir a ligação ao operador. Com
isso, o gene torna-se capaz de transcrever mRNA, que pode ser traduzido formando
proteína. Dessa maneira, o mesmo genoma pode sintetizar diferentes enzimas, depen-
dendo da presença ou não do respectivo indutor. Em um importante trabalho de 1961,
Jacob e Monod enfatizaram que o mecanismo de controle do operon-símile pode ser
parte da regulação gênica universal. Eles conectaram seus resultados ao “problema
fundamental da embriologia química que é a compreensão do porquê células dos
tecidos não expressam constantemente todos os potenciais contidos em seu genoma”.
O modelo do operon foi imediatamente introduzido nos textos de embriologia por
cientistas que procuravam a síntese da genética com a embriologia. O livro de
Waddington (1962), Novos Padrões na Genética e no Desenvolvimento, começa com
um capítulo relacionando o modelo do operon de Jacob e Monod com o controle da
expressão gênica no desenvovimento dos anfíbios. Waddington aprovou especial-
mente esse modelo porque significava que os genes não são apenas ativos, mas
reativos, respondendo às mudanças no citoplasma. Waddington considerou genes e
citoplasma como mutuamente interativos. Essa perspectiva foi também salientada em
Hereditariedade e Desenvolvimento (1963), síntese de embriologia com genética por
John Moore, que conclui:

Na geração anterior, poucos embriologistas ou geneticistas teriam previsto


que a síntese dos seus campos de trabalho teria se tornado possível por estu-
dos com a bactéria Escherichia coli. No entanto, essa criatura microscópica,
sem embrião próprio, mostrou um caminho. Na próxima década, poderá ser
difícil perceber a diferença entre um geneticista e um embriologista, à medida
que eles avançam em sua ciência para além daquilo que cada um poderia ter
conseguido isoladamente.
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 49

(A) O operon lac Figura 2.10


Regulação diferencial de genes em E. coli. (A-C) No estado induzível de
tipo-selvagem, não há transcrição de RNA de β-galactosidase a não ser
que a lactose esteja presente. (B) Quando a lactose não está disponível,
uma proteína repressora produzida pelo gene i liga-se ao sítio repressor
Gene indutor Promotor Genes estruturais
para utilização
(o), inibindo a transcrição pela RNA polimerase do promotor (p). (C)
Operador
da lactose Quando o indutor lactose está presente, combina com a proteína repres-
sora, alterando sua forma, o que faz com que a proteína não possa mais
(B) Quando não há lactose disponível se ligar ao DNA operador , fazendo começar a transcrição. (D) A solubi-
Genes estruturais lidade dessa proteína é demonstrada em estudos com o mutante de E.
coli. Quando células bacterianas haplóides com um gene indutor não-
funcional (i-) são tornadas parcialmente diplóides com o gene tipo-
selvagem (i+), forma-se repressor tipo-selvagem capaz de tornar indutível
Não há transcrição o gene original da β-galactosidase.
Proteína repressora de genes estruturais
produzidas por
i liga-se a o

(C ) Quando a lactose está disponível


Genes estruturais

Lactose
RNA
mRNA polimerase
β-galactosidase
mRNA é transcrito
Lactose combinando
com o repressor,
previne ligação a o

(D) O repressor da lactose é solúvel

Genes estruturais

O gene i do tipo selvagem pode produzir


repressor para ambos cromossomos que se
ligam a o na ausência de lactose

Genes estruturais

Síntese diferencial de RNA


A desejada unificação não ocorreu tão rapidamente como esperado por Moore. Po-
rém, baseado na evidência embriológica a favor da equivalência genômica e do mode-
lo do operon de E. coli, emergiu na década de 1960 um consenso de que as células
regulam seu desenvolvimento através da expressão gênica diferencial. Como bactéri-
as eram os modelos para tal atividade, expressão em geral significava transcrição de
mRNA. Os três postulados da expressão gênica diferencial eram os seguintes:
50 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

1. Cada núcleo celular contém o genoma completo estabelecido no ovo fertiliza-


do. Em termos moleculares, os DNAs de todas as células diferenciadas são
idênticos.
2. Os genes não-usados das células diferenciadas não são destruídos ou mutados,
retendo o potencial de serem expressos.
3. Só uma pequena porcentagem do genoma está sendo expressa em cada célula,
e uma porção do RNA sintetizado é específica para aquele tipo de célula.

Os dois primeiros postulados já foram discutidos. O terceiro – que só uma pequena


parte do genoma está ativo produzindo produtos específicos dos tecidos – foi primei-
ro testado em larvas de insetos. Após a eclosão, uma larva de inseto tem duas popu-
lações celulares diferentes, formadas por cerca de 10.000 células. A maior parte tem
cromossomos politênicos. Tais cromossomos sofrem replicação de DNA na ausência
de mitose, contendo portanto 512 (29), 1024 (210), ou mesmo mais hélices duplas para-
lelas de DNA em lugar de somente uma (Figura 2.11; Prancha 31). Essas células não
sofrem mitose, e crescem expandindo seu volume até 150 vezes. Durante a metamorfo-
se, tais células morrem sendo substituídas por células diplóides não politênicas agru-
padas em certas regiões da larva (veja Capítulo 19). Beermann (1952) mostrou que o
padrão de distribuição das bandas de cromossomos politênicos era idêntico ao longo
da larva e que não se notavam perdas ou adições de qualquer região cromossômica
quando diferentes tipos de células eram comparados (Figura 2.12). Porém, Beermann
estudando o mosquito Chironomus e Becker (1959) estudando Drosophila, acharam
regiões cromossômicas que estavam “estufadas”. Esses tufos apareciam em lugares
diferentes nos cromossomos em cada tecido; seu aparecimento mudava com o de-
senvolvimento dessas células (Figura 2.13). Ainda mais, alguns tufos podiam ser

Figura 2.11
Cromossomos politênicos. (A) Cromossomos politênicos de células da glândula salivar de
Drosophila melanogaster. Os quatro cromossomos estão conectados em seus centrômeros,
formando um denso cromocentro. Os genes estruturais para a álcool desidrogenase (ADH),
aldeído oxidase (Aldox) e octanol desidrogenase (ODH) foram mapeados nas posições designa-
das nesses cromossomos. (B) Fotografia ao microscópio eletrônico de uma pequena região de
um cromossomo politênico de Drosophila. As bandas escuras estão altamente condensadas
comparadas com as regiões interbandas. (A de Ursprung et al., 1968, cortesia de H. Ursprung;
B de Burkholder, 1976, cortesia de G. D. Burkholder.)

Aldox
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 51

estimulados ou inibidos por certas mudanças fisiológicas causadas pelo calor ou por
hormônios (Clever, 1966; Ashburner, 1972; Ashburner e Berondes, 1978).
Beermann (1961) apresentou evidências que esses tufos representam um afrouxa-
mento localizado de cromossomos politênicos (Figura 2.14) e que são sítios de síntese
ativa de RNA. Duas espécies intercruzadas diferentes de Chiromonus foram encon-
tradas: uma produzindo grande quantidade de proteína salivar e a outra não (Figura
2.15). Os produtores tinham uma tufo grande (anel de Balbiani) em determinada banda;
esse tufo não existia nos não-produtores. O cruzamento de produtor com não-produ-
tor resultou em larvas produzindo quantias intermediárias de proteína salivar. Cruzan-
do duas moscas híbridas, a capacidade de produzir proteína salivar segregou-se de
forma Mendeliana: 1 alto produtor: 2 intermediários:1 não-produtor. Altos produtores
tinham dois tufos (um em cada cromossomo homólogo), produtores intermediários
tinham apenas um, e não-produtores nenhum tufo. Beermann concluiu que a informa-
ção genética necessária para a síntese dessa proteína salivar está presente nessa
banda distal do cromossomo e que sua produção dependia de transformação em uma
região estufada.

(A)

Glândula Túbulos de Tecido Intestino


salivar Malpighi retal

(B)

Figura 2.12
Identidade genômica em cromossomos politênicos. (A) Uma região do
conjunto cromossômico da mosca Chiromonus tentans. Notar a constân-
cia do número de bandas nos diferentes tecidos. (B) Hibridização do RNA
de uma proteína da gema com um cromossomo da glândula salivar larval
de Drosophila. Os grãos escuros (flexa) mostram onde a mensagem da
proteína radioativa da gema se ligou aos cromossomos. Notar que o gene
para a proteína está presente no cromossomo da glândula salivar, apesar
da proteína não ser aí sintetizada. (A) Segundo Beermann, 1952; (B) De
Barnett et al., 1980; fotografia cortesia de P. C. Wensink.
52 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Figura 2.13
Seqüência de estufamentos de uma porção do cro-
mossomo 3 da glândula salivar de Drosophila mela-
nogaster. (A,B) larva de 110 horas; (C) larva de 115
horas; (D,E) estágio pré-pupa (após 4 horas). Notar
o estufamento e a regressão das bandas 74EF e 75B.
Outras bandas (71DE, 78D) estufam mais tarde, po-
rém, a maioria não estufa de modo algum durante o
período. (Cortesia de M. Ashburner.)

(A) (B) (C) (D) (E)

Prova adicional de que tufos cromossômicos produzem mRNA vem de estudos


sobre tufos do anel de Balbiani (BR2) em Chironomus tentans. O BR2 pode ser
isolado por microdissecção devido seu tamanho excepcional, e seus produtos po-
dem ser analisados por autoradiografia (Lambert e Daneholt, 1975). A Figura 2.16 A,
B mostra o isolamento de BR2 do cromossomo 4 de C. tentans. Transcrição de BR2
foi demonstrada incubando glândulas salivares isoladas com precursores de RNA

(A)

(B)

Figura 2.14
Terminação proximal do cromossomo 4 da glândula sali-
var de Chiromonus pallidivitatus, mostrando o enorme
tufo BR2. (A) Fotomicrografia em contraste de fase, de
preparações coradas, mostrando o extenso tufo no cro-
mossomo politênico. (B) Diagrama da região passando
por estufamento. (A de Grossbach, 1973, cortesia de U.
Grossbach; B segundo Beermann, 1963)
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 53

BR4(SZ)
Alto Não-produtor
produtor

BR2

Todos produtos
intermediários

BR1

BR3

Alto produtor Não-produtor


Produtores
(A) (B) (C) Intermediários

Figura 2.15
Correlação de padrões de estufamento com fun-
ções especializadas nas células das glândulas
salivares de Chironomus pallidivitatus. (A)
radioativos. O RNA radioativo pôde, em seguida, ser extraído da porção BR2 do Cromossomo de uma célula produzindo uma
cromossomo dissecado (Lambert, 1972). Esse RNA era excepcionalmente grande – secreção granular e mostrando um anel de
cerca de 50.000 bases. O grande segmento de RNA radioativo, especificamente Balbiani adicional [BR4(SZ)]. (B) Cromosso-
hibridizado para a região BR2 do cromossomo, mostrou que o DNA estufado (Puff mo 4 de uma célula salivar, mostrando somen-
de DNA) - e nenhum outro local - tinha-o transcrito ativamente (Figura 2.16C). Esse te anéis de Balbiani 1, 2 e 3 (BR1, BR2, BR3).
mesmo RNA pôde ser isolado de polissomos sintetizadores de proteínas, indicando (C) Evidência genética que a síntese de uma
importante proteína salivar depende da for-
que é ativo na síntese protéica (Wieslander e Daneholt, 1977). Assim, um RNA
mação de tufos BR4(SZ). Larvas com altos
transcrito de uma banda específica de DNA, que estufa na glândula salivar larval, níveis de secreções granulares têm células sali-
pode posteriormente ser visto produzindo proteínas em ribossomos citoplasmáticos. vares glandulares com tufos BR4(SZ) em am-
bos cromossomos 4 (coloridos), enquanto lar-
vas sem essas secreções não têm tais tufos.
Produtores intermediários têm somente um
cromossomo 4 com uma região estufada
BR4(SZ) em cada célula salivar realizando a
secreção. (A e B segundo Beermann, 1961, cor-
tesia de W. Beermann.)

(A)

(B) Figura 2.16


BR 2 (A,B) Isolamento da região BR2 de Chirono-
mus tentans por micromanipulação. O cromos-
somo intacto 4 pode ser dividido em três regi-
ões, uma contendo BR2. (C) Transcrição da
região BR2 mostrado por uma auto-radiogra-
fia in situ após hibridização do BR2 RNA com
a preparação cromossômica. (A e B de Lambert
e Daneholt, 1975; C de Lambert, 1972; foto-
(C) grafias cortesia de B. Lambert.)
54 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Portanto, os tufos nos cromossomos salivares estão produzindo mRNA ativamen-


te. Em células que sintetizam essa proteína, o gene está ativado; em células que não
usam essa proteína, o gene permanece reprimido.

Hibridização de ácido nucléico


Poucos genes puderam ser analisados como aqueles nos tufos politênicos de
Chiromonus. E embora esses genes dos tufos eram ativos em células que já se
haviam diferenciado (como aquelas da glândula salivar), não eram os genes cau-
sadores da diferenciação celular. Para encontrar e analisar os genes que são res-
ponsáveis pelo desenvolvimento embrionário, novas técnicas tiveram que ser
aperfeiçoadas.
A maioria das técnicas para análise de genes eucariotos baseia-se na hibridização
de ácidos nucléicos. Essa técnica envolve fortalecimento de pedaços de fitas simples
de RNA e DNA, para permitir a formação de híbridos de fitas duplas. Por exemplo, se
o DNA é cortado em pequenos pedaços e cada pedaço dissociado em duas fitas
simples – desnaturado – cada fita na solução deverá achar e reunir-se com seu parcei-
ro complementar, quando lhe é dado tempo suficiente para isso. As condições de
renaturação devem ser tais que ligação específica entre fitas complementares seja
mantida e combinações não específicas sejam dissociadas. Isso é, em geral, consegui-
do variando a temperatura ou as condições iônicas da solução em que ocorre a
renaturação (Wetmur e Davidson, 1968). De maneira semelhante, RNA sintetizado a
partir de uma região particular do DNA poderia ser esperado ligar-se à fita do qual foi
transcrito (Figura 2.17). Assim, RNA pode ser esperado hibridizar especificamente
com o gene que o codifica. Para medir essa hibridização, uma das fitas de ácido nucléico
(a sonda) é em geral marcada pela incorporação de nucleotídeos radioativos. Um
problema técnico que inicialmente atormentou os estudos de hibridização de ácidos
nucléicos foi a dificuldade em conseguir colocar quantidades suficientes de radioati-
vidade na molécula de RNA. Esse problema foi superado isolando o RNA e fazendo
uma cópia complementar de DNA (cDNA) na presença de precursores radiativos. Isso
pode ser feito em tubo de ensaio contendo o RNA, uma extensão curta de DNA
(chamado de iniciador ou primer), precursores radioativos de DNA e a enzima viral
transcriptase reversa. Essa enzima pode produzir DNA de um molde de RNA (Figura
2.18). O DNA é sintetizado in vitro, não sendo necessário preocupar-se com a diluição

(A)

Condições de Condições de
desnaturação re-anelamento
(calor, álcali)

Figura 2.17
Hibridização de ácidos nucléicos. (A) Se a hé- RNA
(B)
lice de DNA for separada em duas fitas, essas
devem se re-anelar sob condições adequadas
de força iônica e tempo. De maneira semelhan-
te, se o DNA for separado em suas duas fitas,
o RNA deve ficar capacitado a se ligar a genes
que o codificam. Se presente em quantidades Desnaturar; adicionar RNA hibridiza
RNA (em grande com uma
suficientemente grandes em comparação com
quantidade em fita de DNA
o DNA, o RNA irá substituir uma das fitas de comparação com DNA)
DNA nessa região.
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 55

dos precursores radiativos. Além disso, o DNA pode hibridizar tanto com o gene que
produziu o RNA (embora a outra fita) e com o próprio RNA, tornando-o extremamente
mRNA
útil para a detecção de pequenas quantidades de RNAs específicos.[other.html#gene6]
Anelar iniciador
Clonagem de DNA genômico
mRNA
Já em 1904 Theodor Boveri desesperava-se, considerando que as técnicas de sua
época nunca seriam suficientes para permitir-lhe estudar como os genes criam embri- Transcriptase
ões. Havia necessidade de uma técnica especial de amplificação gênica: reversa
Porque não é somente o núcleo, nem mesmo cromossomos individuais, mas cer- mRNA
tas partes de certos cromossomos de certas células que precisam ser isolados e
coletados em quantidades enormes para análise; essa seria uma pré-condição cDNA
para colocar o químico em uma posição a qual lhe permitiria analisar (o mate- Álcali
rial hereditário) com mais minúcias que o morfologista.
cDNA
Entretanto, desde a década de 1970 a hibridização de ácido nucléico permitiu aos
biologistas do desenvolvimento realizar o que Boveri aspirava: isolar e amplificar Figura 2.18
regiões específicas do cromossomo. A técnica principal para isolar e amplificar genes Método para preparar DNA complementar
individuais é chamada clonagem de genes. A primeira fase desse processo consiste no (cDNA). A maioria dos mRNA possui uma
corte de DNA nuclear em pedaços distintos, por incubação de DNA com uma longa cadeia de resíduos de adenosina (AAAn)
endonuclease de restrição (geralmente chamada de enzima de restrição). De modo no terminal 3’ da mensagem (a ser discutida no
geral, essas endonucleases são enzimas bacterianas que reconhecem seqüências es- Capítulo 12); por isso, o pesquisador anela
pecíficas do DNA e o clivam nesses sítios (Tabela 2.1; Nathans e Smith, 1975). Por um iniciador consistindo de 15 resíduos de de-
soxitimidina (dT15) ao final 3' da mensagem.
exemplo, quando DNA humano é incubado com a enzima BamHI (de Bacillus
Transcriptase reversa em seguida, transcreve
amyloliquifaciens, cepa H), o DNA é clivado em cada sítio onde aparece a seqüência uma fita de DNA complementar, começando
GGATCC. Os produtos são fragmentos de DNA de vários tamanhos, todos terminan- no iniciador dT15. O cDNA pode ser separado
do com G em um dos lados e GATCC no outro (Figura 2.19). Esses pedaços são aumentando o pH da solução, dessa maneira,
freqüentemente chamados de fragmentos de restrição. desnaturando o híbrido de dupla fita e clivan-
do o RNA.

Tabela 2.1 Enzimas de restrição comumente usadas

Sítio Derivação Reconhecimento e clivagem


enzimático*

EcoRI Escherichia coli G AA T T C


C T TAA G
BamHi Bacillus amyloliquifaciens G G AT C C
C C TAG G
HindIII Haemophilus influenzae A AG CTT
TTC GA A
SalI Streptomyces albus G TC GAC
CAG C T G
SmaI Serratia marcescens CCC GGG
GGG CCC
HhaI Haemophilus haemolyticus GCG C
C GCG
HaeIII Haemophilus aegyptius GG CC
CC GG
AluI Arthrobacter luteus AGCT
T C GA

* Todos os sítios de reconhecimento de enzimas de restrição têm um centro de simetria. A seqüência


de dupla fita lida em uma direção é idêntica à seqüência lida da frente para trás na outra direção.
56 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

O próximo procedimento na clonagem do gene é incorporar esses fragmentos de


restrição em vetores de clonagem. Usualmente esses vetores são moléculas circulares
de DNA, replicadas em células bacterianas, independentemente do cromossomo
bacteriano. São usados plasmídeos resistentes a drogas ou vírus especialmente modi-
ficados (que são muito úteis na clonagem de grandes fragmentos de DNA). Por exem-
plo, um vetor pode ser construído contendo apenas um sítio sensível à BamHI. Esse
vetor pode ser aberto por incubação com essa enzima de restrição. Após a abertura,
ele pode ser misturado com os fragmentos de DNA humano, produzidos também por
BamHI. Em muitos casos, os pedaços do DNA cortado serão incorporados a esses
vetores (porque seus terminais são complementares aos terminais abertos do vetor) e
ligados covalentemente, colocando-os em uma solução contendo a enzima DNA ligase.
O processo total fornece plasmídeos bacterianos, cada um contendo um único pedaço
de DNA humano. Esses são chamados plasmídeos recombinantes ou, geralmente,
DNA recombinante (Cohen et al.,1973; Blattner et al., 1978).
O plasmídeo ilustrado na Figura 2.19 é pUC18, um vetor freqüentemente usado por
biologistas moleculares (Vierra e Messing,1982). Ele contém (1) um gene resistente a
drogas, AmpR, que torna a bactéria imune à ampicilina e permite ao pesquisador sele-
cionar aquelas bactérias que incorporaram um plasmídeo; (2) uma origem para a
replicação de DNA, permitindo ao plasmídeo replicar centenas de vezes em cada
bactéria; e (3) um poli-ligante, um pedaço curto de DNA artificial que contém os sítios
enzimáticos de restrição para várias dessas endonucleases. O poli-ligante se situa
dentro de um gene lacZ que codifica a ß-galactosidase de E. coli. O poli-ligante é
suficientemente curto (e tem o número correto de pares de bases) de modo a não
interferir com a atividade enzimática da β-galactosidase. O processo de clonagem
começa quando os fragmentos de restrição do DNA nuclear são misturados aos
plasmídeos abertos pUC18 e a eles são ligados, ocasionando o fechamento do
plasmídeo. Os plasmídeos recombinantes putativos assim formados são então incu-
bados com células de E. coli sensíveis à ampicilina e sem o gene da β-galactosidase.
Mesmo que as bactérias e os plasmídeos sejam misturados em condições que encora-
jam as bactérias a incorporar os plasmídeos, nem todas as bactérias incorporam um
plasmídeo. Para evidenciar aquelas bactérias que incorporaram plasmídeos, as células
tratadas de E. coli são cultivadas em ágar contendo ampicilina. Somente aquelas
bactérias que incorporaram um plasmídeo (com seu gene dominante, ampicilina-resis-
tente) sobrevivem.
Mas nem todos plasmídeos incorporaram um gene estranho, porque é possível
que os “terminais adesivos” do sítio da enzima de restrição sofram uma renaturação
entre si mesmos. Para distinguir entre colônias bacterianas que incorporaram DNA
estranho e aquelas que não o fizeram, o ágar também contém um corante chamado X-
gal. Esse composto é incolor, mas quando transformado pela β-galactosidase forma
um precipitado azul *.Assim, se um plasmídeo não incorporou um fragmento de restri-
ção ao sítio de enzima de restrição no poli-ligante, o gene da β-galactosidase (lacZ)
está funcional e a β-galactosidase resultante torna o corante azul. O resultado é o
aparecimento de “colônias azuis”. Entretanto, se o plasmídeo incorporou um fragmen-
to de DNA, o gene da β-galactosidase é destruído pela inserção. Essas bactérias não
vão produzir a cor azul do corante; produzem colônias incolores no ágar.
Colônias incolores são então selecionadas quanto a presença de um gene especí-
fico. Células de cada uma dessas colônias são colocadas em um finíssimo filtro de
nitrocelulose ou nylon. Quando essas células são lisadas, seu DNA adere aos filtros.
Em seguida, as fitas de DNA são separadas por aquecimento, e os filtros incubados
em uma solução contendo o RNA radioativo (ou sua cópia de cDNA) do gene que se

*O corante é 5-bromo-4-cloroindol, e é azul a não ser quando está complexado com uma
molécula como galactose. A ß-galactosidase codificada pelo gene do plasmídeo cliva a galactose do
corante permitindo que adquira a conformação azul.
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 57

Sítio Sítio BamHI Sítio Eco RI


Hind III
Poli-ligante

Plasmídeo cortado
no gene lacZ

Quebra
endonucleolítica
por BamHI
Fragmentos
de gene Plasmídeo
humano recombinante
incubados e com gene lacZ
ligados em um interrompido
plasmídeo
DNA humano

Quebra endonucleolítica Mistura com bactérias


por BamHI (lacZ–, sensível à amp.)

Figura 2.19
Um protocolo geral para clonar DNA, usando como exemplo a inserção de uma se-
“Colônias
qüência de DNA humano em um plasmídeo com um sítio sensível à BamHI.
incolores”

quer clonar. Em alguns casos, a seqüência do mRNA ou gene não é conhecida, Meio contendo
ampicilina
devendo-se então estimar a seqüência a partir da seqüência de aminoácidos da
proteína). Se o plasmídeo contém aquele gene, seu DNA deve estar no filtro, e
“Colônias azuis”
somente aquele DNA deverá ser capaz de ligar o RNA radioativo ou a sonda de
cDNA. Portanto, somente aquelas áreas serão radioativas. A radioatividade nessas
regiões é determinada por auto-radiografia. Filme sensível a raios-X é colocado Aplicação das colônias
“incolores” nos círculos do
sobre o papel tratado. Os elétrons de alta energia, emitidos pelo RNA radioativo, papel de filtro; lisar para
sensibilizam os grãos de prata no filme, tornando-os escuros quando o filme é reve- expor o DNA
lado. Finalmente, uma mancha escura é produzida sobre cada colônia contendo o
plasmídeo recombinante que carrega o gene específico (veja Figura 2.19). Essa colô-
nia é então isolada e cultivada, produzindo bilhões de bactérias, cada uma contendo
centenas de plasmídeos recombinantes idênticos.
Os plasmídeos recombinantes podem ser separados do cromossomo da E. coli por
centrifugação, e incubando o DNA do plasmídeo com BamHI libera-se o fragmento de
DNA extranho que contém o gene. Esse fragmento pode ser separado do DNA
plasmídico, permitindo ao pesquisador possuir microgramas de seqüências de DNA mRNA
radioativo
purificado contendo o gene específico. Apesar desse procedimento parecer muito
lógico e fácil, freqüentemente o número de colônias a serem selecionadas é astronômi- Papel de filtro incubado com mRNA
co. O número de fragmentos aleatórios que devem ser clonados para a obtenção do radioativo do gene a ser clonado
gene desejado, aumenta com a crescente complexidade do genoma do organismo*.
Para detectar um gene específico de um genoma de mamífero, milhões de clones indi-
viduais devem ser selecionados.

*Complexidade se refere ao número de diferentes tipos de genes no núcleo. Apesar que


milhões de clones precisam ser selecionados, aproximadamente 100.000 colônias podem, agora,
ser selecionadas em uma única placa. Outra maneira comum de selecionar os clones é usar um
plasmídeo que tem seu sítio da enzima de restrição próximo a um vigoroso promotor bacteriano
(tal como aquele para ß-galactosidase). As bactérias transcreverão o cDNA e o traduzirão em
proteína. Após a lise das colônias bacterianas no papel de filtro, as proteínas aderem ao papel e Preparação de auto-radiografia para indicar os
podem ser identificadas por anticorpos dirigidos contra àquela proteína. Isso é chamado clonagem clones bacterianos com fragmento de DNA
de expressão, e os plasmídeos referidos como vetores de expressão. que formou um híbrido com o DNA radioativo
58 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Hibridização de DNA: entre e intra espécies


Clones podem ser selecionados por qualquer segmento de nucleotídeos radioativos.
Portanto, os genes clonados de um organismo podem ser sondados com cDNAs
radioativos derivados do mRNA de outras espécies. Uma das descobertas mais exci-
tantes da moderna biologia do desenvolvimento foi verificar que genes usados para
processos específicos de desenvolvimento em um organismo, podem ser usados para
processos similares em outro organismo. Drosophila teve uma importância crítica na
descoberta desses genes. Iniciando com Morgan, esses genes foram mapeados e, nos
anos 60, E. B. Lewis confirmou que alguns desses genes são responsáveis pela forma-
ção de partes básicas do corpo (veja Capítulo 14). Um deles, Antennapedia, é um gene
cujo produto protéico é essencial para inibir a formação de estruturas da cabeça no
tórax. Se o gene não está presente, antenas crescem onde deveriam estar as pernas. Se
o gene é expresso na cabeça (como sucede em um mutante específico), a mosca
desenvolve um conjunto extra de pernas saindo das cavidades orbitais (veja Figura
14.28). Poderia tal gene existir em vertebrados?
Evidências desses genes em vertebrados apareceram em transferências de DNA,
algumas vezes chamadas de transferências Southern devido a seu inventor, E. M.
Southern (1975). DNA de numerosos organismos vertebrados e invertebrados, foram
tratados com uma enzima de restrição, e os fragmentos de DNA resultantes foram
separados em uma eletroforese em gel. As misturas de fragmentos foram colocadas em
fendas em um dos lados do gel, que foi em seguida submetido à uma corrente elétrica.
Os fragmentos de DNA carregados negativamente migraram em direção ao pólo posi-
tivo, os fragmentos menores movendo-se mais rapidamente do que os maiores. *
Como a hibridização não pode ser feita dentro do gel; o DNA deve ser colocado em
uma superfície plana, e isso é feito por transferência. Após a desnaturação das fitas de
DNA em álcali, os pesquisadores retornaram o gel a um pH neutro e em seguida o
Figura 2.20 colocaram sobre um papel de filtro úmido suportado por uma estrutura de plástico
Transferência Southern. DNA é tratado com (Figura 2.20; Mc Ginnis et al., 1984; Holland e Hogan, 1986). Papel de nitrocelulose
enzimas de restrição e os fragmentos resul-
(capaz de ligar DNA de fita única) foi colocado diretamente sobre o gel e coberto com
tantes são colocados em um gel e separados
por eletroforese. Após a separação, o DNA é múltiplas camadas de papel-toalha secas. O papel de filtro abaixo do gel estava em
desnaturado em fitas únicas. O gel é, em se- comunicação com o interior de uma cuba contendo tampão de alta força iônica. O
guida, colocado sobre um papel de filtro tampão caminhou para cima através do gel e do filtro de nitrocelulose para as toalhas
saturado com tampão de alta força iônica. Pa- de papel. O DNA também foi levado por esse fluxo de tampão, mas foi detido pelo filtro
pel de nitrocelulose ou um filtro de nylon é de nitrocelulose; assim, o DNA foi transferido do gel ao papel de nitrocelulose. Após
colocado sobre o gel e o conjunto coberto fixar pelo calor os fragmentos de DNA no papel de nitrocelulose (de outra forma eles
com toalhas de papel. O tampão de transfe-
rência atravessa o gel, o papel de nitrocelulo-
se e as toalhas por ação capilar, levando jun- *Considerando a mesma relação carga/massa, fragmentos menores adquirem uma maior veloci-
to o DNA. O DNA de fita única é retido pelo dade que os maiores quando impulsionados pela mesma energia. Isso é uma função da equação de
energia cinética, E=1/2 mv2. Resolvendo para velocidade, encontramos que ela é inversamente
papel de nitrocelulose. As posições do DNA
proporcional à raiz quadrada da massa.
no papel diretamente refletem a posição dos Filtro de
fragmentos de DNA no gel. nitrocelulose
ou nylon

Espaçadores Papel-toalha Peso

Contatos de
Desnaturar fragmentos de papel de filtro
DNA à fitas simples em álcali

Suporte

Cuba com
Gel
Digestão com restrição solução tampão Colocar filtro de nitrocelulose
e eletroforese Colocar gel no papel de filtro ou membrana de nylon sobre gel:
em gel de agarose úmido entre 2 espaçadores colocar papel-toalha e peso
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 59

Figura 2.21 Drosophila Besouro Galinha Camundongo


Transferência Southern do DNA de vários organismos usando uma sonda radioativa do melanogaster
gene Antennapedia de Drosophila melanogaster. Não se espera que as seqüências de
espécies tão diversas sejam perfeitamente idênticas e por essa razão o rigor da hibridização 10 10 10 10
Ubx
é diminuído trocando as soluções salinas. (Coloquialmente esse baixo rigor das transferên-
cias ao longo dos filos é chamado “transferências de zoológico”, por razões óbvias). Auto- ftz
radiografia mostra que os genes de Drosophila contêm várias porções que são como as do 3 3 3
gene Antennapedia em termos de estrutura; também, muitos organismos contêm vários
3
genes que formarão híbridos com esse fragmento gênico radioativo, sugerindo que genes
Antp
similares a Antennapedia existem nesses organismos. Os números ao lado das transferênci-
as indicam os tamanhos das bandas, em quilobases. (de McGinnis et al.,1984, cortesia de 1
W. McGinnis.) 1 1
1

se desprenderiam), o conjunto foi incubado com cDNA radioativo de uma porção do


gene Antennapedia de Drosophila. Um autoradiograma do papel de nitrocelulose
mostrou onde o DNA radioativo encontrou seu semelhante. Os resultados desses
experimentos (Figura 2.21) mostraram que mesmo vertebrados (camundongos, huma-
nos e pintos) têm genes que hibridizam com essas seqüências. Essa secção radioativa
do gene Antennapedia foi usada para selecionar uma biblioteca genômica de clones
de DNA derivados do genoma dessas diferentes espécies. Como veremos no Capítulo
16, pesquisadores encontraram clones contendo genes que se parecem com o
Antennapedia; esses genes se mostraram extremamente importantes na formação do
eixo do corpo dos vertebrados.

Seqüenciamento de DNA
Dados de seqüência podem dar informações sobre a estrutura da proteína codifi-
cada e podem identificar seqüências regulatórias de DNA que certos genes têm em
comum. A simplicidade da técnica de seqüenciamento “didesoxi” de Sanger (Sanger
et al.,1977) tornou-a um procedimento padrão em muitos laboratórios de biologia
molecular. No início, usa-se um vetor contendo o gene clonado e se isola uma fita
única do DNA circular (Figura 2.22). Funde-se (anela-se) então um iniciador (primer)
radioativo de DNA (aproximadamente 20 pares de bases) complementar ao DNA
do vetor imediatamente 3' ao gene clonado. (Porque essas seqüências dos vetores
são conhecidas, iniciadores oligonucleotídicos podem ser facilmente sintetizados
ou adquiridos comercialmente). O iniciador tem uma ponta 3' livre à qual mais
nucleotídeos podem ser adicionados. Coloca-se o DNA alvo e o iniciador junta-
mente com todos os quatro desoxirribonucleosídeos trifosfatos em quatro tubos
de ensaio. Cada um dos tubos contém a subunidade polimerizante da DNA polime-
rase e um diferente didesoxinucleosídeo trifosfato: um tubo contém didesoxi-G,
outro didesoxi-A e assim por diante. As estruturas dos desoxinucleotídeos e dos
didesoxinucleotídeos estão representadas na Figura 2.23. Enquanto o
desoxirribonucleotídeo não tem um grupo hidroxila (OH) no carbono 2' do seu
açúcar, o didesoxirribonucleotídeo não tem grupos hidroxila em ambos os carbo-
nos, 2' e 3'. Assim, mesmo que um didesoxirribonucleotídeo possa ser ligado a uma
crescente cadeia de DNA pela DNA polimerase, ele interrompe o crescimento da
cadeia por não ter um grupamento 3' ao qual se ligaria um novo nucleotídeo.
Assim, quando a DNA polimerase está sintetizando DNA do iniciador, o novo
DNA será complementar ao gene clonado. No tubo com didesoxi-A, entretanto,
sempre que a polimerase coloca um A na cadeia crescente, existe a possibilidade
de que um didesoxi-A seja colocado em lugar do desoxi-A. Se isso acontecer, a
cadeia pára. Similarmente, no tubo com didesoxi-G, a cadeia tem o potencial de
parar toda vez que um G é inserido. (O processo foi comparado à uma dança
folclórica grega na qual uma pequena porcentagem dos dançarinos em potencial
tem um braço em uma tipóia).
60 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Fita única desnaturada de DNA de plasmídeo recombinante

Iniciador

Subunidade polimerizante de DNA polimerase I


de E. coli + dATP, dGTP, dCTP e dTTP

Seqüência da fita
do iniciador

Seqüência
complementar
Fragmentos
maiores

Fragmentos
menores

Figura 2.22
O método didesoxi de seqüenciar DNA. A fotografia contém a região da auto-radiografia que
mostra essa seqüência (Cortesia de G. Guild).

Base 1
Adenina Adenina

Base 2
Adenina Desoxiadenosina Didesoxiadenosina
trifosfato (açúcar desoxirribose) trifosfato (açúcar
(A) didesoxirribose) (B)

Figura 2.23
Comparação entre desoxinucleotídeos e didesoxinucleotídeos. (A) Estruturas dos dois tipos de
nucleotídeos. A diferença é evidenciada em cores. (B) O terminal 3' de uma cadeia que terminou
pela incorporação de um didesoxinucleotídeo não tem um grupo hidroxila 3' terminal para
continuar a polimerização do DNA.
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 61

Em cada tubo estão sendo feitas milhões de cadeias e por essa razão eles conterão
uma população de cadeias, algumas interrompidas no primeiro sítio possível, outras
no último e algumas em sítios intermediários. O tubo com didesoxi-A, por exemplo,
conterá cadeias com diferentes e distintos comprimentos, cada uma terminando com o
resíduo A. Os fragmentos de DNA radioativo resultantes serão separados por eletro-
forese. O resultado é uma “escada” de fragmentos onde cada “degrau” é uma seqüên-
cia de nucleotídeos de comprimento diferente. Lendo escada acima, obtem-se a se-
qüência do DNA complementar àquela do gene clonado.

Análise de mRNA através de bibliotecas de cDNA


Agora podemos retornar à especificidade da transcrição de mRNA: É possível
isolar populações de mRNA que caracterizam certos tipos de células e estão au-
sentes em todas as outras? Para encontrar esses RNAs, podemos “clonar” os
mRNA de diferentes tipos de células e compará-los. Como mostra a Figura 2.24A,
isso é feito tomando os RNAs mensageiros de uma célula ou tecido e converten-
do-os em fitas de DNA complementar. Levando esse procedimento um passo à
frente (com o auxílio de DNA polimerase e S1 nuclease), podemos transformar
essa população de cDNA de fita única em outra contendo pedaços de cDNA com
fitas duplas. Essas fitas de DNA podem ser inseridas em plasmídeos, adicionan-
do-lhes “finais” apropriados com DNA ligase. Acoplando um fragmento GATCC/
G aos terminais rombudos desse pedaço de DNA cria-se um corte artificial de
restrição BamHI, o que permite a inserção em um vírus ou plasmídeo clivado por
essa enzima (Figura 2.24B).
Tais coleções de clones derivados de mRNAs são freqüentemente chamadas de
bibliotecas. Assim, podemos ter uma biblioteca de fígado de embrião de camundongo
de 16 dias, representando todos os genes ativos produzindo proteínas hepáticas
embrionárias. Podemos ter também uma biblioteca de oócitos vegetais de Xenopus,
representando mensagens presentes somente em uma parte específica daquela célula.
Genes clonados dessa maneira são muito importantes porque eles não têm íntrons.
Quando adicionados às células bacterianas, esses genes podem ser transcritos e em
seguida traduzidos nas proteínas que codificam.
Bibliotecas têm sido extremamente úteis no estudo de desenvolvimento como
demonstram os esforços de Wessel e colaboradores (1989) em verificar diferenças nos
RNAs de diferentes partes do embrião, em gastrulação, do ouriço-do-mar. Para encon-
trar mRNAs específicos do endoderma em ouriço-do-mar, Wessel e colaboradores
prepararam uma biblioteca de cDNA de embriões gastrulantes. O mRNA dessas amos-
tras (a maior parte do RNA de células eucarióticas é ribossômico) foi isolado por
passagem em esferas com oligo-dT, as quais capturam as caudas de poli(A) das men-
sagens (veja legenda da Figura 2.19). A população de mRNA foi, então, convertida em
uma de cDNA pelo uso da transcriptase reversa (veja Figura 2.24A). Usando polimerase
I de E. coli o cDNA de fita única foi transformado em fita dupla. No próximo passo, os
cDNAs de fita dupla foram ligados a “finais” de EcoRI que estão disponíveis no comér-
cio. Isso os tornou clonáveis em vetores que foram abertos com a enzima de restrição
EcoRI. O DNA foi misturado com os braços de um fago λ geneticamente modificado
(veja Figura 2.24B). Esse fago é construído de tal maneira que ao ser cultivado em uma
placa de Petri, os fagos que incorporaram o DNA (e assim destruíram o gene da ß-
galactosidase) produzem placas incolores (Figura 2.24C). Dessa forma, foram gerados
aproximadamente 4 milhões de fagos recombinantes, cada um contendo um cDNA re-
presentando uma molécula de mRNA.
O próximo passo envolvia selecionar os fagos recombinantes. Quais deles repre-
sentariam mRNAs encontrados no endoderma e não em outras camadas celulares?
Wessel e seus colegas isolaram populações de mRNAs do mesoderma, ectoderma e
endoderma. Depois prepararam cDNAs marcados de cada uma das populações de
mRNA, usando precursores radioativos. Agora, possuíam três coleções de moléculas
62 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

(A)Preparação de cDNA (B) Inserção de cDNA de dupla fita no vetor viral (bacteriófago λ)
clonável
Região codificadora
mRNA DNA de fago λ

Anela iniciador oligo (dT)

BamHI
Região codificadora
mRNA

Transcriptase reversa “Braço esquerdo” “Braço direito”

cDNA
Não é necessário para
mRNA a replicação do fago

Hidrólise alcalina Braços contêm todos os


cDNA de dupla fita genes necessários para a
preparado como replicação, mas muito
cDNA descrito em (A) pequeno para o
empacotamento
Inserir cDNA nos
terminais do DNA do
DNA polimerase I fago λ; ligar

Região codificadora
cDNA

S1 nuclease

Região codificadora
Fita cDNA do
dupla mRNA, agora
cDNA clonado em
vetores virais
Adicionar finais Bam HI

de cDNA radioativos, cada uma representando a população de mRNA de uma das


três camadas germinativas.
Os fagos recombinantes representando os mRNAs do embrião, em gastrulação,
do ouriço-do-mar foram cultivados e amostras de numerosas colônias— cada uma
contendo milhares de fagos— colocadas em dois filtros de nitrocelulose (Figura 2.24D).
O conjunto foi colocado em solução de álcali para a lise dos fagos e obtenção de DNA
de fita única. Um desses papéis de filtro foi incubado com cDNA radioativo feito a
partir do mRNA total do endoderma; o outro papel incubado com sondas radioativas
para ambos, mesoderma e ectoderma. Os filtros foram lavados para a remoção de
cDNA radioativo não hibridizado, secos e expostos em filmes para raios-X. Se um
mRNA estivesse presente no endoderma, mas não no ectoderma ou mesoderma, o
DNA recombinante produzido daquela mensagem deveria ligar cDNA radioativo do
endoderma e não deveria encontrar um mRNA em qualquer outro lugar. Como resulta-
do, aquela mancha de DNA recombinante do endoderma deveria ser radioativa (pois
foi ligado ao cDNA radioativo do endoderma), mas o mesmo clone não deveria ser
radioativo quando exposto a mRNA ectodérmico ou mesodérmico; isso foi confirma-
do. Um fago recombinante, em particular, ligou somente cDNA radioativo produzido
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 63

(C) Preparação da biblioteca de clones do fago (D) Seleção da biblioteca de fagos clonados

Transferir alguns
Fago fagos para filtros
híbrido de nitrocelulose
Adicionar à camada de
células de E. coli Filtros de nitrocelulose

Infecção de E. coli pelo fago


Lise
Placa Tratar filtros com
solução alcalina para
lisar os fagos e
Zona de lise desnaturar o DNA
indicando clones liberado
Camada de do fago
bactérias
E. coli Incubar com sonda radioativa Incubar com sonda radioativa
para endoderma para mesoderma e ectoderma

Figura 2.24 Sonda


radioativa
Protocolo usado para organizar bibliotecas de cDNA. (A)
RNA mensageiro é isolado e feito seu cDNA, que é em segui-
da transformado em dupla fita e adicionado de fragmentos DNA de
finais de restrição. (B) Os “genes” cDNA são inseridos em fago de fita
vetores especialmente modificados, nesse caso, bacteriófagos. única ligado
(C) Os fagos contendo o DNA recombinante lisarão E. coli ao filtro
formando placas. Técnicas bioquímicas podem distinguir pla-
cas de fagos recombinantes daquelas que não têm o gene inse- Preparação dos
rido. (D) As placas são transferidas para papel de nitrocelu- autoradiogramas
lose e tratadas com álcali para lisar os fagos e desnaturar
DNA localmente. Esses filtros são então incubados com son-
das radioativas (usualmente cDNA) de um tecido. Para a
seleção da biblioteca diferencial de cDNA, discutida no texto,
a mesma biblioteca de fagos foi selecionada com sondas radi-
oativas de dois tecidos diferentes, permitindo ao pesquisador Clone de DNA representando o mRNA
procurar por um mRNA encontrado em um tipo de tecido encontrado no endoderma mas não no
mas não em outro. mesoderma ou ectoderma

de mRNA do endoderma; portanto, representava um mRNA encontrado no endoderma


e não no mesoderma ou ectoderma. O fago contendo esse gene pode agora ser culti-
vado em grandes quantidades e caracterizado.

Técnicas de localização de RNA


Hibridização In Situ

O processo de hibridização in situ, desenvolvido por Mary Lou Pardue e Joseph


Gall (1970), permite ao pesquisador visualizar as posições de ácidos nucléicos espe-
cíficos dentro de células e tecidos. Se um clone específico é considerado interessan-
te (por exemplo, o clone endoderma-específico que foi mencionado) ele é cultivado em
64 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

grandes quantidades, e o gene clonado é isolado tratando o vetor recombinante com


enzimas de restrição. Esse é transformado em fita única e tornado radioativo. Quan-
do o cDNA radioativo é adicionado às células fixadas apropriadamente em lâminas
de microscópio, o cDNA radioativo se liga unicamente onde está presente o mRNA
complementar. Após eliminação do cDNA não fixado, a lâmina é coberta com uma
emulsão fotográfica transparente para auto-radiografia. As manchas resultantes,
diretamente acima de onde o cDNA radioativo foi ligado, parecem escuras quando
visualizadas diretamente, ou brancas quando vistas com iluminação em campo
escuro. Assim, pode-se visualizar aquelas células (ou mesmo regiões dentro das
células) que acumularam um tipo específico de mRNA. A Figura 2.25A,B mostra
hibridização in situ usando o cDNA específico para células endodérmicas. O cDNA
encontra mRNAs somente no endoderma da gástrula precoce do ouriço-do-mar.
Continuando a gastrulação, o cDNA (e portanto o mRNA) se localiza de forma
ainda mais precisa — entre a região do intestino posterior e o intestino médio no
tubo endodérmico.
Trabalhando com sondas radioativas e emulsões, torna-se necessário o uso de
secções microscópicas extremamente finas. Uma técnica mais recente para hibridiza-
ção in situ utiliza sondas que ligam reagentes coloridos. Dessa maneira, cientistas
podem observar órgãos inteiros (e organismos) sem seccioná-los, e com uma visão de
amplas regiões de expressão gênica. A Figura 2.25C mostra uma hibridização in situ,
realizada em montagem integral, em um embrião de camundongo com 10.5 dias. A
sonda reconhece o mRNA codificado pelo gene Brachyury (discutido na página 40),
que sintetiza uma proteína necessária para a produção de células mesodérmicas na
parte posterior do embrião de camundongo.

Transferências Northern
Podemos também determinar a expressão temporal e espacial de RNAs executando
uma transferência de RNA (freqüentemente chamada transferência Northern). En-
quanto transferências Southern transferem fragmentos de DNA do gel para o papel,
transferências Northern (nome não se relaciona com o inventor) transferem RNA
entre os mesmos suportes e da mesma maneira. O pesquisador pode extrair RNAs
mensageiros do embrião em vários estágios de desenvolvimento e submetê-los à
eletroforese lado a lado, em um gel. Após transferência dos RNAs separados para o
papel de nitrocelulose ou membrana de nylon, o conjunto é incubado em uma solu-
ção contendo um fragmento radioativo, mono-fita, de DNA de um determinado gene.
Esse DNA adere somente às regiões onde está localizado o RNA complementar.
Assim, se o mRNA para aquele gene está presente em um determinado estágio
embrionário, o DNA radioativo se liga a ele e pode ser detectado por auto-radiogra-
fia. Autoradiogramas desse tipo, onde vários estágios são comparados simultanea-
mente, são denominados transferências Northern de desenvolvimento. A Figura
2.26A mostra uma transferência Northern de desenvolvimento para a expressão de
um gene endoderma-específico durante o desenvolvimento do ouriço-do-mar. Po-
demos ver que o mRNA para essa proteína endodérmica é inicialmente sintetizado
durante o estágio de blástula mesenquimatosa e continuamente durante todo o
resto do desenvolvimento. A transferência Northern na Figura 2.26B mostra que a
acumulação desse mRNA no estágio de prisma é restrita ao endoderma (Wessel et
al.,1989). Hibridização in situ e transferências Northern fornecem as melhores evi-
dências em favor da transcrição diferencial de RNA, no espaço e no tempo. A trans-
crição de certos genes pode ser específica para tecidos ou tempo.
A distribuição temporal na transcrição de vários genes pode ser visualizada por
transferência de mancha. Por exemplo, Sargent e Dawid (1983) isolaram da gástrula de
Xenopus um mRNA que não estava presente no ovo. Para isso eles extraíram o mRNA
da gástrula e fizeram cópias cDNA dessas mensagens. Os cDNAs da gástrula foram
misturados com grandes quantidades de mRNA de oócitos. Se houvesse hibridização
entre o mRNA dos oócitos e o cDNA da gástrula, significaria que o cDNA era derivado
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 65

(B)
(A)

(C)

Figura 2.25
Hibridação in situ. (A,B) Fotomicrografias,
em fundo escuro, de hibridação in situ, mos-
trando a localização de mRNA endoderma-
específico em embrião de ouriço-do-mar. O
cDNA radioativo usado como sonda foi pre-
parado do gene clonado, feito a partir de
mRNA endoderma-específico (veja Figura
2.24). Esse cDNA radioativo se liga ao mRNA
do endoderma da gástrula precoce do ouriço-
do-mar (A) e ao endoderma do intestino mé-
dio e posterior da gástrula tardia do ouriço-
do-mar (B). (C) Hibridização in situ, em mon-
tagem integral, de um embrião de camundon-
go de 9.5-10.5 dias corado para mRNA de
Brachyury. Essa mensagem é transcrita em
células formando novo mesoderma, e nesse
estágio é encontrada na porção posterior do
embrião. Embriões fixados foram incubados
Enzima em uma sonda para mRNA de Brachyury (a
fosfatase Corante fita antisense complementar ao mRNA) que
alcalina (precipitado azul escuro) foi sintetizada usando uridina biotinilada.
Núcleo Após eliminar a parte da sonda que não se
Corante ligou ao mRNA de Brachyury (e inativar qual-
Anticorpo (incolor) quer atividade endógena de fosfatase alcalina
para biotina do embrião), o embrião foi tratado com anti-
Sonda complementar a mRNA de Brachyury corpos para biotina. Esses anticorpos foram
Biotina ligados às enzimas do tipo fosfatase alcalina.
tendo resíduos de biotina em suas uridinas
Colorir para a presença de fosfatase alcalina
permite que se determine a localização de um
mRNA específico. Fotografias coloridas da
mRNA de Brachyury hibridização in situ, em montagem integral,
estão nas Pranchas 22, 23 e 25. (A e B de
Wessel et al.,1989, cortesia de G. Wessel; C
do laboratório do autor.)
66 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

(A) Ovo de um mRNA presente em ambos os estágios, oócito e gástrula. Essas moléculas
Clivagem híbridas com dupla fita foram removidas por filtração, deixando uma população de
cDNAs gástrula-específico. Os cDNAs foram transformados na forma de dupla fita
Blástula
(pela DNA polimerase) e inseridos em veículos de clonagem. Essa técnica é denomina-
Blástula da de clonagem de subtração. Como a seleção dupla de bibliotecas de cDNA, a
Mesenquimatosa clonagem de subtração gera um conjunto de clones estágio-específicos cujo mRNA é
Blástula precoce
encontrado em alguns estágios, mas não em outros, ou em alguns tecidos mas não em
Blástula tardia outros (Figura 2.27).
Sargent e Dawid usaram embriões, dos estágios de zigoto a broto caudal do
Prisma
girino e, separadamente, isolaram seus RNAs. Os RNAs foram aplicados direta-
Plúteo mente (sem prévia eletroforese em gel) a filtros de nitrocelulose de modo que cada
filtro tinha RNAs de todos os estágios. Após a fixação (calor) dos RNAs no filtro,
(B) Ectoderma / mesoderma
DNA de fita única derivado de um específico clone “gastrular”, foi marcado radi-
oativamente e incubado com os filtros. Se um gene estava sendo transcrito em um
Endoderma determinado estágio, o cDNA radioativo daquele gene encontraria seu comple-
mento nos mRNAs daquele estágio, no filtro. Após eliminacão do cDNA não liga-
Figura 2.26 do, a ligação do cDNA radioativo foi observado por auto-radiografia. A transfe-
Transferência Northern para um gene especí- rência de manchas na Figura 2.28 mostra o esquema temporal de expressão para 17
fico no endoderma do ouriço-do-mar, Lytechi-
genes que são ativos em vários estágios da gastrulação. Nenhum deles é expresso
nus variegatus. (A) Transferência Northern
de desenvolvimento, mostrando acumulação antes da transição da blástula mediana em 7 horas. Alguns genes (DG64, DG39)
de mRNA de acordo com o estágio específico são expressos imediatamente depois, enquanto outros (DG72, DG81) começam a
desse gene. mRNA total (10 µg por estágio) ser transcritos na gástrula mediana, após aproximadamente 7 horas. Alguns genes
foi submetido à eletroforese em gel de agarose. (DG76, DG81) são mantidos após a ativação, enquanto a atividade de outros (DG56,
O gel foi transferido para papel tratado e os DG21) é muito mais transitória.
mRNAs aderidos ao papel, que foi em seguida
incubado com cDNA radioativo de um clone
endoderma-específico. Mostrou-se que esse
Encontrando mensagens raras pela
mRNA é sintetizado durante o estágio de blás-
reação da polimerase em cadeia
tula do mesênquima e aumentado ao longo do
desenvolvimento. (B) Transferência Northern A reação da polimerase em cadeia (PCR) é um método de clonagem in vitro que pode
no estágio de prisma, mostrando que o mRNA produzir enormes quantidades de um fragmento específico de DNA a partir de uma
está presente no endoderma (com algum me- pequena quantidade de material de partida (Saiki et al.,1985). Esse método pode ser
soderma aderido) mas não no ectoderma. RNA usado para clonar um gene específico ou para determinar se um gene específico está
total do endoderma foi eletroforisado (pista 2) ativamente transcrevendo RNA em um determinado órgão ou tipo de célula. O método
próximo ao mRNA do resto do ouriço-do-mar padrão de clonagem usa microorganismos vivos para amplificar o DNA recombinante.
(pista1). Ligação com cDNA radioativo detec-
PCR, no entanto, pode amplificar uma única molécula de DNA por um fator de vários
tou mRNA somente no endoderma. (de Wessel
et al., 1989, cortesia de G. Wessel.) milhões em poucas horas e o faz em um tubo de ensaio. Essa técnica tem sido extrema-
mente útil em casos onde a quantidade de ácido nucléico para estudo é muito peque-
na. Embriões de camundongos, por exemplo, na fase de pré-implantação têm muito
pouco mRNA e não se pode obter milhões desses embriões para estudo. Se fosse
necessário saber se o embrião de camundongo na fase de pré-implantação contém o
mRNA para uma proteína determinada, seria muito difícil descobrir usando os méto-
dos padrão de clonagem. Entretanto, a técnica do PCR permite encontrar essa mensa-
gem com poucos embriões, por amplificar especificamente somente aquela mensagem,
um milhão de vezes (Rappolee et al., 1988).
O uso de PCR para encontrar mRNAs raros está ilustrado na Figura 2.29. Os
mRNAs de um grupo de células são purificados e convertidos a cDNA por transcriptase
reversa. Usando DNA polimerase e S1 nuclease, a população de DNAs de fita única é
transformada em uma população de fita dupla. Em seguida, escolhe-se um DNA para
ser amplificado. Para isso, separam-se as duplas hélices do DNA, às quais são adici-
onados dois pequenos oligonucleotídeos iniciadores que são complementares a
uma porção da mensagem procurada. Se os oligonucleotídeos reconhecem seqüên-
cias no DNA, então o mRNA estava presente originalmente. Os oligonucleotídeos
foram preparados de forma a permitir uma hibridização com fitas opostas e lados
opostos da seqüência alvo. (Se a tentativa é isolar o gene ou mRNA para uma proteína
específica de seqüência conhecida, essas regiões laterais podem ser preparadas,
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 67

cDNA de gástrula que cDNA de gástrula sem


encontra mensagem seqüência complementar
Extrair complementar em a mRNA de oócitos
mRNA mRNA de oócito

Oócito mRNA total


de oócito Hibridizar

Extrair Fazer cDNA DNA polimerase


mRNA de mRNA S1 nuclease

Gástrula mRNA total cDNA de


de gástrula gástrula
cDNA de dupla
Figura 2.27 fita específico de gástrula
Clonagem de subtração de genes de gástrula expressos diferencialmente em Xenopus laevis.
cDNA foi produzido para mensagens isoladas de gástrula e hibridizado com mRNA de oócitos. Adicionar ligantes
Os cDNA de gástrula que não encontraram seqüências complementares nos mRNAs de
oócitos, eram produtos de genes ativos na gástrula mas não nos oócitos. Esses genes foram
clonados fazendo o cDNA de fita dupla e adicionando ligantes para permitir sua inserção em
veículos de clonagem.
Colocar em veículo
de clonagem
Figura 2.28
Transferências de mancha no desenvolvimento mostram os tempos em que 17 genes de Xenopus
estão transcrevendo ativamente. Acumulação específica de mRNA no citoplasma é registrada
embebendo mRNA total, de genes em estágios embrionários, em papel de nitrocelulose e incu- Plasmídeo recombi-
nante contendo DNA
bando a tira de papel com DNA radioativo derivado de um clone de cDNA específico de
para mRNA específico
gástrula. Justapondo essas tiras, obtem-se um esquema temporal para a atividade de genes para gástrula
específicos. A linha r5 representa um controle de RNA ribossômico que deve estar sempre
presente. (de Jamrich et al., 1985, cortesia de I. Dawid e M. Sargent.)

Blástula Gástrula Nêurula Broto de cauda

Estágio
Clone

Horas após a fertilização


68 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Finais da seqüência do polipeptídeo

RNAs que codificam RNAs que codificam


o amino terminal o carboxi terminal
(iniciador 1) (iniciador 2)

RNA
1 cópia iniciador 1 DNA alvo
Aquecer a 95oC para
desnaturar DNA.
Esfriar a 37oC para RNA
permitir hibridização iniciador 2
dos iniciadores a DNA
Primeiro ciclo

Quando aquecido a 72o C, taq


polimerase estende fitas
complementares a partir dos
iniciadores
2 cópias
Primeiro ciclo de sínteses
resulta em duas cópias da seqüência
alvo de DNA

Desnatura DNA

Hibridiza
Segundo ciclo

iniciadores

Estende novas
fitas de DNA

Segundo ciclo de
sínteses resulta em
4 cópias quatro cópias da
seqüência alvo de DNA

Figura 2.29
Protocolo para a reação de polimerase em cadeia (PCR). Para determinar se um tipo particular
de mRNA está presente, todo mRNA é convertido a DNA de dupla fita pela transcriptase
reversa e DNA polimerase. Esse DNA é desnaturado e dois conjuntos de iniciadores são
adicionados. Se a seqüência específica estiver presente, os iniciadores se hibridizarão aos seus
terminais opostos. (Iniciadores específicos são produzidos com base na seqüência que se pro-
cura. Se é conhecida apenas a seqüência da proteína codificada pela mensagem, prepara-se um
conjunto de diferentes iniciadores, cada um possivelmente complementar ao DNA.) Usando
DNA polimerase termoestável de T. aquaticus, cada fita de DNA sintetiza seu complemento.
Essas fitas são, por sua vez, desnaturadas e os iniciadores são hibridizados a elas, iniciando o
ciclo novamente. Dessa maneira, o número de fitas novas com a sequência entre os dois
iniciadores aumenta exponencialmente.

sintetizando oligonucleotídeos que codificam o amino terminal da proteína e


oligonucleotídeos complementares aqueles que codificam o carboxi terminal da prote-
ína). Os finais 3' desses iniciadores estão face a face de modo que a replicação é
através do DNA alvo. Uma vez hibridizado o primeiro iniciador, a DNA polimerase
pode sintetizar uma nova fita.
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 69

Essa enzima não é a DNA polimerase normal de E. coli; é uma polimerase de


bactérias como Thermus aquaticus ou Thermococcus litoralis. Essas bactérias vivem Ovário de rato

Adulto
em fontes de água quente (como aquelas do Yellowstone National Park) ou nos respi- Ovário de camundongo
radouros térmicos de submarinos, onde a temperatura atinge valores próximos de
900C. Essas DNA polimerases podem suportar temperaturas próximas à ebulição e o Rim de camundongo
PCR se utiliza dessa adaptação evolucionária. Uma vez sintetizada a segunda fita, ela
Rim de camundongo

Embrião de 14 dias
é separada de seu complemento por desnaturação em alta temperatura. O segundo
iniciador é adicionado e agora ambas as fitas podem sintetizar novo DNA. Sucessivos Salivares de camundongo
ciclos de desnaturação e síntese amplificarão essa região do DNA de forma geométri-
ca. Após vinte turnos, aquela região específica estará amplificada 220 vezes (um pouco Pâncreas de camundongo
mais de um milhão). Quando submetido à eletroforese esse fragmento amplificado é Pulmão de camundongo
facilmente detectado. Isso mostra que o mRNA original com essa seqüência estava
presente na amostra. (A confirmação poderia ser feita por transferência Southern,
como na Figura 2.30). Além disso, pode-se usar essas cópias amplificadas para clona- Sem adição de DNA
gem, colocando-as em vetores de clonagem.
Figura 2.30
Determinando a função do gene: Evidência fornecida por PCR, para a síntese
de um fator de crescimento, activina, de ór-
células e organismos transgênicos gãos embrionários de camundongo. O mRNA
desses órgãos foi convertido em DNA e am-
Técnicas de inserção de DNA novo em uma célula plificado através de 20 ciclos de replicação.
Apesar de ser importante conhecer a seqüência de um gene e seu esquema temporo- O DNA foi submetido sucessivamente à ele-
espacial de expressão, o que é realmente crucial é conhecer a função daquele gene troforese e transferência Southern usando uma
no desenvolvimento. Técnicas recentes permitem estudar a função do gene, tirando sonda radioativa para uma parte do gene de
e repondo certos genes de células embrionárias. Pedaços de DNA clonados podem activina. mRNA de activina foi encontrado
ser modificados (se desejado), e colocados em células por vários meios. Uma técni- no ovário do camundongo adulto (como es-
ca muito direta é a microinjeção, na qual uma solução contendo o gene clonado é perado) e também em vários órgãos embrio-
nários. A possível função de activina nesses
cuidadosamente injetada no núcleo da célula (Capecchi, 1980). Essa é uma técnica
orgãos será discutida no Capítulo 17. (Corte-
especialmente útil para injetar genes em ovos recentemente fertilizados, pois os sia de O. Ritvos.)
núcleo haplóides do espermatozóide e do óvulo são relativamente grandes (Figura
2.31). Em transfecção, o DNA é incorporado diretamente na célula por incubação em
uma solução determinada onde a célula o incorpora. A probabilidade de incorpora-
ção de tal fragmento de DNA no cromossomo é relativamente pequena, sendo ne-
cessário misturar o DNA com outro gene que permite a sobrevivência das raras
células que o incorporaram, em condições de cultura onde as outras células são
destruídas (Perucho et al.,1980; Robins et al.,1981).
Outra técnica é a eletroporação, onde pulsos de alta voltagem “empurram” o DNA
para dentro da célula. Um método mais “natural” para introduzir genes na célula é
colocar o gene clonado em um elemento transponível ou vetor retroviral. Esses são
regiões móveis de DNA, de ocorrência natural, que podem ser integrados no genoma.
Retrovírus são vírus contendo RNA. Dentro da célula hospedeira eles produzem uma
cópia de seu DNA (usando sua própria transcriptase reversa); a cópia se transforma
em dupla fita e se integra em um cromossomo do hospedeiro. A integração é consuma-
da devido às duas seqüências idênticas (longas repetições terminais) nos terminais
do DNA retroviral. Vetores retrovirais são produzidos removendo os genes do
empacotamento viral (necessários para a saída dos vírus da célula) do centro de um
retrovírus de camundongo. Essa extração cria um sítio vazio onde outros genes po-
dem ser colocados. Usando enzimas de restrição apropriadas, o pesquisador pode
remover genes de um fago ou plasmídeo clonado e reinserir o gene em vetores retrovirais.
Retrovetores virais infectam células de camundongo com eficiência próxima de 100%.
Em Drosophila, novos genes podem ser introduzidos na mosca, via elementos P.
Essas seqüências de DNA, são elementos transponíveis de ocorrência natural que
podem ser integrados como vírus em qualquer região do genoma da Drosophila.
Ainda mais, eles podem ser isolados, e genes clonados inseridos no centro do elemen-
to P. Quando o elemento P recombinado é injetado em um oócito de Drosophila, ele
pode se integrar ao DNA e prover o embrião de um novo gene (Spradling e Rubin, 1982).
70 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Camundongos quiméricos
As técnicas descritas têm sido usadas recentemente para transferir genes para to-
das as células do embrião de camundongo (Figura 2.32). Durante o desenvolvimen-
to do camundongo existe um estágio onde somente estão presentes dois tipos de
células: as células externas, que formarão a porção fetal da placenta, e as células
internas, que darão origem ao próprio embrião. Essas células internas são chamadas
células embrionárias precursoras (células tronco), porque cada uma delas pode,
se isolada, gerar todas as células do embrião (Gardner, 1968; Moustafa e Brinster,
1972). Essas células podem ser isoladas do embrião de um camundongo e cultiva-
das. Uma vez em cultura, elas podem ser tratadas como descrito, de modo a incorpo-
rar novo DNA. A nova célula embrionária precursora (não somente o DNA, mas a
célula inteira) pode ser injetada em outro embrião de camundongo em fase precoce.
Assim, a célula precursora tratada estará integrada no embrião do hospedeiro. O
resultado é um camundongo quimérico*. Algumas de suas células são derivadas
das células embrionárias precursoras do hospedeiro, mas outra porção de células é
derivada também das células precursoras tratadas. Se as células tratadas se torna-
ram parte da linha germinal do camundongo, alguns dos seus gametas serão deriva-
dos da célula doadora. Quando cruzado com um camundongo do tipo selvagem,
alguns de seus descendentes levarão, portanto, uma cópia do gene inserido. Os
descendentes heterozigotos, no acasalamento produzirão 25% de embriões carre-
Figura 2.31 gando duas cópias do gene inserido em cada célula de seu corpo (Gossler et al.,1986).
Injeção de DNA (de genes clonados) em um
Assim, em três gerações — o camundongo quimérico, o camundongo heterozigoto
núcleo (neste caso, um pronúcleo de um ovo
de camundongo). (de Wagner et al.,1981, cor- e o camundongo homozigoto — um gene que foi clonado de um outro indivíduo,
tesia de T. E. Wagner.) está agora presente em ambas as cópias dos cromossomos dentro do genoma do
camundongo. Camundongos com genes estáveis de outros indivíduos são chama-
dos camundongos transgênicos. Essas linhagens têm sido particularmente úteis na
determinação das funções de regiões reguladoras que ladeiam os genes.

Experimentos com genes com endereçamento


(Gene targeting ou Knockout)
A análise de embriões precoces de mamíferos foi durante muito tempo prejudicada
pela dificuldade em criar e selecionar mutações que afetam a fase inicial do desen-
volvimento embrionário. Esse problema foi superado pela técnica chamada de
endereçamento de genes (às vezes, chamada de “Knockout”). As técnicas são simi-
lares àquelas que produzem camundongos transgênicos, mas em lugar de adicionar
genes, endereçar genes significa trocar alelos do tipo selvagem por outros mutados.
Chisaka e Capecchi (1991) usaram essa técnica para estudar a função do gene Hoxa-
3 no desenvolvimento do camundongo. Hoxa-3 é semelhante a vários genes de
Drosophila que são conhecidos como controladores da expressão gênica de seg-
mentos específicos no embrião precoce; a proteína codificada por Hoxa-3 liga-se ao
DNA, exatamente como sua correspondente na Drosophila. Seria possível que Hoxa-
3 de maneira similar estaria regulando a expressão gênica espaço-específica nos
mamíferos? Chisaka e Capecchi isolaram o gene Hoxa-3, cortaram-no com uma enzima
de restrição e inseriram nesse sítio um gene para resistência à neomicina (Figura
2.33). Em outras palavras, eles mutaram o gene Hoxa-3 pela inserção de um grande
pedaço de DNA que continha um gene resistente à neomicina, destruindo a habili-
dade da proteína Hoxa-3 em se ligar a DNA. Esses genes mutantes Hoxa-3 foram
eletroporados em células embrionárias precursoras que eram sensíveis à neomicina.

* É crítico notar a diferença entre uma quimera e um híbrido. Um híbrido resulta da união de dois
genomas diferentes dentro da mesma célula: o descendente de um genitor de genótipo AA e outro de
genótipo aa é um híbrido Aa. Uma quimera resulta quando células de constituição genética diferente
aparecem no mesmo organismo. O termo é apto: refere-se a um monstro mitológico com cabeça de
leão, corpo de bode e cauda de serpente.
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 71

Células embrionárias
precursoras

Gene clonado
no vetor
Cultura de células
Trofoblasto embrionárias precursoras
Mistura de células Seleção de células
embrionárias precursoras embrionárias precursoras
com o gene clonado que incorporaram o transgene

Microinjetar Integração das células Injetar no


células precursoras no hospedeiro útero
transgênicas no Camundongos
embrião hospedeiro quiméricos

Figura 2.32
Produção de camundongos transgênicos. Cé-
lulas embrionárias precursoras de um camun-
dongo são cultivadas e o genoma alterado pela
adição de um gene clonado. As células
transgênicas são selecionadas e injetadas em
um embrião hospedeiro de camundongo na sua
fase precoce. Aqui, as células embrionárias
Camundongos precursoras transgênicas se integram às celulas
transgênicos precursoras do hospedeiro. Esse embrião é
homozigotos colocado no útero de um camundongo fêmea
Camundongos
grávida e se desenvolve em um camundongo
transgênicos
heterozigotos quimérico. Se as células precursoras doadoras
contribuíram para a linha germinativa, e o ca-
mundongo quimérico é cruzado com um do
tipo selvagem, parte dos descendentes serão
Uma vez dentro do núcleo dessas células, o gene Hoxa-3 mutado substituiu um heterozigotos ao alelo adicionado. Cruzando
alelo normal desse gene por um processo chamado recombinação homóloga. Aqui, heterozigotos, pode ser gerada uma linhagem
de camundongos que é homozigota ao alelo
as enzimas envolvidas no reparo de DNA e replicação incorporam o gene mutante
adicionado. Essa seria uma linhagem transgê-
em lugar da cópia normal. Esse é um evento raro, mas tais células podem ser nica. O gene adicionado (o transgene) pode
selecionadas cultivando as células precursoras em neomicina. A maioria das células ser de qualquer fonte eucariótica.
morre com a droga, mas aquelas que adquiriram resistência pelo gene incorporado
sobrevivem. As células resultantes têm um gene Hoxa-3 normal e um Hoxa-3 mutado.
As células precursoras heterozigotas são microinjetadas em um blastócito de ca-
mundongo e se integram nas células do embrião. O camundongo resultante é uma
quimera composta de células do tipo selvagem do embrião hospedeiro e de células
heterozigotas Hoxa-3, das células precursoras. As quimeras são acasaladas com
camundongos do tipo selvagem e se algumas das células doadoras se integraram à
linhagem das células germinativas, alguns dos descendentes serão heterozigotos
72 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

(A)

Massa
celular neo r
interna
Cultura de células
Blastócito embrionárias
precursoras (ES) Recombinação
Eletroporação homóloga
(B) Célula
gene Hoxa-3 precursora
embrionária
Hoxa-3
Endonucleases gene Hoxa-3 mutado
de restrição com o gene neor inserido

gene neor

Figura 2.33
Seleção de células ES
Técnica de endereçamento de genes (gene targeting). Nesse caso o gene alvo é o heterozigotas por sua
Hoxa-3. (A) Células embrionárias precursoras (ES) são cultivadas a partir de uma resistência à neomicína
massa celular interna. (B) Os genes Hoxa-3 clonados são cortados com uma enzima
de restrição, e um gene neomicina-resistente é inserido na região que codifica o sítio
de ligação da proteína ao DNA. Esses genes Hoxa-3 mutantes são eletroporados em
células ES, onde recombinação homóloga troca o gene do tipo selvagem pela cópia Injeção de células ES
mutada. As células são selecionadas pela sua resistência à neomicina. (C) As células heterozigotas no
(C)
blastócito
ES heterozigotas selecionadas são inseridas na massa interna de células de um em-
brião do tipo selvagem, e o blastócito é retornado ao útero. O camundongo resultante
é uma quimera composta de tecidos Hoxa-3 heterozigotos e tecidos Hoxa-3 do tipo
selvagem. Cruzando os animais quiméricos com camundongos do tipo selvagem
produz-se descendentes Hoxa-3 heterozigotos se as células ES contribuíram na
linhagem germinativa. Os animais heterozigotos podem ser cruzados entre si, e Injeção dos
aproximadamente 25% de sua cria deve ser de homozigotos mutantes de Hoxa-3. blastócitos no útero

Produção de
camundongos quiméricos

Cruzamento de
quiméricos com
tipo selvagem
Cruzamento de
camundongos
heterozigotos
Hoxa-3¯/ Hoxa-3+
Heterozigotos Heterozigotos

Hoxa-3¯/ Hoxa-3¯
Homozigoto

para o gene Hoxa-3. Os animais heterozigotos podem ser cruzados entre si, e apro-
ximadamente 25% de seus descendentes devem levar duas cópias do gene mutado
Hoxa-3. Esses camundongos mutantes homozigotos não possuem as glândulas
tireóide, paratireóide e timo! Dessa maneira, endereçando genes pode-se analisar as
funções de determinados genes durante o desenvolvimento de mamíferos.
[gene7.html]
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 73

Determinando a função de uma mensagem:


RNA antisense
Outro método para determinar a função de um gene é fazer cópias “antisense” de sua
mensagem. Mensagens antisense podem ser produzidas usando cDNA clonado e
fazendo sua reclonagem em reverso, próximo a um vigoroso promotor bacteriano, em
outro vetor. O promotor bacteriano iniciará a transcrição da mensagem na “direção
errada” quando for incubado com RNA polimerase e nucleosídeos trifosfato. Dessa
maneira, é sintetizado um transcrito que é complementar aquele natural (Figura 2.34A).
O transcrito complementar é chamado RNA antisense porque é o reverso da mensa-
gem original. Quando grandes quantidades de RNA antisense são injetadas ou
transfectadas em células contendo o mRNA normal desse gene, o RNA antisense se
liga à mensagem normal; o ácido nucléico dupla-fita resultante é degradado (enzimas Figura 2.34
do citoplasma das células digerem ácidos nucléicos de fita dupla). Isso causa uma Producão de RNA antisense para examinar a
depleção funcional da mensagem, como se houvesse uma mutação eliminatória para função dos genes no desenvolvimento. (A)
aquele gene. Produção da mensagem antisense (neste caso,
Esses resultados foram confirmados quando RNA antisense foi produzido a partir ao gene Krüppel da Drosophila) colocando o
fragmento de cDNA clonado para a mensagem
do gene Krüppel de Drosophila. Krüppel é crítico para a formação do tórax e do
Krüppel entre dois vigorosos promotores. Os
abdômen da mosca. Se esse gene está ausente, as larvas da mosca morrem pela falta promotores estão em orientação oposta com
dos segmentos torácico e abdominal anterior (Figura 2.34B); uma situação semelhante respeito ao cDNA do Krüppel. Nesse caso, o
é criada quando grandes quantidades de RNA antisense contra a mensagem Krüppel promotor T3 está em orientação normal e o
são injetados em embriões precoces da mosca (Rosenberg et al.,1985). RNA antisense promotor T7 está revertido. Os promotores
permite ao biologista do desenvolvimento determinar a função dos genes durante o reconhecem RNA polimerases diferentes (dos
desenvolvimento e analisar a ação dos genes em animais; de outra forma isso seria bacteriófagos T3 e T7, respectivamente). T3
inacessível à análise genética. polimerase permite a transcrição de mRNA de
consenso, ao passo que T7 polimerase pro-
duz transcritos antisense. (B) Resultado da
Reinvestigação de velhos problemas com novos métodos injeção da mensagem Krüppel antisense em um
embrião precoce (estágio blastodérmico
A união da embriologia com a biologia molecular está permitindo ao biologista do sincicial) de Drosophila antes que a mensa-
desenvolvimento uma nova apreciação de como trabalham os genes na construção de gem Krüppel seja produzida. A figura central é
um organismo. Estamos em meio à uma revolução nos nossos conhecimentos sobre um embrião do tipo selvagem pouco antes de
desenvolvimento, e um dos maiores sucessos resultantes de clonagens e eclodir. Acima está o mutante causado pela
seqüenciamentos é a nova “anatomia” do gene eucarioto. Descreveremos a estrutura falta do genes Krüppel. Abaixo está o embrião
do gene com mais detalhe no Capítulo 10, mas é importante ressaltar que os genes do tipo selvagem, injetado com a mensagem
Krüppel antisense no estágio embrionário pre-
eucariotos que codificam proteínas têm vários sítios regulatórios (Figura 2.35). Um
coce. Ambos os embriões, mutante e o tratado
sítio, o promotor, está localizado diretamente a montante do gene (antes do início) e é com antisense, não possuem os segmentos
torácico e abdominal anterior. (B, de acordo
(A) com Rosenberg et al., 1985.)

mRNA de consenso (B) Embrião mutante Krüppel


(sense) Krüppel

promotor
T7
mRNA
antisense Embrião normal
Krüppel

T3 RNA
T3 polimerase polimerase
promotor T7 RNA Embrião normal
infectado com RNA
“antisense” Krüppel
74 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

o sítio onde se liga a RNA polimerase. Localizada em algum lugar dentro do gene (a
jusante ou a montante, ou ainda em um íntron dentro do gene), está uma segunda
região chamada intensificadora. Fatores protéicos que se ligam ao intensificador per-
mitem sua interação com o promotor e, conseqüentemente, com a transcrição do gene
pela RNA polimerase. Alguns promotores (como aqueles usados por produtos relaci-
onados ao metabolismo geral da célula) não precisam ser ativados por intensificado-
res, mas a maioria dos genes ligados ao desenvolvimento são ativados em tempos e
células específicos. Esses genes precisam ser ativados por fatores que se ligam ao
intensificador e ao promotor. Como veremos no Capítulo 10, a ligação de diferentes
fatores de transcrição aos promotores e intensificadores de genes específicos é um
dos mecanismos que controlam a produção de proteínas diferentes a partir de genomas
idênticos. Um exemplo é a ativação do gene para ZP3.
Como detalharemos no Capítulo 4, ZP3 é a principal proteína ligante de espermato-
zóide na superfície do óvulo de camundongo. É uma glicoproteína sintetisada pelo
oócito durante sua maturação em óvulo (Roller et al.,1989). Uma transferência Northern
mostra que o mRNA para essa proteína é sintetizado somente em oócitos em cresci-
mento e não pode ser detectado em nenhum outro tipo de célula (Figura 2.36). O que
permite a esse gene ser ativado somente nos oócitos? Lira e colaboradores (1990)
isolaram o gene para ZP3, determinaram sua seqüência e encontraram um sítio promo-
tor, 28 pares de bases a montante do sítio onde a transcrição do gene é iniciada. Como
hipótese, consideraram que seqüências responsáveis por ativação oócito-específica
podem existir até mais longe, a montante do gene. Eles usaram enzimas de restrição
para isolar o DNA da região 5', a montante, (com 150 pares de bases) e o fundiram ao
gene para a luciferinase de vaga-lume. (Não é necessário dizer que essa enzima produ-
tora de luz não é encontrada em camundongos. Está sendo usada aqui como um “gene
repórter” para monitorar onde o DNA a montante pode causar sua expressão.) O gene
recém-construído, contendo a região a montante do gene ZP3 ligada ao gene estrutu-
ral para luciferinase, foi injetado em zigotos de camundongo para criar animais
transgênicos, levando em cada núcleo o gene luciferinase com a região regulatória
ZP3. Em camundongos transgênicos fêmeas, a hibridização in situ localizou mRNA de
luciferinase em um único tipo de célula, o oócito (Figura 2.37). Assim, a seqüência de
DNA com 150 pares de bases foi necessária e suficiente para ativar o gene (qualquer
gene!) no oócito. Dentro dessa região de 150 pares de bases (de 99 a 86 pares de bases
a montante do gene estrutural ZP3) existe a seqüência 5’-GATAA-3' que liga uma
proteína chamada OSP-1. OSP-1 é encontrada somente em oócitos em maturação; ela
ativa o gene ZP3 ligando-se a essa sequência de DNA no promotor. Parece, então, que
ZP3 é sintetizado em oócitos porque eles têm a proteína OSP-1 que se liga a certas
seqüências de DNA que são parte de seu promotor (Schickler et al.,1992). No momen-
to, está sendo investigado como é regulado o gene codificador de OSP-1.

Figura 2.35
Estrutura básica de um gene regulado pelo de-
senvolvimento. O promotor da maioria dos
genes codificadores de proteínas é encontrado
no terminal 5' (a montante) do gene. O intensi-
ficador freqüentemente está mais acima, a mon-
tante, mas pode ser encontrado dentro de um Intensificador
íntron ou no terminal 3'. Proteínas que se li- Promotor Éxon Íntron Éxon Íntron Éxon
gam ao promotor e aos intensificadores
interagem para regular a transcrição do gene.
(No exemplo ZP3, o sítio OSP-1, GATAA,
está localizado no promotor, aproximadamen-
te 95 pares de bases a montante do sítio de Intensificador Intensificador
início da transcrição. Um sítio intensificador
sensível a estrogênios é encontrado no primei- “a montante “a jusante”
ro íntron do gene ZP3.) do gene” do gene
CAPÍTULO 2 Genes e Desenvolvimento 75

Figura 2.36 Oócito


Transferência Northern de RNA de ZP3 acumulado no camundongo. RNA de vários tecidos
Ovário
(10µg por pista) e oócitos (125ng) foram submetidos à eletroforese e transferidos para papel de
nitrocelulose. Um fragmento radioativamente marcado do gene ZP3 foi usado como sonda do Cérebro
mRNA. A mensagem ZP3 foi encontrada somente no ovário, especialmente dentro dos oócitos. Embrião de 13 dias
(de Roller et al.,1989, cortesia de P. Wassarman).
Coração
Intestino
Rim
Uma conclusão e um alerta
Fígado

Depois de quase um século, estamos começando a entender como as células regulam Músculo
a expressão diferenciada de seus genes, permitindo que genes diferentes possam se Testículos
tornar ativos em diferentes células. Esse conhecimento está ajudando a explicar como Útero
a informação herdada é utilizada para construir os planos básicos do corpo e os tipos
específicos de células do organismo em desenvolvimento.
Entretanto, uma palavra de alerta. Caso o tom celebratório deste capítulo deixou a
impressão de que desenvolvimento é somente uma função da atividade gênica é
necessário relembrar do Capítulo 1, que a distinção entre talo e esporo (Dictyoste-
lium), estado amebóide e flagelado (Naegleria) e gonídios sexual e assexual (Volvox)
é determinada pelo ambiente. Em capítulos posteriores (especialmente Capítulo 21),
veremos outros exemplos do controle ambiental do desenvolvimento: determinação
de sexo temperatura-dependente em répteis, desenvolvimento em insetos dependente
da dieta, e a diferenciação, dependente de experiência, dos neurônios e linfócitos em
mamíferos. Nesses casos o organismo herda a habilidade para responder aos sinais
do ambiente, mas não é possível predizer o fenótipo a partir do genótipo.

(A) (B)

Figura 2.37
Hibridização in situ da expressão do gene repórter luciferinase, quando luciferinase foi
ligado ao promotor do gene ZP3. A sonda radioativa era dirigida à mensagem luciferinase,
a qual apareceu onde foi expressa sob a direção do promotor de ZP3. (A) Visão do
ovário inteiro (60x). (B) Magnificação (160x) de dois folículos ovarianos contendo
oócitos em maturação. (de Lira et al., 1990, cortesia de P. Wassarman.)
76 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

LITERATURA CITADA

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A base celular da morfogênese:
Afinidade celular diferencial
3
Mas a natureza não é atomizada. Sua pa-
dronização é inerente e primária, e a ordem
subjacente à beleza é nela demonstrada; mais
ainda, a natureza só pode ser percebida pela
mente humana, porque ela mesmo é parte
U m corpo não é meramente uma coleção de tipos de células distribuídas ao
acaso. Desenvolvimento envolve não só a diferenciação celular, mas tam-
bém sua morfogênese em arranjos multicelulares tais como tecidos e órgãos.
Quando observamos a anatomia detalhada de um tecido como a retina neural, vemos
um arranjo preciso e intrincado de muitos tipos diferentes de células. Neste Capítulo,
integrante e majoritária daquela ordem. introduziremos as vias de mudança pelas quais as células do embrião em desenvolvi-
Paul Weiss (1960) mento criam órgãos funcionais do corpo. Existem quatro questões majoritárias partici-
pando do arcabouço de discussões sobre morfogênese:
Eu fui criado terrivelmente e maravilhosa-
• Como se formam tecidos a partir de células? De que modo células da retina
mente. Salmo 139 (ca. 500 a.c).
neural aderem a outras células da retina neural e não se associam às celulas da
retina pigmentada ou da íris que estão próximas a elas? De que modo, os vários
tipos de células presentes na retina neural (as três camadas distintas de fotore-
ceptores, neurônios bipolares e células ganglionares) estão organizados para
permitir que a retina seja funcional?
• Como são os órgãos construídos a partir de tecidos? As células retinais do
olho estão situadas atrás da córnea e da lente a uma distância exata. A retina
seria inútil se estivesse situada atrás de um osso ou outro lugar qualquer, onde
a lente não pudesse nela focalizar os raios de luz. Além disso, os neurônios da
retina devem penetrar no cérebro para inervar as regiões do córtex cerebral que
analisam a informação visual. Todas essas conexões devem estar precisamente
ordenadas.
• Como células migrantes atingem seu destino, e como se formam órgãos em
determinados locais? Olhos se desenvolvem na cabeça, mas em nenhum ou-
tro lugar. O que impede a formação de um olho em outras partes do corpo, se
todas as células têm o mesmo potencial genético? Em alguns casos, como o de
precursores de nossas células pigmentadas, células germinativas e glândula
supra-renal, as células devem percorrer longas distâncias para alcançar seu
destino final. Como as células são instruídas para percorrer certas rotas e parar
quando atingem uma região específica do corpo?
• Como crescem órgãos e suas células, e como é esse crescimento coordenado
ao longo do desenvolvimento? As células do olho devem crescer juntas, e as
células da retina raramente dividem-se após o nascimento. Nosso intestino,
entretanto, está constantemente descartando células e regenerando outras, e
79
80 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

ainda assim, sua velocidade mitótica é cuidadosamente controlada. Se mais


células fossem regeneradas do que aquelas descartadas, seriam produzidos
crescimentos cancerosos. Se o número de células regeneradas fosse menor, o
intestino não poderia digerir o alimento. O que controla essas diferenças na
velocidade de crescimento?

Todas essas perguntas se referem a aspectos do comportamento celular. Existem


dois grupos principais de células no embrião: células epiteliais, fortemente ligadas
umas às outras em camadas ou tubos, e as células mesenquimatosas, isoladas e
funcionando como unidades individuais. A morfogênese nessas duas classes de célu-
las se dá através de um limitado repertório de processos celulares: (1) direção e núme-
ro de divisões celulares; (2) mudanças na forma das células; (3) movimento celular; (4)
crescimento celular; (5) morte celular; e (6) mudanças na composição da membrana
celular e da matriz extracelular. A maneira pela qual esses processos se completam
pode diferenciar entre células epiteliais e mesenquimatosas (Figura 3.1).
Parecem existir duas vias principais pelas quais células se comunicam umas com as
outras para que se efetue a morfogênese. A primeira é através de substâncias difusíveis
que são sintetizadas por um tipo de célula e que mudam o comportamento de outros
tipos celulares. Essas substâncias incluem hormônios, fatores de crescimento e
morfógenos; cada um será detalhado em capítulos subseqüentes. O segundo método
involve contato entre superfícies de células adjacentes. Células podem seletivamente
reconhecer outras, aderindo a algumas células ou migrando sobre outras. Os eventos
moleculares que intermediam o reconhecimento seletivo de células e sua transforma-
ção em tecidos e órgãos, ocorrem na superfície celular. Enquanto o paradigma domi-
nante na genética do desenvolvimento é a expressão diferencial do gene, o paradigma
dominante na morfogênese envolve afinidade celular diferencial. Essas afinidades
podem ser para superfícies de outras células ou para moléculas da matriz extracelular
secretadas pelas células. Neste capítulo veremos como superfícies de células adjacen-
tes interagem durante o desenvolvimento, visando localizar as células em sítios apro-
priados dentro de tecidos e órgãos.

Afinidade celular diferencial


Assim como a demonstração da importância dos genes no desenvolvimento gerou
desentendimentos entre pesquisadores, também se desenvolveu um debate sobre o
papel da superfície celular na formação do embrião. A superfície celular parece a mes-
ma em todos tipos de células, e muitos pesquisadores mais antigos pensavam até que
a superfície celular não era uma parte vital da célula. Observações sobre fecundação e
desenvolvimento embrionário precoce feitas por E. E. Just (1939) sugeriam que a
superfície celular diferia em tipos diferentes de células, mas a análise moderna da
morfogênese se inicia com os experimentos de Townes e Holtfreter em 1955. Conside-
rando a descoberta de que tecidos de anfíbios se dissociavam em células isoladas
quando colocados em soluções alcalinas, eles prepararam suspensões de células
isoladas provenientes de cada uma das três camadas germinativas dos anfíbios, logo
após a formação do tubo neural. Duas ou mais dessas suspensões de células isoladas
poderiam ser combinadas de várias maneiras, e quando o pH era normalizado, as
células aderiam umas às outras, formando agregados em placas de Petri cobertas com
agár. Usando embriões de espécies que tinham células de diferentes tamanhos e co-
res, Townes e Holtfreter conseguiram observar o comportamento das células
recombinadas (Figura 3.2).

Figura 3.1 ➧
Sumário dos principais processos morfogenéticos em células mesenquimatosas e epiteliais
PROCESSO AÇÃO MORFOLOGIA EXEMPLO

CÉLULAS MESENQUIMATOSAS

Condensação Mesênquima se Mesêquina da


cartilagem torna epitélio cartilagem

Divisão Mitose para produzir Mesênquima


celular mais células (hiperplasia) dos membros

Morte Célula morre Mesênquima


celular interdigital

Migração Célula se move em tempos Mesênquima


e lugares determinados do coração

Secreção de Síntese ou remoção da Mesênquima


matriz e degradação camada extracelular da cartilagem

Crescimento Células ficam Células


maiores (hipertrofia) gordurosas

CÉLULAS EPITELIAIS

Dispersão Epitélio mesênquima Degeneração do


(estrutura inteira) ducto Mülleriano

Delaminação Epitélio mesênquima Hipoblastos de


(parte da estrutura) de galinha

Mudança de Células permanecem ligadas Neurulação


forma ou crescimento com alteração da morfologia

Migração celular Linhas do epitélio se fundem Gastrulação


(intercalação) para formar menos linhas de vertebrados

Divisão celular Mitose dentro da linha ou Gastrulação de


outra direção vertebrados

Secreção de matriz Síntese ou remoção da Formação de


e degradação camada extracelular órgãos vertebrados

Migração Formação de bordas Ectoderma de


livres galinha
82 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Células epidérmicas
presuntivas

Segregação de
tipos de células
Reagregação
espontânea
Dissociação
de células

Células da placa neural


Seção através da bola de
células segregadas

Figura 3.2
Reagregação de células da nêurula de anfíbi-
os. Células epidérmicas presuntivas de em- Os resultados de seus experimentos foram surpreendentes. Em primeiro lugar,
briões pigmentados e células da placa neural verificaram que células reagregadas se tornavam espacialmente segregadas. Ou seja,
de embriões não pigmentados são dissociadas em lugar de permanecerem misturadas, cada tipo de célula se posicionava em sua
e misturadas entre si. As células reagrupam- própria região. Assim, quando células epidérmicas (ectodérmicas) e mesodérmicas
se de tal forma que um tipo (aqui, a epiderme foram ajuntadas para formar um agregado misto, as células epidérmicas foram encon-
presuntiva) cobre o outro. (Modificado de tradas na periferia do agregado e as células mesodérmicas no seu interior. Em nenhum
Townes e Holtfreter, 1955.) caso as células permaneceram misturadas ao acaso, e na maioria dos casos, um tipo de
tecido envolvia o outro completamente.
Em segundo lugar, os pesquisadores observaram que as posições finais das célu-
las reagregadas refletiam suas posições embriônicas. O mesoderma migra centralmen-
te à epiderme, aderindo à sua superfície interna (Figura 3.3A). O mesoderma também
migra centralmente em relação ao intestino ou endoderma (Figura 3.3B). Entretanto,
quando as três camadas germinativas são misturadas entre si, o endoderma se separa
do ectoderma e mesoderma e é então envolvido por eles (Figura 3.3C). Na sua configu-
ração final, o ectoderma está na periferia, o endoderma é interno e o mesoderma se
situa na região entre eles. Holtfreter interpretou esse fato em termos de afinidade
seletiva. A superfície interna do ectoderma tem uma afinidade positiva pelas células
mesodérmicas e uma afinidade negativa para o endoderma, enquanto o mesoderma
tem afinidades positivas para ambas as células, ectodérmicas e endodérmicas. A
mimetização da estrutura embrionária normal por agregados celulares também pode
ser vista na recombinação de células da epiderme e da placa neural (Figura 3.3D). As
células epidérmicas presuntivas migram para a periferia, como antes; as células da
placa neural migram para o centro, formando uma estrutura reminescente do tubo
neural. Quando células axiais mesodérmicas (notocorda) são adicionadas à suspen-
são de células presuntivas, epidérmicas e neurais, a segregação celular resulta em uma
camada epidérmica externa, um tecido neural localizado centralmente, e uma camada
de tecido mesodérmico entre eles (Figura 3.3E). De alguma maneira, as células têm a
capacidade de distribuirem-se em suas próprias posições embriológicas.
Tais afinidades preferenciais foram também observadas por Boucaut (1974),
que injetou células individuais de específicas camadas germinativas de volta na
cavidade gastrular de anfíbio. Ele verificou que essas células migram para sua
camada germinativa apropriada. Células endodérmicas encontram posições no
endoderma do hospedeiro, enquanto que células ectodérmicas se localizam em seu
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 83

Epiderme Placa neural


+ +
Epiderme Mesoderma Mesoderma Placa neural Mesoderma axial
+ + + + +
mesoderma endoderma endoderma epiderme epiderme

Epiderme Endoderma Mesoderma Epiderme Epiderme Mesoderma

Mesoderma Mesoderma Endoderma Placa Epiderme Placa


neural neural
(A) (B) (C) (D) (E)

Figura 3.3
ectoderma. Assim, afinidade seletiva parece ser importante para fornecer informação Distribuição e reorganização de relacionamen-
posicional às células embrionárias. tos embrionários espaciais em agregados de
A terceira conclusão de Holtfreter e seus colegas foi que afinidades seletivas células embrionárias de anfíbios. (Modificado
mudam durante o desenvolvimento. Isso deveria ser esperado, pois células embrioná- de Townes e Holtfreter, 1955.)
rias não mantêm uma única relação estável com outras células. Para que ocorra o
desenvolvimento, células precisam interagir de forma diferente com outras popula-
ções celulares em tempos específicos. Essas mudanças na afinidade celular foram
dramaticamente confirmadas por Trinkaus (1963), que mostrou uma clara correlação
entre mudanças de adesão in vitro e o comportamento da célula embrionária. Mais
recentemente, os experimentos de Fink e McClay (1985) demonstraram esse comporta-
mento no ouriço-do-mar, durante seu desenvolvimento. Na blástula, todas as células
parecem ter a mesma afinidade umas pelas outras. Cada célula tem também uma alta
afinidade para a matriz extracelular (camada hialina) que cobre o embrião, e uma baixa
afinidade para as proteínas dentro da cavidade embrionária (blastocele). Entretanto,
ao iniciar-se a gastrulação, um grupo específico de células, no pólo vegetal da blástu-
la, perde sua afinidade pelas células vizinhas e pela matriz extracelular externa, en-
quanto adquire simultaneamente afinidade pelas fibrilas protéicas que forram a blasto-
cele (Figura 3.4). Essas mudanças de afinidade causam a perda de contato das células
84 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Figura 3.4 (A) (B)


Sumário das modificações na adesão celular de células precursoras Camada hialina
do esqueleto (encaixadas). (A) Na blástula do ouriço-do-mar, cada
Células da
célula tem alta afinidade por suas vizinhas e por seu substrato, a
blástula
camada hialina. (B) Enquanto progride o desenvolvimento, mu-
danças na superfície celular produzem um enfraquecimento das
afinidades pelas células vizinhas e camada hialina e um aumento de
afinidade pelas proteínas da cavidade interna da blastocele. O
resultado é que essas células migram para a blastocele (flechas) e
formarão o esqueleto.

Fibrilas
da
blastocele

Alta afinidade por células Decréscimo de afinidade por


vizinhas e camada hialina células vizinhas e camada
hialina. Aumento de afinidade
por fibrilas da bastocele.

com suas vizinhas e a migração para dentro da blastocele, onde elas formarão o
esqueleto da larva. Quando elas começam a formar esse esqueleto, suas proprieda-
des adesivas terão que mudar novamente. Essas células, que tinham sido “anti-
sociais” entre si desde seu ingresso na blastocele, devem agora aderir para formar
os rudimentos do anel esquelético. Essas mudanças na adesão são específicas
temporalmente e também específicas para as células precursoras esqueléticas
(McClay e Ettensohn, 1987). Tais mudanças na afinidade celular são extremamente
importantes nos processos da morfogênese.
A reconstrução de agregados de embriões tardios de aves e mamíferos foi
obtida pelo uso da protease tripsina para dissociar as células entre si (Moscona,
1952). Quando as células isoladas resultantes foram misturadas em um frasco e
agitadas de modo que a força de cisalhamento destruísse adesões não específi-
cas, as células se distribuíram de acordo com seu tipo celular. Dessa maneira, elas
reconstruíram a organização do tecido original (Moscona, 1961; Giudice, 1962). A
Figura 3.5 mostra a “reconstrução” do tecido da pele de um embrião de camundon-
go de 15 dias. As células da pele são separadas por enzimas proteolíticas e depois
agregadas em uma cultura rotatória. As células epidérmicas migram para a perife-
ria, e as dérmicas migram para o centro. Em 72 horas, a epiderme foi reconstituída,
formou-se uma camada de queratina e folículos de pêlo são vistos na região dermal.
Essa reconstrução de tecidos complexos a partir de células únicas é chamada de
agregação histotípica.

O modelo termodinâmico de interações celulares


A células, então, não se distribuem ao acaso, mas se movem ativamente para criar
organização tissular. Quais forças dirigem o movimento celular durante a morfogêne-
se? Em 1964, Malcolm Steinberg propôs um modelo que explicava o direcionamento da
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 85

Figura 3.5 Epiderme Derme Folículo piloso


Reconstrução da pele a partir de uma suspensão de células de pele de um embrião de camundon- primário
go de 15 dias. (A) Seção através da pele embrionária, mostrando a epiderme, derme e folículos
pilosos primários. (B) Suspensão de células isoladas de pele tanto da derme como da epiderme.
(C) Agregados após 24 horas. (D) Seção através de um agregado mostrando migração de células
epidérmicas para a periferia. (E) Nova diferenciação dos agregados (72 horas), mostrando
epiderme e derme reconstituídas, completa com folículos de pêlo e camada queratinizada. (de
Monroy e Moscona, 1979, cortesia de A. Moscona.)

distribuição celular baseado em princípios termodinâmicos. Usando células derivadas


de tecidos embrionários tripsinisados, Steinberg mostrou que certos tipos de células
sempre migram para o centro quando combinadas com determinados tipos de células, (A)
mas migram perifericamente quando combinadas com outras. A Figura 3.6 ilustra as
interações entre culturas de células pigmentadas e células neurais da retina. Quando
suspensões de células isoladas desses dois tipos são misturadas, elas formam agre-
gados de células organizadas ao acaso. Entretanto, após algumas horas, já não se
observa células pigmentadas da retina na periferia dos agregados; em dois dias, duas
distintas camadas são vistas, com as células pigmentadas localizadas internamente às
células neurais da retina. Os mesmos tipos de interações podem ser observados quan-
do agregados esféricos de tecidos são colocados em contato, uns com os outros. Um (B)
dos tecidos finalmente envolve o outro, e a topografia final é independente das posi-
ções de partida (Figura 3.7).
Além disso, tais interações obedecem a uma hierarquia (Steinberg, 1970). Se a
posição final de um tipo de célula, A, é interna em relação a um segundo tipo, B, e a
posição final de B é interna a um terceiro tipo, C, então a posição final de A será sempre
interna a C. Por exemplo, células pigmentadas da retina migram internamente às células
neurais da retina, e células do coração migram centralmente em relação à retina
pigmentada. Portanto, células do coração migram internamente às células neurais da (C)
retina. Essa observação levou Steinberg a propor que as células misturadas, interagem
para formar um agregado com a menor energia livre interfacial (Figura 3.8). Em outras

(D) Derme

Derme Epiderme Camada queratinizada

(A) (B) (C)

Figura 3.6
Agregados formados pela mistura de células da retina neural (não pigmentada) de um embrião de (E)
galinha de 7 dias com células pigmentadas da retina (escuras). (A) Cinco horas após a mistura Folículos de pêlo
das suspensões de células isoladas, são vistos agregados de células distribuídas ao acaso. (B) Em
19 horas, as células pigmentadas da retina não são mais vistas na periferia. (C) Após dois dias,
a maioria das células pigmentadas da retina estão localizadas em uma massa central interna
rodeadas pelas células da retina neural. (As células pigmentadas espalhadas são provavelmente
células mortas). (de Armstrong, 1989, cortesia de P. B. Armstrong.)
86 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Figura 3.7
Espalhamento de um tipo de célula sobre outro tipo. A posição final de agregados compostos de
dois tipos de tecidos é independente de sua posição inicial. Uma condição final idêntica é
Tecido Tecido obtida, se os tecidos são transformados em suspensões de células isoladas e, então, reagregadas
A B ou os tecidos são mantidos intactos e colocados em contato. (De acordo com Armstrong, 1989.)

Colocar tecidos Dissociar os


juntos, bem tecidos palavras, as células se rearranjam na forma termodinamicamente mais estável. Se as
encaixados e reagregar células dos tipos A e B têm diferentes forças de adesão, e se a força da conexão A-A é
maior do que aquela entre A-B ou B-B, vai haver distribuição com centralização das
células do tipo A. Se a força da conexão A-A é menor ou igual a da conexão A-B, o
agregado permanecerá com uma mistura de células ao acaso. Finalmente, se a conexão
A-A tiver uma força muito maior do que a conexão A-B – em outras palavras, as células
A e B não mostram basicamente nenhuma adesividade entre si – então as células A e B
formarão agregados separados.
Para que as células sejam distribuídas, o essencial é que tenham diferenças em
suas forças de adesão. Na forma mais simples desse modelo, todas as células
poderiam ter o mesmo tipo de “cola” distribuída na sua superfície. A quantidade
desse produto da superfície celular, ou a arquitetura celular que permite à subs-
Movimento do Movimento das tância ser concentrada diferencialmente, originará diferentes números de conta-
tecido B para células A para dentro,
envolver o tecido A distante da periferia
tos estáveis entre tipos de células. Alternativamente, as diferenças termodinâmicas
poderiam ser causadas por vários tipos de moléculas de adesão. Esse modelo
termodinâmico é chamado hipótese da adesão diferencial. Nessa hipótese, o em-
brião precoce pode ser considerado como existindo em um estado de equilíbrio até
que alguma mudança na atividade gênica altere as moléculas na superfície celular.
Os movimentos que ocorrem visam restaurar uma nova configuração de equilíbrio
para as células.

Células A localizadas
centralmente às células B

(A) DISTRIBUIÇÃO

(B) AO ACASO

(C) SEPARAÇÃO

Figura 3.8
Distribuição como um processo tendendo à estabilidade termodinâmica máxima. (A) Distribui-
ção ocorre quando a força adesiva média entre diferentes tipos de células (ωab) é menor que a
força adesiva média homotípica (A-A ou B-B) (ωaa, ω bb). As células mais adesivas se localizam
centralmente. (B) Se a força das adesões A-B é maior ou igual à média das adesões homotípicas,
não vai haver distribuição, porque o sistema já atingiu o equilíbrio termodinâmico, e a mistura
dos tipos de células será ao acaso. (C) Se as ligações A-B são muito mais fracas que a média das
adesões homotípicas, haverá uma completa separação, como é característico para óleo e água.
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 87

Informações adicionais
& Especulações

Evidência para o modelo termodinâmico

E vidências recentes para a hipóte-


se da adesão diferencial surgiram
em pesquisa com o objetivo de
responder duas questões: (1) pode o fe-
nômeno da distribuição ser explicado pela
Membros de salamandra têm alguns
atributos surpreendentes. Quando um
membro anterior é amputado no antebra-
ço, o toco remanescente forma na sua
ponta, uma massa de células desdiferen-
sas células formam um gradiente ao lon-
go do eixo proximodistal; essas proprie-
dades são maiores no pulso e menores no
antebraço.
Crawford e Stocum (1988) conseguiram
tensão superficial gerada pela adesão ce- ciadas (blastema regenerativo), que se relacionar essa distribuição de células in
lular?, e (2) essa distribuição realmente divide e diferencia formando um novo vitro ao processo de regeneração de mem-
ocorre durante o desenvolvimento? membro. O novo tecido do membro se ini- bro ao vivo. Blastemas do pulso, cotovelo
Foty e colegas no laboratório de cia no local da amputação, nesse caso, ou antebraço foram enxertados na junção
Steinberg (1994) analisaram a tensão su- formando o resto do membro, do antebra- blastema-toco de um membro posterior re-
perficial interfacial em vários tecidos em- ço para baixo. Quando o membro é ampu- generando a partir da meia coxa. Os
brionários. Eles comprimiram amostras de tado no pulso, forma-se um blastema re- blastemas de membro anterior migraram
tecido entre as placas de vidro de um generativo parecido. Entretanto, não é re- distalmente até o nivel correspondente do
tensiômetro, e mediram a tensão superfi- formado o tecido do antebraço, cotovelo membro posterior do hospedeiro e regene-
cial dos tecidos em termos da habilidade e cúbito; em lugar disso, o local “sendo raram uma nova estrutura (Figura 3.10). O
desses em retornar à forma esferóide ori- conhecido” regenera somente o pulso e blastema do antebraço imediatamente re-
ginal. Dessa maneira, a tensão superficial os dígitos. generou um membro completo a partir do
de cada tecido poderia ser calculada em Como é armazenada essa “memória nível da meia coxa; o blastema do cotovelo
dines por centímetro. Foty e seus colabo- posicional”? Nardi e Stocum (1983) de- se moveu ao nível do joelho e formou o
radores encontraram uma completa corre- monstraram que colocando junto dois resto do braço a partir desse ponto; o
lação entre a tensão superficial do tecido blastemas de membros de salamandra com blastema do pulso foi deslocado até o fim
e sua tendência de distribuir-se no centro o mesmo nível de origem eles se fundem, do membro posterior em regeneração, onde
ou na periferia de um agregado misto. Te- mas nenhum envolve o outro (Figura 3.9). formou um pulso ao nível do tarso do pé.
cidos com uma maior tensão superficial Entretanto, quando os blastemas são de Esses dados sugerem que as hierarquias
sempre se localizavam internamente quan- níveis diferentes, o mais proximal (perto da distribuição celular, vistas in vitro, re-
do misturados com outros de menor ten- do corpo) envolve o mais distal. Parece, fletem diferenças que são usadas pelo cor-
são superficial. Parece que a distribuição então, que as propriedades adesivas des- po, in vivo, na construção de novos órgãos.
pode ser explicada unicamente pelas ten-
sões superficiais das células justapostas. Blastema marcado
[cell1.html]
Pulso Cotovelo Antebraço
Até recentemente, era muito difícil pla-
nejar experimentos para testar, in vivo, esse
modelo de distribuição celular; entretanto,
Pulso

estão surgindo evidências para essa hipó-


tese em estudos de regeneração de mem-
bros na salamandra. Aqui, o tecido mais
proximal (perto do corpo) envolverá o mais
Blastema não marcado

distal (Nardi e Stocum, 1983).


Cotovelo

Figura 3.9
Distribuição quando blastemas de níveis iguais
ou diferentes, de membros anteriores, são co-
locados juntos em cultura. (Um membro de
cada par foi marcado com tritio para distinguí-
lo do outro). Depois de três dias em cultura,
os agregados foram fixados e secionados.
Antebraço

Blastemas do mesmo nível fundiram em uma


linha reta. Quando os blastemas eram de dife-
rentes níveis, o blastema proximal parecia ten-
tar envolver as células mais distais. (de Nardi e
Stocum, 1983, cortesia de D. Stocum.)
88 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Figura 3.10 Blastema Blastema Blastema


Distribuição in vivo, onde blastemas de mem- de pulso de cotovelo de antebraço
bros anteriores em regeneração (em cores) en-
xertados em blastemas da coxa mediana (cin-
za) são deslocados para a região correspon-
dente do membro posterior em regeneração
(pulso ao tarso; cotovelo ao joelho; antebraço
à coxa mediana) onde iniciam a formação do
membro anterior, distalmente daquele ponto.
(de Crawford e Stocum, 1988.) Enxertar blastema no
blastema em regeneração
da coxa mediana
Blastema de
coxa mediana

Permitir crescimento
externo dos enxertos

A base molecular das adesões célula-célula


As classes de moléculas de adesão celular
A formação de tecidos e órgãos é mediada por eventos que ocorrem na superfície de
células adjacentes. A superfície celular inclui a membrana plasmática, as moléculas
diretamente abaixo dela e a ela associadas, e as moléculas encontradas no espaços
extracelulares. Células eucarióticas são envolvidas por uma complexa borda molecular
chamada membrana plasmática (ou celular). A membrana plasmática é uma bicamada
fluida lipídica que contém proteínas capazes de interagir com o ambiente externo.
Certas proteínas têm seus sítios ativos apontando para fora, em direção a outras
células; existem três classes de moléculas da membrana celular (principalmente prote-
ínas) que estão particularmente envolvidas no controle de interações específicas com
outras células (Edelman e Thiery, 1985):
• Moléculas de adesão celular. Essas proteínas participam da adesão célula-
célula. Elas podem unir células em lâminas epiteliais e condensar células me-
senquimatosas em agregados coesos. Elas têm um papel crítico na separação
de diferentes tecidos entre si.
• Moléculas da junção celular. Essas moléculas fornecem vias de comunicação
entre o citoplasma de células adjacentes e fornecem barreiras de permeabilidade
e força mecânica às lâminas epiteliais.
• Moléculas de adesão a substrato. Essas moléculas permitem ligação das célu-
las às suas matrizes extracelulares. Elas incluem componentes da matriz extra-
celular e seus receptores situados na superfície da célula. Moléculas de ade-
são a substrato permitem o movimento de células do mesênquima e neurônios,
e permitem a separação espacial das lâminas epiteliais.
Os padrões locais de expressão dessas moléculas da superfície celular, propiciam uma
conexão importante entre o código genético unidimensional e o organismo tri-
dimensional. Modulando o aparecimento dessas moléculas, o potencial genético pode
se manifestar no processo mecânico da morfogênese.
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 89

Informações adicionais
& Especulações

Anticorpos monoclonais e genética reversa


Monitoramento de modificações da mem-
brana celular através de anticorpos mo- Imunização Células mutantes de mieloma,
noclonais. sem enzima HPRT
A expressão de componentes da membra-
na muda no espaço e no tempo. Diferen-
tes tipos de células possuem componen-
tes da superfície celular que são diver-
sos, e que mudam enquanto a célula se
desenvolve. Esses componentes da mem-
brana, tecido-específicos, são freqüente- Células de baço Células de mieloma
mente reconhecidos por antisoros e, por de camundongo
essa razão, denominados antígenos de
diferenciação (Boyse e Old, 1969).
Antígenos de diferenciação específicos
podem atualmente ser identificados por
anticorpos monoclonais (Figura 3.11). Ge-
Fusão
ralmente, esses anticorpos são produzi-
dos injetando celulas estranhas em ca-
mundongos (ou células de camundongos
de uma linhagem em animais de outra li-
nhagem). Os linfócitos B do camundon- Seleção em meio HAT;
go começarão a produzir anticorpos con- selecionar anticorpos
tra cada um dos componentes estranhos
dessas células, sendo que cada linfócito
B produz um único tipo de anticorpo. Es-
ses linfócitos são tornados “imortais” pela Cultivar clones de hibridomas
fusão com células cultivadas de linfócito individuais de poços positivos
B de tumores (mielomas), que foram
mutados de modo a: (1) não sintetizar seus
próprios anticorpos e (2) não ter a enzima
de recuperação de purinas, hipoxantina
fosforribosiltransferase (HPRT). Devido a
essa última alteração, as células do
mieloma só podem produzir nucleotídeos
de purina de novo, não podendo usar as Secionar e cultivar clones
purinas do meio de cultura. Após a fusão, cujos sobrenadantes testam
as células são cultivadas em um meio con- positivo
tendo aminopterina, uma droga que inibe
a via de síntese de novo da purina. Assim,
células do mieloma não fundidas morrem
por fome de purinas. Elas não podem pro-
duzir nucleotídeos de purina usando a via Figura 3.11
de recuperação mediada por HPRT e a Protocolo para preparar anticorpos monoclonais. Células do baço de um camundongo imuniza-
do são fundidas com células mutadas de mieloma, sem a enzima HPRT. Células são cultivadas
aminopterina bloqueia também a via de
em um meio contendo hipoxantina, aminopterina e timidina (HAT). Células de mieloma não
novo. Linfócitos B normais também não
fundidas não podem crescer nesse meio porque a aminopterina bloqueia a única via para sinte-
dividem-se em cultura, de modo que eles
tizar nucleotídeos purínicos. Células B morrem nesse meio, mesmo contendo a enzima (HPRT)
morrem igualmente. O produto da fusão que lhes permitiria utilizar a hipoxantina do meio. As células fundidas (hibridomas) crescem e se
do linfócito B e da célula do mieloma – o dividem. Os poços nos quais crescem os hibridomas são selecionados quanto à presença do
hibridoma – prolifera, porque possui a anticorpo efetivo, e as células de poços positivos são semeadas em densidade suficientemente
enzima de recuperação de purina do baixa para permitir que células individuais originem clones discretos. Esses clones são isolados
linfócito B e as propriedades de cresci- e selecionados para o anticorpo efetivo. Tal anticorpo é monoclonal. Os hibridomas produzindo
mento do tumor. Mais ainda, cada um esse anticorpo podem ser cultivados e congelados. (de Yelton e Scharff, 1980.)
90 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Segmentos externos de Mas logo em seguida, a célula começa a


fotorreceptores expressar outra molécula da membrana, o
Somas de fotorreceptores
antígeno 24B10. Essa molécula é encon-
(camada nuclear externa)
trada somente nos neurônios que se trans-
Camada sináptica externa formarão em fotorreceptores. Nos estági-
Camada nuclear interna os seguintes (aproximadamente 80 horas
(soma interneuronal) mais tarde), o antígeno 21A6 é expresso
em certas regiões de fotorreceptores em
Camada sináptica interna maturação, e outro antígeno, 28H9, é ca-
racterístico de fotorreceptores retinais ter-
minalmente diferenciados (Zipursky et
Soma das células al.,1984). Assim, membranas celulares de
ganglionárias diferentes tipos de células contêm molé-
culas diferentes, e essas podem mudar du-
Axônios das células
ganglionárias
rante a maturação da célula.

(A) (B) (C) (D) Da proteína ao gene


Figura 3.12 Como antígenos de diferenciação são pro-
Especificidade da superíficie celular da retina neural de galinha. (A) Fotografia de contraste de teínas cuja expressão é regulada no tem-
fase de uma seção da retina neural de um pinto recém-eclodido. (B) Seção de retina marcada com po e no espaço, e como essas mudanças
um anticorpo monoclonal fluorescente que reconhece células retinais (mas não outras neuronais). são freqüentemente correlacionadas com
(C) Seção retinal marcada com anticorpo monoclonal fluorescente que reconhece processos mudanças morfológicas específicas (como
neuronais mas não corpos celulares na retina. (D) Seção retinal marcada com anticorpo mono- mostra a Figura 3.13), seria interessante
clonal fluorescente que reconhece antígeno em um subconjunto de processos em células nervo- saber como seus genes são regulados. Por
sas nas camadas sinápticas externas e internas. (Cortesia de G. Grunwald.)
exemplo, o conhecimento de como a pro-
teína 24B10 se expressa poderia dar
desses hibridomas secreta o anticorpo es- celular de uma única célula epitelial de indicacões sobre os mecanismos genéti-
pecífico do linfócito B. O meio no qual Drosophila enquanto ela se desenvolve cos da diversidade neuronal. Como po-
estão crescendo os hibridomas é testado em um fotorreceptor retinal. Anticorpos demos realizar essa “genética reversa”
quanto à presença de anticorpos que se monoclonais foram obtidos após injetar indo da proteína para o gene?
ligam à população original das células es- camundongos com homogenatos de teci- Em primeiro lugar, ligamos anticorpos
tranhas. Tais anticorpos, tendo um único do da cabeça de Drosophila, e um painel monoclonais às particulas de resinas e
linfócito B como sua fonte original, é de- de anticorpos foi testado em células do passamos homogenatos de retina em
nominado anticorpo monoclonal. Anticor- disco imaginal do olho larval que se dife- colunas contendo esse material (Figura
pos monoclonais podem ser produzidos renciavam em estruturas do olho. Assim 3.14). (Essa é uma coluna de imunoafini-
em grandes quantidades e podem reco- que as células epiteliais, não diferencia- dade.) O anticorpo se liga somente ao
nhecer antígenos (proteínas, lipídeos e das, do disco mostram propriedades antígeno reconhecido originalmente, e a
carboidratos) que são fracamente expres- neuronais, elas expressam o antígeno proteína ligada à resina é eluída (por so-
sos (Köhler e Milstein, 1975). 22C10. Esse antígeno é também encontra- luções salinas) e submetida à eletrofore-
Anticorpos monoclonais dirigidos do em outros tipos de células neuronais. se em gel para separá-la de um possível
contra tipos específicos de células, de-
monstraram numerosos antígenos de di-
Célula epitelial Fotorreceptor
ferenciação aparecendo em diferentes não diferenciada Fotorreceptor maduro
tempos e lugares durante o desenvolvi-
mento. A Figura 3.12 mostra diferentes Neurônio sensorial
moléculas da superfície celular, em dife- Neurônio fotorreceptor
rentes camadas espaciais da retina neural
de um pinto recém-eclodido. Cada um dos
anticorpos monoclonais reconhece uma
molécula diferente na membrana celular.
Vários antígenos
Como está evidente nesta fotografia com- não específicos 22C10
posta, as membranas de todas as células antígeno
da retina neural não são iguais. Na verda-
24B10 21A6 28H9
de, regiões da mesma membrana celular antígeno antígeno antígeno
podem ser diferentes; as membranas dos Figura 3.13
axônios e da soma do nervo, por exemplo, Mudanças temporais na membrana celular correlacionadas com a morfogênese de uma célula
contêm moléculas diferentes. A Figura 3.13 retinal fotorreceptora da Drosophila. Enquanto se procede a diferenciação, diferentes antígenos
mostra mudanças temporais na membrana se expressam na membrana celular. (de Venkatesh et al., 1885.)
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 91

Anticorpo Juntar anticorpo marcado


monoclonal ao ao antígeno 24B10, na
antígeno 24B10 seção retinal

1 Cobrir partículas de resina


com anticorpo monoclonal

Localização de 24B10 por


anticorpo monoclonal
marcado com fluoresceína
2 Preparar coluna de
imunoafinidade com
partículas cobertas
Figura 3.14
Protocolo para encontrar o gene que codifi-
3 Adicionar homogenato
de retina contendo ca a proteína identificada por um anticorpo
antígeno 24B10 ( ) e• monoclonal. O oligonucleotídeo decodificado
outros antígenos ( )• pela estrutura da proteína não precisa ser
um par perfeito com a verdadeira seqüência.
Homogenato (de Venkatesh et al., 1985; fotografia corte-
retinal
sia de S. Benzer.)

4 Depois que outros antígenos contaminante. A região do gel contendo



( ) passam através da coluna, a proteína é separada, a proteína eluída

eluir material ( ) remanescen- da matriz do gel é parcialmente seqüen-
te nas partículas, separar por ciada. É necessário sintetizar oligonucle-
eletroforese em gel e corar gel otídeos radioativos que se ligariam a uma
para proteína
Proteína purificada,
seqüência de DNA capaz de codificar tal
antígeno 24B10 proteína. No caso da 24B10, essas son-
das radioativas foram usadas para sele-
cionar uma biblioteca de clones de DNA
recombinante contendo regiões do ge-
5 Eluir proteína purificada
noma de Drosophila. O DNA de Droso-
24B10 do gel e seqüenciar
o amino terminal phila de cada clone positivo foi seqüen-
ciado para verificar se esse complemen-
tava a seqüência da proteína original iso-
Met-Glu-Glu-Thr-His-Tyr-Pro lada pelo anticorpo monoclonal. Por essa
via, podemos ir de uma rara proteína
6 Gerar uma seqüência AUG - GAA - GAA - AGG - CAG - AAC - CC identificada por um anticorpo monoclo-
mensageira possível e TAC - C T T - C T T - TCC - GTC - T T G - GG nal a um pedaço específico do DNA
sintetizar uma seqüência genômico. (Zipursky et al.,1984; Venka-
complementar radioativa tesh et al., 1985.)

7 Usar essa sonda para selecionar a


biblioteca de fago do genoma da Droso-
phila; seqüenciar o clone positivo

TCC ATG T T C GAT CGC GAG ATG GAG GAG ACG CAT TAC CCG CCC TGC ACC TAC AAC GTG ATG TGC
Ser Met Phe Asp Arg Glu Met Glu Glu T h r His Ty r P r o P r o Cys T h r Ty r Asn Val Met Cys
Seqüência esperada

8 Isolar e caracterizar gene


92 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Moléculas de adesão celular


Identificando moléculas de adesão celular e seu papel no
desenvolvimento
Os estudos de distribuição de Holtfreter e Steinberg não identificaram as moléculas
envolvidas na adesão celular diferenciada. Roth (1968; Roth et al., 1971) demonstrou
que diferentes tipos de células mostram uma adesão celular seletiva independente da
distribuição das células. Ele modificou o ensaio de agregação rotatório, incubando
células de cartilagem marcadas com 3H e hepatócitos marcados com 14C em uma solu-
ção em rotação, contendo pequenos agregados de células de cartilagem não marcadas.
Medindo as células marcadas com 14C e 3H nesses agregados, ele demonstrou que os
agregados de cartilagem escolheram especificamente células de cartilagem. Experi-
mentos similares estenderam essas conclusões às células do músculo e do fígado
(Figura 3.15). Esses estudos indicaram que tipos diferentes de células podiam usar
diferentes moléculas de adesão.
A tarefa seguinte é identificar as moléculas mediadoras da adesão celular e desco-
brir como conseguem realizar esse feito. Várias moléculas de adesão celular (CAMs),
foram identificadas e agrupadas em duas categorias gerais: as caderinas, cujas propri-
edades de adesão celular dependem de íons cálcio e as CAMs da superfamília de
imunoglobulinas, cujos domínios de ligação às células se parecem aqueles de molécu-
las de anticorpos. A Tabela 3.1 lista algumas CAMs recentemente descobertas.

Caderinas
Íons de cálcio são freqüentemente necessários para a adesão celular. Os íons esta-
bilizam as conformações adesivas de certas proteínas da superfície celular chama-
das caderinas. Caderinas têm um papel crítico no estabelecimento e manutenção de
conexões intercelulares, e parecem ser cruciais para a segregação espacial de célu-
las e para a organização da forma animal (Takeichi, 1987). Caderinas interagem com
outras caderinas de células adjacentes e são ancoradas na célula por complexos de
proteínas chamados cateninas (Figura 3.16). O complexo caderina-catenina forma a
clássica junção aderente que liga as células epiteliais entre si. Mais ainda, como as
cateninas se ligam ao citoesqueleto de actina, elas integram as células epiteliais em
uma unidade mecânica. Em embriões de vertebrados, quatro classes principais de
caderinas foram identificadas:

Figura 3.15 Célula isotípica


Especificidade da associação célula-célula. Agregados coletores, cada um consistindo de um tipo marcada com
3
de célula, são colocados em um frasco de cultura giratório contendo células isoladas do mesmo H (cartilagem)
tipo (isotípico) e de tipos diferentes (heterotípico). As células isoladas, isotípicas e heterotípicas,
foram previamente marcadas com diferentes radioisótopos. Após seis horas, os agregados Célula
heterotípica
foram colhidos, lavados e determinados os números de células isotípicas e heterotípicas que
marcada com
aderiram ao agregado, como mostra a tabela abaixo. (Dados de Roth, 1968.) 14
C (fígado)

Contagem das células radioativas que aderiram ao agregado Agregado


(cartilagem)
Células isoladas marcadas em suspensão*

Tipo de agregado Cartilagem Fígado Músculo peitoral Rotação por seis horas

Cartilagem 100 6 48
Fígado 10 100 0
Músculo peitoral 38 49 100 Contar células
radioativas que
* Porcentagem do número médio de células coletadas pelos agregados isotípicos. aderiram ao agregado
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 93

Tabela 3.1 Classificação geral das principais moléculas de adesão celular (CAMs)

Classe CAM Tipo celular

Caderinas N-caderina (a.k.a. A-CAM) Nervos, rins, lentes, coração


(cálcio-dependente) P-caderina Placenta, epitélio
E-caderina (a.k.a. L-CAM, Epitélio, blástula de camundongo
uvomorulina)

CAMs da super N-CAM Músculos, nervos, rins


família de imuno- Ng-CAM (a.k.a. L1, NILE) Glia, neurônios
globulinas Neurofascina Neurônios de Drosophila
(cálcio-independente) CAM-celular Hepatócitos
LFA-1 Linfócitos
CD4 glicoproteína (HIV receptor) Indutor de células T

• E-caderina (caderina epitelial, também chamada uvomorulina e L-CAM) é ex-


pressa em todas as células embrionárias precoces de mamíferos, mesmo no
estágio de uma célula. Mais tarde, essa molécula é restrita a tecidos epiteliais
de embriões e adultos.
• P-caderina (caderina de placenta) parece ser expressa primariamente em célu-
las placentárias do embrião de mamífero, que fazem contato com a parede
uterina (as células trofoblásticas) e o próprio epitélio da parede uterina (Nose
e Takeichi, 1986). É possível que a P-caderina facilita a conexão do trofoblasto
com o útero, pois a P-caderina nas células uterinas é visualizada em contato
com a P-caderina das células trofoblásticas de embriões de camundongos
(Kadokawa et al., 1989).

Sítios de fosforilação Figura 3.16


Reconhecimento Representação esquemática da adesão celular
do sítio de adesão mediada por caderina. Caderinas estão associ-
adas com três tipos de cateninas. As cateninas
podem se associar com o sistema de microfila-
mentos de actina. A importância dessas intera-
Membrana
Sítio de celular ções para o desenvolvimento normal é vista na
ligação Cateninas Figura 3.18; caderinas que não têm o domínio
de cálcio Actina extracelular podem interferir com o desenvol-
vimento. Presumivelmente, elas competem
com as caderinas normais, ligando as cateninas
disponíveis com seus domínios citoplasmáti-
cos. (de Takeichi, 1991).

Caderina

Ligação
caderina-caderina

Caderina
94 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

• N-caderina (caderina neural) é vista inicialmente nas células mesodérmicas no


embrião em gastrulação enquanto elas perdem sua expressão de E-caderina. É
intensamente expressa nas células do sistema nervoso central em desenvolvi-
mento (Figura 3.17; Hatta e Takeichi, 1986).
• EP-caderina (C-caderina) é crítica na manutenção da adesão celular entre
os blastômeros da blástula de Xenopus e é necessária para os movimen-
tos normais de gastrulação (Figura 3.18; Heasman et al., 1994; Lee e
Gumbiner, 1995).
(A)
Caderinas promovem a aderência celular, ligando-se ao mesmo tipo de caderina em
outra célula. Assim, células com E-caderina grudam em outras células que têm E-
caderina, e se separarão de outras células contendo N-caderinas em suas membranas.
Essa ligação é chamada ligação homofílica. Células expressando N-caderinas rapida-
mente se isolam de células N-caderina-negativas in vitro, e anticorpos univalentes
contra caderinas converterão um agregado de células tridimensional histotípico, em
uma camada única (Takeichi et al., 1979). Mais ainda, quando genes ativados de E-
caderina são transfectados em fibroblastos de camundongo cultivados e neles ex-
pressos (usualmente eles não expressam essa proteína), E-caderina é vista em suas
(B) superfícies celulares, e os fibroblastos tratados passam a se ligar fortemente uns aos
Ectoderma Crista Neural outros (Nagafuchi et al.,1987). Na verdade essas células começam a se portar como
células epiteliais.
Expressão de caderinas é freqüentemente correlacionada com agregação e disper-
são. Células da crista neural (que estão na porção mais dorsal do tubo neural), inicial-
mente expressam N-caderina. Em seguida, enquanto deixam o tubo neural, migrando
como células individuais (para formar células pigmentadas, neurônios sensoriais e
outros tipos de células), elas perdem a expressão de N-caderina (veja Figura 3.17; veja
também Capítulo 7). Entretanto, quando as células migrantes chegam ao seu destino e
Células começam a se agregar entre si para formar gânglios nervosos, elas tornam a expressar
migratórias N-caderina (Hatta et al.,1987).
Tubo neural Expressão diferencial de caderina pode também explicar os dados de distribuição
homotípica discutida anteriormente. Como foi discutido, Roth e colaboradores de-
E-caderina monstraram que células de fígado tendem a coletar células de fígado e que células
(C) N-caderina
retinais coletam outras células retinais. Takeichi (1987) demonstrou que células retinais
Figura 3.17
expressam N-caderina e células hepáticas expressam E-caderina, e que a distribuição
Localização de duas diferentes caderinas du- seria a esperada devido a essa diferença na expressão de caderinas. Ele também suge-
rante a formação do tubo neural no camun- riu que as observações de Townes e Holtfreter poderiam ser, da mesma forma, explicadas
dongo. Foi usada marcação imunofluorescen- por expressão diferencial de caderinas. Suporte para essa idéia veio de estudos nos
te dupla para localizar E-caderina (A) e N- quais diferentes genes de caderina foram transfectados em fibroblastos de camun-
caderina (B) na mesma seção transversal do dongo, que não expressam habitualmente qualquer tipo de caderina. Fibroblastos
cérebro posterior de um embrião de camun- expressando E-caderina aderiram a outros contendo E-caderina, enquanto fibroblastos
dongo de 8.5 dias. Anticorpos para E-caderi- de P-caderina se ligavam a outros que expressavam P-caderina. Também, quando
na foram marcados com um tipo de corante
tecido pulmonar embrionário foi dissociado e sua recombinação permitida na presen-
fluorescente (o qual fluoresce em um interva-
lo de comprimento de onda), enquanto anti-
ça de fibroblastos levando E-caderina ou de fibroblastos sem tratamento, os
corpos para N-caderina foram marcados com fibroblastos expressando E-caderina foram integrados nos túbulos epiteliais pulmo-
um segundo tipo de corante (que emite sua nares (que expressam E-caderina), enquanto que os fibroblastos não tratados se asso-
cor em outros comprimentos de onda). Foto- ciaram às células mesenquimatosas (que não expressam caderinas) (Nose et al.,1988).
grafias obtidas em diferentes comprimentos Todos esses experimentos foram realizados com células cultivadas. Recentemen-
de onda. mostram que o ectoderma externo te, estudos in vivo mostraram que caderinas podem ter um papel crítico nos fenôme-
expressa E-caderina predominantemente, ao nos de distribuição ocorrendo dentro do embrião. Quando o mRNA para N-caderina
passo que a invaginante placa neural cessa a de galinha é injetado em um dos dois blastômeros da primeira clivagem em embrião da
expressão de E-caderina, mas passa a expres-
rã Xenopus, N-caderina é freqüentemente expressa em células que normalmente não a
sar N-caderina. (C) quando se forma o tubo
neural, ele expressa N-caderina, a epiderme
possuem. Os embriões que expressam N-caderina extra são muitas vezes caracteriza-
expressa E-caderina e as células da crista dos por amontoados de células e camadas tissulares engrossadas. Normalmente, o
neural nenhuma das duas. (Fotografias de K. tubo neural (que expressa N-caderina) se separa das células que se transformarão em
Shimamura e H. Matsunami, cortesia de M. epiderme (a qual expressa E-caderina). Em embriões nos quais a epiderme e o tubo
Takeichi; C de Rutishauser, 1988.) neural expressam a N-caderina extra, o tubo neural não se separa da epiderme (Detrick
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 95

(A)
(B)
Figura 3.18
Importância de caderinas em manter a coesão entre células em desenvolvimento. (A) Quando
oócitos são injetados com oligonucleotídeos antisense contra uma mensagem de caderina herda-
da maternalmente, as células centrais dispersam quando o hemisfério animal é removido. Em
embriões controle (direita), as células internas permanecem juntas. (B) No estágio de quatro
células, os blastômeros que formam o lado esquerdo do sapo são injetados com um mRNA para
N-caderina que não tem a região extracelular da caderina. Durante a neurulação as células com a
proteína mutante não formam uma camada coerente. (de Heasman et al., 1994; B de acordo com
Kintner et al, 1992; fotografias cortesia de J. Heasman e C. Kintner.)

et al., 1990; Fujimori et al., 1990). Assim, as caderinas estão, provavelmente, tendo um
papel principal na organização das células em tecidos. [cell2.html]

CAMs da superfamília de imunoglobulinas


Como discutimos no Capítulo 1, anticorpos foram usados inicialmente para identificar
moléculas de adesão celular em Dictyostelium. Gerisch e colegas (Beug et al.,1970),
prepararam anticorpos contra Dictyostelium e os quebraram quimicamente de modo
que somente suas regiões monovalentes ligantes de antígeno permanecessem – os
fragmentos Fab. (Os anticorpos bivalentes tiveram que ser quebrados, porque de
outra maneira eles poderiam artificialmente agrupar células e o efeito não poderia ser
medido). Isso levou à descoberta de uma glicoproteína de 80-kDa que é mediadora da
adesão célula-célula durante a agregação no fungo pegajoso. A mesma estratégia foi
usada por Edelman e seus colaboradores (Brackenbury et al., 1977) que levou ao
isolamento de uma molécula de adesão de células neurais (N-CAM). [cell3.html]
N-CAM é um membro de uma classe de CAMs que não necessitam íons de cálcio
e que têm uma estrutura semelhante (Figura 3.19). Essa estrutura extracelular com seus
domínios globulares imobilizados por pontes dissulfeto, se assemelha à molécula de
imunoglobulina, e é mesmo possível que as imunoglobulinas sejam derivadas desse
grupo de CAMs (Williams e Barclay, 1988; Lander, 1989). Assim, essas glicoproteínas
são chamadas CAMs da superfamília de imunoglobulinas*.
As CAMs da superfamília de imunoglobulinas podem ter um papel importante
no desenvolvimento do sistema nervoso. N-CAM é necessária para uma ligação
adequada de axônios às células musculares alvos (Covault e Sanes, 1986; Tosney et
al.,1986). Além disso, N-CAM parece ser crítica para o empacotamento (fasciculação)
de axônios para que se movimentem como uma unidade. Anticorpos à N-CAM po-
dem quebrar essas ligações, permitindo que os axônios se dispersem (Fraser et al.,
1988; Landmesser et al.,1988). Uma situação similar parece ocorrer em insetos, onde

* A designação superfamília é freqüentemente usada porque as diferentes classes de mo-


léculas de imunoglobulinas também constituem, elas mesmas, uma “família”. Esses outros
membros da superfamília têm estruturas semelhantes às imunoglobulinas, mas não são exata-
mente família “próxima”.
96 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Figura 3.19 (B)


Moléculas de adesão da superfamília de imunoglobulinas. (A) Três membros da superfamília de
imunoglobulinas. A forma da molécula de IgM ligada à membrana tem duas cadeias pesadas,
cada uma com cinco domínios, e duas cadeias leves, cada uma com dois domínios. N-CAM é um
polipeptídeo com cinco domínios. Sua âncora na membrana pode ser a seqüência de aminoáci-
dos de uma proteína transmembrana ou um lipídeo. L1 é uma proteína transmembrana com seis ou
domínios globulares. Fasciclina II, a molécula de adesão celular de insetos, e neurogliana se
assemelham a N-CAM e L1, respectivamente. (B) Modelo para a adesão das CAMs da super-
família de imunoglobulinas.
(A) N N

N N N
N N

Domínios semelhantes
à imunoglobulina

Domínios semelhantes N
à fibronectina
Extracelular

ou ou
Citoplasma CC
C C C
IgM N-CAM ou fasciclina II L1 ou neurogliana Interações de N-CAM célula-célula

as CAMs da superfamília de imunoglobulinas, chamadas fasciclinas (Figura 3.20)


ajudam a migração de axônios (Harrelson e Goodman, 1988). L1 é necessária para
a produção de certos axônios (Lemmon et al., 1989), e mutações de L1 no homem
causam um espectro de anomalias caracterizada por hidrocefalia, retardamento
mental e inabilidade em controlar movimentos dos membros (Vits et al., 1994).
Expressão diferencial de CAM é crítica nos limites entre dois grupos de células.
Nesses lugares, o corpo segrega diferentes células em diferentes regiões. Células da
Figura 3.20 notocorda não entram no tubo neural e nem células dermais trespassam para a epiderme.
Expressão de fasciclina no sistema nervoso do
gafanhoto em desenvolvimento. (A) Estrutura
em andaime dos axônios fasciculados em um
embrião de gafanhoto como visto em um
microscópio de Nomarski. A com e P com são
as comissuras anterior e posterior cujos axônios
atravessam o segmento; ISN é um neurônio
intersegmental e con é um neurônio conectivo.
(B,C) Sistema nervoso embriônico como em
(A), mas marcado com anticorpos monoclonais
feitos para as glicoproteínas fasciclinas da
superfície celular. O anticorpo em (B)
reconhece um subconjunto de axônios nas
comissuras anterior e posterior, enquanto o
anticorpo em (C) se liga a uma glicoproteína
de membrana dos mais longitudinais fascículos
de axônios. As flechas mostram os mesmos
locais em (B) e (C). Note que o anticorpo marca
somente uma porção de cada axônio. (de
Bastiani et al., 1987, cortesia de C. Goodman.) (A) (B) (C)
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 97

Figura 3.21
Distribuição de diferentes CAMs em bordas tissulares. Enquanto as células mesodérmicas se
reúnem para induzir o broto das penas no ectoderma, as células mesenquimatosas recém-
agregadas expressam N-CAM (A) e as células ectodérmicas expressam E-caderinas (B) nas
suas respectivas membranas celulares. (de Chuong e Edelman, 1985a, cortesia de G. Edelman).

Essa segregagação pode ser conseqüência da diferença de CAMs nas populações


adjacentes. Por exemplo, penas são induzidas quando células mesenquimatosas deri-
vadas do mesoderma se agrupam para formar uma bola de células imediatamente
abaixo da epiderme da pele da galinha. As células ectodérmicas estão ligadas entre si
por E-caderina, enquanto as células mesenquimatosas, CAM-negativas anteriormen- (A)
te, começam a expressar N-CAM e se juntam para formar um agregado (Figura 3.21).
Através do desenvolvimento da pena, diferentes grupos de células se separam umas
das outras, como resultado de sua habilidade para expressar N-CAM, E-caderina, ou
ambas as proteínas (Chuong e Edelman, 1985a,b).

Moléculas da junção celular:


proteínas da junção em fenda
Junções em fenda são regiões intercelulares especializadas onde células adjacentes
se encontram entre 15-40 nm de distância. Finas conexões servem como canais de
comunicação entre células adjacentes (Figura 3.22A,B). Células assim ligadas são (B)
chamadas “acopladas”, e pequenas moléculas (MW<1500) e íons podem passar
livremente de uma célula para outra. Na maioria dos embriões, pelo menos alguns

(B) (D)
Figura 3.22
Proteínas das junções em fenda. (A) Micro-
grafia eletrônica de uma fileira de junções em
Espaço intracelular
(15-40 nm) fenda ligando duas células justapostas. (B) Mi-
crografia fluorescente de junções em fenda em
túbulo renal de embrião de camundongo de 17
dias. (C) Compartimento formado por prote-
Canais de ínas da junção de fenda entre células que se
comunicação comunicam umas com as outras. Esse com-
partimento na gástrula de camundongo pode
ser visto injetando o corante Lucifer Yellow
em um célula e observando sua transferência a
um pequeno grupo de células. (D) Estrutura
da subunidade da junção em fenda. (A de
Membranas Peracchia e Dulhunty, 1976, cortesia de C.
celulares
Peracchia; B de Sainio et al., 1992, cortesia de
Conexões K. Sainio; C de Kalimi e Lo, 1988, cortesia de
(A) (D) C. Lo; D conforme Darnell et al., 1986.)
98 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

dos blastômeros precoces estão ligados por junções em fenda, dessa forma permi-
tindo que íons e pequenas moléculas solúveis passem livremente entre eles. A habi-
lidade de células em formar junções em fenda com algumas células, e não com
outras, cria “compartimentos” fisiológicos dentro do embrião em desenvolvimento
(Figura 3.22 C).
A importância de junções em fenda no desenvolvimento foi demonstrada em
embriões de anfíbios e mamíferos (Warner et al., 1984). Quando anticorpos contra
proteínas da junção em fenda foram microinjetados em uma célula específica de uma
blástula de Xenopus de oito células, a progênie daquela célula que usualmente está
ligada por junções de fenda, agora não podia permitir a passagem de íons ou molé-
culas pequenas de uma célula à outra. Ainda mais, os girinos que resultaram das
blástulas tratadas mostraram defeitos especificamente relacionados ao destino de-
senvolvimental da célula injetada (Figura 3.23). A progênie de tal célula não morreu,
mas foi incapaz de se desenvolver de maneira normal (Warner et al., 1984). No em-
brião de camundongo, os oito primeiros blastômeros são conectados entre si por
junções em fenda. Apesar de frouxamente associadas entre si, essas oito células se
movem juntas para formar um embrião compacto. Se a compactação for inibida por
anticorpos contra proteínas da junção em fenda, o desenvolvimento posterior ces-
sa. Os blastômeros tratados continuam a dividir-se, mas a compactação não ocorre
(Lo e Gilula, 1979; Lee et al., 1987). Se RNA antisense contra as mensagens da junção
em fenda é injetado em um dos blastômeros de um embrião normal de camundongo,
aquela célula não formará junções em fenda e não será incluída no embrião (Bevilacqua
et al., 1989).
Os canais da junção em fenda são feitos de proteínas chamadas conexinas. Em
cada célula, seis conexinas idênticas da membrana se agrupam para formar um canal
transmembrana contendo um poro central. O complexo de junção em fenda de uma
célula se conecta ao complexo de junção em fenda de outra célula, permitindo que se
juntem os citoplasmas de ambas as células (Figura 3.22D). Existem aproximadamente
doze tipos de conexinas, e algumas podem ser reguladas por caderinas. Jongen e
colaboradores (1991) observaram que em células acopladas por E-caderina, a comu-
nicação entre células, mediada por junções em fenda, depende da função de caderinas.
Evidências sugerem que caderinas permitem não só o contato entre as células como
também modificam as proteínas tipo conexina. Os diferentes tipos de proteína
conexina têm papéis separados, mas parcialmente sobrepostos, no desenvolvimen-
to normal. Por exemplo, a proteína de junção em fenda conexina-43 é encontrada em
quase todos os tecidos do embrião do camundongo em desenvolvimento. Entretan-
to, se os genes da conexina-43 forem derrubados por endereçamento de genes, o
embrião ainda se desenvolverá. Parece que a função da proteína conexina-43 pode
ser assumida por outras conexinas. Mas, logo após o nascimento, esses camundon-
gos têm respiração convulsiva, se tornam cianóticos e morrem. Autópsia desses
animais mostra que o ventrículo direito – a câmara que bombeia sangue aos pulmões
através da artéria pulmonar – está cheio de tecido que fecha a câmara e impede o
fluxo de sangue (Reaume et al.,1995). Mesmo que a perda da proteína conexina-43
(A) possa ser compensada em muitos tecidos, parece que ela é crítica para o desenvol-
vimento normal do coração. [cell4.html]
A membrana celular tem, então, vários mecanismos pelos quais pode fazer liga-
ções com membranas de outras células. Podem ser usadas CAMs da superfamília de

Figura 3.23
Efeitos da junção em fenda no desenvolvimento. Seção de um girino de Xenopus no qual um dos
blastômeros, no estágio de oito células, foi injetado com (A) um anticorpo controle ou (B) um
anticorpo contra a proteína da junção em fenda. O lado formado pelo blastômero injetado não tem
(B) o olho e tem uma morfologia cerebral anormal. (de Warner et al., 1984, cortesia de A. E. Warner.)
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 99

imunoglobulinas, CAMs dependentes de cálcio e proteínas de junção. Mas isso


não esgota seu repertório. Como já mencionado, a célula também pode se ligar a
componentes específicos da matriz extracelular. Agora voltamos nossa atenção para
esses componentes.

A base molecular da afinidade célula-substrato


Afinidade diferencial a substrato
A migração de células, como a migração de pássaros e borboletas monarca, depende
da percepção de quando começar a migração, quando cessar a migração e qual rota
tomar. Existem muitos sinais que o ambiente pode dar às células, mas os principais
parecem envolver substâncias na matriz extracelular. A hipótese da afinidade diferen-
cial a substrato postula que diferentes células reconhecem diferentes moléculas em
várias matrizes extracelulares. Cada tipo de célula migratória prefere certas combina-
ções de moléculas da matriz a outras combinações, e essas moléculas orientam a célula
para quando e onde migrar. Weiss (1945) e Tyler (1946) sugeriram que a célula, por
vezes, pode interagir com seus substratos através do sistema chave-fechadura, ou
seja, entre a membrana celular e a matriz extracelular. O relacionamento entre a proteína
da membrana celular e a molécula da matriz seria semelhante aquele entre enzima e
substrato ou anticorpo e antígeno. Durante a última década foi demonstrado que esse
tipo de interação é muito importante para a migração celular. [cell5.html]

A matriz extracelular
A matriz extracelular consiste de macromoléculas secretadas pelas células no seu
ambiente imediato. Essas moléculas interagem de modo a formar uma estrutura insolú-
vel que pode ter várias funções no desenvolvimento. Em algumas situações, ela pode
separar dois grupos adjacentes de células e prevenir qualquer interação. Em outros
casos, a matriz extracelular pode servir como o substrato no qual as células migram, ou
pode até induzir diferenciação em certos tipos celulares. Um tipo de matriz é mostrado
na Figura 3.24. Aqui, uma lâmina de células epiteliais está adjacente a uma camada de
tecido mesenquimatoso frouxo. As células epiteliais formaram uma apertada camada
extracelular chamada lâmina basal; as células mesenquimatosas secretam uma frouxa
lâmina reticular. Juntas, essas camadas constituem a membrana basal da lâmina de
células epiteliais. Existem três componentes principais na maioria de matrizes
extracelulares: colágeno, proteoglicanos e glicoproteínas grandes que são chamadas
moléculas de adesão a substrato (Tabela 3.2).

Epitélio Figura 3.24


Localização e formação da ma-
triz extracelular no embrião de
galinha. A micrografia eletrônica
de varredura mostra a matriz ex-
tracelular na junção das células
Lâmina basal epiteliais (acima) e mesenquima-
tosas (abaixo). As células epite-
liais sintetizam uma lâmina den-
sa com base de glicoproteína,
enquanto as células mesenquima-
tosas secretam a lâmina reticular
Colágeno
feita primariamente de colágeno.
(Cortesia de R. L. Trelsted.)
100 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Tabela 3.2 Principais constituintes da matriz extracelular


Matriz extracelular mesenquimatosa Lâmina basal das células epiteliais

COLÁGENOS COLÁGENO IV

Moléculas longas e delgadas (Tipo I é o mais comum; Tipos II, Os componentes estruturais majoritários da lâmina basal. Ao contrá-
III, e V-XIII são também encontradas) que se organizam para rio de outros colágenos, suas fibrilas são como um fino “arame de
formar fibrilas, usualmente com 60-70 nm de diâmetro. galinheiro” e se organizam em um substrato semelhante a feltro.
Colágenos proporcionam força e estabilidade aos tecidos.
PROTEOGLICANOS DA MATRIZ
PROTEOGLICANOS DA MATRIZ
Ácido hialurônico e proteoglicanos sulfatados são freqüentes na lâmi-
Compostos de proteínas e dissacarídeos repetitivos (glicosaminogli- na basal. Sua presença pode facilitar a passagem de produtos
canos). Glicosaminoglicanos incluem ácido hialurônico, uma enorme secretados pela lâmina.
molécula (108 Da) que liga grandes quantidades de água. Proteoglica-
nos sulfatados compreendem uma proteína linear interna à qual estão MOLÉCULAS DE ADESÃO DE SUBSTRATO
ligadas cadeias de um ou mais glicosaminoglicanos sulfatados
(condroitina, heparan, queratan e dermatan sulfato). Laminina, o componente funcional majoritário da lâmina basal. Um
Proteoglicanos estimulam e modulam movimentos celulares; sua trímero de glicoproteína com sítios de adesão para a membrana celu-
disponibilidade sugere que podem ter outras propriedades não lar, colágeno IV e glicosaminoglicanos.
conhecidas. Lâmina basal pode conter fibronectina, tenascina, nidogen e outras
glicoproteínas adesivas.
MOLÉCULAS DE ADESÃO DE SUBSTRATO

Moléculas às quais células aderem permitindo-lhes que se movam.


Elas incluem fibronectina, condronectina e tenascina.
Fonte: Adaptado de Bard, 1990.

COLÁGENO. Colágeno é uma família de glicoproteínas contendo altas porcenta-


gens de resíduos de glicina e prolina. Quase metade das proteínas do corpo são
constituídas de colágeno, que é o principal suporte estrutural de quase todos os
órgãos dos animais. Existem numerosos tipos de colágeno servindo funções espe-
ciais. Colágeno Tipo I, encontrado nas matrizes extracelulares da pele, tendões e
ossos, perfaz quase 90 porcento do colágeno do corpo. Colágeno Tipo II é mais
evidente como secreção das células cartilaginosas, mas também é encontrado na
notocorda e no corpo vítreo do olho. Vasos sangüíneos apresentam colágeno Tipo
III, e o Tipo IV é encontrado na lâmina basal produzida por células epiteliais (Vuorio,
1986). Outros tipos de colágeno são encontrados ao longo do corpo, especialmente
em cartilagem. Colágeno é importante para a formação da lâmina basal, e também
está implicado na ramificação dos túbulos epiteliais nas glândulas salivares, pul-
mões e outros órgãos. [cell6.html]

PROTEOGLICANOS. São tipos específicos de glicoproteínas nas quais: (1) o peso


dos resíduos de carboidratos é muito maior do que o da proteína; (2) os carboidratos
são cadeias lineares compostas de dissacarídeos repetitivos. Usualmente, um dos
açúcares do dissacarídeo tem um grupo amino e a unidade repetitiva é chamada glico-
saminoglicano (GAG). A Tabela 3.3 lista os glicosaminoglicanos mais comuns; a es-
trutura básica dos proteoglicanos é mostrada na Figura 3.25. A interconexão de proteí-
na e carboidrato forma uma matriz semelhante a uma rede, e em muitos tipos de células
móveis, o proteoglicano envolve as células impedindo que elas se juntem (Figura
3.26). A consistência da matriz extracelular depende da relação entre colágeno e prote-
oglicanos. Cartilagem, que tem uma alta porcentagem de proteoglicanos, é macia,
enquanto tendões, que contêm predominantemente fibras de colágeno, são rígidos.
Na lâmina basal predominam os proteoglicanos que formam uma peneira molecular
além de propiciar suporte estrutural.
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 101

Monômeros de proteoglicanos

Pequenos glicosaminoglicanos
(tal como condroitina sulfato)

Proteína
esqueleto

Ácido D-glucurônico N-acetil-D-glucosamina

Ácido
hialurônico
Ácido hialurônico

Glicosaminoglicano Figura 3.25


A estrutura da subunidade e a montagem de
um proteoglicano complexo. O dissacarídeo
repetitivo do glicosaminoglicano (tal como
condroitina sulfato; veja Tabela 3.3) se liga a
um esqueleto protéico relativamente peque-
Glicoproteínas no (colorido), para produzir as cadeias de pro-
ligantes teoglicanos. Essas cadeias podem ser conec-
tadas por glicosamino-glicanos mais longos
Agregados de (mostrado aqui como ácido hialurônico) para
proteoglicanos produzir redes complexas. Glicoproteínas
ligantes estabilizam essas últimas associações.
(Modificado de Cheney e Lash, 1981.)

Tabela 3.3 Unidades dissacarídicas repetitivas de glicosaminoglicanos mais comuns


encontradas em proteoglicanos da matriz
Glicosaminoglicano Unidade dissacarídica repetitivaa Distribuição

Ácido hialurônico Ácido glucurônico-N- Tecidos conjuntivos, osso,


acetilglucosamina corpo vítreo
Condroitina sulfato Ácido glucurônico-N- Cartilagem, córnea, artérias
acetigalactosamina sulfato
Dermatan sulfato [Ácido glucurônico ou idurônico] Pele, coração, vasos sangüíneos
N-acetilgalactosamina sulfato
Queratan sulfato Galactose-N-acetilglucosamina Cartilagem, córnea
sulfato
Heparan sulfato [Ácido glucurônico ou idurônico] Pulmão, artérias, superfície celular
N-acetilglucosamina sulfato

a
Essas são unidades repetitivas típicas desses glicosaminoglicanos. Entretanto, algumas regiões de cada GAG podem ter
sacarídeos ligeiramente modificados.
102 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

(A)

(B)

(D)

(C)
Proteoglicanos também são importantes como mediadores de conexões entre
Figura 3.26 tecidos adjacentes em um órgão. No órgão, eles reúnem células soltas para formar
Capa de proteoglicanos envolvendo células mó-
uma lâmina epitelial* (San Antonio et al.,1987; Thesleff et al., 1989; Vainio et al.,
veis. (A) Capa de hialuronidato envolve
mioblastos de galinha. Mioblastos em cultura
1989; Bernfield e Sanderson, 1990). Em alguns casos, proteoglicanos secretados por
excluem pequenas partículas (nesse caso, um tipo de célula são essenciais para o crescimento de células vizinhas. Axônios
hemácias fixadas) em distância significante da dos gânglios da raiz dorsal têm proteoglicanos de heparan sulfato entre suas prote-
borda celular. (B) quando os mioblastos são ínas da superfície celular; a remoção desses proteoglicanos impede a proliferação
tratados com hialuronidase (a qual dissolve áci- ao seu redor, das células de Schwann associadas (Ratner et al.,1985). Uma maneira
do hialurônico), essa capa extracelular desapa- pela qual cadeias de glicosaminoglicanos, de proteoglicanos, podem funcionar é
rece. (C) A capa também desaparece quando reter e apresentar fatores de crescimento para receptores celulares. Fatores de cres-
os mioblastos cessam a divisão e se juntam cimento são proteínas semelhantes a hormônios que regulam mitose ou diferencia-
enquanto se diferenciam. (D) Micrografia ele-
ção quando se ligam a determinadas células. Entretanto, o receptor celular para o
trônica de hialuronidato em solução aquosa
mostra uma rede fibrilar ramificada. (A-C de
fator de crescimento freqüentemente não liga o fator com grande afinidade. Na
Orkin et al., 1985, cortesia de B. Toole; D de verdade, o fator é inicialmente ligado pelos carboidratos do proteoglicano, e isso
Hadler et al., 1982, cortesia de N. M. Hadler.) concentra o fator de crescimento localmente, de modo a ser possível a ligação com
o receptor (Massagué, 1991; Yayon et al.,1991).

GLICOPROTEÍNAS EXTRACELULARES. Matrizes extracelulares contêm uma va-


riedade de outras moléculas especializadas, tais como: fibronectina, laminina e te-
nascina. Essas glicoproteínas grandes provavelmente são responsáveis pela orga-
nização de colágeno, proteoglicanos e células em uma estrutura ordenada. Fibro-
nectina é um dímero de glicoproteína, muito grande (460-kDa), sintetizada por
fibroblastos, condrócitos, células endoteliais, macrófagos e certas células epiteliais
(como hepatócitos e amniócitos). Uma função da fibronectina é servir como adesivo

*Proteoglicanos de heparan sulfato são considerados como agregadores de condrócitos, as


células produtoras de cartilagem. Níveis excessivos de glicose inibem a síntese do esqueleto de
proteína do proteoglicano, inibindo a formação da cartilagem. Leonard e colaboradores (1989)
propuseram esse como um possível mecanismo para explicar problemas esqueléticos em crianças
nascidas de mães severamente diabéticas.
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 103

molecular em geral, ligando células a substratos, tais como: colágeno e proteoglica-


nos. Fibronectina também organiza a matriz extracelular por ter vários pontos de
ligação distintos, que interagindo com as moléculas apropriadas produz um alinha-
mento adequado de células e sua matriz extracelular (Figura 3.27).
Como será visto em capítulos posteriores, fibronectina tem também um papel im-
portante na migração celular. As “rodovias” pelas quais se movem certas células
migratórias são pavimentadas com essa proteína. A migração de células mesodérmicas
na gastrulação é vista na superfície de fibronectina em muitas espécies, e o movimento
dessas células cessa quando a fibronectina é localmente removida. Em embriões de
galinha, os precursores do coração, as células precardíacas, migram na fibronectina
para se mover das laterais do embrião para a linha mediana. Se embriões de galinhas
são injetados com anticorpos à fibronectina, as células precardíacas não migram para
a linha mediana e desenvolvem dois corações separados. Anticorpos fluorescentes à
fibronectina demonstraram um gradiente da proteína no caminho de migração entre o
endoderma e o mesoderma. Se essa região for cortada e sofrer uma rotação, as células
do coração seguem o gradiente para novas posições se afastando da linha mediana
(Linask e Lash, 1988a,b). Assim, a fibronectina parece ter um papel principal na migra-
ção das células precardíacas para a linha mediana do embrião. Outros tipos de células,
como as células germinativas, precursoras de embriões do sapo, também migram so-
bre células que secretam fibronectina em suas superfícies (Heasman et al.,1981).
Laminina é um componente principal da lâmina basal. É composta de três cadeias
peptídicas, e, como fibronectina, pode se ligar ao colágeno, glicosaminoglicanos e célu-
las. O colágeno ligado por laminina é do Tipo IV (específico para lâmina basal), e a região
ligante de células da laminina reconhece principalmente células epiteliais e neurônios. A
adesão de células epiteliais à laminina (na qual elas se assentam e usam) é muito maior do
que a afinidade de células mesenquimatosas pela fibronectina (à qual elas devem se ligar
e liberar se deverá haver migração). Como a fibronectina, a laminina tem um papel na
montagem da matriz extracelular, promovendo adesão celular e crescimento, mudando a
forma da célula e permitindo a migração celular (Hakomori et al.,1984).
Nem todas grandes glicoproteínas celulares promovem adesão celular. Tenascina
(também chamada citotactina) se assemelha a fibronectina em mais ou menos metade
Figura 3.27
Fibronectina no embrião de galinha em desen-
volvimento. (A) Anticorpos fluorescentes para
(A) fibronectina mostram que a deposição de pro-
teína no embrião de 24 horas se situa ao longo
da lâmina basal de muitos órgãos. (B) Estrutu-
ra e domínios de ligação na fibronectina. Os
retângulos representam domínios resistentes
a proteases. O domínio para a ligação de fibro-
blastos compreende duas unidades, o sítio
RGD e o sítio de alta afinidade; ambos são
essenciais para ligação da célula. Células da
crista neural de aves têm outro sítio necessário
para sua mobilidade em um substrato de fibro-
nectina. Outras regiões na fibronectina permi-
tem ligações com colágeno, heparina* e outras
moléculas da matriz extracelular. (A cortesia
Domínios para ligação
de J. Lash; B conforme Dufour et al., 1988.)
de células da crista
neural de aves
Sítio de alta *Heparina é uma porção de um proteogli-
(B)
afinidade cano de heparina secretada por mastócitos e
RGDS CS1
basófilos. Heparan e heparan sulfato são nomes
H 2N COOH dados a glicosaminoglicanos similares encontra-
Domínio dos na matriz extracelular ou na superfície da
ligante Domínio Domínios ligantes Sítio II Sítio II célula. Presume-se que os sítios de ligação para
de fibrina e ligante de células para ligante de ligante de heparina sejam os mesmos que os para heparan
heparina de colágeno fibroblastos heparina fibrina sulfato (Bernfield e Sanderson, 1990).
104 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

do comprimento da molécula, e é encontrada transitoriamente em várias matrizes


extracelulares durante o desenvolvimento embrionário. Entretanto, diferentes células
reagem de maneira diferente à tenascina. Algumas células aderem a ela, outras são
arrebanhadas e se desligam da tenascina (Figura 3.28; Spring et al., 1989). Diferentes
quantidades relativas de fibronectina e tenascina podem gerar substratos de vários
graus de adesividade. Além disso, tenascinas parecem aumentar a síntese e secreção
de proteases das células que nela se localizam (Werb et al., 1990). Ambas as caracterís-
ticas podem ser importantes na geração de vias para a migração celular, e na remode-
lação da matriz extracelular durante o desenvolvimento (Tan et al., 1987; Bronner-
Fraser, 1988; Wehrle e Chiquet, 1990).

Receptores celulares para moléculas da matriz extracelular


INTEGRINAS. A habilidade de uma célula em ligar essas glicoproteínas adesivas
depende da sua capacidade em expressar um receptor da membrana, que se torna o
lugar de ligação na célula para essas grandes moléculas. Os principais receptores de
Figura 3.28
fibronectina foram purificados usando anticorpos monoclonais que bloqueiam a
Inibição de adesão celular por tenascina.
ligação das células à fibronectina (Chen et al.,1985; Knudsen et al., 1985). Foi obser-
Fibronectina e tenascina foram colocadas em
placas de cultura de tecidos, dispostas em forma vado que o complexo receptor de fibronectina é capaz não só de ligar fibronectina
de letras. Fibroblastos foram adicionados às no exterior da célula, como também proteínas do citoesqueleto dentro da célula.
placas podendo aderir e migrar. O resultado Então, parece que o complexo receptor de fibronectina atravessa a membrana celular
mostra que fibronectina foi o substrato preferido e une dois tipos de matrizes. Dentro da célula, serve como um sítio de ancoragem
no plástico da cultura de tecidos, enquanto que para os microfilamentos de actina que movimentam a célula; fora da célula, se liga à
as células não aderiram ou migraram bem sobre fibronectina da matriz extracelular (Figura 3.29). Horwitz e colaboradores (1986;
a tenascina. (Cortesia de M. Chiquet.) Tamkun et al., 1986) denominaram essa família de receptores protéicos como
integrinas porque elas integram as plataformas intra e extracelulares permitindo que
funcionem conjuntamente. Proteínas integrinas foram encontradas atravessando a
membrana de numerosos tipos de células. No lado extracelular, integrina se liga à
seqüência arginina-glicina-aspartato (RGD) de várias proteínas adesivas em matri-
zes extracelulares, incluíndo vitronectina (encontrada na lâmina basal do olho), fi-
bronectina e laminina (Ruoslahti e Pierschbacher, 1987). No lado citoplasmático, a
integrina se liga à talina e α-actinina, duas proteínas que se ligam aos microfilamen-
tos de actina. Essa ligação dupla permite o movimento da célula pela contração dos
microfilamentos de actina contra a matriz extracelular fixa (veja Wang et al., 1993).
Tipos diferentes de células podem ter diferentes moléculas de integrinas com dife-
rentes afinidades por moléculas da matriz extracelular (Hemler et al., 1987; Hemler,1990).
Cada molécula de integrina tem duas subunidades distintas, α e β, e diferentes
combinações binárias das subunidades α e β permitem que a integrina se ligue a
determinadas moléculas extracelulares. Por exemplo, α2β1 se liga ao colágeno e
laminina, enquanto α4β1 se liga somente à fibronectina.
Ambas as unidades α e β são necessárias para a ligação com fibronectina ou
laminina, mas somente a unidade β conecta com o citoesqueleto interno. Durante a
migração, as ligações unindo a unidade β da integrina ao citoesqueleto, podem ser
continuamente quebradas e refeitas por uma protease que cliva talina e está especifi-
camente localizada em sítios da membrana celular onde a integrina se liga ao substrato.
É possível que essa protease quebre a ponte entre o receptor de fibronectina e o
citoesqueleto (Beckerle et al., 1987).
A importância de integrinas é dramaticamente ilustrada durante a embriogênese
de Drosophila. Como as integrinas de vertebrados, as integrinas de Drosophila são
compostas de subunidades α e β que atravessam a membrana celular. Nas duas
integrinas de Drosophila que são conhecidas, as subunidades β são idênticas, mas
as subunidades α são diferentes. Essas duas integrinas freqüentemente funcionam
em conjunto efetuando adesão tissular e celular durante o desenvolvimento. No
desenvolvimento da asa da Drosophila, duas lâminas epiteliais são aproximadas. A
integrina PS1 está situada na superfície basal do epitélio na asa presuntiva dorsal,
enquanto a integrina PS2 está na superfície superior do epitélio na asa presuntiva
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 105

(A) RGD

Fibronectina

Sítios de
ligação
Sítio de ligação de RGD de cálcio
Subunidade ß
Subunidade ß Subunidade
de integrina
de integrina α de
integrina
Extracelular

Citoplasma
α Actinina Vinculina

Talina

ventral. Durante a metamorfose, esses dois epitélios se encontram e aderem para


formar a lâmina de duas camadas da asa. Mutações nas integrinas produzem asas
com regiões onde os dois epitélios se separam, como evidenciado por bolhas α Actinina Microfilamento de actina
entre as duas lâminas (Brower e Jaffe, 1989; Wilcox et al.,1989). Algumas mutações
de integrinas em Drosophila são letais, porque integrina é necessária para anexar
músculos à epiderme e à parede do intestino. Na mutação letal (1) myospheroid,
Figura 3.29
existe uma deficiência nos genes codificando a subunidade β das integrinas de Dupla função de integrinas ao se ligar com
Drosophila. Na ausência dessa subunidade, nenhuma integrina se forma, e os matrizes extracelulares e com o citoesqueleto
músculos somáticos se contraem em esferas sem ligantes para a parede do corpo interno. (A) Imunofluorescência indireta co-
e do intestino (Leptin et al.,1989). rando os microfilamentos de actina de uma
Integrinas não são as únicas moléculas capazes de se ligar à laminina e à fibronec- célula extendendo um lamelapódio. As fibras
tina. Enquanto o receptor integrina se liga a uma seqüência RGD na cadeia A de de actina irradiam da grade ordenada do cito-
laminina, outro receptor protéico de laminina na membrana celular se liga a uma se- esqueleto para o lamelapódio. (B) Diagrama
qüência diferente (Y1GSR) na cadeia B1 (Graf et al.,1987; Yow et al., 1988). Os recepto- especulativo relacionando a ligação do cito-
esqueleto à matriz extracelular através da mo-
res têm afinidade diferente por laminina, e essas podem ser importantes para sua
lécula de integrina. (A de Lazarides, 1976,
função (Horwitz et al., 1985). A integrina a3β1 de fibroblastos, por exemplo, tem uma cortesia de E. Lazarides; B conforme Luna e
afinidade relativamente baixa por laminina (Kd = 10-6 M), enquanto a afinidade por Hitt, 1992.)
laminina de seu receptor epitelial é muito mais alta (Kd=2 x10-9 M). O receptor usado
pode ser importante em permitir que as células usem laminina ou como membrana
basal (nesse caso a afinidade do receptor seria alta) ou como um substrato para a
migração (na qual receptores de afinidade menor seriam usados).

GLICOSILTRANSFERASES. Outro grupo de proteínas que pode aderir células a


proteínas da matriz extracelular são as glicosiltransferases da superfície celular.
Essas enzimas ligadas à membrana são rotineiramente encontradas no retículo en-
doplasmático e nas vesículas de Golgi, onde elas são responsáveis por adicionar
resíduos de açúcar a peptídeos para produzir glicoproteínas. Existem numerosas
glicosiltransferases, cada uma específica para um dado açúcar e algumas mostrando
também especificidade de substrato. Assim, galactosiltransferase é uma enzima
capaz de transferir galactose de um molécula doadora ativada (UDP-galactose) a
uma unidade aceptora. Devem existir muitas galactosiltransferases com afinidades
para diferentes moléculas aceptoras.
Galactosiltransferases são enzimas funcionais da membrana celular, e sua adesão
à matriz extracelular representa uma catálise “frustrada” (Figura 3.30). A enzima neces-
sita de dois substratos para completar a catálise, o carboidrato aceptor e o açúcar
ativado. As glicosiltransferases de membrana reconhecem o carboidrato receptor nas
106 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Glicosil transferase
(A) NDP-açúcar + aceptor NDP + açúcar-aceptor

Doador de açúcar
(B) ativado (NDP-açúcar)
(C)
Enzima
glicosil- Aceptor
transferase insolúvel

Ligação Ligação de Catálise cliva


NDP-açúcar à açúcar de NDP e
glicosiltransferase o adiciona ao
Figura 3.30 aceptor
Interações da superfície celular através de gli-
cosiltransferases. (A) A reação padrão de gli-
cosiltransferase, na qual um açúcar é transferi-
do de um carregador nucleosídeo difosfato a
um receptor. (B) Interação entre glicosiltrans-
ferases e o grupo carboidrato (aceptor) na gli- proteínas da matriz extracelular tal como a laminina. Isso causa adesão. Quando o
coproteína da matriz extracelular. Se o açúcar segundo substrato aparece, essas adesões podem ser quebradas pela catálise. Em
ativado está ausente, ocorre a adesão (consi- algumas instâncias (como fertilização no camundongo, onde a galactosiltransferase
dera-se que isso ocorra durante a fertilização).
na membrana celular do espermatozóide interage com componentes carboidrato da
Se o açúcar ativado está presente em pequenas
quantidades, a migração é permitida. (C) Mar-
matriz extracelular secretada pelo óvulo), a adesão é crítica e a catálise não ocorre. Em
cação da glicosiltransferase da superfície celu- células migratórias, tanto adesão como catálise são observadas (Toole, 1976; Shur,
lar, incubando seções microscópicas de um em- 1977a,b; Turley e Roth, 1979; Eckstein e Shur, 1989).
brião de galinha de 10-somitos, com UDP-[3H]
galactose. Radioatividade insolúvel vista por Adesão diferencial resultante de sistemas de adesão múltipla
radioautografia mostra que esse açúcar radioa- Apesar de estarmos discutindo sistemas de adesão como unidades separadas, os
tivo foi transferido às superfícies celulares, es- processos morfogenéticos de interação célula-célula são provavelmente realizados
pecialmente das células mesodérmicas migra- por combinações de moléculas de adesão celular. Por exemplo, a fixação inicial do
tórias. (A e B modificado de Pierce et al., 1980;
embrião de camundongo à parede uterina parece ser mediada por vários sistemas de
C de Shur, 1977a, cortesia de B. Shur.)
adesão. Primeiro, as células de fora do embrião (as células trofoblásticas) têm recepto-
res para o colágeno e os proteoglicanos de heparan sulfato do endométrio uterino, e
interferência com essa ligação pode impedir a implantação (Farach et al.,1987; Carson
et al., 1988, 1993). Segundo, Dutt e colaboradores (1987) mostraram que as células
trofoblásticas podem também aderir às células uterinas através das glicosiltransfera-
ses da superfície celular. Terceiro, Kadokawa e colaboradores (1989) mostraram que P-
e E-caderinas estão presentes tanto no tecido uterino como no trofoblástico no local
da implantação. Assim, células podem ter muitos sistemas adesivos que lhes permitem
ligar e/ou migrar em substratos específicos.
As células também usam sistemas múltiplos para remodelar tecidos por digestão. Por
exemplo, quando embriões de mamíferos se embebem no útero, eles “digerem” seu cami-
nho através do epitélio do útero e através de sua membrana basal de laminina, fibronectina
e colágeno Tipo IV (Behrendtsen et al., 1992). Crescimento do osso, regressão da cauda do
girino e formação de órgãos ramificados (tais como: glândulas salivares, rins e pulmões)
também requerem quebra da membrana basal. Essa degradação controlada de moléculas
da matriz extracelular é completada por um conjunto de enzimas coletivamente chamadas
de Metaloproteinases degradativas de matrizes (Matrisian, 1992; Sato et al., 1994). Algu-
mas dessas enzimas estão ligadas à membrana celular, enquanto outras são secretadas
diretamente pelas células para dentro da matriz que será dissolvida. Essas metaloproteinases
incluem: (1) colagenases que digerem colágenos dos Tipo I, II e III; (2) gelatinases que
digerem elastina e colágenos IV e V; e (3) estromelisinas que digerem proteoglicanos,
fibronectina e laminina. A ativação dos genes das metaloproteinases é realizada
coordenativamente, e várias dessas enzimas interagem para amplificar a intensidade das
enzimas digestivas (Figura 3.31). Logo após a ativação das metaloproteinases, as células
ativam os genes para os inibidores dessas proteínas. A produção e degradação controlada
da matriz extracelular é parte essencial do desenvolvimento normal.
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 107

Procolagenase Colagenase
Plasminogênio
Ativação Colagenase
Uroquinase Plasmina Ativa
transcricional muito ativa

Prostromelisina Estromelisina

Figura 3.31
Cascata de ativação de metaloproteinases de membrana. Uroquinase é um ativador de
plasminogênio, que cliva o plasminogênio dando plasmina. Plasmina ativa as formas precurso-
ras de estromelisinas e colagenases produzindo uma mistura de enzimas muito ativa capaz de
digerir matrizes extracelulares. (Conforme Matrisian, 1992.)

Moléculas de receptores e vias de transdução de sinais


Os destinos das células são freqüentemente determinados pelas interações em suas
superfícies, onde uma molécula de receptor encontra seu ligante complementar. Mas
como que certas interações na superfície da célula causam a transcrição de genes
específicos dentro do núcleo? As vias entre a membrana celular e o genoma são
chamadas vias de transdução de sinais. Várias vias foram descobertas, aqui serão
mencionadas as principais. Como veremos, elas parecem ser variações de um mesmo
tema. O tema é deveras elegante: cada receptor se estende através da membrana
tendo uma região extracelular, uma região transmembrana e uma região citoplasmáti-
ca. Quando um ligante é acoplado na região extracelular, sua forma muda e a porção
citoplasmática passa a ter atividade enzimática. Essa atividade é usualmente a de
uma quinase, que pode usar ATP para fosforilar proteínas, inclusive a si mesmo. O
receptor ativo pode agora catalizar reações que fosforilam outras proteínas, e final-
mente, a fosforilação ativa um fator de transcrição, antes dormente. Esse fator de
transcrição pode agora ativar (ou reprimir) um novo conjunto de genes. O ligante
iniciador da reação pode estar ligado a uma célula ou matriz extracelular ou, ainda,
ser uma molécula difusível. Quando a molécula difusível vem do sangue é conside-
rada um sinal endócrino. Se o sinal vem de células vizinhas difundindo-se de uma
para outra é chamado parácrino.

JAK--ST
A via JAK STAAT
No Capítulo 2 discutimos um conjunto de fatores de transcrição inativos até que
um sinal de outra célula produz sua fosforilação. Esses fatores de transcrição são
as proteínas STAT (transdutores de sinais e ativadores de transcrição) (Ihle,1995,
1996). As STATs são fosforiladas pela forma ativa da uma família de quinases, a
JAK. A via JAK-STAT é muito importante na diferenciação de células sangüíneas
e na ativação do gene de caseína na produção de leite (Briscoe et al., 1994; Groner
e Gouilleux, 1995). Nesses casos, um certo fator de diferenciação se liga a seus
receptores membrana-abrangente, fazendo com que esse se dimerize (que forme
dímeros) (Figura 3.32). Proteínas JAK estão ligadas a cada um dos receptores (em
suas respectivas regiões citoplasmáticas), e agora ao serem aproximadas fosforilam
o receptor em vários sítios. Os receptores ativados têm agora sua própria ativida-
de quinásica e podem fosforilar certos STATs inativos, induzindo sua dimerização.
Os dímeros são a forma ativa dos STAT que são translocados para o núcleo onde
se ligam às regiões específicas do DNA.
108 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Figura 3.32 Receptores de prolactina Prolactina Receptores


A via JAK-STAT— nesse caso, a via de ativa- dimerizados
ção do gene de caseína por prolactina. O gene ativos
de caseína é ativado durante a última fase do Extracelular
desenvolvimento da glândula mamária (lacto-
gênica) e seu sinal é a secreção de prolactina,
um peptídeo de 9 aminoácidos da glândula
Citoplasma
pituitária anterior. Prolactina causa a dimeri-
zação dos receptores de prolactina nas células
epiteliais do ducto mamário. Uma proteína
JAK específica (Jak2) está “atrelada” nesses
receptores. Quando os receptores são dimeri-
zados, as proteínas JAK fosforilam umas as
outras e os receptores vizinhos, ativando a
quinase dormente desses receptores. Esses
adicionam um grupo fosfato a um resíduo de Envoltório nuclear
tirosina (Y) de uma proteína STAT específica
(nesse caso Stat5). Isso permite que a proteí-
na se dimerize e seja translocada para o núcleo Núcleo
onde se liga a regiões específicas de DNA. Em
combinações com outros fatores de transcri-
ção (que presumivelmente esperavam sua che-
gada), a proteína STAT ativa a transcrição do Inicio da
gene de caseína. GR é o glucocorticóide recep- transcrição
tor, OCT1 um fator de transcrição geral, e TBP
o conjunto de proteínas responsável pela liga-
ção de RNA polimerase. (Para detalhes, veja
Groner e Gouilleux, 1995.) Promotor do
gene de caseína

A via RTK
RTK-R-R as
-Ras
A via de transdução de sinais RTK-Ras foi uma das primeiras vias a unir as várias áreas
da biologia do desenvolvimento. Pesquisadores estudando olhos de Drosophila,
vulvas de nematódeos e cânceres humanos chegaram à conclusão que estudavam o
mesmo gene. A via RTK-Ras começa na superfície celular, onde o receptor tirosina
quinase liga seu ligante específico. Ligantes que se ligam a RTKs incluem fatores de
crescimento fibroblásticos, fatores de crescimento epidérmico e fatores de crescimen-
to derivados de plaquetas. O receptor tirosina quinase abrange a membrana e, quando
conectado com seu ligante, sofre uma mudança conformacional que permite sua
dimerização. Esses dímeros têm uma atividade quinásica latente, ativada por mudança
conformacional fazendo com que os receptores se fosforilem um ao outro em resíduos
particulares de tirosina. Assim, a introdução de um ligante no receptor causa uma
autofosforilação no domínio citoplasmático do receptor.
A tirosina fosforilada no receptor é reconhecida por uma proteína adaptiva (Figura
3.33)—especificamente, as tirosinas fosforiladas são reconhecidas por uma porção da
proteína adaptativa chamada domínio SH2. As proteínas adptativas servem como uma
ponte que liga a quinase fosforilada do receptor a um poderoso sistema intracelular de
sinalização. Enquanto ligada ao receptor fosforilado pelo seu domínio SH2, a proteína
adaptativa usa seu domínio SH3 para regular o ativador de uma proteína Ras G. Normal-
mente, a proteína de tipo selvagem Ras está na sua forma inativa e ligante de GDP.
Quando ativada pelo receptor ligante-acoplado, ela troca um fosfato de outro GTP
para transformar o GDP ligado em GTP. Essa catálise é ajudada pelo fator de troca
guanina nucleotídeo. A Ras ligada a GTP é a forma ativa da proteína que transmite o
sinal. Após a transmissão, o GTP é hidrolizado a GDP. Essa catálise é muito estimulada
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 109

Ligante Receptor Figura 3.33


A via RTK-Ras amplamente usada. O recep-
tor tirosina quinase é dimerizado pelo ligante.
Extracelular
Isso causa a autofosforilação do receptor. A
proteína SH3 reconhece as fosfotirosinas e
Citoplasma ativa as proteínas intermediárias (GRB2 e
SOS), as quais ativam a proteína Ras G por
permitir a fosforilação da porção GDP da Ras.
Ao mesmo tempo, as proteínas GAP estimu-
lam a hidrólise dessa ligação fosfato. A Ras
ativa é capaz de ativar a proteína quinase C
(PKC), que ao seu turno fosforila uma série de
quinases. Por fim, a MAP quinase altera a ex-
Ativação de pressão gênica, fosforilando certos fatores de
eventos transcrição (que podem penetrar no núcleo
dependentes de
para mudar os tipos de genes transcritos) e
cálcio e PKC
certos fatores de tradução (que alteram o nível
Fator de de síntese de proteínas). Em muitos casos, essa
Fator de transcrição ativo via é reforçada pela liberação de íons cálcio.
transcrição inativo

Núcleo Modulação da
transcrição

pela complexação normal da proteína Ras à proteína ativadora de GTP-ase (GAP).


Essa proteína de 120-kDa aumenta a atividade hidrolizante de GTP mais de 100 vezes,
e retorna a Ras à sua forma inativa (Trahey e McCormick, 1987; Gibbs et al., 1988).
Realmente, mutações no gene RAS estão relacionadas com uma grande proporção de
tumores humanos (Shih e Weinberg, 1982), e as mutações que tornam o gene
oncogênico inibem a ligação da proteína GAP. Sem a proteína GAP, a proteína Ras não
catalisa eficientemente a hidrólise de GTP permanecendo em sua configuração ativa
(Cales et al., 1988; McCormick,1989).
A proteína Ras ativa associa-se com uma quinase chamada Raf. A proteína Ras
coloca a proteína inativa Raf na membrana celular onde ela se torna ativa (Leevers et
al.,1994; Stokoe et al., 1994). A proteína Raf é chamada MAP-quinase-quinase-quinase
(MAPKKK). (MAP quer dizer proteína associada à mitose, mas atualmente é conside-
rada como um conjunto maior de fatores de transcrição). A MAPKKK fosforila a
MAPKK que, por sua vez, pode fosforilar a MAP quinase. Essa última quinase fosforila
os fatores de transcrição que especificam o destino da célula ou a proliferação. Em
olhos de Drosophila, por exemplo, considera-se que a cascata ativa o fator de trans-
crição Sina (Sevenless-in-Absentia), cuja presença é necessária para a diferenciação
do fotorreceptor 7 (Carthew e Rubin, 1990; Dickson et al., 1992).
Como veremos mais tarde neste livro, essa via é crítica em numerosos processos
desenvolvimentais. Em humanos, mutações nessa via dão origem às formas mais
comuns de nanismo, incluindo acondroplasia, que ocorre em 1 entre 50.000 nascimen-
tos. Aqui, o tórax e a cabeça crescem normalmente, mas os braços e as pernas são
encurtados proximalmente. A deficiência reside na proliferação mínima da cartilagem
da placa de crescimento dos ossos longos. A lesão genética parece estar no gene que
110 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

codifica o receptor 3 do fator de crescimento de fibroblastos (FGFR3) (Figura 9.19;


Rousseau et al., 1994; Shiang et al., 1994). Esse gene é expresso nas células da cartila-
gem em desenvolvimento na placa de crescimento dos ossos longos. Quando ativado
por um FGF, o FGFR3 sinaliza o condrócito para parar de dividir e começar a diferenci-
ação. As mutações nesse gene causam um fenótipo de ganho de função onde o
mutante FGFR3 é ativo constitutivamente (isto é, sem a necessidade de ser ativado
por um FGF)* (Deng et al., 1996; Webster e Donoghue, 1996). [cell7.html]

* Nomes podem ser perigosamente ilusivos. Muitos compostos têm mais de uma função na
célula, e o que fazem depende do contexto da célula. Certos “fatores de crescimento” podem inibir
o crescimento, e alguns “fatores de transcrição” podem ser utilizados para inibir a transcrição.
Realmente, alguns fatores de transcrição podem ser usados para regular a tradução. Aqui vemos que
moléculas de adesão celular podem ser usadas para transdução de sinais. Proteínas celulares não
respeitam nossas fronteiras disciplinares.

Informações adicionais
& Especulações

Mutações negativas dominantes em receptores

O significado funcional de uma


molécula ligante pode ser veri-
ficado eliminando seu receptor.
Uma maneira de fazer isso é criando mu-
(A)

FGF
FGFR normal:
FGF se liga causando dimerização
do receptor de FGF
(B) FGFR dominante negativo

FGFR FGFR
tações dominantes negativas de recep- Receptor de FGF normal mutante
tores. Esse tipo de experimento será bem
sucedido se a dimerização for crítica para
a função do receptor. Os receptores FGF
ativos, em um caso, são dímeros de duas
moléculas idênticas embebidas na mem-
brana celular. O mutante dominante ne-
gativo não formará um dímero ativo, mes-
mo com um parceiro do tipo selvagem.
Portanto, quando presente em concen- Receptores
trações suficientemente altas, o receptor sem domínios Excesso do receptor
Domínio
intracelulares mutante pode
mutante compete com receptores FGF da tirosina Sinal
são inativos seqüestrar o receptor
normais impedindo que suas proteínas quinase
normal do fator de
sejam ativadas. Isso pode ocorrer em Sem sinal
crescimento. Esse
mutações naturais ou provocadas. heterodímero é inativo.
Amaya e colaboradores (1991) injetaram
Sem sinal
mRNA de uma forma mutante de um re-
Figura 3.34
ceptor FGF em embriões de duas células
Ensaio para receptor dominante negativo para a importância de um determinado receptor. O
de Xenopus. Essas blástulas não conse-
receptor de FGF (FGFR) é uma RTK transmembrana. (A) Quando dímeros de FGF se ligam à
guem responder ao FGF (Figura 3.34).
porção extracelular desses receptores, esses se dimerizam e seus dois domínios de proteína
Nesse experimento, embriões que não ti- quinase se fosforilam mutuamente. Quando fosforilados, acionam um sinal através do citoplas-
nham receptores FGF funcionais tinham ma. (B) O receptor dominante negativo não tem o domínio da proteína quinase. Quando liga
mesoderma posterior e lateral dramatica- FGF, produz um dímero inativo, mesmo se o outro parceiro é do tipo selvagem. Assim, o efeito
mente reduzido (Prancha 3). de FGF não é transmitido à célula.
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 111

A via do inositol fosfato


Algumas vezes, a transdução de um sinal da superfície celular causa tantas mudanças,
que alterações na expressão do gene constituem somente um pequeno subconjunto
do que faz o sinal. A ativação da via do inositol fosfato promove mudanças drásticas na
fisiologia da célula pela liberação de íons cálcio do retículo endoplasmático. Essa via
é extremamente importante na ativação do espermatozóide e do óvulo, ambos neces-
sitando de um aumento na concentração intracelular de íons cálcio.

Figura 3.35
A via do inositol fosfato. (A) A reação de
(A) fosfolipase C, transformando PIP2 em DAG e
IP3. (B) Essa reação pode ser iniciada em dois
Extracelular pontos principais na membrana celular. Pri-
meiro, a via é iniciada quando o receptor trans-
Fosfolipase C membrana ligado à proteína G é ativado pela
introdução do ligante. Essa ativação resulta na
ligação de GTP à proteína heteromérica G e
Citoplasma sua dissociação em subunidades ativas. Essas
subunidades ativam enzimas fosfolipase C
(PLC) que podem catalizar a formação de DAG
e IP3. Em segundo lugar, a via pode ser ativada
pela via RTK. IP3 pode se ligar a um receptor
para liberar íons cálcio do retículo endoplas-
mático. Neste ínterim, DAG (em presença dos
íons cálcio liberados) ativa a proteína quinase
C. A proteína quinase estimula o transporta-
dor sódio/hidrogênio a trocar íons hidrogênio
celulares por íons sódio extracelulares, assim
levando a um aumento do pH.

(B)
RECEPTORES LIGADOS À PROTEÍNA G RECEPTORES LIGADOS À TIROSINA QUINASE (PDGF, EGF, etc).
Ligante

Ligante

Extracelular

Citoplasma

Proteína G

Via IP 3 PATHWAY
PKC MAP quinase

Atividade
Receptor celular e
IP 3 mitogênese

Retículo
endoplasmático
112 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

A via pode ter dois pontos iniciais (Figura 3.35; Berridge, 1993; Shilling et al.,
1994). Um ponto de iniciação é o receptor tirosina quinase, mencionado anterior-
mente. Além de ativar a proteína Ras G, as tirosina quinases ativadas podem
interagir com um tipo de enzima, fosfolipase C (PLC1-y1, que também tem um
domínio SH2 que reconhece as tirosinas autofosforiladas). Fosfolipase C pode
catalisar a hidrólise de fosfatidilinositol 4,5-bifosfato (PIP2) em dois segundos
mensageiros: inositol 1,4,5-trifosfato (IP3) e diacilglicerol (DAG). IP3 é capaz de
abrir canais de cálcio do retículo endoplasmático, liberando uma grande quantida-
de de íons cálcio no citoplasma. DAG ativa a proteína quinase C, que por sua vez
ativa a bomba de proteína que troca íons sódio por íons hidrogênio (Swann e
Whitaker, 1986; Nishizuka, 1986). O resultado é a elevação de íons intracelulares
de cálcio e um aumento no pH intracelular.
Um segundo ponto de iniciação é outra classe de receptores, algumas vezes cha-
mado de receptores serpentina, porque têm sete domínios transmembrana e “serpen-
teiam” através da membrana. Esses receptores estão relacionados com outro tipo de
proteína G, a proteína G heteromérica. Quando o ligante liga-se ao seu receptor, esse
ativa a proteína G. Essa ativação dissocia a proteína G em suas subunidades, as quais
ativam outro conjunto de fosfolipase C, ou seja, PLC-β1 e PLC-β2. Esses dois tipos de
fosfolipase C podem clivar PIP2 em inositol 1,4,5-trifosfato e diacilglicerol. Como vere-
mos em capítulos posteriores, as mudanças nos íons hidrogênio e cálcio, efetuadas
por essa via, alteram não somente a transcrição de genes, mas também a tradução de
mRNA e a replicação de DNA.

Cruzamentos entre vias


Representamos as vias principais como se fossem cadeias lineares, onde a informa-
ção flui em conduítes únicos. Na verdade, essas vias são apenas as principais
estradas pelas quais se escoa a informação, pois entre elas existem ruas e avenidas
que fazem as conexões entre elas. (Essa pode ser a razão da existência de tantos
passos entre a superfície da célula e o núcleo. Cada passo é um ponto de regulação
em potencial e um potencial ponto de interseção). Essa comunicação cruzada pode
ser vista na Figura 3.35, onde duas vias reforçam uma a outra. Deve-se lembrar
também que a célula tem numerosos receptores e está constantemente recebendo
muitos sinais simultaneamente. Em alguns casos, a transcrição de genes requer dois
sinais. Isso é visto durante o desenvolvimento de linfócitos, onde dois sinais são
necessários, cada um produzindo um dos dois peptídeos de um fator de transcrição
envolvido na produção de interleucina 2 (IL-2, também conhecida como fator de
crescimento da célula T). Um fator, c-Fos, é produzido pela ligação do receptor da
célula T ao antígeno (Figura 3.36). Isso ativa a cascata Ras, criando um fator de
transcrição, Elk-1, ativador do gene c-fos que sintetiza c-Fos. O segundo sinal vem
da glicoproteína B7 na superfície da célula que apresenta o antígeno. Esse sinal
ativa uma segunda cascata de quinases, finalmente produzindo c-Jun. Os dois
peptídeos, c-Fos e c-Jun, podem produzir a proteína AP-1, um fator de transcrição
que se liga ao intensificador de IL-2 e ativa sua expressão (Liet al., 1996).

A matriz extracelular e a superfície da célula como


fontes de sinais críticos para o desenvolvimento
Bissell e colegas (1982; Martins-Green e Bissell, 1995) propuseram que a matriz
extracelular é capaz de induzir expressão gênica específica em tecidos em desenvol-
vimento, especialmente aqueles do fígado e da glândula mamária, onde a indução de
fatores de transcrição específicos dependem da ligação célula-substrato (Liu et al.,
1991; Streuli et al., 1991; Notenboom et al.1996). Muitas vezes, a presença de integri-
na ligada previne a ativação de genes que especificam a morte celular (Brooks et al.,
1994; Montgomery et al., 1994). Portanto, a matriz extracelular é uma fonte importante
de sinais que podem ser transduzidos para o núcleo para dar expressão gênica espe-
cífica. Estudos recentes mostraram que a ligação de integrinas à matriz extracelular
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 113

CÉLULA APRESENTADORA DO ANTÍGENO

SINAL 1 SINAL 2
Citoplasma

MHC II
Antígeno Receptor B7
da célula T CD28
Extracelular

Citoplasma

RAF

T-LINFÓCITO

ELK-1 ativa
transcrição de c-fos

Intensificador de Fator de transcrição AP-1


interleucina 2

Núcleo

Transcrição de IL-2

Figura 3.36
Dois sinais são necessários para efetuar a diferenciação de linfócitos T. O primeiro sinal vem de
receptores que ligam o antígeno apresentado na superfície das células B ou macrófagos. O
segundo sinal vem da ligação da proteína CD28 à proteína B7 que está na superfície da célula
apresentante do antígeno. O primeiro sinal dirige a síntese de uma subunidade do fator de
transcrição AP-1. A outra subunidade é sintetizada sob direção do segundo sinal. As duas
subunidades, c-fos e c-jun, formam o fator de transcrição AP-1 que pode ativar intensificadores
específicos para a célula T como os que regulam a produção de interleucina 2.

pode estimular a via RTK-Ras, como também pode estimular a interação da célula
com o L1, N-CAM e caderinas de uma célula vizinha (Bixby et al., 1994; Williams et
al., 1994a; Clark e Brugge, 1995). Caderinas (mesmo as solúveis) podem dimerizar
receptores FGF exatamente como os ligantes normais de FGF, causando a liberação
de íons cálcio, ativação transcricional e fenômenos de desenvolvimento caracterís-
ticos das respostas do FGF celular (Figura 3.37; Williams et al., 1994b; Doherty et al.,
1995). Comunicação cruzada é quase certa acontecer quando as moléculas de ade-
são celular são também transdutores de sinais.

Interações recíprocas na superfície celular


Quando duas células interagem durante o desenvolvimento, ambas são modificadas
na maioria das vezes. Essa indução recíproca é mediada por interações na membrana
114 PARTE I Introdução à Biologia do Desenvolvimento

Citoplasma

Molécula de
adesão celular Receptor FGF

Extracelular

Citoplasma

Sinal

Figura 3.37
Possíveis interações de moléculas de adesão celular com receptores de FGF. Os receptores FGF
podem ser “seqüestrados” pelas moléculas de adesão e colocados juntos. Isso pode ser feito
pela interação de moléculas de adesão opostas, ou “ligações cruzadas” de receptores de FGF das
membranas celulares opostas podem ativar seus domínios quinase.

celular. Uma via intensamente usada é o sistema Wingless-Hedgehog. Nessa via,


duas células (ou grupo de células) são adjacentes; uma delas produz a proteína
Hedgehog e a secreta. O peptídeo age na célula vizinha ocasionando a produção da
proteína Wingless (Wnt). A proteína Wingless, por sua vez, é também secretada e se
liga à célula vizinha, estimulando-a a continuar a síntese de Hedgehog. O resultado
é a estabilização de uma borda onde o tecido em um lado secreta proteína Hedge-
hog, enquanto o tecido no outro lado produz Wingless. Essa borda é crítica na
produção de segmentos e apêndices em Drosophila, como também, subdivisões
cerebrais e membros em mamíferos (Figura 3.38; Ingham, 1994; Niswander et al.,
1994; Wilder e Perrimon, 1995). [cell8.html]
A superfície celular é um lugar extremamente importante para interações desenvol-
vimentais. Essas incluem adesão diferencial de uma célula a outras, a adesão diferen-
cial de um tipo de célula a uma matriz extracelular e a comunicação de sinais para a
diferenciação e divisão celulares. Em 1782, o ensaista francês Denis Diderot pôs a
questão da morfogênese no sonho febril de um físico. Esse elemento podia imaginar
que o corpo era formado por uma miríade de “pequenos corpos sensíveis” que se
juntavam para formar um agregado, mas ele não podia imaginar como esse agregado
poderia se tornar um animal. Estudos recentes mostraram que essa ordenação é devi-
da às moléculas na superfície dessas células. Em capítulos subseqüentes, veremos
com mais detalhes essas interações morfogenéticas. Estamos agora no estágio onde
podemos iniciar o estudo da embriogênese precoce e ver a integração entre os proces-
sos orgânicos, genéticos e celulares no desenvolvimento animal.
CAPÍTULO 3 A base celular da morfogênese 115

Receptor Frizzled Wingless / proteína Wnt Proteína Figura 3.38


DPP Interações recíprocas entre células na via
wingless-hedgehog em Drosophila. A pro-
teína Wingless é secretada por uma célula e
se difunde a uma curta distância. A célula
Prot. Dishevelled vizinha liga a proteína Wingless originando
wingless
patched a ativação da proteína, que bloqueia a ação
Quinase Zw3 decapentaplegic inibidora da quinase Zeste-white-3 sobre a
proteína Armadillo (uma catenina). A pro-
Prot. Armadillo (ß-catenina) teína Armadillo ativada induz a célula a
transcrever o gene hedgehog (hh). Essa pro-
teína é secretada e ligada pela célula vizi-
Proteína nha. Ligando a proteína Hedgehog faz com
Smoothened Ci ativo que a célula transcreva o gene wingless e
engrailed
secrete a proteína.
Ci inativo
hedgehog
Proteína G
Proteína
engrailed

Receptor
Patched
Proteína
Hedgehog

LITERATURA CITADA

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Padrões de Desenvolvimento
4 Fertilização: Iniciando um novo organismo

5 Clivagem: Criando multicelularidade


121

167

6 Gastrulação: Reorganizando as células embrionárias 209


II
7 Início do desenvolvimento vertebrado: Neurulação e ectoderma 253

8 Especificidade axônica 307

9 Início do desenvolvimento vertebrado: Mesoderma e endoderma 341


CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 121

Fertilização:
Iniciando um novo organismo
4
Desejo e desejo e desejo
Sempre o desejo procriativo do mundo.
Saindo da obscuridade iguais opostos
avançam,
Sempre substância e aumento, sempre sexo,
F ERTILIZAÇÃO (FECUNDAÇÃO) é o processo pelo qual duas células sexuais
(gametas) se fundem para criar um novo indivíduo com potenciais genéticos
derivados dos dois genitores. A fecundação, portanto, realiza duas atividades
separadas: sexo (a combinação de genes derivados dos dois pais) e a reprodução
(criação de novos organismos). Assim, a primeira função da fecundação é a de trans-
Sempre uma tessitura de identidade, sempre mitir genes dos pais para a prole, e a segunda é a de iniciar no citoplasma do ovo
distinção, aquelas reações que permitem o desenvolvimento.
Sempre uma criação de vida.
WALT WHITMAN (1855)
Embora os detalhes da fecundação variem de espécie para espécie, os eventos da
concepção consistem, em geral, de quatro atividades principais:
O objetivo final de todas as intrigas amoro- • Contato e reconhecimento entre espermatozóide e óvulo. Na maioria dos
sas, sejam elas cômicas ou trágicas, é na casos, isso assegura que o espermatozóide e o óvulo sejam da mesma espécie.
realidade mais importante que todas as ou- • Regulação da entrada do espermatozóide para o interior do óvulo. Somente
tras finalidades na vida humana. um espermatozóide pode, em última análise, fecundar um óvulo. Isso é geral-
Ele se volta para nada menos que a compo- mente conseguido com a permissão de somente um espermatozóide entrar no
sição da próxima geração. óvulo e a inibição da entrada de qualquer outro.
A SCHOPENHAUER • Fusão do material genético do espermatozóide e do óvulo.
(CITADO POR C. DARWIN, 1871)
• Ativação do metabolismo do ovo para começar o desenvolvimento.

Estrutura dos gametas


Existe um diálogo complexo entre óvulo e espermatozóide. O óvulo ativa o metabolis-
mo do espermatozóide que é essencial para a fecundação, e o espermatozóide retorna
a mensagem ativando o metabolismo do óvulo necessário para o início do desenvol-
vimento. Porém, antes de investigar esses aspectos da fecundação, temos que consi-
derar as estruturas do espermatozóide e do óvulo – dois tipos de células especializadas
para a fertilização.

Espermatozóide
Foi somente no século XIX que o papel do espermatozóide na fertilização tornou-se
conhecido. Anton van Leeuwenhoek, o microbiologista holandês que co-descobriu o
espermatozóide em 1678, acreditou inicialmente que ele continha animais parasitas vi-
vendo em seu interior (daí o termo espermatozóides, significando “animais do esper-
ma”). Assumiu originalmente que esses nada tinham a haver com a reprodução do
organismo onde se encontravam, porém, posteriormente chegou a acreditar que cada
espermatozóide continha um embrião pré-formado. Leeuwenhoek (1685) escreveu que

121
122 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

espermatozóides eram sementes (tanto sperma como sêmen significam “semente”), e


que a fêmea meramente proporcionava o solo nutriente no qual as sementes eram
plantadas. Sob esse aspecto, ele estava voltando a uma noção da procriação enunci-
ada por Aristóteles 2000 anos antes. Por mais que tentasse, Leeuwenhoek era continu-
amente desapontado em suas tentativas de achar um embrião pré-formado nos esper-
matozóides. Nicolas Hartsoeker, o outro co-descobridor do espermatozóide, dese-
nhou uma figura do que pretendia encontrar: um ser humano pré-formado
(“homúnculo”) dentro do espermatozóide (Figura 4.1). Essa crença de que o esperma-
tozóide continha um organismo embrionário inteiro, nunca recebeu muita aceitação,
porque implicava num enorme desperdício de vida em potencial. A maioria dos inves-
tigadores consideravam o espermatozóide como sem importância (Veja Pinto-Correia,
1997, para detalhes sobre essa extraordinária história). [fert1.html]
A primeira evidência sugerindo a importância do espermatozóide na reprodução
veio de uma série de experimentos realizados por Lazzaro Spallannzani em fins de 1700.
Spallanzani demonstrou que sêmen filtrado de rã, livre de espermatozóide, não fecun-
dava óvulos. Concluiu, porém, que o fluido viscoso retido pelo papel de filtro, e não o
espermatozóide, era o agente da fertilização. Ele acreditava, também, que os “animais
espermáticos” eram parasitas.
A combinação das melhores lentes de microscópio e da teoria celular, levaram a
uma reapreciação da função espermática. Em 1924, J. L. Prevost e J. B. Dumas afirma-
ram que os espermatozóides não eram parasitas, mas sim os agentes ativos da fertili-
zação. Notaram a existência universal de espermatozóides em machos sexualmente
maduros e sua ausência em indivíduos imaturos ou idosos. Essas observações,
acopladas à conhecida ausência de espermatozóides na mula estéril, os convenceram
que “existe uma íntima relação entre sua presença nos órgãos e a capacidade
fecundadora do animal”. Eles propuseram que o espermatozóide penetra o óvulo e
contribui materialmente para a geração seguinte.
Essas assertivas não foram em geral levadas em consideração até a década de 1840,
quando A. von Kolliker descreveu a formação do espermatozóide a partir de células
contidas em testículos adultos. Kolliker ridicularizou a idéia que o sêmen poderia ser
Figura 4.1 normal e ainda assim tolerar a presença de um número enorme de parasitas. Mas ainda
A criança humana pré-formada no espermato- assim, negou que haveria qualquer contato físico entre espermatozóide e óvulo. Acredi-
zóide, conforme representada por Nicolas tava que o espermatozóide excitava o desenvolvimento do óvulo de maneira semelhante
Hartsoeker (1964). aquela pela qual o ímã comunica sua presença ao ferro. Somente em 1876, Oscar Hertwig
e Hermann Fol, independentemente, demonstraram a entrada do espermatozóide no
óvulo e a união de seus núcleos. Hertwig procurou um organismo adequado para obser-
vações microscópicas detalhadas e descobriu que o ouriço-do-mar Mediterrâneo,
Toxopneustes lividus, era perfeito para isso. Não somente era freqüente na região e
sexualmente maduro a maior parte do ano, como seus óvulos eram abundantes e trans-
parentes, mesmo sob alto aumento. Após misturar espermatozóide e óvulo em suspen-
sões, Hertwig repetidas vezes observou o espermatozóide entrando no óvulo e viu a
união dos núcleos dessas células. Notou também que apenas um espermatozóide era
visto penetrar em cada óvulo e que todos os núcleos do embrião derivavam dos núcleos
fundidos por ocasião da fertilização. Fol fez observações semelhantes e detalhou o
mecanismo de penetração do espermatozóide. A fertilização estava finalmente reconhe-
cida como a união de espermatozóide e óvulo, e a união dos gametas do ouriço-do-mar
permanece como um dos exemplos de fertilização melhor estudado. [fert2.html]
Cada espermatozóide consiste de um núcleo haplóide, um sistema de propulsão
para movimentar o núcleo, e um saco de enzimas que permitem a entrada do núcleo no
óvulo. A maior parte do citoplasma do espermatozóide é eliminada durante o amadure-
cimento, deixando somente certas organelas modificadas para exercer a função esper-
mática (Figura 4.2). Durante o transcorrer do amadurecimento, o núcleo haplóide se
torna muito aerodinâmico e seu DNA altamente comprimido. Na parte frontal desse
núcleo haplóide comprimido está a vesícula acrossômica, derivada do aparelho de
Golgi, contendo enzimas que digerem proteínas e açúcares complexos; por isso, pode
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 123

ser considerado como uma vesícula secretória modificada. Essas enzimas armazena-
das são usadas para lisar os invólucros externos do óvulo. Em muitas espécies, tais
como os ouriços-do-mar, existe uma região de moléculas globulares de actina entre o
núcleo e a vesícula acrossômica. Essas proteínas são usadas para estender um pro-
cesso de forma semelhante a um dedo durante os estágios precoces da fertilização. Em
ouriços-do-mar e várias outras espécies, o reconhecimento mútuo entre espermatozói-
de e óvulo envolve moléculas desse processo acrossômico. Juntos, o acrossomo e o
núcleo constituem a cabeça do espermatozóide.
Os meios pelos quais o espermatozóide é impulsionado variam de acordo com o
modo pelo qual a espécie se adaptou às condições ambientais. Em algumas espécies
(como o nematelminto parasitário Ascaris), o espermatozóide viaja por movimentação
amebóide de extensões lamelipodiais da membrana celular. Na maioria das espécies,
porém, um espermatozóide é capaz de viajar por longas distâncias agitando o seu
flagelo. Os flagelos são estruturas complexas. A sua principal porção motora é chama-
da axonema. Um axonema é formado pelos microtúbulos que emanam do centríolo na
base do núcleo do espermatozóide (Figuras 4.2 e 4.3). O centro do axonema consiste
de dois túbulos centrais rodeados por uma fileira de nove duplas de microtúbulos.
Realmente, só um microtúbulo está completo, contendo 13 protofilamentos; o outro
tem forma de C e tem apenas 11 protofilamentos (Figura 4.3B). Um modelo tridimensi-
onal de um microtúbulo completo está apresentado na Figura 4.3C. Aqui vemos os 13
protofilamentos interligados; os quais consistem exclusivamente da proteína dimérica,
a tubulina.
Embora a tubulina seja a base da estrutura do flagelo, outras proteínas também
são críticas para a função do flagelo. A força para a propulsão do espermatozóide é
proporcionada pela dineína, uma proteína apensa aos microtúbulos (Figura 4.3B). A
dineína hidrolisa moléculas de ATP e pode converter a energia química liberada em

Golgi
remanescente

Centríolo
Flagelo
Microtúbulos
Centríolo
Flagelo
Vesícula Porção
acrossômica final
e grânulo
Núcleo

Aparelho Mitocôndrias
de Golgi Cauda
Mitocôndrias

Figura 4.2
Axonema A modificação de uma célula germinativa para formar um espermatozóide de ma-
Mitocôndrias mífero. O centríolo produz um longo flagelo na parte que virá a ser a extremidade
Porção mediana
Centríolo posterior do espermatozóide, e o aparelho de Golgi forma a vesícula acrossômica
Pescoço na futura extremidade anterior. As mitocôndrias (pontos abertos) agrupam-se ao
Núcleo Cabeça do redor do flagelo perto da base do núcleo haplóide e são incorporadas na parte
espermatozóide mediana do espermatozóide. O citoplasma remanescente é descartado e o núcleo
Membrana plasmática
se condensa. O tamanho do espermatozóide maduro foi aumentado em relação às
Vesícula acrossômica outras figuras. (Segundo Clermont e Leblond, 1955.)
124 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

Figura 4.3 (A) (C)


O aparelho de movimentação do espermato-
zóide. (A) Seção transversal do flagelo de um
espermatozóide mamífero, mostrando o
axonema central e as fibras externas. (B) Dia-
grama interpretativo do axonema, mostrando o
arranjo “9 + 2” dos microtúbulos e outros com-
ponentes flagelares. O diagrama esquemático
mostra a associação de protofilamentos de
tubulina em um microtúbulo duplo. A primeira
(“A”) porção do par duplo é um microtúbulo
normal compreendendo 13 protofilamentos. A
segunda (“B”) porção da dupla contém somen-
te 11 (ocasionalmente 10) protofilamentos. (C)
Um modelo tridimensional do microtúbulo “A”.
As subunidades α-tubulina e β-tubulina são
semelhantes, porém, não idênticas, e o
microtúbulo pode mudar de tamanho polimeri-
zando e despolimerizando subunidades de tu-
bulina em qualquer um dos lados. (A cortesia de (B)
D. M. Phillips; B segundo De Robertis et al., Membrana plasmática
1975, e Tilney et al., 1973; C de Amos e Klug, Trave radial
1974, cortesia dos autores.)
Cabeça da trave
Nexina
Subfibra A
Subfibra B
Microtúbulo central

Braço interno de dineína MICROTÚBULO DUPLO

Braço externo de dineína


AXONEMA

energia mecânica que propulsiona o espermatozóide. Essa energia pemite o


deslizamento ativo das duplas externas de microtúbulos, levando o flagelo a se
curvar (Ogawa et al., 1977; Asai, 1996). A importância da dineína pode ser avaliada
em indivíduos com a síndrome genética chamada de tríade de Kartagener. Esses
indivíduos não têm dineína em suas células ciliadas e flageladas, o que as torna
estruturas imóveis. Machos com essa doença são estéreis (espermatozóide imóvel),
susceptíveis à infeções brônquicas (cílios respiratórios imóveis), e têm 50 porcento
de probabilidade de ter o coração do lado direito de seu corpo (Afzelius, 1976).
Outra importante proteína flagelar parece ser a histona H1. Essa proteína é geral-
mente vista dentro do núcleo, onde dobra e aperta a cromatina em agregados. No
entanto, Multigner e colaboradores (1992), mostraram que essa mesma proteína
estabiliza os microtúbulos flagelados impedindo seu espalhamento.
O arranjo “9 + 2” dos microtúbulos com os braços de dineína foi conservado nos
axonemas em todo o reino eucarioto, sugerindo que é extremamente adequado na
transmissão de energia para a movimentação. A energia para mover o flagelo e assim
impulsionar o espermatozóide vem dos anéis de mitocôndrias localizadas na região
do pescoço do espermatozóide (veja Figura 4.2). Em muitas espécies (notavelmente
mamíferos) uma densa camada de fibras se interpôs entre a bainha mitocondrial e o
axonema. Essa camada fibrosa enrijece a cauda do espermatozóide. Como sua es-
pessura diminui na direção apical, as fibras provavelmente previnem que a cabeça
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 125

do espermatozóide balance abruptamente. Assim, o espermatozóide sofreu extensa


modificação para assegurar a passagem de seu núcleo para o óvulo.
Entretanto, a diferenciação do espermatozóide não se completa nos testículos.
Após sua expulsão para a luz dos túbulos seminíferos, os espermatozóides são arma-
zenados no epidídimo, onde adquirem a capacidade de se mover. Essa mobilidade é
conseguida através de mudanças no sistema gerador de ATP (possivelmente através
da modificação da dineína), assim como de alterações da membrana plasmática que
permitem que ela se torne mais fluida (Yanagimachi, 1994). Os espermatozóides libera-
dos durante a ejaculação podem se mover, mas ainda não têm a capacidade de se ligar
ao óvulo e fertilizá-lo. Esses estágios finais do amadurecimento espermático (chama-
do capacitação) não ocorrem antes do espermatozóide ter permanecido no interior do
trato reprodutivo feminino durante um certo tempo.

O óvulo
Todo o material necessário para o começo do crescimento e desenvolvimento tem
que estar armazenado no óvulo maduro. Enquanto o espermatozóide eliminou a
maior parte do seu citoplasma, o óvulo em desenvolvimento (chamado de oócito
antes de tornar-se haplóide) não somente conserva seu material, mas continua a
acumulá-lo ativamente. Sintetiza ou absorve proteínas, como a gema, que atuam
como reservatórios de alimento para o embrião em desenvolvimento. Assim, game-
tas femininos das aves são enormes células singulares que se tornaram entumecidas
pela acumulação de gema. Mesmo óvulos com gema relativamente esparsa são com-
parativamente grandes. O volume do óvulo do ouriço-do-mar é de aproximadamente
2 x 10-4 µm3, mais de 10.000 vezes aquele do espermatozóide. A representação do
óvulo do ouriço-do-mar e do espermatozóide na Figura 4.4 mostra seus tamanhos
relativos, assim como os vários componentes do óvulo maduro. Assim, enquanto o
espermatozóide e o óvulo têm componentes nucleares haplóides iguais, o óvulo tem
ainda um notável reservatório citoplasmático acumulado durante seu amadureci-
mento. Esse armazém citoplasmático inclui proteínas, RNAs, substâncias químicas
protetoras e fatores morfogenéticos:*
• Proteínas. Será longo o período a transcorrer antes do embrião ser capaz de se
alimentar ou obter alimento de sua mãe. As células embrionárias precoces
precisam de um certo suprimento armazenável de energia e aminoácidos. Em
muitas espécies isso é conseguido pelo acúmulo de proteínas na gema do ovo.
Muitas proteínas da gema são sintetizadas em outros órgãos (fígado, corpo
gorduroso) e viajam através do sangue materno para o ovo.
• Ribossomos e tRNA. O embrião precoce precisa produzir muitas de suas própri-
as proteínas; em algumas espécies, ocorre um surto de síntese protéica pouco
após a fecundação. A síntese protéica é conseguida pelos ribossomos e tRNA,
preexistentes no óvulo. O óvulo em desenvolvimento tem mecanismos especi-
ais para sintetizar ribossomos, e certos oócitos de anfíbios produzem até 1012
ribossomos durante a prófase meiótica.
• RNA mensageiro. Na maioria dos organismos, as mensagens para proteínas
sintetizadas durante o desenvolvimento inicial já estão acondicionadas no
oócito. Estima-se que os óvulos do ouriço-do-mar contêm de 25.000 a 50.000
tipos diferentes de mRNA. Porém, esse mRNA permanece dormente até após a
fertilização (veja Capítulo 12).
• Fatores morfogenéticos. Essas moléculas dirigem a diferenciação celular
em certos tipos de células. Parecem estar localizadas em diferentes regiões
do óvulo e se segregam em células diferentes durante a clivagem (veja
Capítulo 13).

* Os conteúdos do óvulo variam muito de espécie para espécie. A síntese e a colocação desses
materiais será tratada no Capítulo 22, quando discutirmos a diferenciação das células germinativas.
126 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

Figura 4.4 Membrana


Estrutura do óvulo do ouriço-do-mar durante Envoltório vitelínico plasmática
a fertilização. (Segundo Epel, 1977.)
Camada gelatinosa Grânulo de gema

Grânulo cortical
Espermatozóide

Mitocôndria

Núcleo

• Substâncias químicas protetoras. O embrião não pode fugir de predadores ou


movimentar-se para um ambiente mais seguro, necessitando, por isso, estar
equipado para enfrentar esses fatores. Muitos óvulos contêm filtros ultravioleta
e enzimas de reparos de DNA que os protegem da luz solar; alguns óvulos
contêm moléculas que predadores potenciais acham desagradáveis; a gema de
óvulos de aves contém até mesmo anticorpos. [fert3.html]
Dentro desse enorme volume de citoplasma reside um grande núcleo. Em algumas
espécies (por exemplo, ouriços-do-mar), o núcleo já é haplóide no momento da fertili-
zação. Em outras espécies (incluindo muitos vermes e a maioria dos mamíferos), o
núcleo do óvulo ainda é diplóide, e o espermatozóide penetra antes das divisões
meióticas estarem completas. O estágio do núcleo do óvulo no momento da entrada
do espermatozóide está ilustrado na Figura 4.5.
Envolvendo o citoplasma está a membrana plasmática do óvulo. Essa mem-
brana deve regular o fluxo de certos íons durante a fertilização e deve ser capaz de
se fundir com a membrana plasmática do espermatozóide. Acima da membrana
plasmática está o envoltório vitelínico (Figura 4.6). O componente principal desse
envoltório forma uma esteira fibrosa sobre o óvulo. Essa esteira é suplementada
por extensões de glicoproteínas da membrana plasmática e pontes proteináceas
vitelínicas que aderem a esteira à membrana (Mozingo e Chandler, 1991). O
envoltório vitelínico é essencial para a ligação espécie-específica do espermato-
zóide. Nos mamíferos, o envoltório vitelínico é uma matriz extracelular separada e
grossa chamada zona pelúcida. O óvulo do mamífero é também rodeado por uma
camada de células, as células do cumulus (Figura 4.7). A camada cumular repre-
senta células foliculares ovarianas que estavam alimentando o óvulo quando da
sua liberação do ovário. O espermatozóide dos mamíferos tem que passar por
essas células para fertilizar o óvulo*.
Imediatamente abaixo da membrana plasmática do óvulo está uma fina casca (de
aproximadamente 5µm) de um citoplasma gel-símile chamado de córtex. O citoplasma
nessa região é mais duro que o citoplasma interno e contém altas concentrações de
moléculas globulares de actina. Durante a fertilização, essas moléculas polimerizam-se

*Em mamíferos, as coberturas extracelulares do óvulo estão divididas em duas regiões: A zona
pelúcida e o cumulus. O termo corona radiata refere-se àquelas células foliculares imediatamente
adjacentes à zona pelúcida; são as células mais internas do cumulus.
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 127

Corpos
polares Pronúcleo
Vesícula
germinal feminino

Oócito Oócito primário Primeira metáfase Segunda metáfase Meiose completa


primário totalmente
jovem crescido

Os vermes anelídeos O nematelminto O verme nemerteano O anfioxo Cnidários


Dinophilus e Ascaris Cerebratulus Branchiostoma (e.g., anêmonas)
Sacocirrrus O mesozoário Dicyema O verme poliqueta Anfíbios Ouriços-do-mar
O verme poliqueta A esponja Grantia Chaetopterus Mamíferos (maioria)
Histriobdella O verme poliqueta O molusco Peixes
O platelminto Myzostoma Dentalium
Otomesostoma O verme concha O verme central
O onicóforo Nereis Pectinaria
Peripatopsis O molusco Spisula Muitos insetos
O verme equiuróide Urechis Estrela-do-mar
Cães e raposas

Figura 4.5
para formar longos fios de actina conhecidos como microfilamentos. Microfilamentos Estágios de maturação do óvulo no momento
são necessários para a divisão celular, e são também usados para estender a superfície da entrada do espermatozóide em diferentes
do óvulo para o interior das microvilosidades, que ajudam a entrada do espermatozói- animais. (Segundo Austin, 1965.)
de para dentro da célula (veja Figura 4.6; veja também a Figura 4.19). Ainda, dentro
desse córtex estão os grânulos corticais (veja Figuras 4.4 e 4.6). Essas estruturas

Microvilosidades Envoltório vitelínico

(A) (B) Grânulo cortical


Figura 4.6
A superfície do óvulo do ouriço-do-mar. (A) Micrografia eletrônica de varredura de um óvulo
antes da fertilização. A membrana plasmática está exposta onde o envoltório vitelínico foi
retirado. (B) Microfotografia eletrônica de transmissão de um ovo não-fertilizado, mostrando
microvilosidades e a membrana plasmática, que estão estreitamente cobertas pelo envoltório
vitelínico. Um grânulo cortical aparece diretamente abaixo da membrana plasmática do óvulo.
(de Schroeder, 1979, cortesisa de T. E. Schroeder.)
128 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

Cumulus

Óvulo

Zona
pelúcida

(A) (B)

Figura 4.7
Óvulos de hamster imediatamente antes da fecundação. (A) O ovo do hamster, ou óvulo, está
encaixado na zona pelúcida. Essa, por sua vez, está envolvida por células do cumulus. Uma célula
do corpo polar, produzida durante a meiose, também está dentro da zona pelúcida. (B) Em menor
aumento, um oócito de camundongo é mostrado em relação ao cumulus. Partículas de carbono
coloidal (tinta Nanquim) são excluídas pela matriz de hialuronidase. (Cortesia de R. Yanagimachi.)

ligadas à membrana são homólogas à vesícula acrossômica do espermatozóide, sendo


organelas derivadas do Golgi contendo enzimas proteolíticas. No entanto, enquanto
cada espermatozóide contém uma vesícula acrossômica, cada óvulo do ouriço-do-mar
contém aproximadamente 15.000 grânulos corticais. Além das enzimas digestivas, os
grânulos corticais também contêm mucopolissacarídeos, glicoproteínas adesivas e
proteína hialina. As enzimas e os mucopolissacarídeos atuam na prevenção da entra-
da de outros espermatozóides no óvulo após a entrada do primeiro, e as proteínas
hialinas e adesivas envolvem o embrião precoce providenciando apoio aos blastôme-
ros do estágio de clivagem.
Muitos tipos de óvulos têm uma geléia no exterior do seu envoltório vitelínico
(Figura 4.4). Essa rede de glicoproteínas pode ter numerosas funções, mas é principal-
mente usada para atrair ou ativar o espermatozóide. O óvulo, portanto, é uma célula
especializada para receber o espermatozóide iniciando o desenvolvimento.

Reconhecimento do óvulo e do espermatozóide: Ação à distância


Muitos organismos marinhos liberam seus gametas para o ambiente. Esse ambien-
te pode ser tão pequeno quanto uma poça de maré ou tão grande como o oceano.
Além disso, esse ambiente é compartilhado com outras espécies que podem libe-
rar suas células sexuais no mesmo período. Esses organismos enfrentam dois
problemas: 1) Como podem espermatozóides e óvulos se encontrarem quando em
concentrações tão diluídas, e 2) que mecanismo inibe o espermatozóide da estrela-
do-mar tentar fertilizar os óvulos do ouriço-do-mar? Dois mecanismos principais
evoluíram para resolver essas dificuldades: atração e ativação espécie-específica
do espermatozóide.

Atração do Espermatozóide
A atração espécie-específica do espermatozóide (um tipo de quimiotaxia) foi docu-
mentada em numerosas espécies, incluindo cnidários, moluscos, equinodermos e
urocordados (Miller, 1985; Yoshida et al., 1993). Em 1978, Miller demonstrou que os
óvulos do cnidário Orthopyxis caliculata não somente secretam um fator quimiotáti-
co mas também regulam o período de sua liberação. Oócitos em desenvolvimento, em
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 129

(A) (B) (C) (D)

Figura 4.8
vários estágios de amadurecimento, foram fixados sobre lâminas microscópicas, e Quimiotaxia do espermatozóide em Arbacia.
espermatozóides foram adicionados a uma certa distância dos óvulos. Miller encon- Um nanolitro de uma solução 10-nM de
trou que quando o espermatozóide era adicionado a oócitos que ainda não haviam resact é injetado em uma gota de 20ml de
suspensão de espermatozóide. A posição da
completado sua segunda divisão meiótica, não havia atração de espermatozóide pelos
micropipeta está indicada em (A). (A) Uma
óvulos. Porém, após o término da segunda divisão meiótica e os óvulos estarem fotografia de 1 segundo, mostrando esper-
prontos para ser fertilizados, o espermatozóide migrava em sua direção. Assim, esses matozóide nadando em círculos estreitos an-
oócitos não controlam somente o tipo de espermatozóide que atraem, mas também o tes da adição de resact. (B-D) Exposições
momento em que o atraem. semelhantes de 1 segundo mostrando a mi-
Os mecanismos de quimiotaxia são diferentes em outras espécies (veja Metz, 1978; gração do espermatozóide para o centro do
Ward e Kopf, 1993). Uma dessas moléculas quimiotáticas, um peptídio de 14 aminoácidos gradiente de resact 20, 40 e 90 segundos após
chamado resact foi isolado da geléia do óvulo do ouriço-do-mar Arbacia punctulata a injeção. (de Ward et al., 1985, cortesia de
(Ward et al., 1985). Resact difunde facilmente na água do mar e tem um profundo efeito V. D. Vacquier.)
quando adicionado a uma suspensão de espermatozóide de Arbacia, mesmo em con-
centração muito baixa (Figura 4.8). Quando uma gota de água do mar, contendo esper-
matozóide de Arbacia, é colocada em uma lâmina de microscópio, o espermatozóide
geralmente nada em círculos de aproximadamente 50 µm de diâmetro. Se uma quantida-
de mínima de resact for introduzida na gota, em segundos o esperma migra para a
região da injeção e ali se congrega. À medida que o resact continua a difundir-se, mais
espermatozóide é recrutado para dentro do crescente agrupamento. Resact é específi-
co para A. punctulata e não atrai espermatozóide de outras espécies. Espermatozóide
de A. punctulata liga resact a receptores na sua membrana celular (Ramarao e Garbers,
1985; Bentley et al., 1986) e pode nadar através de um gradiente crescente de concen-
tração desse composto até alcançar o óvulo.
Resact também age como um peptídio ativador de espermatozóide. Esses peptídios
(mais de 70 foram isolados de diferentes espécies de ouriços-do-mar) causam au-
mentos dramáticos e imediatos da motilidade espermática e do consumo de oxigênio
(Hardy et al., 1994). O receptor para resact é uma proteína transmembrana. Quando
ela liga o resact ao lado externo da célula, resact causa uma mudança conformacional
que ativa a atividade de guanidil ciclase no lado citoplasmático. Isso aumenta a
concentração de GMP cíclico do óvulo (Shimomura et al., 1986), que parece ativar a
ATPase da dineína estimulando a agitação da cauda no espermatozóide (Cook e
Babcock, 1993).

Ativação Espermática: A Reação Acrossômica no Ouriço-do-Mar


Uma segunda interação entre espermatozóide e óvulo envolve a ativação do esperma-
tozóide pela geléia do óvulo. Na maioria dos invertebrados marinhos, essa reação
acrossômica tem dois componentes: a fusão da vesícula acrossômica com a membrana
plasmática do espermatozóide (uma exocitose que resulta na liberação dos componen-
tes da vesícula acrossômica) e a extensão do processo acrossômico (Figura 4.9; Colwin
e Colwin, 1963). A reação acrossômica pode ser iniciada pela geléia do óvulo
solubilizada, pela geléia que envolve o óvulo, ou mesmo em certas espécies, pelo
contato com o próprio óvulo. Também pode ser ativada artificialmente pelo aumento
da concentração de cálcio na água do mar.
130 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

Membrana
acrossômica

Enzimas
acrossômicas
Bindina
Membrana do
espermatozóide

Actina
globular Microfilamentos
de actina

Núcleos

Figura 4.9
Reação acrossômica em espermatozóide de Em ouriços-do-mar, o contato com a geléia do óvulo causa a exocitose da vesícula
equinoderma. (A-C) A porção da membrana acrossômica e a liberação de enzimas digestoras de proteínas que podem digerir um
acrossômica diretamente abaixo da membra- caminho através da geléia de revestimento até a superfície do óvulo (Dan, 1967; Franklin,
na do espermatozóide funde-se com essa li- 1970; Levine et al., 1978). A seqüência desses eventos está esquematizada na Figura
berando o conteúdo da vesícula acrossômica. 4.9. A reação acrossômica é considerada ser iniciada por um oligossacarídeo ligado a
(D) Enquanto as moléculas de actina se agre-
uma proteína na geléia do óvulo que permite a entrada de cálcio na cabeça do esperma-
gam para produzir microfilamentos, o pro-
cesso acrossômico se estende para fora. Fo-
tozóide (SeGall e Lennarz, 1979; Schackmann e Shapiro, 1981; Keller e Vacquier, 1994
tografias reais da reação acrossômica no es- a,b). A exocitose da vesícula acrossômica é causada por uma fusão, mediada pelo
permatozóide do ouriço-do-mar são mostra- cálcio, da membrana acrossômica com a membrana plasmática adjacente do esperma-
das em seguida. (Segundo Summers e Hylan- tozóide (Figuras 4.9 e 4.10). Essa exocitose permite que a vesícula acrossômica libere
der, 1974; fotografias por cortesia de G. L. seu conteúdo na cabeça do espermatozóide*.
Decker e W. J. Lennarz.) A segunda parte da reação acrossômica envolve a extensão do processo
acrossômico (veja Figura 4.9). Essa protrusão se origina da polimerização de molécu-
las globulares de actina em filamentos de actina (Tilney et al., 1978). A exposição do
espermatozóide do ouriço-do-mar à geléia do óvulo também ocasiona a rápida utiliza-
ção de ATP e um aumento de 50% da respiração mitocondrial. A energia gerada é
usada primordialmente para motilidade flagelar (Tombes e Shapiro, 1985).
Os fatores da geléia do óvulo que iniciam a reação acrossômica em ouriços-do-mar
são muitas vezes muito específicos. Os espermatozóides dos ouriços-do-mar Arbacia
punctulata e Strongylocentrotus drobachiensis reagem somente com a geléia de
seus próprios óvulos. No entanto, o espermatozóide de S. purpuratus também pode
ser ativado pela geléia de Lytechinus variegatus (mas não de A. punctulata) (Summers
e Hylander, 1975). Portanto, a geléia do óvulo pode prover reconhecimento espécie-
específico em algumas espécies, mas não em outras.

* Tais reações exocitóticas podem ser vistas na liberação de insulina das células pancreáticas e
na liberação de neurotransmissores de terminais sinápticos. Em todos os casos, há uma fusão
mediada pelo cálcio entre a vesícula secretória e a membrana celular. Realmente, a semelhança entre
a exocitose da vesícula acrossômica e a exocitose da vesícula sináptica pode ser bastante profunda.
Estudos recentes de reações acrossômicas em ouriços-do-mar e mamíferos (Florman et al., 1992;
González-Martínez et al., 1992) sugerem que quando os receptores para os ligantes ativadores do
espermatozóide ligam essas moléculas, causam a despolarização da membrana que poderia abrir
canais de cálcio voltagem-dependentes de maneira reminescente à transmissão sináptica. As prote-
ínas que atracam os grânulos corticais à membrana celular também parecem ser homólogas àquelas
usadas na ponta do axônio (Bi et al., 1995).
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 131

Membrana celular do
espermatozóide
Fusão entre a
membrana celular
Membrana
do espermatozóide
acrossômica
e a membrana
acrossômica adjacente

Núcleo

Centríolo

Figura 4.10
Reação acrossômica em espermatozóide de hamster. (A) Micrografia de transmissão eletrônica
de um espermatozóide de hamster passando pela reação acrossômica. A membrana acrossômica
pode ser vista formando vesículas. (B) Diagrama interpretativo de micrografias eletrônicas
mostrando a fusão de membranas acrossômica e celular na cabeça do espermatozóide. (A de
Meizel, 1948, cortesia de S. Meizel; B, segundo Yanagimachi e Noda, 1970.)

Informações adicionais
& Especulações

Ação à Distância: Gametas de Mamíferos

É MUITO DIFÍCIL estudar as inte-


rações que podem estar ocorren-
do entre gametas de mamíferos
antes do contato espermatozóide-óvulo.
Um motivo óbvio para isso é que a fertili-
culas que permitem aos espermatozóides
nadar em direção ao óvulo e serem
ativados. Há muita controvérsia em rela-
ção ao deslocamento do espermatozóide
pico, se confiar somente no poder de seus
flagelos” (Storey, 1995). É mais provável
que o espermatozóide seja transportado
para o oviduto por meio da atividade mus-
mamífero até o oviduto, a capacitação e cular do útero.
zação ocorre dentro dos ovidutos femini- as reações de hiperativação que parecem Espermatozóide mamífero recém-eja-
nos. Embora seja relativamente fácil ser necessárias em algumas espécies para culado é incapaz de sofrer a reação acros-
mimetizar as condições rodeando a fertili- ligá-lo ao óvulo, e a possibilidade que o sômica sem ter residido por algum tempo
zação do ouriço-do-mar (usando água do óvulo possa estar atraindo o espermato- no trato reprodutivo feminino (Chang,
mar natural ou artificial), ainda não conhe- zóide por quimiotaxia. 1951; Austin, 1952). Esse requisito para
cemos os componentes dos vários ambi- capacitação varia de espécie para espécie
entes naturais encontrados pelo esperma- Translocação e Capacitação (Gwatkin, 1976) e pode ser mimetizado in
tozóide dos mamíferos em sua viajem ao O trato reprodutivo de mamíferos femini- vitro pela incubação de espermatozóide
encontro do óvulo. Um segundo motivo nos exerce um papel muito ativo no pro- em meios de cultura de tecidos (contendo
para essa dificuldade é que a população cesso de fertilização. Enquanto a motili- íons de cálcio, bicarbonato e soroalbumi-
de espermatozóide ejaculada para o inte- dade espermática é necessária para que o na) ou em fluido dos ovidutos. Os esper-
rior da fêmea é provavelmente muito he- espermatozóide do camundongo, uma vez matozóides que não foram capacitados
terogênea, contendo espermatozóides em no oviduto encontre o ovo, a motilidade são “segurados” na matriz cumular, não
diferentes estágios de amadurecimento. espermática provavelmente é um fator de atingindo assim o óvulo (Austin, 1960;
Dos 280 x 106 espermatozóides humanos menor importância para entrar no ovidu- Corselli e Talbot, 1987).
normalmente ejaculados para o interior da to. O espermatozóide é encontrado no As alterações moleculares que expli-
vagina, somente 200 atingem a região oviduto de camundongos, hamsters, co- cam a capacitação ainda são desconheci-
ampolar do oviduto, onde ocorre a fecun- baia, vacas e seres humanos dentro de 30 das (veja Yanigamachi, 1994), mas exis-
dação (Ralt et al., 1991). Como menos de 1 minutos após a deposição, um período tem quatro conjuntos de alteraçõess mo-
em 10.000 espermatozóides chegam perto “demasiadamente curto para ser atingido leculares que podem ser importantes. Pri-
do óvulo, é difícil analisar aquelas molé- até mesmo pelo espermatozóide mais olím- meiro, a membrana da célula espermática
132 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

pode se alterar, mudando sua composi- Hiperativação e Quimiotaxia possibilidade de que o efeito fosse devido
ção de lipídios. A concentração de As diferentes regiões do trato reproduti- a uma estimulação geral do movimento ou
colesterol no espermatozóide é diminuída vo feminino podem secretar fatores dife- do metabolismo do espermatozóide. No en-
durante a capacitação do espermatozóide rentes, regionalmente específicos. Esses tanto, essas investigações revelaram uma
em várias espécies (Davis, 1981), e duas fatores podem influenciar a motilidade correlação fascinante: o fluido de somente
proteínas encontradas tanto no soro como espermática assim como a capacitação. Por a metade dos folículos testados mostrou
no trato reprodutivo feminino (albumina exemplo, quando os espermatozóides de um efeito quimiotático, e em quase todos
e proteína 1 de transferência lipídica), fo- certos mamíferos (especialmente hams- os casos, o óvulo só era fertilizável se, e
ram verificadas remover colesterol do es- ters, cobaias e algumas variedades de ca- somente se, o fluido demonstrasse habili-
permatozóide humano (Langlais et al., mundongos) passam do útero para os dade quimiotática (P < 0,0001). É possível,
1988; Ravnik et al., 1992). Em segundo lu- ovidutos, ficam “hiperativados”, passan- portanto, que tal como certos óvulos de
gar, certas proteínas ou carboidratos na do a nadar com maior velocidade e geran- invertebrados, o óvulo humano secrete um
superfície do espermaozóide são perdidos do maior força. Suarez e colaboradores fator quimiotático somente quando estiver
durante a capacitação (Poirier e Jackson, (1991) mostraram que enquanto essas re- capacitado para a fertilização.
1981; Lopez et al., 1985; Wilson e Oliphant, ações não são conducentes a viagens em Deve-se notar que “o prêmio da corri-
1987). É possível que essas entidades per- fluidos de baixa viscosidade, parecem ser da não vai sempre para o mais rápido”. Em-
didas durante a capacitação estivessem muito adequadas para o movimento line- bora algum espermatozóide possa alcan-
bloqueando locais de reconhecimento ar do espermatozóide no fluido viscoso çar a região ampolar do oviduto (onde ocor-
para as proteínas que se ligam à zona que poderá encontrar no oviduto. re a fertilização) dentro de meia hora após a
pelúcida. Em terceiro lugar, certas proteí- Além de aumentar a atividade do es- relação sexual, aquele espermatozóide pode
nas são fosforiladas por um caminho permatozóide, fatores solúveis no oviduto ter poucas chances de fertilizar o óvulo.
cAMP-dependente. O AMP cíclico pode também podem prover o componente dire- Wilcox e colaboradores (1995) acharam que
induzir artificialmente a competência atra- cional do movimento do espermatozóide. quase todas os engravidamentos humanos
vés da proteína quinase cAMP-depen- Especulou-se que o óvulo (ou, mais pro- resultam de relacionamento sexual duran-
dente (PKA), que é necessária tanto para vavelmente, o folículo ovariano no qual o te um período de seis dias, terminando no
a aquisição de competência como para a óvulo se desenvolve) pode estar secretan- dia da ovulação. Isso significa que o es-
fosforilação de tirosino-quinases. É pos- do substâncias quimiotáticas que poderi- permatozóide fertilizador poderia demorar
sível que o trato reprodutivo feminino es- am atrair o espermatozóide em direção ao até seis dias para fazer a jornada. Eisenbach
timule a adenilciclase do espermatozóide óvulo durante os últimos estágios da mi- (1995) propôs a hipótese pela qual a
a produzir mais cAMP e que esse ative a gração (veja Hunter, 1989). Ralt e colabora- capacitação é um acontecimento transitó-
proteína quinase que inicia a cascata de dores (1991) testaram essa hipótese usan- rio, e que é dada ao espermatozóide uma
fosforilação, terminando na fosforilação do fluido de folículos humanos cujos óvu- janela de competência relativamente bre-
e ativação das proteínas envolvidas na los estavam sendo usados para fertiliza- ve, durante a qual pode ter sucesso na fer-
ligação do espermatozóide à zona pelúcida ção in vitro. Realizando um experimento tilização do óvulo. Quando os espermato-
e mediando a exocitose da vesícula acros- semelhante aquele descrito anteriormente zóides atingem a ampola, adquirem com-
sômica (Leyton e Saling, 1989a; Visconti com ouriços-do-mar, os autores microinje- petência, mas se aí ficam por um período
et al., 1995a,b). Em quarto lugar, o poten- taram uma gota do fluido folicular em uma demasiadamente longo, perdem-na. O es-
cial da membrana do espermatozóide é gota maior da suspensão de espermato- permatozóide pode também ter diferentes
dramaticamente reduzido (de cerca de – zóides. Feito isso, observaram que parte prazos de sobrevivência, dependendo da
30 para –50 mV; Zeng et al., 1995). Porém, do espermatozóide mudou sua direção de sua localização dentro do trato reproduti-
ainda é incerto se esses eventos são in- movimentação, passando a migrar ao en- vo; isso pode permitir que algum esperma-
dependentes um do outro e até que pon- contro da fonte de fluido folicular. A tozóide chegue mais tarde, porém com uma
to cada um deles produz capacitação do microinjeção de outras soluções não teve melhor probabilidade de sucesso do que
espermatozóide. esse efeito. Esses estudos não eliminam a aquele que chegou dias antes.

Reconhecimento do óvulo e espermatozóide:


Contato de gametas
Reconhecimento Espécie-Específico em Ouriços-do-Mar
Uma vez que o espermatozóide do ouriço-do-mar tiver penetrado na geléia do óvulo,
o processo acrossômico do espermatozóide faz contato com o envoltório vitelínico do
óvulo (Figura 4.11). Um importante passo do reconhecimento espécie-específico ocorre
nesse ponto. A proteína acrossômica mediando esse reconhecimento é chamada bin-
dina. Em 1977, Vacquier e colaboradores isolaram essa proteína insolúvel, de 30.500-
Da, do acrossomo de Strongylocentrotus purpuratus. Essa proteína é capaz de se
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 133

Figura 4.11
Contato do processo acrossômico do espermatozóide do ouriço-do-mar com uma Figura 4.12
microvilosidade do óvulo. (de Epel, 1977, cortesia de F. D. Collins e D. Epel.) Aglutinação espécie-específica por bindi-
na de óvulos desgeleificados . (A) aglutina-
ção promovida pela adição de 212 µg de
bindina em um recipiente plástico conten-
ligar a óvulos desgeleificados de S. purpuratus (Figura 4.12; Vacquier e Moy, 1977).
do 0.25 ml de suspensão a 2% (volume/
Ainda mais, sua interação com óvulos é relativamente espécie-específica (Glabe e volume) de óvulos. Após 2-5 min de agita-
Vacquier, 1977; Glabe e Lennarz, 1979); a bindina isolada dos acrossomos de S. ção branda, os recipientes foram fotografa-
Purpurata aglutina seus próprios óvulos desgeleificados, mas não aqueles de Arbacia dos. Cada bindina somente se ligou a seus
puctulata. Usando técnicas imunológicas, Moy e Vacquier (1979) demonstraram que próprios óvulos. (B) Fotomicrografia de
a bindina está especificamente localizada no processo acrossômico, exatamente onde fluorescência de óvulos de S. purpuratus
deve estar para o reconhecimento espermatozóide-óvulo (Figura 4.13). ligados entre si por partículas de bindina
Estudos bioquímicos mostraram que as bindinas de espécies proximamente relaci- de S. purpuratus marcadas por fluorescên-
onadas de ouriço-do-mar são mesmo diferentes. Esse achado implica na existência de cia. As partículas de bindina estavam inva-
riavelmente nos lugares onde dois óvulos
se encontravam. (A baseado em fotografias
de Glabe e Vacquier, 1977; B de Glabe e
(A) BINDINA DO ESPERMATOZÓIDE (B) Lennarz, 1979, cortesia dos autores.)
S. purpuratus S. fransciscanus
S. purpuratus

Partículas
de bindina
OVOS DESGELEIFICADOS

Aglutinação Sem aglutinação


Óvulos
S. fransciscanus

Sem aglutinação Aglutinação


134 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

(A) DAB + H2O2 (B) (C)


Imunoglobulina Membrana
Precipitado Precipitado DAB vitelínica do óvulo Acrossomo
porcina anti-coelho
denso
conjugada com a
enzima peroxidase Anti-bindina
de coelho
Núcleo
Processo acrossômico

Bindina
Espermatozóide

Figura 4.13
Localização de bindina no processo acrossômico. (A) a técnica de localização
imunoquímica coloca um anticorpo de coelho nos lugares onde a bindina está exposta.
Os anticorpos do coelho foram produzidos contra a proteína bindina, e esses anticorpos
foram incubados com espermatozóide que tinha sofrido a reação acrossômica. Quando a
bindina estava presente, os anticorpos do coelho permaneciam ligados ao espermato-
zóide. Depois de todo anticorpo não-ligado ser removido por lavagem, o espermatozói-
de foi tratado com anticorpos de porco capazes de ligar-se a anticorpos de coelho.
Esses anticorpos de porco haviam sido ligados covalentemente à enzima peroxidase.
Dessa maneira, moléculas de peroxidase foram colocadas em todos os lugares onde havia
bindina. Peroxidase catalisa a formação de um precipitado escuro de diaminobenzidina
(DAB) e água oxigenada. O precipitado só se forma onde há bindina. (B) Localização de
bindina no processo acrossômico após a reação acrossômica (33.200x). (C) Localização
de bindina no processo acrossômico na junção do espermatozóide com o óvulo. (B e C de
Moy e Vacquier, 1979, cortesia de V. D. Vacquier.)

receptores espécie-específicos de bindina no envoltório vitelínico. Tais receptores


também foram sugeridos pelos experimentos de Vacquier e Payne (1973), que satura-
ram óvulos de ouriço-do-mar com espermatozóide. Como pode ser visto na Figura 4.14
A, a ligação do espermatozóide não se dá sobre a superfície inteira do óvulo. Mesmo

(A)

Figur
Figuraa 4.14
Receptores de bindina no óvulo. (A) Mi-
crografia eletrônica de varredura do esper-
matozóide do ouriço-do-mar ligado ao
envoltório vitelínico de um óvulo. (B) liga-
ção do espermatozóide de S. purpuratus a
partículas de polistireno que foram cober-
tas com a proteína purificada do receptor de
bindina. (A cortesia de C. Glabe, L. Perez e
W. J. Lennarz; B de Foltz et al., 1993.)

(B)
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 135

a níveis saturantes de espermatozóide (aproximadamente 1500), parece haver espaço


no óvulo para mais cabeças de espermatozóide, indicando haver um número limitante
de locais ligantes de espermatozóide. Um grande complexo de glicoproteínas dos
envoltórios vitelínicos de óvulos de ouriço-do-mar foi isolado e mostrou ligar bindina
radioativa de maneira espécie-específica (Glabe e Vacquier, 1978; Rossignol et al.,
1984). Essa glicoproteína é também capaz de competir com óvulos pelo espermatozói-
de da mesma espécie. Isto é, se espermatozóide de S. purpuratus é misturado com o
receptor de bindina de envoltórios vitelínicos de S. purpuratus, o espermatozóide se
liga a ele e não irá fertilizar os óvulos. O receptor isolado de S. purpuratus, porém, não
irá interferir com a fertilização de outros ouriços-do-mar relacionados. Esse receptor
de bindina é uma glicoproteína transmembrana com quase 1300 aminoácidos (Foltz et
al., 1993). A região ligante de bindina se estende para o espaço extracelular e provavel-
mente se torna um componente do envoltório vitelínico. Esses receptores de bindina
se agregam em complexos, e centenas deles são provavelmente necessários para
amarrar o espermatozóide no óvulo (Figura 4.14B). Assim, reconhecimento espécie-
específico dos gametas do ouriço-do-mar ocorrem ao nível da atração, ativação e
adesão do espermatozóide à superficie do óvulo. [fert4.html]

Ligação de Gametas e Reconhecimento em Mamíferos


ZP3: A PROTEÍNA LIGANTE DA ZONA PELÚCIDA DO CAMUNDONGO. A zona
pelúcida tem nos mamíferos um papel análogo aquele do envoltório vitelínico nos
invertebrados. Essa matriz de glicoproteínas é sintetizada e secretada pelo oócito em
crescimento, e tem dois papéis importantes durante a fertilização: liga o espermatozóide, e
inicia a reação acrossômica após essa ligação (Saling et al., 1979; Florman e Storey, 1982;
Cherr et al., 1986). A ligação de espermatozóide à zona é relativamente, porém não absolu-
tamente, espécie-específica (especificidade por espécie não deveria ser um grande proble- Figura 4.15
ma quando a fertilização ocorre internamente), e a ligação do espermatozóide do camun- Ligação do espermatozóide à zona pelúcida.
dongo à zona dessa espécie pode ser inibida pela incubação prévia de espermatozóide (A) ensaio de inibição mostrando a dimi-
nuição específica da ligação do esperma-
com glicoproteínas da zona. Bleil e Wassarman (1980, 1986, 1988) isolaram da zona pelúcida
tozóide do camundongo às zonas pelúcidas
do camundongo uma glicoproteína ZP3, de 83-kDa, que é o competidor ativo nesse ensaio
quando espermatozóide e zonas são incu-
de inibição. As outras duas proteínas da zona, ZP1 e ZP2, não puderam competir pela bados com aumentos crescentes da porção
ligação do espermatozóide (Figura 4.15). Ainda mais, ZP3 radiativamente marcada ligou-se carboidrato da glicoproteína ZP3. A im-
às cabeças do espermatozóide do camundongo que tinha acrossomos intactos. Assim, portância da porção carboidrato de ZP3 é
ZP3 é a proteína específica na zona pelúcida à qual se liga o espermatozóide do camundon- também, indicada por essa figura. (B) Li-
go. ZP3 também inicia a reação acrossômica após os espermatozóides terem se ligado a ela. gação de ZP3 marcada radioativamente a
O espermatozóide do camundongo pode, dessa forma, concentrar suas enzimas espermatozóide capacitado do camundon-
proteolíticas diretamente no ponto de fixação à zona pelúcida. go. (A segundo Bleil e Wassarman, 1980, e
Florman e Wassarman, 1985; B de Bleil e
Wassarman, 1986, cortesia dos autores.)
Ligação do espermatozóide (%)

ZP3 sem
carboidratos

(A) Equivalentes da zona pelúcida por µl (B)


136 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

O mecanismo molecular pelo qual a zona pelúcida e o espermatozóide do mamí-


fero se reconhecem mutuamente está sendo estudado. A hipótese corrente sobre
a ligação dos gametas de mamíferos postula um conjunto de proteínas do esper-
matozóide capazes de reconhecer regiões específicas de carboidratos na zona ZP3
do óvulo (Florman et al., 1984; Florman e Wassarman, 1985; Wassarman, 1987;
Saling, 1989). A remoção desses grupos de carboidratos ligados por treonina ou
serina suprime a habilidade de ligar o espermatozóide.

PROTEÍNAS DE ADESÃO ESPERMATOZÓIDE-ZONA. O espermatozóide do camun-


dongo não “fura” para chegar ao interior da zona. Na realidade, os espermatozóides se
aproximam paralelamente ao plano da superfície da zona e aí são ativamente fixados
(Baltz et al., 1988). Como é a zona capaz de ligar e conservar esses espermatozóides
contorcedores? Parece que ZP3 pode ligar-se a pelo menos três proteínas adesivas na
membrana do espermatozóide, e milhares desses sítios podem ser necessários para
prevenir que essas duas células se separem. Há uma controvérsia significativa sobre a
questão de se todas as três proteínas no espermatozóide são necessárias para ligação à
zona, e quais as suas respectivas funções (veja Figura 4.16: Snell e White, 1996). Parece
que cada uma delas tem papéis específicos, mas um tanto sobrepostos na adesão do
espermatozóide e na reação acrossômica. Essas três proteínas são: a proteína ligante de
galactose, a galactosil-transferase e a quinase do receptor da zona.

A PROTEÍNA LIGANTE DE GALACTOSE 56-KDA (SP56). Uma proteína crítica


ligante da zona do espermatozóide parece ser a proteína que especificamente se liga
aos resíduos de galactose de ZP3. Bleil e Wassarman (1980) mostraram que um dos
carboidratos críticos da glicoproteína ZP3 é o grupo galactose terminal. Se essa galactose
terminal for removida ou modificada quimicamente, a atividade ligante de espermatozói-
de é perdida. Esses pesquisadores posteriormente isolaram essa proteína, ligando
Zona pelúcida
Óvulo

ZP3 (proteína ligante de


Espermatozóide espermatozóide) na Zona

ZP3

Proteínas candidatas N-acetil Galactose


a ligação à zona no glicosamina Membrana
acrossomo celular do
espermatozóide

GALACTOSILTRANSFERASE SP 56 P95
(proteína
Ligação periférica da Ativação
cruzada ativa membrana) de
proteínas G tirosinoquinase Figura 4.16
Ligação de espermatozóide à zona pelúcida do
Ativação de síntese Regulação de camundongo: alguns possíveis participantes.
de IP3 na canais iônicos A proteína ZP3 da zona pelúcida liga esper-
membrana ou síntese matozóide. Há evidência da ligação de três pro-
acrossômica de IP3 teínas espermáticas – a galactosiltransferase
da superfície, sp56 e P95 – à ZP3. Essa liga-
Liberação de Ca++ ção induz a reação acrossômica através da ati-
vação do fluxo de cálcio. Os detalhes ainda
terão que ser elucidados. (Segundo Snell e
Reação acrossômica White, 1996.)
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 137

Figura 4.17
Sp56 purificada liga-se à zona pelúcida e ini-
be a ligação de espermatozóide a óvulos de
camundongo. (A) Ligação de sp56 à zona
pelúcida de ovos não-fertilizados. A pista 1 é
o resultado da lise de ovos não-fertilizados,
fazendo migrar as proteínas extraídas em um
gel, transferindo o gel, e sondando para a pre-
sença de sp56 com anticorpo marcado. Não
se vê sp56. A pista 2 mostra o resultado po-
sitivo obtido quando o ovo não-fertilizado é
pré-incubado com sp56, indicando que sp56
se liga aos óvulos. A pista 3 mostra os resul-
tados negativos obtidos quando sp56 foi adi-
cionada a embriões bicelulares. A pista 4 mos-
tra o controle quando sp56 purificada é feita
migrar no gel. (O anticorpo reconhece a for-
ma não-reduzida de sp56, que migra em 40
ZP3 à uma coluna de afinidade, passando em seguida, por essa coluna, as proteínas kDa). (B) Espermatozóide ligando-se normal-
isoladas da membrana de espermatozóides de camundongo (Bleil e Wassarman, mente a ovos não-fertilizados de camundon-
1990). A maioria das proteínas passou pela coluna; porém um peptídio de 56- go (aproximadamente 76 espermatozóides
kDa, ligou-se às partículas recobertas com ZP3, mas não se ligou a partículas por óvulo). Os embriões bicelulares (aqui
recobertas com ZP2 em experimento semelhante. Essa proteína foi encontrada marcados por asteriscos) são controles inter-
nos mostrando não ocorrer ligação. (C ) Na
exposta na membrana espermática; ligava-se a resíduos de galactose, sugerin-
presença de sp56, o espermatozóide foi im-
do fortemente ser um receptor de espermatozóide ligante à entidade terminal de pedido de se ligar à zona. (de Bookbinder et
galactose na glicoproteína ZP3. A proteína sp56 liga-se à zona pelúcida de al., 1995; cortesia de J.D. Bleil.)
ovos não-fertilizados (porém não dos fertilizados), bloqueando a ligação es-
permatozóide-óvulo (Figura 4.17; Bookbinder et al., 1995).

GALCTOSILTRANSFERASE. A Segunda proteína do espermatozóide que parece


ser importante para ligação espermatozóides-zona é a enzima da membrana celular do
espermatozóide, glicosiltransferase. No laboratório de Shur foi demonstrado que esse
receptor para a zona é uma enzima que reconhece o açúcar N-acetilglicosamina na ZP3
(Shur e Hall, 1982a,b; Lopez et al., 1985; Miller et al., 1992). Essa enzima, N-
acetilglicosamina:galactosiltransferase, está embebida na membrana plasmática do
espermatozóide, diretamentre acima do acrossomo, com seu sítio ativo apontando
para fora. A função enzimática dessa enzima de 60-kDa seria a de catalisar a adição de
um açúcar galactose (de UDP-galactose) para uma cadeia de carboidrato terminando
em um açúcar N-acetilglicosamina (veja Capítulo 3). No entanto, não há resíduos de
UDP-galactose no trato reprodutivo feminino. Embora a enzima possa se ligar aos
resíduos de proteínas da zona, exatamente como qualquer enzima se ligaria a um
substrato, ela não pode catalisar a reação porque o segundo reagente está faltando.
Portanto, as enzimas (no espermatozóide) ficam ligadas a seus substratos (na zona).
Se essa hipótese estiver correta, poderíamos esperar que a ligação óvulo-es-
permatozóide seria inibida ou pela inibição da enzima, ou pela adição do segundo
reagente, UDP-galactose. Isso é exatamente o que Shur e colaboradores acharam
ser o caso. A ligação espermatozóide-zona foi bloqueada por: (1) adição de UDP-
galactose, (2) remoção de resíduos de N-acetilglicosamina de ZP3, (3) adição de
anticorpos que bloqueiam a atividade da galactosiltransferase, e (4) colocação de
um excesso de galactosiltransferase no meio (a enzima em excesso iria ligar-se à zona
e inibir o espermatozóide de se ligar) (Lopez et al., 1985; Shur e Neely, 1988). Além
disso, membranas de espermatozóide de camundongo irão transferir um açúcar de
UDP-galactose especificamente para ZP3 (Miller et al., 1992). Assim, a galactosil-
transferase da superfície do espermatozóide parece reconhecer um grupo carboidrato
na proteína ZP3 da zona pelúcida do camundongo. A agregação dessas
galactosiltransferases ocasiona a ativação de uma proteína G que pode ser impor-
tante na iniciação da reação acrossômica (Gong et al., 1995).
138 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

RECEPTOR DE QUINASE DA ZONA (ZRK). Uma terceira proteína espermática


que se liga à zona pelúcida do camundongo parece ser uma proteína transmembra-
na de 95-kDa com dois sítios funcionais. O sítio extracelular liga especificamente
ZP3, enquanto o sítio intracelular tem atividade enzimática de tirosina quinase
(Leyton et al., 1992). Essa atividade é estimulada quando a proteína liga ZP3. Isso
implica que a proteína de 95-kDa é uma tirosina quinase de receptor, e que pode
iniciar a reação acrossômica através da fosforilação das suas proteínas alvo (veja
Capítulo 3). O espermatozóide humano tem uma proteína semelhante, e a ZP3 hu-
mana estimula a atividade da quinase. Além disso, peptídios sintéticos que
mimetizam o domínio extracelular (que liga ZP3) dessa proteína, inibem a ligação
do espermatozóide à zona pelúcida humana, sugerindo possível uso como
contraceptivo (Burks et al., 1995).

INDUÇÃO DA REAÇÃO ACROSSÔMICA EM MAMÍFEROS POR ZP3. Uma vez


que o espermatozóide capacitado ligou-se à zona pelúcida, como ocorre a reação
acrossômica nos mamíferos? A reação é induzida pela porção protéica de ZP3
(Endo et al., 1987; Leyton e Saling,1989a), e ZP3 parece atuar perfazendo ligação
cruzada com seus receptores na membrana espermática. Esse tipo de ligação abre
os canais de cálcio, aumentando a concentração do íon no espermatozóide (Leyton
e Saling, 1992b). O mecanismo pelo qual age o ZP3 e a subseqüente exocitose do
acrossomo permanece controversa, mas pode envolver a trajetória IP3 (Florman,
1994; Suarez e Dai, 1995). [fert5.html]

LIGAÇÃO SECUNDÁRIA DO ESPERMATOZÓIDE À ZONA PELÚCIDA. Durante


a reação acrossômica, a parte anterior da membrana plasmática do espermatozóide é
solta (veja Figura 4.10). É ali que estão localizadas as proteínas ligantes de ZP3 e,
ainda assim, o espermatozóide deve permanecer ligado à zona para abrir, por lise, um
caminho através dela. Em camundongos, parece que uma ligação secundária à zona
é conseguida por proteínas na membrana acrossômica interna que se ligam especi-
ficamente a ZP2 (Bleil et al., 1988). Enquanto espermatozóide com acrossomo intacto
não irá se ligar à ZP2 glicoproteína, o espermatozóide cujo acrossomo reagiu o fará.
Além disso, anticorpos contra a proteína ZP2 não irão impedir a ligação do esper-
matozóide com acrossomo intacto à zona, mas irão inibir a fixação do espermatozóide
que já tenha reagido. A estrutura da zona consiste de unidades repetitivas de ZP3 e
ZP1 ZP2, ocasionalmente ainda ligadas por ZP1 (Figura 4.18). Parece que os espermato-
zóides com acrossomo que reagiram, transferem sua ligação com ZP3 para as molé-
culas adjacentes de ZP2. Após a entrada de espermatozóide de camundongo no óvulo,
ZP2 os grânulos corticais do ovo liberam seu conteúdo. Uma das proteínas liberadas é a
protease que especificamente altera ZP2 (Moller e Wassarman, 1989). Isso inibe ou-
tros espermatozóides, cujo acrossomo já reagiu, de mover-se mais para perto do óvulo.
Resíduos de Não é conhecido quais das proteínas do espermatozóide do camundongo se
ZP3 carboidratos
ligam à ZP2. No espermatozóide porcino, ligação secundária à zona parece ser medi-
ada por proacrosina. Proacrosina torna-se a protease acrosina, há muito tempo co-
nhecida por estar envolvida na digestão da zona pelúcida. No entanto, proacrosina
é também uma proteína ligante da fucose que mantém a conexão entre espermatozói-
de que reagiu com acrosina e a zona pelúcida (Jones et al., 1988). É possível que a
proacrosina se ligue à zona, sendo depois convertida na enzima ativa que digere
localmente a zona pelúcida.
Figura 4.18 Na cobaia, ligação secundária à zona é considerada ser mediada pela proteína
Diagrama da estrutura fibrilar da zona pelúcida PH-20. Quando essa proteína da membrana acrossômica interna foi injetada em
do camundongo. Filamentos principais da
cobaias macho ou fêmea, 100% desses animais tornaram-se estéreis por vários me-
zona pelúcida são compostos por dímeros
repetitivos das proteínas ZP2 e ZP3. Esses ses (Primakoffet al., 1988). O soro sangüíneo dessas cobaias estéreis tinha uma
filamentos estão ocasionalmente ligados por concentração extremamente alta de anticorpos para PH-20. O anti-soro de cobaias
ZP1, formando uma esteira de malhas. (Se- esterilizadas por injeções de PH-20 não só se ligou especificamente a essa pro-
gundo Wassarman, 1989.) teína, como também bloqueou a adesão espermatozóide-zona in vitro. O efeito
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 139

contraceptivo perdurou por vários meses, após os quais a fertilidade foi restabelecida.
Os animais foram temporariamente esterilizados por esses anticorpos. O análogo
humano da proteína PH-20 não é ainda conhecido, porém, certos antígenos do es-
permatozóide apresentam um padrão semelhante de localização no espermatozóide.
As proteínas da zona pelúcida humana e suas funções ainda não foram estabeleci-
das tão claramente como no camundongo. Ainda assim, esses experimentos mos-
tram que o princípio da contracepção imunológica está bem fundamentado.

Fusão de gametas e a prevenção da polispermia


Fusão entre as membranas do óvulo e do espermatozóide

O reconhecimento do espermatozóide pelo envoltório vitelínico ou zona é seguido


pela lise da porção do envoltório ou zona na região da cabeça do espermatozóide
(Colwin e Colwin, 1960; Epel, 1980). Essa lise é seguida pela fusão da membrana
espermática com a membrana do óvulo.
A entrada do espermatozóide no óvulo do ouriço-do-mar está ilustrada na Figura
4.19. A superfície do óvulo está coberta de pequenas microvilosidades; a fusão
espermatozóide-óvulo parece causar a polimerização da actina e a extensão de várias
microvilosidades para formar o cone de fertilização (Summers et al., 1975; Schatten
e Schatten, 1980, 1983). A homologia entre óvulo e espermatozóide é novamente

(A) (B)

Figura 4.19
Varredura ao microscópio eletrônico da entrada
do espermatozóide em óvulo de ouriço-do-mar.
(A) Contato da cabeça do espermatozóide com
microvilosidades do óvulo através do processo
acrossômico. (B) Formação do cone de fertili-
zação. (C) Internalização do espermatozóide no
óvulo. (D) Micrografia de transmissão ao mi-
croscópio eletrônico da internalização do es-
permatozóide através do cone de fertilização.
(A-C de Schatten e Mazia, 1976, cortesia de G.
Schatten; D cortesia de F. J. Longo.)

(C) (D)
140 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

demonstrada, porque o cone de fertilização transitório, tal como o processo


acrossômico, parece se prolongar pela polimerização da actina. Após a junção, pode-
se encontrar material do espermatozóide na membrana do óvulo (Gundersen et al.,
1970). O núcleo e a cauda do espermatozóide passam pela ponte citoplasmática, que
é alargada pela polimerização da actina. Yanagimachi e Noda (1970) mostraram que
processo semelhante ocorre na fusão de gametas de mamíferos (Figura 4.20).
No ouriço-do-mar, todas as regiões do óvulo são capazes de se fundir com o
espermatozóide; em várias outras espécies, existem regiões especializadas na mem-
brana para o reconhecimento e fusão com o espermatozóide (Vacquier, 1979). A
fusão é um processo ativo, freqüentemente mediado por proteínas “fusogênicas”
específicas. Proteínas como a HA do vírus da influenza e a proteína F do vírus
Sendai promovem a fusão celular, sendo possível que a bindina também seja uma
dessas proteínas. Glabe (1985) mostrou que a bindina do ouriço-do-mar promove a
fusão de vesículas fosfolipídicas e que, tal como as proteínas fusogênicas virais, a
bindina contém uma longa região de aminoácidos hidrofóbicos perto do terminal
amino. Em abalones, a lisina que dissolve o envoltório vitelínico também demons-
trou ter atividade fusogênica (Hong e Vacquier, 1986).
As proteínas fertilinas da membrana do espermatozóide dos mamíferos são
essenciais para fusão espermatozóide-óvulo (Primakoff et al., 1987; Blobel et al.,
1992; Myles et al., 1994). A fertilina do camundongo tem regiões hidrofóbicas seme-
lhantes às das proteínas fusogênicas virais, além de uma seqüência que sugere
ligação com uma integrina da membrana do óvulo. Evidência atual sugere que a
fertilina do camundongo liga-se à integrina α6β1 da membrana assumindo-se que a
região hidrofóbica da fertilina pode, em seguida, mediar a união das duas membra-
nas (Almeida et al., 1995). Quando as membranas se fundem, o núcleo, mitocôndrias,
centríolo e flagelo podem penetrar no ovo.

Prevenção da Polispermia
Assim que um espermatozóide tiver penetrado o óvulo, a capacidade de fusão da
membrana do óvulo, que fora tão necessária para conseguir a penetração, torna-se
um risco. No ouriço-do-mar, como na maioria dos animais estudados, qualquer es-
permatozóide que penetra o óvulo, pode prover um núcleo haplóide e um centríolo
para o óvulo. Na monospermia normal, na qual somente um espermatozóide penetra
o óvulo, um núcleo haplóide do espermatozóide e um do óvulo se combinam para
formar o núcleo diplóide do ovo fertilizado (zigoto), restaurando o número de cro-
mossomos apropriado para a espécie. O centríolo, provindo do espermatozóide, se
dividirá para formar os dois pólos do fuso mitótico durante a clivagem.
A entrada de múltiplos espermatozóides – polispermia – conduz à conse-
qüências desastrosas na maioria dos organismos. No ouriço-do-mar, a fertiliza-
ção por dois espermatozóides resulta em um núcleo triplóide, no qual cada
cromossomo está representado não duas, mas três vezes. Pior ainda, como o
centríolo se divide para formar os dois pólos do aparelho mitótico, aqui, em
vez de um fuso mitótico bipolar separar os cromossomos em duas células, os
cromossomos triplóides se dividiriam em quatro células. Como não há meca-
nismos para assegurar que cada uma das quatro células receba o número e o
tipo apropriado de cromossomos, esses serão distribuídos de maneira desigual.
Algumas células receberiam cópias extra de certos cromossomos e outras cé-
lulas não os teriam. Theodor Boveri demonstrou em 1902 que tais células ou
morreriam ou se desenvolveriam anormalmente (Figura 4.21). [fert6.html]
As espécies desenvolveram maneiras de prevenir a união de mais de dois
núcleos haplóides. A mais comum é a de impedir a entrada de mais de um
espermatozóide no óvulo. O óvulo do ouriço-do-mar tem dois mecanismos que
evitam a polispermia: uma reação rápida, efetivada por uma mudança elétrica
na membrana plasmática do óvulo, e uma reação mais lenta, causada pela
exocitose dos grânulos corticais.
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 141

(A) (B) (C)

Zona

Segmento
(E) Núcleo equatorial do
Membrana
acrossomo
acrossômica
interna

Figura 4.20
Entrada de espermatozóide no óvulo do hamster dourado. (A) Micrografia eletrônica de
varredura do ato da fusão. O ponto “calvo” (sem microvilosidades) é o local abandona-
do pelo corpo polar. (B) Vista próxima da ligação espermatozóide-zona. (C ) Microgra-
fia eletrônica de transmissão mostrando a cabeça do espermatozóide atravessando a
zona. (D) Micrografia eletrônica de transmissão, do espermatozóide fundindo em para-
lelo a membrana do plasma do óvulo. (E) Diagrama da fusão do acrossomo do esper-
matozóide e membranas plasmáticas com as microvilosidades do óvulo. (Segundo
Yanagimachi e Noda, 1970; Yanagimachi, 1994; fotografias cortesia de R. Yanagimachi.)

O BLOQUEIO RÁPIDO DA POLISPERMIA. A membrana celular do óvulo é notável


não somente por sua habilidade de se fundir com a membrana espermática, mas tam-
bém por sua capacidade de resistir a uma ulterior fusão imediatamente após a entrada
de um espermatozóide (Just, 1919).
O bloqueio rápido à polispermia, é conseguido pela mudança do potencial elétrico
da membrana do óvulo. Essa provê uma barreira seletiva entre o citoplasma e o ambi-
ente exterior; a concentração iônica do óvulo difere muito daquela do ambiente, uma
diferença especialmente pronunciada para os íons de sódio e potássio. A água do mar
tem uma alta concentração do íon sódio, ao passo que o citoplasma do óvulo tem
relativamente pouco sódio. O oposto acontece com os íons potássio. Essa condição
é mantida pela membrana celular, que constantemente inibe a entrada de sódio no
142 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

(A) Figura 4.21


Centrossomo do Desenvolvimento aberrante de um óvulo de ouriço-do-mar fecundado por dois espermato-
espermatozóide
Oócito zóides. (A) Fusão de três núcleos haplóides, cada um contendo 18 cromossomos, e
divisão dos dois centríolos espermáticos para formar quatro pólos mitóticos. (B, C) Os
Pronúcleos 54 cromossomos se distribuem aleatoriamente nos quatro fusos. (D) Na anáfase da
do esperma- Pronúcleos
primeira divisão, os cromossomos duplicados são arrastados para os quatro pólos. (E)
tozóide do oócito Quatro células contendo números e tipos diferentes de cromossomos são formadas,
causando a morte prematura do embrião (F). (Segundo Boveri, 1907.)

Fusão pronuclear
(B)

oócito e impede o escoamento de íons de potássio para o ambiente. Quando inse-


rimos um eletrodo no óvulo e colocamos um outro fora do oócito, podemos medir
a constante diferença potencial da membrana plasmática do óvulo. Esse potencial
1a clivagem de repouso da membrana é geralmente cerca de 70 mV, e usualmente expresso
(C)
como –70 mV porque o interior da célula está carregado negativamente em relação
ao exterior. [fert7.html]
Dentro de 1-3 segundos após a ligação do primeiro espermatozóide, o potencial
da membrana muda para um nível positivo (Longo et al., 1986). Um pequeno influxo
de íons de sódio no óvulo é permitido, trazendo a diferença de potencial para +20 mV
(Figura 4.22 A). Embora o espermatozóide possa se fundir com membranas tendo um
potencial de –70 mV, não pode se fundir com membranas com um potencial de repou-
so positivo. Não é conhecido como a ligação ou a entrada do espermatozóide sina-
(D) liza a abertura dos canais de sódio; porém, Gould e Stephano (1987, 1991) fornece-
ram o que poderá ser uma pista importante para a compreensão desse processo. Os
autores isolaram do espermatozóide de Urechis (um verme equiuróide marinho) uma
proteína cromossômica capaz de abrir canais de sódio de óvulos de Urechis. Quan-
do tais óvulos são expostos a essa proteína, a mudança da velocidade do influxo de
sódio e do potencial de membrana resultante são muito parecidos com aqueles
produzidos pelo espermatozóide vivo. A abertura dos canais de sódio no óvulo,
parece ser causada pela ligação do espermatozóide ao óvulo.
Jaffe e seus colaboradores mostraram que a polispermia podia ser induzida
quando óvulos foram supridos artificialmente com uma corrente elétrica que man-
(E)
tinha negativo o seu potencial de membrana. Reciprocamente, a fertilização podia
ser inteiramente prevenida conservando tal potencial positivo (Jaffe, 1976). O
bloqueio rápido da polispermia podia também ser evitado baixando-se a concen-
tração do sódio da água (Figura 4.22B-D). Se os íons de sódio não forem suficien-
tes para ocasionar um deslocamento positivo do potencial de membrana, ocorre a
polispermia (Gould-Somero et al., 1979; Jaffe, 1980). Não é conhecido como dife-
renças no potencial de membrana atuam sobre o espermatozóide bloqueando a
segunda fecundação. Muito provavelmente, o espermatozóide conduz um compo-
(F) nente (possivelmente uma proteína fusogênica carregada positivamente), sendo a
inserção desse componente na membrana do óvulo, provavelmente, regulada pela
carga elétrica transmembrana (Iwao e Jaffe, 1989). Um bloqueio elétrico à polispermia
também ocorre em rãs (Dross e Elinson, 1980), mas provavelmente não na maioria
dos mamíferos (Jaffe e Cross, 1983).

Células em desintegração; O BLOQUEIO LENTO DA POLISPERMIA. Óvulos do ouriço-do-mar (e muitos ou-


morte do embrião tros) têm um segundo mecanismo para assegurar que múltiplos espermatozóides não
penetrem no citoplasma do óvulo (Just, 1919). O bloqueio rápido é transitório, o po-
tencial de membrana do óvulo do ouriço-do-mar somente permanece positivo por
cerca de um minuto. Essa curta mudança de potencial não é suficiente para prevenir a
polispermia de maneira permanente. Carroll e Epel (1975) demonstraram que a
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 143

Figura 4.22
Potencial de membrana de óvulos de ouriço-do-mar antes
e após a fertilização. (A) antes da adição do espermato-
zóide, a diferença de potencial através da membrana celu-
lar do óvulo é de aproximadamente –70 mV. De 1 a 3 se-
gundos após o espermatozóide fertilizante ter entrado em
Adição de contato com o óvulo, o potencial se desloca na direção
espermatozóide positiva. (B) Ovos controle desenvolvendo-se em Na+
490 mM. (C) Polispermia em ovos fertilizados em Na+
(A) 120 mM (colina foi substituída por sódio). Os ovos de
Segundos Lytechinus foram fotografados durante a primeira
clivagem. (D) Tabela mostrando a elevação da polispermia
com o decréscimo da concentração do íon sódio. (de Jaffe,
1980, fotografias cortesia de L. A. Jaffe.)

Porcentagem de
[Na+] (mM) ovos polispérmicos

(B) (C) (D)

polispermia ainda pode ocorrer se os espermatozóides ligados ao envoltório


vitelínico não forem removidos de alguma maneira. Essa remoção é conseguida
pela reação dos grânulos corticais, um bloqueio mecânico mais lento da polispermia
que se torna ativo cerca de 1 minuto após a primeira ligação bem sucedida esper-
matozóide-óvulo.
Diretamente abaixo da membrana do óvulo do ouriço-do-mar existem 15.000
grânulos corticais, cada um com 1 um de diâmetro (veja Figura 4.6B). Com a entra-
da do espermatozóide, esses grânulos se fundem com a membrana plasmática do
óvulo, liberando seu conteúdo para o espaço entre a membrana e a esteira fibrosa
das proteínas do envoltório vitelínico. Há várias proteínas associadas com esse
processo de exocitose de grânulos corticais. As primeiras são proteases. Essas
enzimas dissolvem os postos vitelínicos que conectam as proteínas do envoltório
vitelínico à membrana celular, secionando o receptor de bindina e todo espermato-
zóide a ele ligado (Vacquier et al., 1973; Glabe e Vacquier, 1978). Outras proteínas,
mucopolissacarídeos liberados dos grânulos, produzem um gradiente osmótico
que permite a entrada da água no espaço entre a membrana celular e o envoltório
e, dessa forma, o envoltório vitelínico se expande e passa a ser chamado de
envoltório de fertilização (Figuras 4.23 e 4.24). Uma terceira proteína, produto dos
grânulos corticais, uma peroxidase, enrijece o envoltório de fertilização através de
ligações cruzadas entre resíduos de tirosina em proteínas adjacentes (Foerder e
Shapiro, 1977; Mozingo e Chandler, 1991). Como mostra a Figura 4.23, o envoltório
de fertilização começa a se formar no local da entrada do espermatozóide e conti-
nua sua expansão ao redor do óvulo. À medida que esse envoltório se forma, os
espermatozóides são liberados. O processo se inicia cerca de 20 segundos após a
fixação do espermatozóide e se completa ao fim do primeiro minuto da fertilização.
Finalmente, uma quarta proteína granular, a hialina, forma uma capa em volta do
óvulo (Hylander e Summers, 1982). A célula estende microvilosidades alongadas
cujas extremidades se ligam a essa camada hialina, que fornece apoio para os
blastômeros durante a clivagem.
Em mamíferos, a reação granular não cria um envoltório de fertilização, porém, o
efeito é o mesmo. Enzimas liberadas modificam os receptores de espermatozóide da
144 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

Figura 4.23 (A) (B)


Formação do envoltório de fertilização e remo-
ção do excesso de espermatozóide. Espermato-
zóide foi adicionado a óvulos de ouriço-do-mar,
e a suspensão foi fixada em formaldeído para
evitar futuras reações. (A) Dez segundos após
a adição de espermatozóide, esses foram vistos
rodeando o óvulo. (B,C) 25 e 35 segundos após
a inseminação, um envoltório de fertilização se
forma em volta do óvulo, iniciado no ponto de
entrada do espermatozóide. (D) O envoltório
de fertilização está completo, e o excesso de
espermatozóide é removido. (de Vacquier e
Payne, 1973, cortesia de V. D. Vacquier.)
(C) (D)

zona pelúcida de maneira que esses não mais podem ligar-se a espermatozóide (Bleil
e Wassarman, 1980). Essa modificação é chamada reação da zona. Durante essa
reação, tanto ZP3 como ZP2 são modificadas. Florman e Wassarman (1985), propu-
seram que os grânulos corticais do óvulo do camundongo contêm uma enzima que
corta os resíduos terminais de açúcares de ZP3, com isso liberando espermatozóide
ligado à zona e evitando a fixação de mais espermatozóide. Esses grânulos corticais
contêm N-acetilglicosaminidases capazes de clivar N-acetilglicosamina de cadeias
de carboidrato de ZP3. Miller e colaboradores (1992, 1993) demonstraram que após
a fertilização, o resíduo de N-acetilglicosamina é removido, ZP3 não serve como
substrato para a ligação de galactosiltransferase. ZP2 é cortada pelas proteases
granulares perdendo também sua habilidade de ligar espermatozóide (Moller e Was-
sarman, 1989). Assim, o espermatozóide não pode mais iniciar ou manter sua ligação
à zona pelúcida e é rapidamente descartado.

CÁLCIO COMO O INICIADOR DA REAÇÃO GRANULAR CORTICAL . O meca-


nismo da reação dos grânulos corticais é semelhante aquele da reação acrossômica.
Após a fertilização, a concentração intracelular de cálcio do ovo aumenta muito.
Nessas concentrações, as membranas corticais se fundem com aquelas do ovo,
causando exocitose de seu conteúdo (veja Figura 4.24). Após a fusão dos grânulos
corticais ao redor do ponto de entrada do espermatozóide, uma onda de exocitose se
propaga ao redor do corte até o lado oposto do ovo.
A liberação de cálcio armazenado na região intracelular, pode ser monitorada visu-
almente pelo uso de corantes luminescentes (isolados da água-viva luminescente)
como a aequorina ativado pelo cálcio, ou de corantes como fura-2. Esses corantes
emitem luz quando ligam íons livres de cálcio. Os óvulos são injetados com o corante
e fecundados. A Prancha 12 mostra a notável onda de liberação de cálcio que se
propaga através do óvulo do ouriço-do-mar; começando no ponto de entrada do
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 145

(i) Membrana plasmática Figura 4.24


Envoltório do óvulo Microvilosidade Exocitose de grânulos corticais. (A) Diagrama
vitelínico esquemático mostrando os eventos levando à
formação do envoltório de fertilização e a ca-
mada hialina. À medida que os grânulos
corticais sofrem exocitose, liberam proteases
que cortam as proteínas que ligam o envoltório
vitelínico à membrana celular. Mucopolissa-
Grânulo carídeos liberados pelos grânulos formam um
cortical
(B) gradiente osmótico, causando a entrada de água
Espermatozóide
supranumerário no e tumefação do espaço entre o envoltório
(ii)
envoltório vitelínico vitelínico e a membrana celular. Outras enzimas
liberadas dos grânulos corticais endurecem o
envoltório vitelínico (agora o envoltório de fer-
tilização) e liberam espermatozóide a ele liga-
do. (B,C) Micrografias eletrônicas de trans-
missão e de varredura do córtex de um ovo não
fertilizado de ouriço-do-mar. (D, E) Microgra-
Enzimas proteolíticas e fias eletrônicas de transmissão e varredura da
mucopolissacarídeos são liberados (C) mesma região de um ovo recém-fertilizado,
(iii) mostrando a elevação do envoltório de fertili-
zação e os pontos nos quais os grânulos
corticais fundiram com a membrana plasmáti-
ca do ovo (flechas em D). (A segundo Austin,
1965; B-E de Chandler e Heuser, 1979, corte-
sia de D. E. Chandler.)

Microfilamentos

Hialina
(iv) Envoltório de (D)
fertilização
Espermatozóide é liberado

Membrana
Camada hialina celular
(A) (E)

espermatozóide um feixe de luz atravessa a célula (Steinhardt et al., 1977; Gilkey et al.,
1978; Hafner et al., 1988). Como documentado pelas fotografias, os íons de cálcio não
se difundem simplesmente através do óvulo a partir do ponto da entrada do esperma-
tozóide. Ao contrário, a liberação de cálcio inicia-se de um lado da célula e termina do
outro. O mecanismo dessa onda será discutido logo adiante (veja Informações adici-
onais & Especulações, página 147). A total liberação de íons de cálcio é completada, a
grosso modo, em 30 segundos no ovo do ouriço-do-mar; os íons livres de cálcio são
re-seqüestrados pouco após sua liberação. Quando dois espermatozóides entram no
citoplasma do óvulo, a liberação de cálcio pode ser vista começando em dois pontos
separados da superfície celular (Hafner et al., 1988).
Vários experimentos demonstraram que íons de cálcio são responsáveis diretos
pela propagação da reação cortical e que são armazenados dentro do próprio óvulo.
A droga A23187 é um ionóforo que transporta íons de cálcio através de membranas,
permitindo a esses cátions atravessar barreiras antes impermeáveis. A colocação de
146 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

ovos não-fertilizados de ouriço-do-mar em água do mar contendo A23187, leva à


reação granular cortical e à elevação do envoltório de fertilização, mesmo na ausên-
cia de íons de cálcio na água do mar. Portanto, A23187 provoca a liberação de íons
de cálcio já seqüestrados em organelas dentro do óvulo (Chambers et al., 1974;
Steinhardt e Epel, 1974). Estudos posteriores (Hollinger e Schuetz, 1976; Fulton e
Whittingham, 1978; Hamaguchi e Hiramoto, 1981; Kline, 1988) mostraram que o íon
de cálcio inicia reações granulares corticais quando injetado em ovos de ouriço-do-
mar, camundongo e rã.
Os íons de cálcio internos são armazenados no retículo endoplasmático do
óvulo (Eisen e Reynolds, 1985; Terasaki e Sardet, 1991). No ouriço-do-mar e na rã,
cujos óvulos sofrem uma reação granular cortical, esse retículo é pronunciado no
córtex e rodeia os grânulos (Figura 4.25; Gardiner e Grey, 1983; Luttmer e Longo,
1985). Na rã Xenopus, o retículo endoplasmático cortical fica 10 vezes mais abun-
dante durante o amadurecimento do óvulo e desaparece localmente dentro de um
minuto após a ocorrência da onda de exocitose em qualquer região do córtex. Jaffe
(1983) compara esse retículo endoplasmático seqüestrador de cálcio, ao retículo
sarcoplasmático do músculo esquelético ou cardíaco. Uma vez iniciada, a libera-
ção de cálcio é autopropagada. Cálcio livre é capaz de liberar cálcio seqüestrado
de seus locais de armazenamento, causando assim uma onda libertadora do íon
cálcio e exocitose granular cortical.
Variações em estratégias preventivas da polispermia existem em toda a nature-
za. Nos mamíferos, a polispermia é minimizada pelo pequeno número de esperma-
tozóides que atingem o local da fecundação (Braden e Austin, 1954). O bloqueio à
polispermia em hamsters parece ser controlado somente pela liberação de sítios
que ligam o espermatozóide na zona pelúcida (Miyazaki e Igusa, 1981; Jaffe e
Gould, 1985). Coelhos, no entanto, se apoiam num bloqueio da polispermia a nível
da membrana, e ninguém iria disputar o seu grau de sucesso. Finalmente, certos
mamíferos têm defesas para a polispermia sobre as quais pouco sabemos. Nos
óvulos ricos em gema de certas aves, répteis e salamandras, vários espermatozói-
des realmente penetram o citoplasma do óvulo. De uma maneira desconhecida,
todos menos um são induzidos a se desintegrar no citoplasma após a fusão do
pronúcleo do óvulo com um dos pronúcleos do espermatozóide (Ginzburg, 1985;
Elinson, 1986). Qualquer que seja o mecanismo, somente um núcleo haplóide de
espermatozóide pode fundir-se com o núcleo haplóide do óvulo.

Figura 4.25
Retículo endoplasmático rodeando grânu-
lo cortical no óvulo de ouriço-do-mar. (A)
O retículo foi corado com ósmio-iodeto de
zinco para permitir a visualização por mi-
crografia de transmissão eletrônica. O grâ-
nulo é visto rodeado pelo retículo. (B) Re-
trato de um óvulo inteiro corado por anti-
corpos fluorescentes para os canais de li-
beração de cálcio. Os anticorpos mostram
esses canais no retículo endoplasmático
cortical. (A de Luttmer e Longo, 1985, cor-
tesia de S. Luttmer; B de McPherson et
al., 1992, cortesia de F. J. Longo.) (A) (B)
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 147

Informações adicionais
& Especulações

A Ativação do Metabolismo dos Gametas


S e a liberação do íon cálcio é neces-
sária para ativação do oócito, como
o espermatozóide motiva essa libe-
ração? Realmente não se sabe. Como se
toda célula, começando no ponto da en-
trada do espermatozóide; os grânulos
corticais se fundem com a membrana
celular na presença de concentrações
nio das células. O resultado disso é a ele-
vação de cálcio e do pH intracelulares.
O outro segundo mensageiro, DAG,
é considerado ativar a proteína quinase
pronunciou um investigador (Berridge, altas de cálcio, respondem com uma C (PKC) da membrana, que é transferida
1993): “Exatamente como o espermatozói- onda de exocitose que segue os íons do citosol para a membrana plasmática
de dispara o processo explosivo da libe- de cálcio. do ovo pouco após a fecundação, e pode
ração do cálcio no óvulo, ainda permane- IP 3 é também capaz de liberar íons ser responsável pela ativação da proteí-
ce algo misterioso”. Dados recentes su- de cálcio em óvulos de vertebrados, e o na que troca íons de sódio por íons de
gerem que produção do inositol 1,4,5, tri- bloqueio do seu receptor em óvulos de hidrogênio (Swann e Whitaker, 1986;
fosfato (IP3) é o evento primário para a hamster impede a liberação de cálcio no Nishizuka, 1986; Shen e Burgart, 1986;
liberação de íons cálcio do seu local de ato da fertilização. Como em ouriço-do- Olds et al., 1995). O bloqueio da PKC em
armazenamento intracelular. mar IP3 também parece mediar a libera- óvulos de ouriços-do-mar inibe a alcali-
IP3 injetado pode liberar íons cálcio ção de cálcio de sítios no retículo en- nização do citosol observada durante a
seqüestrados no óvulo e muitos outros doplasmático (Lechleiter e Clapham, fertilização normal (Shen e Buck, 1990).
tipos de células (Swann e Whitaker, 1992; Miyazaki et al., 1992; Ayabe et al., A proteína que faz a troca Na + /H+, tam-
1986; Berridge, 1993); o aumento na con- 1995). Xu e colaboradores (1994) mos- bém necessita de íons cálcio para sua
centração de IP 3 intracelular é visto traram que o bloqueio da mediação por atividade. Assim, tanto DAG como IP 3
ocorrer dentro de 10 segundos após a IP3 da saída de cálcio, impede todos os estão envolvidos nas ativação do óvu-
fecundação de ovos do ouriço-do-mar aspectos da ativação do óvulo pelo es- lo. A etapa regulatória chave é a ativa-
(Ciapa e Whitaker, 1986). A libertação permatozóide incluindo exocitose gra- ção da fosfolipase C, que produz esses
de íons cálcio e a reação dos grânulos nular, recrutamento de mRNA e recome- dois compostos. Jaffe e seus colabora-
corticais rapidamente seguem a forma- ço do ciclo celular. dores encontraram a proteína G em óvu-
ção ou injeção de IP3 (Whitaker e Irvine, A questão então é: o que inicia a pro- los de ouriço-do-mar e rã; e quando in-
1984; Busa et al., 1985). Os efeitos me- dução de IP3? Há dois caminhos que pa- jetaram ativadores da proteína G nes-
diados por IP3 podem ser abortados pela recem estimular a liberação de cálcio: aque- ses óvulos, causaram exocitose granu-
pré-injeção de agentes quelantes de le do receptor ligado à proteína G, larga- lar na ausência de espermatozóide
cálcio no óvulo (Turner et al., 1986), mente conhecido como liberadora de íons (Turner et al., 1986; Kline et al., 1991).
confirmando que IP3 estimula a libera- de cálcio na contração muscular, cresci- Tal ativação foi inibida por quelantes
ção de cálcio armazenado. mento celular, secreção hormonal, percep- de cálcio, como o EGTA. [fert8.html]
Canais de cálcio respondendo ao IP3 ção sensorial e liberação de neurotrans- Parece, portanto, que uma proteína
foram encontrados no retículo endo- missores (Berridge, 1993). O outro cami- G pode estar envolvida na regulação de
plasmático do óvulo. O IP3 formado no nho é o do receptor da tirosinoquinase íons seqüestrados de cálcio, e na exoci-
local da entrada do espermatozóide é em cascata, que também é usado na proli- tose de grânulos corticais. Existem vári-
considerado ligar-se a esses receptores feração e diferenciação celular. Conforme as maneiras pelas quais isso pode acon-
de IP3 no retículo endoplasmático, oca- apresentado no Capítulo 3, o primeiro ca- tecer. Em primeiro lugar, a ligação do es-
sionando uma liberação local de cálcio minho se inicia pela ligação de um ligante permatozóide a um receptor na membra-
(Ferris et al., 1989; Furuichi et al., 1989; extracelular (como a acetilcolina ou a na celular do óvulo pode mudar a sua
Terasaki e Sardet, 1991). Uma vez libera- serotonina) à uma proteína receptora conformação de modo a ativar a proteí-
dos, os íons de cálcio podem difundir transmembrana. No interior da membrana na G e iniciar a cascata (Figura 4.26A),
diretamente, ou facilitar a liberação de plasmática esse receptor é ligado à prote- conforme demonstrado por Kline e co-
mais íons de cálcio de receptores sensí- ína trimérica G. Esse receptor ativa a pro- laboradores (1988, 1991). Eles levanta-
veis ao cálcio localizados no retículo en- teína G (veja Figuras 3.33 e 3.35), levando ram a hipótese que se essa proteína
doplasmático (McPherson et al., 1992). à sua dissociação em subunidades, capa- mediar a fertilização por ser ativada por
A ligação de íons de cálcio a esses re- zes de ativar um conjunto de enzimas cha- um receptor ligante de espermatozóide,
ceptores libera mais cálcio, e esse pode madas de fosfolipase C. Essa cataliza a então a mesma proteína G poderia ser
continuar a onda, ligando-se a mais re- hidrólise de fosfatidilinositol 4,5-bifosfato ativada por um neurotransmissor se o
ceptores e assim por diante. Mohri e co- (PIP2) em dois segundos mensageiros: ovo contiver um receptor para neuro-
laboradores (1995) mostraram que o cál- inositol 1,4,5 trifosfato (IP3) e diacilglicerol transmissor capaz de ativar a proteína
cio liberado por IP3 é necessário e sufi- (DAG). O primeiro é capaz de abrir canais G. Eles injetaram mRNA para o receptor
ciente para liberação de cálcio. Essa de cálcio. DAG estimula a troca de prótons de serotonina ou de acetilcolina em óvu-
onda de íons de cálcio é propagada por que permite o efluxo de íons de hidrogê- los de rã. Esses receptores da superfície
148 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

celular foram sintetizados e foram de- Entretanto, a cascata ligada à proteí- PDGF) foi injetado em oócitos de estre-
tectados na membrana celular do óvu- na-G não é o único caminho capaz de ge- la-do-mar, o receptor PDGF foi sintetiza-
lo. Os óvulos puderam ser “fertilizados” rar IP3 (veja Capítulo 3). Evidências re- do e incorporado nas membranas celula-
por serotonina e acetilcolina e foi ob- centes (Moore et al., 1994; Shilling et al., res desse organismo. Quando, após a
servado a reação cortical. Experimentos 1994; Yim et al., 1994) demonstram que a maturação dos oócitos, PDGF foi adicio-
semelhantes mostraram que quando ativação do receptor da tirosinoquinase nado à água banhando os óvulos, esses
neurotransmissores ativam o caminho também produz IP3 e ativa a onda de cál- apresentaram aumento de cálcio intrace-
da proteína G–IP3 em oócitos de camun- cio e a reação granular cortical (Figura lular livre, exocitose de grânulos corticais
dongo, são induzidos os eventos da fer- 4.26b). Quando o mRNA para o receptor e síntese de DNA. Alguns se desenvol-
tilização (Williams et al., 1992; Moore et dessa quinase (o receptor para o fator de veram em larvas. Quando o mRNA con-
al., 1993). crescimento derivado das plaquetas, tinha um ponto de mutação que impedia

Figura 4.26
Mecanismos possíveis da ativação do óvulo. (A) Trajetória do fosfatidilinositol medi-
ado pela G-proteína. (B) Trajetória do receptor da tirosinoquinase (RTK). (C) Trajetó-
ria da tirosinoquinase citoplasmática. (D) Trajetória na qual a G proteína ou
tirosinoquinase ativadas na membrana espermática ativam trajetórias no óvulo. (E)
Trajetórias de ativadores solúveis.

CAMINHOS ANTERIORES À FUSÃO DO ESPERMATOZÓIDE

(A) (B) (C)


Espermatozóide

Fosfolipase C (PLC)

Receptor

G-proteína
Receptor de Tirosinoquinase
Tirosinoquinase

Receptor de IP3

Retículo endoplasmático

APÓS A FUSÃO DO ESPERMATOZÓIDE


(D)

Fator solúvel Fatores solúveis


do óvulo do Espermatozóide

G-proteína

Receptor de IP3

Retículo endoplasmático
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 149

o receptor interagir com a fosfolipase C, Outra possibilidade é que a ativa- gura 4.26 D, a bindina meramente liga o
nenhuma dessas reações ocorreu (Shilling ção do caminho do IP3 não é devida à óvulo ou, talvez, motive a fosforilação
et al., 1994). Assim, tanto o caminho liga- ligação do espermatozóide e óvulo, mas de proteínas necessárias em fases mais
do ao receptor proteína-G como aquele à fusão das membranas do óvulo e do avançadas do desenvolvimento.)
do receptor da tirosinoquinase, parecem espermatozóide. Mc Culloch e Chambers Ainda outra possibilidade é que o
ser capazes de ativar essa fosfolipase, (1992) obtiveram evidência eletrofisio- agente ativo na liberação de cálcio ligado
criar IP3 e induzir o fluxo de cálcio no lógica que a ativação dos óvulos do venha do citosol do espermatozóide.
óvulo. O receptor da bindina não ofere- ouriço-do-mar não ocorre até depois da Parrington e colaboradores (1996) isola-
ce pistas para explicar como ocorre essa junção do espermatozóide com o óvulo. ram uma proteína de 33-kDA, chamada
ativação, por não ter semelhante em ou- Eles sugerem que os componentes oscilina, localizada no escasso citoplas-
tras proteínas transmembrana. No entan- ativadores do óvulo se localizam na ma da cabeça do espermatozóide (Figura
to, 5 segundos após ligar a bindina, fica membrana ou no citoplasma do esper- 4.26 E). A microinjeção dessa proteína em
fosforilado em um dos seus resíduos matozóide. É até mesmo possível que óvulos de camundongo pode iniciar libe-
tirosina citoplasmáticos (Abassi e Foltz, por ocasião da fusão das membranas, ração de cálcio, porém, os outros parâme-
1994). Isso sugere que o receptor de as proteínas G da membrana espermáti- tros da ativação do óvulo (exocitose dos
bindina ligado, pode interagir com a ca ou as tirosinoquinases (ativadas pela grânulos, recrutamento de mRNA e reto-
tirosinoquinase plasmática tal como geléia do óvulo para iniciar a reação a- mada do ciclo celular) não são observa-
aqueles que medeiam a liberação de cál- crossômica) ativem a cascata polifosfo- dos. Não é conhecido qual o papel que
cio durante a ativação de células T (Fi- inositídica para liberação de cálcio do essa proteína pode ter na fisiologia da ati-
gura 4.26 C; Hall et al., 1993). óvulo. (No cenário apresentado na Fi- vação do óvulo.

Ativação do metabolismo do óvulo


Embora a fertilização seja freqüentemente descrita como mero meio de junção de dois
núcleos haplóides, ela tem um papel igualmente importante na iniciação de processos
que iniciam o desenvolvimento. Esses eventos acontecem no citoplasma e ocorrem
sem o envolvimento dos núcleos.*
O óvulo do ouriço-do-mar maduro é uma célula metabolicamente lenta, reativada
pelo espermatozóide. Essa ativação é apenas o estímulo; aciona um conjunto de
eventos metabólicos pré-programados. As respostas do óvulo ao espermatozóide
podem ser divididas em “precoces” que ocorrem em poucos segundos após a
reação cortical e “tardias” que acontecem vários minutos após o inicio da fertiliza-
ção (Tabela 4.1).

Respostas precoces
O contato entre o espermatozóide do ouriço-do-mar ativa dois principais bloqueios à
polispermia: o bloqueio rápido, iniciado pelo influxo de sódio na célula, e o bloqueio
lento, iniciado pela liberação intracelular de íons de cálcio. A ativação de todos os
óvulos parece depender do aumento da concentração de íons livres de cálcio dentro
do óvulo. Em protostomatas, como lesmas e vermes, ao menos parte do cálcio geral-
mente entra no óvulo vindo de fora. Em deuterostomatas, tais como: peixes, rãs,
ouriços-do-mar e mamíferos, a ativação é acompanhada pela liberação de íons de
cálcio do retículo endoplasmático, resultando na onda de cálcio varrendo o óvulo
(Jaffe, 1983; Terasaki e Sardet, 1991).

*Em certas salamandras, essa função desenvolvimental da fertilização está totalmente divor-
ciada da função genética. A salamandra prateada (Ambystoma platineum) é uma espécie híbrida
que consiste somente de fêmeas. Cada uma produz um ovo com um número não-reduzido de
cromossomos. Esse ovo, porém, não pode se desenvolver sozinho; assim, a salamandra prateada
copula com o macho da salamandra Jefferson (A. jeffersonianum). O espermatozóide desse macho
somente estimula o desenvolvimento do ovo; não contribui com material genético (Uzzell,
1964). Para detalhes desse complexo mecanismo de procriação veja Bogart et al., 1989.
150 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

Tabela 4.1 Eventos da fertilização do ouriço-do-mar


Tempo apro ximado
aproximado
Evento após a inseminaçãoa

Ligação espermatozóide-óvulo O segundos


Elevação do potencial de fertilização (bloqueio rápido da polispermia) dentro de 1 sec
Fusão das membranas espermatozóide-óvulo dentro de 6 sec
Primeira detecção de aumento de cálcio 6 sec
Exocitose das vesículas corticais (bloqueio lento da polispermia) 15-60 sec
Ativação da NAD quinase começa em 1 min
Aumento de NADH e NADPH começa em 1 min
Aumento do consumo de O2 começa em 1 min
Entrada do espermatozóide 1-2 min
Efluxo de ácido 1-5 min
Aumento de pH (permanece alto) 1- 5 min
Descondensação da cromatina do espermatozóide 2-12 min
Migração do núcleo do espermatozóide para o centro do óvulo 2-12 min
Migração do núcleo do óvulo para o núcleo do espermatozóide 5-10 min
Ativação da síntese protéica começa em 5-10 min
Ativação do transporte de aminoácidos começa em 5-10 min
Iniciação da síntese de DNA 20-40 min
Mitose 60-80 min
Primeira clivagem 85- 95 min

Principais fontes: Whitaker e Steinhardt, 1985; Mohri et al., 1995.


a
Tempos aproximados baseados em dados de S. purpuratus (15-17oC), L. pictus (16-18oC), A .
punctulata (18-20oC) e L. variegatus (22-24oC). A contagem de tempo para os eventos dentro do
primeiro minuto é melhor conhecida para Lytechinius variegatus, assim os tempos apresentados
referem-se à essa espécie.

Essa liberação de cálcio é essencial para a ativação do desenvolvimento do embrião.


Se o quelante de cálcio EGTA for injetado no óvulo do ouriço-do-mar, não ocorre exoci-
tose dos grânulos corticais, mudança do potencial da fertilização, descondensação do
espermatozóide, nem reinício da divisão celular (Kline, 1988). Reciprocamente, óvulos
podem ser ativados artificialmente na ausência de espermatozóide por procedimentos
que liberam cálcio livre no oócito. Steinhardt e Epel (1974) acharam que quantidades
micromolares do ionóforo A23187 induzem no óvulo a maioria das respostas caracterís-
ticas de um ovo fertilizado normalmente. A elevação do envoltório de fertilização, o
aumento do pH intracelular, o surto de utilização de oxigênio e o aumento da síntese de
proteína e DNA são todos gerados com sua seqüência própria. Essa ativação acontece
na ausência total de íons de cálcio na água do mar. Na maioria desses casos, o desenvol-
vimento cessa antes da primeira mitose porque os ovos ainda são haplóides e desprovi-
dos do centríolo espermático necessário para a divisão.
Essa liberação de cálcio ativa uma série de reações metabólicas (Figura 4.27). Uma
delas é a ativação da enzima NAD+ quinase, que converte o NAD+ em NADP+ (Epel et
al., 1981). Essa mudança pode ter importantes conseqüências para o metabolismo
lipídico, pois NADP+ (mas não o NAD+) pode ser utilizado como coenzima para
biossíntese lipídica. Assim, a mudança de NAD+ em NADP+ pode ser importante na
construção de novas membranas exigidas durante a clivagem. Outro efeito dessa
mudança se refere ao consumo de oxigênio. Um surto de redução de oxigênio é visto
ocorrer durante a fertilização, e muito desse “surto respiratório” é usado para cruza-
mento ligado da membrana de fertilização. A enzima responsável por essa redução do
oxigênio (para água oxigenada) também é dependente de NADPH (Heinecke e Shapiro,
1989). Por último, o NADPH ajuda na regeneração da glutationa e de ovotiois (ovothiols)
que podem ser cruciais para remoção de radicais livres que poderiam de outra maneira
prejudicar o DNA do ovo e do embrião precoce (Mead e Epel, 1995).
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 151

Alteração do potencial Bloqueio rápido


Influxo de Na+ da membrana da polispermia

Ativação da Conversão de
NAD+ quinase NAD+ em NADP+

Ligação e/ou fusão de Bloqueio lento


espermatozóide à da polispermia
Liberação Exocitose
membrana celular do óvulo Produção
de Ca2+ de grânulos
de IP3
corticais Formação da
Estimulação de camada hialina
Ativação de
proteína G ou
fosfolipase C
de tirosinoquinase?
Estimulação de síntese
Produção de Ativação de protéica, replicação de
diacil-glicerol proteíno-quinase C DNA, e movimentos
citoplasmáticos de
material morfogenético
Troca Aumento do pH
Figura 4.27 Na+/H+ intracelular
Modelo de um possível mecanismo de ativa-
ção do óvulo do ouriço-do-mar. (Segundo Epel,
1980 e L. A. Jaffe, comunicação pessoal.)

Respostas tardias

Pouco tempo após o aumento dos níveis de íons cálcio, o pH intracelular também
aumenta. Acredita-se que essas duas condições iônicas (> [Ca2+], < [H+] ajam em
conjunto para fornecer o espectro completo dos eventos da fertilização, incluindo a
síntese de proteínas e de DNA (Winkler et al., 1980; Whitaker e Steinhardt, 1982). O
aumento do pH intracelular começa com o segundo influxo de íons de sódio, causan-
do uma troca 1:1 entre íons de sódio da água do mar e os íons hidrogênio do óvulo*.
Essa perda de hidrogênio faz o pH elevar-se de 6.8 a 7.2, ocasionando enormes mudan-
ças na fisiologia do ovo (Shen e Steinhardt, 1978).
As respostas tardias da fertilização produzidas por essas alterações iônicas, inclu-
em a ativação da síntese de DNA e da proteína. O surto de síntese de proteína ocorre
vários minutos após a entrada do espermatozóide e não depende da síntese de novo
RNA mensageiro (Figura 4.28). Em seu lugar, a síntese de proteína nova utiliza mRNAs
já presentes no citoplasma do oócito (muito mais sobre isso será mencionado no
Capítulo 12). Esses RNAs incluem aqueles que codificam proteínas como histonas,
tubulinas, actinas e fatores morfogenéticos que são utilizados durante o desenvolvi-
mento precoce. Tal surto de síntese protéica pode ser induzido pelo aumento artificial
do pH citoplasmático por íons amônio (Winkler et al., 1980). Reciprocamente, agentes
que bloqueiam o aumento do pH inibem eventos da fertilização tardia como a síntese
de DNA e proteína. Quando ovos recém-fertilizados são colocados em soluções con-
tendo baixas concentrações de íons de sódio e amiloride (uma droga que inibe a troca
Na+/H+), a síntese protéica falha, os movimentos dos pronúcleos do óvulo e do esper-
matozóide são prevenidos, e a divisão celular não ocorre (Dube et al., 1985).

*Novamente, a variação espécie-para-espécie está à solta. No óvulo muito menor do camun-


dongo, não há elevação do pH após a fertilização. Similarmente no camundongo, não há um
aumento dramático na síntese protéica imediatamente em seguida à fertilização.
152 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

Figura 4.28

proteína/mg proteína (cpm x 10-3)


Surto de síntese protéica na fertilização emprega mRNA armazena-

Incorporação de valina[14C] na
do no citoplasma do oócito. (A) Síntese protéica em óvulos do ouri- água do mar
normal
ço-do-mar Arbacia punctulata fertilizada na presença ou ausência
de actinomicina D, um inibidor da transcrição. Durante as primeiras
horas, a síntese protéica ocorre sem nova transcrição dos núcleos
do zigoto ou embrião. Um segundo surto de síntese protéica ocorre
durante os estágios medianos de blástula, e isso representa tradu-
ção de mensagens recém-transcritas (e, portanto, não é visto em
embriões crescendo em actinomicina). (B) Aumento na porcenta- Água do mar tratada
gem de ribossomos recrutados para polissomos durante as primei- por actinomicina
ras horas do desenvolvimento do ouriço-do-mar, especialmente du-
rante o primeiro ciclo celular. (A segundo Gross et al., 1964; B
segundo Humphreys, 1971.)
Horas após a fertilização

Porcentagem de ribossomos
em polissomos

Tempo de desenvolvimento (horas)

Fusão do material genético


Em ouriços-do-mar, o núcleo do espermatozóide penetra o óvulo perpendicular-
mente à superficie do óvulo. Após a fusão das membranas do espermatozóide e do
óvulo, o núcleo do espermatozóide e seu centríolo se separam das mitocôndrias e
do flagelo. A mitocôndria e o flagelo se desintegram dentro do óvulo; assim,
poucas, se tanto, mitocôndrias derivadas do espermatozóide são encontradas em
organismos em desenvolvimento ou em adultos (Dawid e Blackler, 1972; Giles et
al., 1980). Em camundongos estima-se que 1 em cada 10.000 mitocôndrias são
derivadas do espermatozóide (Gyllensten et al., 1991). Assim, embora cada gameta
contribua para o zigoto com um genoma haplóide, o genoma mitocondrial é trans-
mitido principalmente pelo parente materno. Reciprocamente, em quase todos os
animais estudados (o camundongo sendo a principal exceção), o centrossomo
necessário para a produção do fuso mitótico das divisões subseqüentes é deriva-
do do centríolo espermático (Sluder et al., 1989, 1993).
O núcleo do óvulo sendo haplóide é chamado de pronúcleo feminino. Dentro do
citoplasma do óvulo, o núcleo do espermatozóide descondensa para formar o
pronúcleo masculino. Uma vez dentro do óvulo, o pronúcleo masculino sofre uma
dramática transformação. O envoltório pronuclear forma vesículas com pequenos
pacotes, expondo, com isso, a compacta cromatina do espermatozóide ao citoplas-
ma do óvulo (Longo e Kunkle, 1978). As proteínas que prendem a cromatina no seu
estado condensado, inativa, são trocadas por proteínas derivadas do citoplasma do
óvulo. Essa troca permite a descondensação da cromatina do espermatozóide. Em
ouriços-do-mar, a descondensação parece ser iniciada pela fosforilação de duas
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 153

(A) (B)

Pronúcleo do óvulo

Ponte internuclear

Tempo (seg) Pronúcleo do


espermatozóide

Figura 4.29
histonas espermatozóide-específicas, que se ligam fortemente ao DNA. Esse pro- Eventos nucleares na fertilização do ouriço-
do-mar. (A) Migração dos pronúcleos do
cesso começa quando o espermatozóide entra em contato com uma glicoproteína na
óvulo e do espermatozóide em um ovo de
geléia do óvulo que eleva o nível da atividade proteinoquinase cAMP-dependente. Clypeaster japonicus. O pronúcleo do es-
(Tais proteino-quinases cAMP-dependentes foram mencionadas no Capítulo 1.) permatozóide está rodeado por microtúbu-
Essas quinases fosforilam vários resíduos básicos das histonas espermatozóide- los do seu áster. (B) Fusão de pronúcleos no
específicas interferindo, desse modo, com sua ligação ao DNA (Garbers et al., 1980, ovo do ouriço-do-mar. (A de Hamaguchi e
1983; Porter e Vacquier, 1986). Esse afrouxamento é considerado facilitar a substitui- Hiramoto, 1980, cortesia dos autores; B cor-
ção das histonas espermatozóide-específicas por outras histonas que haviam sido tesia de F. J. Longo.)
estocadas no citoplasma do oócito (Poccia et al., 1981; Green e Poccia, 1985). Uma
vez descondensado, o DNA pode iniciar a transcrição e a replicação. [fert9.html]
Depois que o espermatozóide do ouriço-do-mar entra no citoplasma do óvulo, o
pronúcleo masculino gira 180o fazendo com que o centríolo fique entre o pronúcleo do
espermatozóide e o pronúcleo do óvulo. Em seguida, o centríolo espermático age
como um centro organizador de microtúbulos, estendendo seus próprios microtúbu-
los e integrando-os com os microtúbulos do óvulo formando um áster*. Esses
microtúbulos se estendem através de todo o óvulo, contatam o pronúcleo feminino, e
trazem os dois pronúcleos um para perto do outro (Hamaguchi e Hiramoto, 1980;
Bestor e Schatten, 1981). A fusão forma o núcleo zigótico diplóide (Figura 4.19). A
iniciação da síntese de DNA pode ocorrer no estágio pronuclear (durante a migração)
ou depois da formação do núcleo zigótico.
Em mamíferos, o processo da migração pronuclear dura aproximadamente 12
horas, comparado com menos de uma hora no ouriço-do-mar. O espermatozóide do
mamífero entra quase tangencialmente à superfície do óvulo em vez de aproximá-la
perpendicularmente, e funde com numerosas microvilosidades (veja Figura 4.20). O
núcleo do espermatozóide mamífero também se parte quando sua cromatina
descondensa, sendo depois reconstruído por vesículas coalescentes. O DNA do
núcleo espermático é ligado por proteínas básicas chamadas protaminas; essas
proteínas nucleares estão firmemente compactadas através de ligações dissulfeto.
Uma vez no óvulo, a glutationa reduz essas ligações de dissulfeto, permitindo o
desdobramento da cromatina do espermatozóide (Calvin e Bedford, 1971; Kvist et

*Quando Oskar Hertwig observou esse arranjo radial de ásteres de espermatozóide no seu
recém-fertilizado ovo de ouriço-do-mar, chamou-o de “sol dentro do ovo”, e considerou-o feliz
indicação de uma fertilização bem-sucedida (Hertwig, 1877). Mais recentemente, Simerly e
colaboradores (1994) descobriram que certos tipos de infertilidade em homens eram devidos a
defeitos na capacidade do centrossoma formar esses ásteres microtubulares. Essa deficiência
causa a falência da migração pronuclear e a interrupção do desenvolvimento.
154 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

(A) (B) (C)

Figura 4.30
Movimento pronuclear em hamster. (A)
Entrada de espermatozóide na célula e al., 1980). O pronúcleo masculino dos mamíferos aumenta enquanto o núcleo do
tumefação do pronúcleo do espermatozói- oócito completa sua segunda divisão meiótica (Figura 4.30 A).
de. (B) Aposição dos pronúcleos do es- O centrossomo que acompanha o pronúcleo masculino produz seus ásteres
permatozóide e do óvulo. (C ) Estágio
(principalmente a partir de proteínas armazenadas no oócito) e contata o pronú-
bicelular mostrando duas células de tama-
nhos iguais com núcleos bem definidos.
cleo feminino. Então, cada pronúcleo migra ao encontro do outro, replicando seu
Entulho no espaço perivitelínico são os cor- DNA ao longo do trajeto. No encontro, os dois envoltórios nucleares se desinte-
pos polares em degeneração. (de Bavister, gram (Figura 4.30B). No entanto, em lugar de produzir um núcleo zigótico comum
1980, cortesia de B. D. Bavister.) (como acontece na fertilização do ouriço-do-mar), a cromatina condensa-se para
formar cromossomos que se orientam num fuso mitótico comum. Assim, um núcleo
zigótico verdadeiro em mamíferos é visto primeiro não no zigoto, mas no estágio
bicelular (Figura 4.30 C). [fert10.html]

Informações adicionais
& Especulações

A Não-Equivalência dos Pronúcleos de Mamíferos

G
ERALMENTE ASSUME-SE que lizando um óvulo no qual o pronúcleo óvulos se desenvolvam na ausência de
machos e fêmeas portam geno- feminino está ausente. Após penetrar no espermatozóide. A habilidade de desen-
mas haplóides equivalentes. óvulo, os cromossomos do espermato- volver um embrião sem contribuição es-
Um dos princípios fundamentais da ge- zóide se duplicam restaurando seu nú- permática é chamada partenogênese (do
nética Mendeliana é que os genes deri- mero diplóide. Assim, todo o genoma é grego, significando “nascimento vir-
vados do espermatozóide são funcional- derivado do espermatozóide (Jacobs et gem”). Os óvulos de muitos invertebra-
mente equivalentes aqueles derivados al., 1980; Ohama et al., 1981). Aqui ve- dos e de alguns vertebrados são capa-
do óvulo. No entanto, estudos recentes mos uma situação em que as células so- zes de se desenvolver normalmente na
mostram que em mamíferos o genoma de- brevivem, se dividem e têm um número ausência do espermatozóide se o óvulo
rivado do óvulo pode ser funcionalmen- normal de cromossomos, porém, apre- for ativado artificialmente. Nessas situa-
te diferente e ter papel complementar du- sentam um desenvolvimento anormal. Em ções, a contribuição do espermatozóide
rante certos estágios do desenvolvimen- vez de formar um embrião, o ovo se trans- para o desenvolvimento parece dispen-
to. A primeira evidência dessa não-equi- forma numa massa de células placento- sável. Os mamíferos, no entanto, não a-
valência veio de estudos de um tumor símiles. Não há desenvolvimento normal presentam a partenogênese. A colocação
humano chamado mola hidatidiforme. quando o genoma inteiro vem do paren- de oócitos de camundongo em um meio
Esses tumores parecem tecido placentá- te masculino. Evidência para a não-equi- de cultura que artificialmente ativa o
rio. A maioria dessas molas se desenvol- valência dos pronúcleos mamíferos vem oócito, ao mesmo tempo suprimindo a for-
ve de um espermatozóide haplóide ferti- também de tentativas de conseguir que mação do segundo corpo polar, produz
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 155

ovos diplóides de camundongo cuja Tabela 4.2 Experimentos de transplantes pronucleares


herança deriva somente do óvulo
(Kaufman et al., 1977). Essas célu- Classe de zigotos Número de transplantes Número de
las se dividem para formar embri- reconstruídos Operação bem-sucedidos sobrevivente
ões com medula espinhal, múscu-
los, esqueleto e órgãos, incluindo Bimaternal 339 0
corações latejantes. Porém, o de-
senvolvimento não continua e no Bipaternal 328 0
dia 10 ou 11 (metade do tempo da
gestação), observam-se profundas
diferenças entre os embriões nor- Controles 348 18
mais e os partenogenéticos, esses
deteriorando e ficando grosseira- Fonte: McGrath e Solter, 1984.
mente desorganizados (Figura
4.31). Nem no homem nem no ca-
mundongo o desenvolvimento
pode ser completado com cromossomos se desenvolvem até o nascimento, ao las somente o alelo de genes derivado
derivados somente do óvulo. passo que alguns ovos controle (con- paternalmente é funcional. (Na maioria
A hipótese que pronúcleos masculi- tendo um pronúcleo masculino e um fe- dos genes, naturalmente, os alelos deri-
nos e femininos são diferentes, também minino de zigotos diferentes) que sofre- vados do macho e da fêmea são equiva-
ganha apoio de experimentos de trans- ram tal transplante se desenvolvem nor- lentes e são ativados no mesmo grau
plante pronuclear (Surani e Barton, 1983; malmente (Tabela 4.20). Ainda mais, os em cada célula. Aqui estamos tratando
Surani et al., 1986; McGrath e Solter, embriões bimaternos ou bipaternos ces- de exceções a essa regra Mendeliana.)
1984). Pronúcleos recém-fertilizados de sam o desenvolvimento ao mesmo tem- Por exemplo, o fator de crescimento in-
machos ou fêmeas podem ser removidos po que camundongos partenogenéticos. sulina-símile II (IGF-II) promove o cres-
e adicionados a outros ovos recém-ferti- Portanto, embora os dois pronúcleos cimento de órgãos embrionários e fetais.
lizados. (Os dois pronúcleos podem ser sejam equivalentes em muitos animais, Em embriões de camundongos, o alelo
diferenciados nesse estágio, porque o fe- nos mamíferos existem importantes dife- de IGF-II derivado paternalmente é ati-
minino fica debaixo dos corpos polares.) renças funcionais entre eles. vo em todo o embrião, ao passo que o
Assim, podem ser construídos zigotos A razão para essas mortes embrio- alelo derivado maternalmente é em ge-
com dois pronúcleos masculinos ou dois nárias é que em algumas células somen- ral inativo (exceto em algumas células
femininos. Embora ocorra a clivagem em- te o alelo de certos genes derivado da neurais). Assim, se um camundongo
brionária, nenhum desse tipos de ovos mãe é ativo, enquanto em outras célu- herda um alelo mutante IGF-II de sua
mãe, irá se desenvolver até o tamanho
normal (já que o alelo derivado mater-
nalmente não é expresso); porém, se o
Figura 4.31 mesmo alelo mutante for herdado do pai,
(A) Embriões controle e (B) partenogenéti-
o camundongo terá crescimento preju-
cos (dois pronúcleos femininos) de camun-
dongos no 11 o dia de gestação. Os camun- dicado (DeChiara et al., 1991). O padrão
dongos estavam se desenvolvendo na mes- oposto de expressão alélica se encon-
ma fêmea. Além de serem menores e em de- tra para um dos receptores de IGF-II.
terioração, os embriões partenogenéticos Aqui, o gene paterno para o receptor é
também tinham placentas muito menores. (de mal transcrito, enquanto o alelo mater-
Surani e Barton, 1983, cortesia dos autores.) no é ativo (Barlow et al., 1991). As dife-
renças entre os alelos ativos e inativos
são consideradas ser causadas por mo-
dificações do DNA que ocorrem de ma-
neira diferente nos núcleos do óvulo e
do espermatozóide (serão discutidos
posteriormente no Capítulo 11). Como
certos genes importantes para o desen-
volvimento somente são ativos quando
provindos do espermatozóide e outros
tais genes só são ativos quando vêm do
óvulo, tanto pronúcleos maternos como
paternos são necessários para o desen-
volvimento completo dos mamíferos.
156 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

Rearranjo do citoplasma do óvulo


A fertilização pode iniciar deslocamentos radicais nos materiais citoplasmáticos do
óvulo. Esses rearranjos do citoplasma do oócito são muitas vezes cruciais para a
diferenciação nas etapas seguintes do desenvolvimento. Como veremos nos capí-
tulos 13 e 14, o citoplasma do óvulo freqüentemente contém determinantes
morfogenéticos que ficam segregados em células específicas durante a clivagem.
Esse determinantes, em última análise, conduzem à ativação ou repressão de genes
específicos conferindo, dessa maneira, certas propriedades às células que os incor-
poram. O arranjo espacial correto desses determinantes é crucial para o desenvolvi-
mento adequado.
Em algumas espécies, esse rearranjo na orientação pode ser visualizado pela pre-
sença de grânulos pigmentados citoplasmáticos. Um exemplo é o óvulo do tunicado
Styela partita (Conklin, 1905). O ovo não-fertilizado desse animal está apresentado na
Figura 4.32A. Um citoplasma cinzento central está envolvido por uma camada cortical
contendo inclusões lipídicas amarelas. Durante a meiose, a desintegração nuclear
libera uma substância clara que se acumula no hemisfério animal (superior) do óvulo.
Dentro de 5 minutos após a entrada do espermatozóide, o citoplasma interno claro e o
cortical amarelo migram para o hemisfério vegetal (inferior) do óvulo. Quando o pronú-
cleo masculino migra do pólo vegetal para o equador da célula, ao longo do futuro
lado posterior do embrião, as inclusões lipídicas migram com ele. Essa migração forma
um crescente amarelo, que se estende do pólo vegetal ao equador (Figura 4.32B),
trazendo o citoplasma amarelo para a área onde mais tarde células musculares irão se
formar na larva tunicada. O movimento dessas regiões citoplasmáticas depende de
microtúbulos que são gerados pelo centríolo e por uma onda de íons de cálcio que
Figura 4.32 contraem o citoplasma do pólo animal (Sawada e Schatten, 1989; Speksnijder et al.,
Rearranjo citoplasmático no óvulo do 1990; Roegiers et al., 1995).
tunicado Styela partita. (A) Antes da fer- Movimento citoplasmático também é visto em óvulos de anfíbios. Na rã, um único
tilização, citoplasma cortical amarelo ro-
espermatozóide pode entrar em qualquer lugar do hemisfério animal; quando o faz,
deia citoplasma cinzento, tipo gema. (B)
Após a entrada do espermatozóide, o cito-
altera o padrão citoplasmático do óvulo. Originalmente, o óvulo é radialmente simétri-
plasma cortical amarelo e o citoplasma cla- co em torno do eixo animal-vegetal. Após a entrada do espermatozóide, porém, o
ro derivado da degradação do núcleo do citoplasma cortical (externo) se desloca cerca de 30° relativos ao citoplasma interno,
oócito escorrem vegetativamente em dire- em direção ao ponto de entrada do espermatozóide (Manes e Elinson, 1980; Vincent et
ção ao espermatozóide. (C) À medida que al., 1986). Em algumas rãs (como Rana), uma região do óvulo que antes estava coberta
o pronúcleo do espermatozóide migra para pelo citoplasma cortical escuro do hemisfério animal fica agora exposta (Figura 4.33).
o pólo animal em direção ao pronúcleo do Esse citoplasma subjacente, localizado perto do equador, no lado oposto do ponto de
óvulo, os citoplasmas amarelo e claro os entrada do espermatozóide, contém grânulos pigmentados difusos e, por isso, tem
acompanham. (D) A posição final dos ci-
aparência cinzenta. Essa região tem sido referida como o crescente cinzento (Roux,
toplasmas amarelo e claro, marcam os lo-
cais onde as células dão origem ao mesên-
1987; Ancel e Vintenberger, 1948). Como veremos em capítulos subseqüentes, o cres-
quima e aos músculos, respectivamente. cente cinzento demarca a região onde se iniciará a gastrulação em embriões de anfíbios.
(Segundo Conklin, 1905.)

Pólo animal
Citoplasma Núcleo do Material do
Cortical oócito núcleo do oócito
Citoplasma
amarelo claro
Gema cinzenta

(A) (B) (C) (D)


Cório Pronúcleo do Citoplasma Pronúcleo do Citoplasma Crescente Material
Pólo vegetal espermatozóide amarelo espermatozóide amarelo amarelo da gema
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 157

(A) (B)
Ponto de
entrada do
espermatozóide Crescente
cinzento

Córtex

Citoplasma
interno Zona de
deslizamento

Figura 4.33
Reorganização do citoplasma no ovo recém-fertilizado da rã. (A) Corte transversal
esquemático de um ovo na metade do primeiro ciclo de clivagem. O ovo tem simetria
radial em torno do seu eixo animal-vegetal. O espermatozóide entrou por um lado e
seu núcleo está migrando para o interior. O córtex está representado como o de Rana,
com um hemisfério animal altamente pigmentado e um hemisfério vegetal transparen-
te. (B) Quando está aproximadamente em 80% de seu caminho na primeira clivagem,
o citoplasma cortical gira cerca de 30 o em relação ao citoplasma interno. Essa rotação é
importante porque a gastrulação irá começar na região oposta ao ponto de entrada do
espermatozóide onde ocorre o maior deslocamento do citoplasma. (Segundo Gerhart
et al., 1989.)

Em rãs como Xenopus, nas quais não se vê um crescente cinzento, podemos assim
mesmo, observar a rotação do citoplasma cortical em relação à camada interna,
subcortical. Esse movimento foi demonstrado por Vincent e seus colaboradores (1986).
Esses investigadores imprimiram uma grade hexagonal de corante (Azul Nilo) sobre o
citoplasma abaixo do córtex enquanto aplicavam outro tipo de corante (uma lectina
ligada à fluoresceína) à superfície do ovo. Quando o ovo foi mantido em sua posição
por inclusão em gelatina, os pontos de Azul Nilo puderam ser vistos rodar de 30° em
relação às manchas da lectina fluorescente (Figura 4.34). Em ovos normais, não inclu-
sos, a superfície do ovo é considerada girar enquanto o citoplasma subcortical, torna-
do pesado pelas plaquetas de gema, permanece estabilizado por gravidade.
O motor para esses movimentos citoplasmáticos em ovos de anfíbios parece ser
um conjunto de microtúbulos paralelos que ficam entre os citoplasmas interno e cortical
do hemisfério vegetal, na direção da rotação citoplasmática. Os rastros dos
microtúbulos são primeiramente vistos imediatamente antes do começo da rotação, e
desaparecem quando esse movimento cessa (Figura 4.35; Elinson e Rowning, 1988).
Tratamento do ovo com colchicina ou radiação ultravioleta interrompe a formação
desses microtúbulos, com isso parando as rotações citoplasmáticas. Usando anticorpos
ligantes desses microtúbulos, Houliston e Elinson (1991a) acharam que esses rastros
eram formados por microtúbulos derivados do espermatozóide e do óvulo, e que o
centríolo espermático direciona sua polimerização, fazendo com que cresçam para o
interior da região vegetal do ovo. Ao atingir o córtex vegetal, esses microtúbulos se
desviam do ponto de entrada do espermatozóide, em direção ao pólo vegetal. A posi-
ção descentralizada do centríolo espermático quando esse inicia a polimerização
microtubular, proporciona direção à rotação. A força motriz para a rotação é possivel-
mente, fornecida pela ATPase cinesina. Tal como a dineína e a miosina, a cinesina
pode fixar-se às fibras e produzir energia pela hidrólise de ATP. Essa ATPase está
localizada nos microtúbulos vegetais e nas membranas do retículo endoplasmático
cortical (Houliston e Elinson, 1991b).
O movimento do citoplasma cortical relativo ao citoplasma interno causa profunda
movimentação nesse último. Danilchik e Denegre 1991) marcaram plaquetas da gema
158 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

(A) (B)

(C) (D)

Figura 4.34
Rotação do citoplasma subcortical relativa ao citoplasma de superfície da célula. (A)
Um ovo recentemente fertilizado foi marcado com uma grade hexagonal de corante
Azul Nilo (que cora os lípidios nas plaquetas de gema). O ovo foi embebido em
gelatina, e as posições originais de alguns dos pontos marcados na superfície celular
com fluoresceína (círculos em A). O ponto de entrada do espermatozóide está marcado
com um S. (B,C) Com o progredir do primeiro ciclo, os pontos do citoplasma
subcortical mudaram de aproximadamente 30 o em relação à superfície externa imobili-
zada do ovo. O local no ovo designando a futura superfície dorsal do embrião está
marcado com um D. (D) Sumário desses movimentos na região vegetal (inferior) do
ovo. (de Vincent et al., 1986, fotografias cortesia de J. C. Gerhart.)

com Azul Nilo e observaram seu movimento por microscopia fluorescente (o corante
ligado emite fluorescência vermelha). Durante a parte intermediária do primeiro ciclo
celular, a massa do citoplasma central do ovo flui do presumível lado ventral (abdome),
para o futuro lado dorsal (posterior) do embrião (Prancha 7). Ao fim da primeira divi-
são, o citoplasma presumivelmente do lado dorsal do embrião, é distintamente diferen-
te daquele do provável lado ventral. O que havia sido um embrião radialmente simétri-
co, é agora um embrião bilateralmente simétrico.
Como veremos nos Capítulos 6 e 15, esses movimentos citoplasmáticos iniciam
uma cascata de eventos que determina o eixo dorso-ventral da rã. Realmente, os
microtúbulos paralelos que permitem esses rearranjos parecem estender-se ao longo
do futuro eixo dorso-ventral (Klag e Ubbels, 1975; Gerhart et al., 1983).

Preparação para a Clivagem


O aumento dos níveis de íons livres de cálcio intracelular também inicia a movimen-
tação de aparelhagem para a divisão celular. O mecanismo iniciador da clivagem
provavelmente difere entre espécies, dependendo do estágio de meiose em que
CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 159

Figura 4.35
Arranjo paralelo de microtúbulos se esten-
dem ao longo do hemisfério vegetal, ao longo
do futuro eixo dorso-ventral. (A) Arranjo pa-
ralelo de microtúbulos vistos na segunda par-
te do primeiro ciclo celular por anticorpos
fluorescente à tubulina. (B) Antes da rotação
citoplasmática (cerca de metade do ciclo) ne-
nhum arranjo pode ser visto. (C) No término
da rotação do citoplasma, os microtúbulos
despolimerizam. (de Elinson e Rowning,
(B) 1988, cortesia de R. Elinson.)

(A) (C)

ocorre a fecundação. No entanto, em todas as espécies estudadas, o ritmo das


divisões celulares é regulado pela síntese e degradação de ciclina. A ciclina mantém
as células em metáfase, e a sua degradação permite às células voltarem para interfase.
Além de suas outras atividades, os íons de cálcio também parecem iniciar a degrada-
ção da ciclina (Watanabe et al., 1991). Uma vez degradada a ciclina, os ciclos de
divisão celular podem se reiniciar.
A clivagem tem uma relação especial com essas regiões citoplasmáticas. Em embri-
ões tunicados, a primeira clivagem secciona o ovo em imagens duplicadas em um
espelho. Desse estágio em diante, cada divisão em um lado do sulco de clivagem tem
uma imagem em espelho do lado oposto. De maneira semelhante, o crescente cinzento
é seccionado pelo sulco da primeira clivagem em ovos de anfíbios. Assim, a posição
da primeira clivagem não é aleatória, mas tende a ser especificada pelo ponto de
entrada do espermatozóide e a subseqüente rotação do citoplasma do ovo. A coorde-
nação do plano de clivagem e dos rearranjos citoplasmáticos é provavelmente media-
da pelos microtúbulos do áster do espermatozóide (Manes et al., 1978; Gerhart et al.,
1981; Elinson, 1985).
Portanto, perto do fim do primeiro ciclo celular , o citoplasma se rearranja, os
pronúcleos se encontram, o DNA está se replicando e novas proteínas estão sendo
sintetizadas. O palco está preparado para o desenvolvimento de um organismo
multicelular. [fert11.html], [other.html#fert13]

LITERATURA CITADA

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160 PARTE II Padrões de Desenvolvimento

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