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Dados Internacionais de Catalogacio na Publicagio (CIP) (Cimara Brasileira do Livro, SP, Brat) Pato, Maria Helena Sours 'A produto do fracesso escolar: hisérias de submisstoe rebelia ‘Maria Helena Souza Patt. — Sio Paulo: Casa do Pscdlog, 1999. Dibliogeafi ISBN 85-7396. 1. Esudantes — Congigdes sociais_ 2. Fracasso escolar 3 Preconceitor 4. Piclogiaedueacional 5. Repeténcia 6, Sociologia cedvesconal 1, Tul, 99.2309 cpp-371.28 indices para catélogo sisemético: 1. Fracasto escola: EdueagSo 371.28 UFRRJ- NOVA IGUAGU Waitor: Anna Elisa de Villemor Amaral Gunter Capa: Yeory Macambira Maria Helena Souza Patto A PRODUCAO DO FRACASSO ESCOLAR Historias de submissado e rebeldia Casa do Psicdlogo® © perqusador deve sempre exorcarse para apreendr a reat ots con {rea mesmo qe stb nd poder en fila ndo ser de manele parcial s linia para tn, dese empenhar se ara negra ao ead ds flr roca “titra das toa nape, to, bem como para liar 9 estas doo ‘to daconetenca aoa ‘ria ed sud inf euar cosmic toc Lucie Gocpmanay A drvore que ndo dé frutos Ecingada de exert Quon Examine o sale? O gatho que quebra E xingado de podre, mas ‘Nao havia neve sobre ele? ‘Do rio que tudo arrasia Sediz que é voleno, ‘Ninguém diz violenas Asmargens que ocerceiam Berrou Brecirr 1 Raizes historicas das concepgoes sobre o fracasso escolar: o triunfo de uma classe e sua visdo de mundo As idéias atualmente em vigor no Brasil arespeito das dificuldades de aprendizagem escolar ~ dificuldades que, todos sabemos, se mani- festam predominantemente entre criangas provenientes dos segmentos mais empobrecidos da populagdo - térn uma histéria, Quando tentamos reconstitu(-la, percebemos rapidamente que para ertender o modo de pensar as coisas referentes & escolaridade vigente entre nés precisamos ‘entender 0 modo dominante de pensé-las que se insituiu em paises do leste europeu e da América do Norte durante 0 século XIX; € visivel {que os primeiros pesquisadores brasileiros que se voltaram para oestudo desta questio ~ e que imprimiram um rumo duradouro ao pensamento ‘educacional no pais ~0 fizeram baseados numa visdo de mundo que se consolidou nesse tempo e nesse espago. Quando falamos em visio de mundo trazemos a ona a questéo da natureza das idéias: serio elas resultado de “puro esforgo intelectual, de uma elaboragio te6rica objetiva e neutra, de purosconceitos nascidos da observacao cientifica e da especulaco metafisica, sem qualquer lao de dependéncia com as condigdes sociais ¢ histéricas” ou “sao, a0 con- tritio, expressio destas condigées reais"? As idéias explicam a realidade histérica e social ou precisam ser explicadas por ela? Quando um te6rico labora uma xplicagio do mundo, ele @té produzindo idéias ve {que ada dvem & sua existencia hisiiica e social ou'esté redl¥zando mia transposicio involuntéria para o plino das idéias de Felagéeg gociais ‘muito determinadas? (Chau, 1981 «, p. 10-16) 7 Partindo do modo:materialista hist6rico de_pensar'esta relagdo € {que afirmamos a necessidade de conhecer, pelo menos em seus aspectos fundamentas, a realidade social na qual se engendrou uma determinada 28 Mart Hea Svea Pat versio sobre as diferengas de rendimento escolar existentes entre criangas de diferentes origens sociais. E este 0 objetivo deste capitulo: reunir informagdes que nos permitam a0 menos vislumbrar afiliagao histérica das idéias — quer assumam a forma de crengas, quer a de certezas cien- tificamente fundadas ~ sobre a pobreza e seus teveses, entre os quais se inclui a dificuldade de escolarizarse Realizar esta tarefa requer, além do retorno a que nos referimos, lum contorno, de natureza epistemol6gica, que possibilite captar 0 que ¢sta realidade social ¢ (incluindo o entendimento do que é a ciéncia que nela se faz), @ partir ¢ além do que ela parece ser.' Nesse retorno, & inevitavel 0 encontro com 0 advento das sociedades industriais capitalistas, dos sistemas nacionais de ensino e das ciéncias humanas, especialmente da psicologia. Esse contomo, por sua vez, permite captar ‘esséncia do modo de produgao capitalista e das idéias produzidas em seu Ambito, condigdo necesséria para que se faa a critica destasidéias. Sem qualquer intengio de resumir a histria do século XIX ou de repro- duzir a andlise materialistahistérica do modo capitalsta de produgzo, Propomo-nos a elaborar um quadro de referéncias histicoe sociol6gico apenas suficiente para encaminharmos uma reflexio a respeito da hatureza das concepges dominantes sobre o fracasso escolar numa sociedade de classes, A era das revolugdes e a era do capital século XIX, em todas as suas manifestagdes, éfilho legitimo da upla revolugdo que se dew na Europa ocidental no final do século XVII: 4 revolugo politica francesa (1789-1792) ea revolugao industrial inglesa, que tem gomo marco a construgao, em 1780, do primeiro sistema fabril ‘do mundo moderno: as hist6ricas indstrias xteis localizadas na regio , britdnica de Lancashire. Abas vém coroat? © surgignento de relagées 8 1. A respeito desta distingho, veja Kosik (1969). i 4 (2, sta exgesso ett send iia aqui deliberate olga do verbo “produit fomente através desta cistlgto € posivel fazer jusient complexdade des ‘movimentts da hihria, Hobsawn (1982) cess impondncia Sosa cenes rSprias fleiras dos produtores ainda néo passavam, neste perfodo de tansicio, de simples gerentes, dependents dos mereagorese longe, p10, dese ransformar nos proptietris de indistiag ue jéexistias, omg excegio © em pequendnimero, na Inglaterra. OF mercador eng conitplador dessa produgaa descentralizada ¢ elementoide ligagdo entre ° Produtor¢'o mercado mundial (cf. Hobsbawin, 1982, p. 36) AA coexisténcia da nobreza com este novo homem empreendedor, ave apostava no processo econdmico e cientifico viabilizado pela A produgao do fracas escolar 3t twrlonalidade, no se dava sem antagonismos. A medida que o vuneronismo da produgao agréria diminufa seas rendimentos, a sktocracia procurava ocupar os altos cargos governamentais, valendo- vw ke seus pivlégis hereditérios de prestigio ¢ posigdo socal. Nesta lu, frequentemente esbarrava com os “mal-nascidos” que, pelas mos ‘hus préprios monarcas, j4 ocupavam muitos destes postos na maquina vtal* Segundo andlises histricas, a determinasio da nobreza 7 vexpulsar do aparetho estatal os ats foncioniioe pms sa eel fe as que adquiriram ttulos de nobreza por vias que riio a do nascimen “tine coneio como Tey eda" peso ude itadores da revolugdo francesa. Mas a “reaglo feudal" ndo consistiu apenas em contra-atacar a vsculada dos comerciantes ¢ industriais ambiciosos que faziam fortuna ims cidades e suas pretenses polticas reformistas; economicamente tmeagada, a nobreza procuravarecuperas o controle politica e econsémico «iu situago ocupando, a qualquer prego, os postos oficiais na admi nistragdo central e provinciana ae ts adios = estos para extorquir 0 campesinato. Portanto, “a nobreza nao s tnuperava a case mia mas também ocanpesata (Habba, 182, p. 75). Andlises histricas indicam que, nos vinte anos que pre- eoileram a revolugto, a situagdo do homem do campo francés piorou ‘sensivelmente; compreendendo 80% da populago, o campesinato fran- ‘embora proprietério majoritério de terras, nao as possufa em quan- tidade suficiente, defrontava-se com dificuldades advindas do atraso \cnico, ndo conseguia fazer frente as pressGes que o aumento popu- lucional exercia sobre a produgio agricola ¢ era saqueado por tributos de toda ordem. rec van em ods os Exias eindoHotsbvm, 0 mons bolas qe tia “Sie cei scant hoon ecg pena ict emt pre tno wesc ear Sctidde 29d de nore proasram eco apart et ne cen Neoffreulebcreornenam ase media ospdacempeendcor pps ina a Eade alate * planejado-que, com base em slogans iluministas, garantisse a muliplicdgto = ao fe tees ptr cne mea prs verted gue ener iluminada”paa realizar seu intretese xperanas bran. simone om sd alae de neces owls © senalnen Samlises 0982 p39 32 Maria Helena Sousa Patio As dificuldades financeiras de monarquia agravavam ainda mais 0 Quadro, Uma estrutura fiscal e administrativa obsoleta, aliada a tentativas de reforma incipientes e malsucedidas, gastos palacianos e o envolvi- ‘mento com a guerra de independéncia americana, numa tentativa de enfraquecer o poderio inglés, tornaram a situagio insustentével. Nas palavras de Hobsbawm (1982), “a guerra e a divida partiram a espinha dorsal da monarquia” (p. 76). O combate &aristocracia nfo foi obra, no movimento revoluciondtio francés de 1789, de uma lideranga partidéria nem se deu de forma organizada. Sua unidade foi garantida pelo consenso existente entre os integrantes de um grupo bastante coerente — a burguesia — constituido de advogados, negociantes ¢ capitalists. O “Terceiro Estado" ~ entidade ficticia destinada a representar todos os que nio eram nobres nem membros do clero, mas de fato dominada pela classe média ~tinha em sua retaguarda uma massa popular faminta¢ militante que se acumulava em Paris, Na verdade, a revolugio francesa foi uma reacao politica da burguesia, cujos Ifderes mais radicais, militantes ¢ instruidos — os Jacobinos ~ tomnaram-se porta-vozes dos interesses dos trabalhadores Pobres das cidades (os sans-culottes)e de um campesinato insatisfeito © evolucionério.% Os sans-culoties ~ grupo militante formado por traba- Ihadores pobres, pequenos artestos, lojstas, atifices, pequenos empre- Srios, etc. -formavam a linha de frente das manifestagdes, agitagdes e barricadas.6 Mas na transicéo do modo de produgto feudal para o capitaista, os antigos artesios ¢ camponeses vo perdendo suas condigdes anteriores de produtores independentes e de agricultores que ocupavam e cultivavam a gleba; destituidos de seus instrumentos de produgio, de sua matéria-prima e da terra para cultivar, suas. condigdes de vida ‘omaram-se insustentéveis; a peste e eventos climaticos contribuiram 5. Paco de revlon hava sina na rans cise opera sireto sensu; esa restigiase a uma asa de asslaadad conaiades oe eStbolecmetasquse sere ni india. ‘6. “Os sans-culottes so um ramo daquela importante ¢ universal tendéncia politica que irocira excess os intereses da grande masa de “pequenos homens gus obec ne os pos do ‘bugs do pole’ fegienement aver mala panos dete do ue dante pergue som soa mara pobresIabsoawn 1582681) A prods do fracass escolar 33 unt ornar 0 quadro mais dramético, Sao eles que vao integrar os grandes ‘aulingentes famintos que se acumularam nas cidades e que vieram a ‘sutlituir um tipo de trabalhador inédito na histéria da humanidade: 0 tvabulhdor assalariado, que vende no mercado de trabalho 0 nico bem ui Ihe resta, a enengia de seus miisculos € cérebro. So eles que vio lumar 0 contingente dos trabalhadores da indistia e as populagées his das cidades, submetidos @ um regime e a um tipo de trabalho que lw eram estranhos mas dos quais no podiam fugir. Sdo eles que vio ular nas méquinas e na indstria extrativa de sol a sol, em troca de vultrios aquém ou no limite fisiol6gico da sobrevivencia. ‘\ medida que ocapitalisa ia acionando diversos mecanismos técni- vm e politicos que garantissem o aumento do lucroe a acumulagao do ‘ iptal, a situagao do proletariadoia-se deteriorando progressivamente. Se uo momento da revolugao francesa burguesese trabalhadores pobres €ex- ‘Hlorudos pela nobreza se irmanaram na luta contra inimigo comum, ame- sll que 05 anos passam a divisdo social se expressa basicamente pelo ‘mitagonismo entre capitalistase proletérios. A concertrago crescente da wl nas maos dos grandes financistas e capitalistas ea primeira crise de tescimento que se abateu sobre a producZo capitalistaem tornodadécada 1830 geraram misériae descontentamento; nesta época, os trabalhado- tupobres quebravam as méquinas, acreditando que elas eram responsé- wis pela onda de desemprego, tal como jéhavia aconcecido na década de |INI0, Masainsatisfagao nfo era apenas daclasse tabalhadora: apequena Hturguesia de negociantes também foi vitima da nova economia, A partir de um perfodo inicial de expansio da produclo ¢ do tnercado e de lucros fantésticos, crises periédicas afetaram a vida eco- uwimica entre 1825 ¢ 1848. No contexto destas crises, a diminuigao da tninygem de lucro necessitava ser contida ¢ o rebaixamento direto ou {uditeto dos salérios era a medida mais eficaz no barateamento da pro- tlygtio, Diminus-Ios tomou-se a meta: para atingi-la, valor da mercadoria forga de trabalho” foi diminufdo, trabalhadores mais caros foram ‘ubstituidos e o trabalfio da méquina interferiu,gobre a quantidade ¢ a tualidade de trabalhé:humano necesséio.”. Nas palavras de Cetani “1, Lembremos que, segundo a andlise de Marx, 6 aur da maisvalia ¢ possve! ‘mediante duas medidas fundamentaiso aumento da jomadade trabalho (mais valia absolut) € a redgd0 do tempo de trabalho necessario'(muis-valia relat) pelo recurso a mecanizapdo dap UFRRJ-NOVAIGUACU | Rg SESSA OS { ee KASH 34 ‘Maria Helena Souza Patio (1982), da “aurora do capitalismo, quando ele se desenvolvia no invélucro ‘de uma sociedade predominantemente feudal” (p. 53)¢ ndo existia ainda © tabalhador proletétio, aé a desintegraglo final da producao artesanal (na qual um artesio jé semiprotetarizado se tomou um operitio industrial £08 que o financiavam e muitos dos que produziam nas condiges semi- industrials se transformaram nos capitalistas em ascensio), 0s grandes desafios enfrentados pela indistra capitalista foram a racionalizacio e © aumento da produgao e o incremento das vendas. Embora a produgio Por trabalhador tivesse aumentado muito até os anos 30 e 40 do século XIX, Hobsbawm (1982) nos informa que “a acelerago realmente Substancial das operagées da indsstria iria ocorrer na segunda metade do século” (p. 59). trabalho alienado tem suas origens no momento em que o produto omega a ser destitufdo dos meios de produgio e comeca a produzir Para outrem e os homens comegam a dividir-se em proprietérios exclu. sivos das méquinas ¢ da matéria-prima e trabalhadotes que nio as pos. Suem. As relagdes de produgZo que assim se estabelecem fazem parte da propria natureza do modo de produso que comesa a vigorar, No Primeiro Manuscrito Econémico e Filosdfico, Matx (em Fromm, 1970) Dropie-se a desvendar a verdadeira natureza desse trabalho, dessa forma de trabalho na qual a) o trabathador se sente contrafeito, na medida em gue o trabalho nio é voluntério mas ihe & imposto, € trabalho forcado, b) 0 wabalho nao ¢ a satisfagio de uma necessidade mas apenas um ‘meio para satisfazer outras necessidades; c) o trabalho nto 6 para si, ‘mas para outrem; e d) o trabalhador nio se pertence, mas sim a outra Pessoa, Para Marx, a alienago do objeto do trabalho simplesmente se ‘esume na alienagdo da prépria atividade do trabalho, O caréte alienado deste processo de trabalho fica patente, segundo Marx, pelo fato de que, sempre que possivel,ele Gevitado, Trabalhar nes. {as novas condigdes da inddstria capitalsta, significa mais do.que sacri. ficars, significa mortficar-se. De vida produtiva,o trabalho reguz-se a ‘melo para sptisfagao da necessidade de manter a existéncia, Rgta iden- tficagdo cm a atvidade vital écaracifistica do animal, que nto distingue ‘atiyidadg de si mesmo: ele é sua atividade. 14 ohomem faz de sua ativi. dade vital um objeto de sua vontade econdmica. A atividade vital co ciente do homem € que o distingue da atividade'vital dés animais: mas quando submetido a um trabalho alienado, o rabalhador s6 se sente livre A produgde do fracas excolar 35 ‘yanulo desempenha suas fungoes animais: comer, beber, procriar etc, ‘typinnto atos& parte de outras atividades humanas e convertidos em fins Unliitivos e exclusivos. Uma tal condigo de vida produz uma inversio «bannanizadora: em suas fungGes especificamente humanas, 0 trabalha- star nimaliza-se; no exercicio de suas fungées animais, humaniza-se. A medida que a reac do proletariado foi se delineando ¢ passou a tw expressar através de formulagdeste6ricas socilistas e movimentos uvollicionérios concretos, como ocorreu entre 1815 ¢ 1848, os varios lpis de govemo reformista que se sucediam nko passavam de formas ule dofender os interesses da burguesia das pressdes revolucionsrias suvilistas © monarquistas. Mas a ruptura entre burguesia e proletariado tuto se daria, exceto na Gra-Bretanha, antes de 1848. Nesta primeira tnctade do século, o proletariado, mesmo o mais consciente e militante, rronsiderava-se um dos extremos de uma luta comum em prol da \lemocracia e via a repiblica democrético-burguesa como caminho 11m ditegdo ao socialismo.* Mas a historia deste perfodo € também a hist6ria da desintegragao dessa alianca ' Durante oséelo XVIlie na primera dcadasdo século seguinte, An burguesia foi porta-voz do sonko humano de um mundo igualitério, Jiaterno e livre; mais do que isto, do lugar que ocupava na nova ordem social gerou e disseminou a crenga de que este sotho se concretizaria na Sociedade industrial capitalista liberal; em meados do século XIX, 0 rronho havia acabado para alguns setores mais conscientes das classes rabalhadoras e para seus intelectuais orgdnicos. Em torno de 1830, um ‘movimento socialistaeproletéro era vsive na Gri-Bretanhae na Fran- ‘45 uma mass de trabalhadores pobres “via nos efermadorese liberais seus provaveis traidores e nos capitalistas seus inimigos seguros’ oo 1s situacionistas passaram a nao ver com bons olhos os eriticas da so- ‘tiedade capitalistae os radicais militantes, especialmente em sua verso (operéria revolucionéria, 0 que resultou no rompimeglo da alianga de doves.? 5 - 6. Para Hobsbawm (1982, p. 146), 0 Manifesto Comunisa de Marx € Engels (1848) & ura declaragdo de guerra futura conta a burguesi, mas de lianga presente 9. "As Forgas socais que ergizam o que hoje se chama de século XIX encontraram pela 36 Maria Helona Sousa Pato © que inviabilizou o sono? Segundo Hobsbawm (1979), “a sibita, ‘asta ¢ aparentemente inesgotével expansdo da economia capitalisin ‘mundial foreceu alternativas politicas aos paises mais avangados”. A tevolugdo politica recuou, a revolugdo industrial svangou a evolugae industrial havia engolido a revolugao politica” (p. 22), quebrando sinetia esis is aera, A Socal elfen ce igualdade de oportunidades a todos os cidadios, da melhoria das condigées de vida que o liberalismo econdmico supostamente a Sociedade real foi a do triunfo da alta burguesia, a custa 1 das classes trabalhadoras, que através de seu esgotante trabalho cotidiano produziam a sua propria miséra eo entiquecimento osu dos empresrios. Esta contradgio fundamental, nsalada na ula do modo de produgdo capitalist, a historia n rcs pout de produgdo capitals, ser 0 motor da histéia nos Na “era do capital”, que se inicia em 1848, a politica se caracterizou Por reformas sociais que tinkam como meta defender os interesses da durguesia: dirigir as massas, traduzir suas reivindicagdes em termos ‘Assimildveis pela ordem social exstente era o caminho mais eficaz para {hes permitr uma participacao politica sem que se tornassem ameages incontroléveis,° jé que no podiam ser simplesmente exclufdas desta Participagio. A superioridade econdmica, tecnoldgica e consequente. ‘mente militar de estados da Europa central e do norte e de paises fun, ‘A pesquisa hist6rica revela que uma politica educacional, em seu ‘wnido estrito,'6 tem infcio no século XIX e decorre de trés vertentes da Vinio de mundo dominante na nova ordem social: de um lado, a crenca, tuo poder da razio.e da ciéncia, legado do iluminismo. de outro, 0 projeto Mhoral de um mundo onde a igualdade de oportunidades viesse a vunbstituir a indesejével desigualdade baseada na heranca familiar linulmente, a luta pela consolidagéo dos estados nacionais, meta do 'micionalismo que impregnow a vida politica européiano século passado. ‘Mais do que os dois primeitos, a ideologia nacionalista parece ter sido a |wincipal propulsora de uma politica mais ofensiva de implantagao de luvles pablicas de ensino em partes da Buropa e da América do Norte nas tikimas décadas do século XIX. A crenga generalizada de que chegara 0 momento de uma vida ‘wwialigualitéria ¢ justa era o cimento ideol6gico que unia Forgas e punha ‘rm televo a necessidade de instituir mecanismos socisis que garantissem |, No momento histries'em que emerge, esa identiicaglo ene estes dois conceitos ‘40 mesmo sempo revolucioniria - na medida em que impugna a visto de mundo ‘dominante alent, justfcadora da estrutf socal sab as monarguias absoljtas ‘coonservadga, pois contém uma cbt homer, de sociedade que obscurece a percepedo da realdade soil nascente,fazendoerernaexisténc \d.gtegragio e reciprocidade onde hi conradiso eintereses inconclveise de ‘gualdadeve iberdade onde se sedimenta um nova forma de desigualdie e de press. i 1, Segundo Zanotti (1972), politica educacional é“a ago sistemdtic epecmanente do 'stadodirgida &orientado, supervistoe provisto do sistema educativo escolar” 0.2. 42 Maria Helena Soura Pato a transformacio dos siditos em cidadios, Para isto, a constituiglo determinaria direitos e deveres; 0 aparelho judiciério, considerado um / oder independente, garantiria a cada cidadiio a defesa de seus direitos? ‘aimprensa livre ficaria encarregada da dentinciae dacritica dos desvios; as eleigdes garantiriam a participacdo popular nas decisdes, através da escolha de seus representantes e da rejeicio dos maus govemnantes. Para ‘garantir a soberania nacional e popular, que enti se supunha posstvel ‘numa sociedade de classes, a educagao escolar recebe, segundo Zanotti (2972), uma fundamental missio: "a ilustragéo do povo, a instrugo paiblica universal, obrigat6ria, a alfabetizagao como instrumento-mie ‘que atingiré o resultado procurado. A escola universal, obrigatéria, comum ~ e, para muitos, leiga ~ serd também 0 meio de obter a grande ‘unidade nacional, seréo cadinho onde se fundirio as diferengas de credo © de raga, de classes e de origem” (p. 21). Daf para a concepcao da escola como instituigio “redentora da humanidade” foi um passo Pequeno, o que ndo significa afirmar que os sistemas nacionais de ensino tenham assumido proporgies significativas de imediato; a0 contrétio, do final do século XVIII até meados do século seguinte, a presenca social da escola € muito mais intengo de um grupo de intelectuais da burguesia do que realidade, A inexisténcia de uma efetiva politica educacional neste perfodo, apesar de sua prescrigéo legal, deveu-se, segundo andlises histéricas, a varias circunstincias: 1) a pequena demanda de qualificagao de mii de-obra no advento do capitalismo e as maneiras altemnativas de sup 1a; 2) a desnecessidade de acionar a escola enquanto aparato ideol6gico ‘nos anos que se seguem & revolugio francesa, até pelo menos o final da primeira metade dos oitocentos; 3) as presses inexpressivas das classes Populares por escolarizagio, nos primeiros anos da nova ordem social; 4) a prépria marcha do nacionalismo e suas contradigées. Quanto a relagio entre escola e capital, fontes histricas dispontveis niqgautorizam a conclusdo de que, de 1780 até pelo mengs 1870, a escola tena sido uma instituigo necesséria A qualificagao daselasses populares ‘Pita 0 trabalho que movia'os setores primario e secundério da economia capitaista. Na Gra-Bretanba, por exemplo, a transferfacia de: mao-de- cobra do.campopara cidade foi o resultado da passagem para uma ecortomia, industrial que implica uma diminuig&o da populagao agricola e aumento crescente da populagao urbana. Estas andlises indicam também que a A producdo do fracaso escolar 43 twtlonalizago do modo de producao no campo foi obtida muito mais por Itmusformagdes sociais do que pela introdugao de inovagbes teenolégicas ‘uk produgdo agricola? Comestastransformagdes, os camponeses ficaramm uilizidos, a partir de 1815, a uma massa expropriada, o que levou lobsbawm (1982) aafirmar que “em termos de produtividade econ6mica ‘tn ransformagdo social foi um imenso sucesso; em termos de softimento lnmuno, uma tragédia” (p. 66). A industializagio beneficiou-se deste vangente de camponeses erradicados que se amortoavam nos centros linlustrias e se transformavam, segundo Iglésias (1981), em “farta mao- ‘ier dispontvel, que se sujitaa qualquer saléro, vivendo em condigses tle miséria, promiscuidade, falta de conforto ¢ higiene, em condigdes suh-humanas” e constituindo “variantes do que Marx chamou de ‘exéreito Inustrial de reserva" (p. 77). A questio da adequagio dessa nova classe de trabalhadores as novas ‘vondigSes de trabalho era resolvida através de outros meios que no a ‘scolarizagdo. Na medida em que a maquina ainda néo era o principal Iusiumento de produgdo, as existentes eram de funcionamento simples e nde parte da produgio text se dava através do trabalho manual ou em {caves rudimentares que funcionavam nas casas ou em pequenas oficinas, ‘oprande problema de qualificagdo da mo-de-obra nioeraa aquisigao de hhablidades especificas mas sobretudode atitudes compativeis com anova twaneira de produzir:“... todo operério tinha que aprender a trabalhar de ‘uma maneira adequada &indastria ou seja,num rimmo regular de trabalho \idrio ininterrupto, inteiramente diferente dos altos ebaixos provocados las diferentes estagbes no trabalho agricola ou da intermiténcia autocon- \wolada doartesdo independente, A mo-de-obra tinhatambém que apren- dra responder aos incentivos monetérios.”(Hobsbawm, 1982, p. 67) ‘As medidas mais imediatas ¢ eficazes de capacitagao da classe trabalhadora inclufam impor uma disciplina rigida no ambiente de tra- batho, pagar pouso ao operétio para forgé-to a trabalhar sem descanso, durante toda:a setiana para poder sobrevive recorrer a uma mio-de§ obra mais décil,:6mo as mulheres ¢'as ctfangas, mediar a relaca 11. A tel das creas; por exemplo, acabou con ocultivo comunal da Idade Média, im 1 cultura:de subsistincia © com a relapo ndo-comercial com a tera, fazendo de ‘Grt-Bretanha um testrio de alguns prandespropritiros ede muitos srendatirios ‘comercisis que contratavam trabalhadoresrarais, 0 que promoves a introrizacdo ‘do modo capitalist de produto. 44 Maria Helena Soca Pato entre patrdes € empregados pela aco vigilante e cobradora de in- {ermediérios que garantiam a disciplina do trabathador. De outro lado, 4 demanda de trabalhadores tecnicamente habilitados estava suprida n brimeito pais capitalista; ainda segundo Hobsbawm, a Ienta semi-in- dustrializagéo da Grd-Bretanha nos séculos anteriores ao dezenove roduziv um contingente suficiente de habilitados, Este fato a levou, 20 Contrério dos pafses do continente, a ndo dar maior atengao & educagio téenica e geral durante muito tempo. No entanto, mesmo quando a especializagdo técnica do operério passa a ser uma necessidade, seu ccinamento € feito no proprio abalho; por isso, cabe afirmar que a fabrica foi, nos anos de consolidagio do capitalismo, a escola Profissionalizante por exceléncia. Neste perfodo, a escola também nao é necesséria enquanto ins- igo destinada a fixar um determinado modo de sociabilidade; sua

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