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JEAN HEBRARD O objetivo da escola é a cultura, nado a vida mesma e pesquisos nas éreas d 0 e Histéria Cultwval ‘da pelo sistema de dedicsie patie Ristéria das ag bésicas de len escrever © contar © aos processos autodidatas de aprendizagem. His dois anos participa do Centro:de Estudos sobre o Brasil Contemporéneo da EHESS, sdo contempordi edueag ev. sta ‘+ PRESEHGA PEDAGOGICA + 5 Del me Deine 26 n.33 mai. Bele bowzer ENTREVISTA JEAN HEBRARD As questoes relacionadas & educagao me interessam profundamente: minha érea especifica de atuagao 6a escola primarla, a aprendizagemi ‘élementar: PP: Com que temas vocé tem traba Thado ao longo de sua trajetéria? Hébrard: Tive uma forn fo pro: fundamente marcada pela educagao priméria, como professor como aluno, © pelo ambiei , onde se dew minha formaso de base. Tenho traba- ‘cdo, 20 longo do tempo, especialniente com os fendmi 105 da aculturagdo e com o_autodidatismo. As clonadas & educaso me interessam pro- stBes rela fundamente: minha dea especifica de sscola priméria, a aprendiza- clementar. Quando tcaball Escola Normal de Saint-Cloud, forman- do professores para as escolas normais, fui progeessivamentayao dongo=desse formagio, percebendo a importincia da Histéria, Para trabalhar com esses pro- fessores, de todas a8 disciplinas, @ pro- blema era como falas, como inventac um discurso capaz de constitir uma for- magio geral para eles. A evi esta va na Histéria. Fui, enti, fazer for magio em Hist6ria, na Ecole de Hautes Etudes, Deixei a minha format Filosofia e fiz uma, formagio em Histiria, tendo como professores Roger Chartier, Jacques Revel € Dominique Julia, Uma coisa muito importante para ‘mim foi a ligagio de Roger Chartier com 0 Estados Unidos, porque ele ia Ida tra 6.» PRESENGAPEDAGOGICA * v6.33 + maiajun. 2000 balho muitas vezes e trazia para nés toda a bibliografia do momento. Especia: lizei-me na histéria da alfabetizagio Meu primeiro artigo nos Annales é s fa histéria da alfebetizagao. Foi muito nvolvide importante para mim ter uma maneira nova de pensar a historia cultural, que & precisamente essa his- téria dos equipamentos in Figuei muito impressionado quando descobri Lucien Fébvre, para mim 0 maior historiador francés. Ler sua obra foi uma experincia maravilhosa. Lucien Febvre tomou-se, para n6s que somos interessados na educaglo, que fazemos Histéria Cultural, uma Teitura impres -cindivel_ Porque, para-mmim=é=muito ducagzo, pp: & um campo muito desprestigis do esse da educagio, nao € Hébrard: A educago é a minha vida, Para mim nfo existe nada mais forte do que a educasa import PP: Ea pedagogia? Hébrard: Nao, Penso_ que a pede gogia € um discurso vazio. A educa ampo politico: ¢ cultural. ‘Um desafio permanente para as de ITREVISTA JEAN HEBRARD Nao 6 possivel montar apenas com a vontade uma escola diferente. A escola 6 um processo tao complexo, mas to complexo que é impossivel, apenas com a Yontade, mudéJa, Voc8 herda os, dispositives; & para modificar um pouquinho esses dispositivos & preciso saber muito bem como PP: E 0 que vor! estd chamando de pedagogia? Por que vocé a considera n discurso vazio? Hiébrard: A pedagogia ere uma coisa terrivel na Franga. Uma de suas fungées , por exemplo, a de justificar por que se faziam determinados exerci ios em sala aula. E terrivel esse discurso de articu lag de um exercicia, lado de um séoulo de histéria da edueasio. Como articular esse exercicio com uma finali- dade filos6fica? Cada vez que uma pessoa me fala, normalmente um profess formagio, de pedagogis, cito Nietzche, com a Genealogi a da Moral. A Genealo tipeda- B6gico que conheso, porque o discurso gia da Moral & o livre pedagégi que a iitervengao na edu cacao, particulas te na formagio, no é uma intervenso que se faz com o objeti- io que s faz dentro da determinagio da propria histéria, Penso que os eventos na histria da educaso, no campo da educasio, sfo muito determinados. Nio & pos sivel montar.apenas com a vontade uma escola diferente. A escola é um proceso tio complexo, mas téo complexo que é impossivel, apenas com a vontade, mudi Ja, Voo8 herda os dispositivos, e para mo- dificar um pouquinho esses dispositivos & =a escolar preciso saber muito bem como fun. ciondm. Penso que a nica forma de inter- vengao & a descrigio da escola, Se voce é capaz de descrever bem o que aéontece na eseéla, 0 que é a escola, vor capaz de ‘mudi-la um pouquinho. Essa capacidade de descriggo € fundamental, porqu coisa mais importante na vida da escola é ie. Os a repetigéo, a repetigdo pecmane problemas com os quais 2 aritmética tax batha so to fortes, que & impossivel encontrar, a cada séeulo, uma forma tio forte. 0 ditado é uma forma tao forte de intervengao pedagégica que néo é pos sivel inventar a cada século um exercicio {to forte, Assim, a repetigdo é 0 nicleo da pedagogia; e define em parte os PP: Quais seriam os tempos da escola? Hébrard:"O tempo de base € 0 tempo das praticas. um tempo muito, muito lento. O segundo é 0 tempo das a politicas da educagao, da organizagl Escola, dos grandes modelos de organi zagfo. Em vinte séeulos ou mais, por cxemplo, existiram somente dois moc ividual ¢ © ensino simultingo, E 6 terceifa tempo & 0 do iscurso, muito forte e de uma veloc dade muito répida. Uma invengao di siva a cada ano, a cada més, acada dia. 0 6133+ maiofjun, 2000 + PRESENGA PEDAGOGICA + 7 ENTREVISTA, JEAN HEBRARD A famitia tradicional, acabada, falida, enfrenta uma realidade nova, particularmente a da adolescéncia. 8, educative, uma istema ruptura definitiva om face-de-uma! tealidade que o professor nao consegue mais trabathar, Esta realidade 6 uma oposigao muito clara: os alunos existem. trabalho da universidade & fazer jnveagio permanente de um discurso pedagogieenovo pare falar da org do politica, que € muito lenta,¢ da prati- Unica: é imovel. E a pric ‘mente, Anne-Marie Chartier ¢ eu usamos muito a nogo de forma escolar. Anne. Marie fala que € preciso trocar o discur- so de maneira muito répida, para se ficar nna moda, Para isso, usamos o termo dis- positive. So pouces os dispositivos que podem funcionar na escola, numa situ: ago na qual voc tem um sujeito em frente 2 quarenta, cinglienta alunos, em ‘um tempo organizado com umn ritmo par- ticular, com a resttigdo do desenvolvi- mento_mental. do aluno, da idade: do aluno.. pouces. 0s dispositives jonar dentro desse mo ccapazes de fi Io, to dessa quantidade de restrig6es. PP: No momento em que voc® estava fazendo a sua formasio em Historia e pensando em educagao, vivemos um quadro de ctos: © im ios imp; pacto de 68, 0 impacto dos trabalhos sobre.o sistema de ensind francés, que mostram a'articulagio entre © sistema de ensino ¢ as desigualdades sociais. Quando analisamos a His toria numa perspectiva de longo prazo, esquecemos que, embora a B + PRESENGA PEDAGOGICA * 6.n.33 + mafaJun, 2000 forma escolar continue a mesma, hi fendmenos que alteram comple mente 0 significado dessa forma esco- Jar joc8 fala da educasao antes de tudo na sua dimensio politica. Entlo, jicular essas coisas? Hébrard: Os anos 70, na Europa, no mundo, sio os anos da educasio. E um ‘momento importan porque € 0 momen to de uma mudanga muito grande, como aparecimento de uma cultura nova, que rio existia, Aliés, nfo propriamente 0 aparecimento de uma cultura nova, mas lum geupo social novo, que s20 a5 et angas, As eriaiigas como realidede no mundo, ¢ nfo imais uma realidad: somente da familias familia tadiciona}, ‘acabada, falida, enfrenta uma nova, particularmente a da ado! Ha, no sis tema educative, v definitiva em face: professor no consegue mais tr Esta realidade € uma oposis clare: 0s alunos existem. Ante as familias e nfo os alunos. Eu penso 4 (05 anos 60 e 70 forim anos terriveis pare fa educago, porque todos os modelos ‘educativos se mostraram fracassados. AS idéias naquele momento — éramos todos marxistas — estavaim ligadas ao fracasso dos alunos. E ante a nossa vontade de emocratizar a educasio, 08 ENTREVISTA, JEAN HEBRARD 0 problema é que, 2 partir dos anos 70, 0 sistema de transferéncla da cultura nao funciona mais. Porque os alunos nao sao alunos sem cultura ou com a cultura da familia. Sao alunos com_uma-cultura que nao é mais a cultura da familia, mas que existe e que é forte. diziam que o sistema educativo era-um sistema de reprodugo. A verda queo fracasso'do proprio sistema & devido as pessoas: so os altinos que fazem o sis tema falir © nlo 0 gt capital, nem mesmo @ revoluso do proletariado. S40 6s alunos, so as criangas que quebram o sistema, E agora é vel porque 0s ado- lescentes so capazes de provocat a falén cia do sistema, PP: f possivel estabelecer 0 Iago entre a cultura jovem e 2 cultura da gerasio anterior? Hebr Esse 6 um grande proble ma pars nés hoje. por isso que os anos 70 so anos muito sivos, porque mar- canto -nascimento:de-ume:éontradigzo. Pensdvamos que a escola era um disposi ivo muito simples para transferir 0s co- ah imentos de uma geragéo a outra. O probl & que, a partir dos anos 70, 0 sistema de transferéncia da cultura nfo funciona mais. Porque os alunos nfo so ‘alunos sem cultura ou com 2 cultura da familia. Séo alunos com ume eultura que nfo & mais a cultura da familia, mas que existe © que é forte-Isso é muito impor -0 momento, a Socialo- Eno prim gla — de Bourdieu, de Baudelot — foi ‘uma ilusio, O trabalho real sobre a Socio- logia da Educagio se faz nos anos 80€ 90, 6 n33* m nna Franga — penso particularmente no trabalho sobze 0 colégio € os adoles: centes, de Frangois Dubet. Seu trabalho ela que os adales nfo para aprender, mas para viver a cul- ura de O que é mais importante (5 alunos, dentro do colégio, organizam, estruturam, inventam uma cultue € a cultuma e ssa cule, que» Para eles, a lua escolar & um prego 2 pagar para viver, juntos, essa realidad, essa sociabilidade que é da juventu PP: cultura jovem, as propostas educe ‘a tentativa de acompanhar essa cionais, mais do que aproximar, ta vez tenham promovido, como voce disse, "tnie RES SS dessa cultura, O que voc® acha des- sas novas propostas centradas na cailturs dos alunos? Hebrard: B importante pensar sobs 2 primeira reagio diante dessa situ Aificil. Lembro como os professores, nos ‘anos 70, mesmo na universidade, tinham horror de trabalhar como professores, nessa situagio. Sentiam-se diante de alunés que nfo estavam "nem ai" para o sjo de saber, ‘do tinham nenhum aprender, E impressionai 2 A primeira idéia tradigdo. O que faz da escola foi a de jogar com esse piblico, rao jun, 2000 * PRESENGA PEDAGOGICA NIREVISTA JEAN HEBRARD A vida no 6 um objeto para a escola, 0 objeto da escola é a cultura, nao 6 a vida. Vocé nao pode trabathar com a vida, a vida Viva. A vida nao serve para trabalhar, Na escola, 6 preciso haver um objeto fixo, que nio mude demais, Nao 6a vida, de uma maneira mivito siraples: era capaz de escolarizar a cultura do over, era’ mais facil guardé-to na la, Foi um momento de uma invengdo, penso que nos Fstados Unidos. 0 fracas. so da escola é a sua incapacidade de tra bathar, de uma mai ar, cultura *selvagem". Para Labov a cultura "sel- vagem" cra a cultura dos guetos, dos negros dos Estados Unidos. Para nds, era 2 cultura da periferia urbana. A questio ea’como trabalhar e, vez, se possivel, escolarizaressa cultura estranha. Quando estive na Guiana, vivi exatamente 0 mesmo problema, a0 trabalhar com os indios. Na verda foi um fracasso, um. ssa culture é segundo fiacasso, Porque ide aa Nio'€ um sistema estético= Gtico, & a vida mesma. A vida nfo é um objeto para a escola. O objeto da escola & a cul 1, ndo é a vida, Vocé no pode trabalhar com a vida, a vida viva, A vida no serve para trabalhar. Na escola, é preciso haver um objeto fixe, que no mude demais. Nao é a vida. A vida & impossivel. Isso & muito interessante Meu fitho € professor na escola de base Emi um bairro de Paris. habitido por afticanos. Temi formiagao em literature € vuma grande sensibilidade para com a lin gua, Tenta sempre aprender a lingua dos alunos. Impossi a lini porque WO + PRESEHGA PEDAGBGICA © 67.33 + maiodjun. 2000 muda de maneira permanente, Um dia ele consegue falar a lingua do momento, Uma semana depois, a lingua do momen: to jé ndo existe, € uma lingua fiova que funciona. PP: Entio é preciso que 2 escola con: siga, a0 mestio tempo, considerar essa cultura jovem e fazer um traba- Tho de transmissio do patrimbnio cultural? Hébrard: Penso que foram nec so. A os vinte anos para enten¢ questo & como fazer da transmissio do patriménio algo que possa interessar a essa cultura "selvagem". Como fazer? O CSch gear aan psig aduta. Porque toda a geragio dos professores dos anos 7080 fo una mais concordo ga geragdo. Cada ve com a posigo de Hannah Arendt, na Crise da cultura: a fungao da escola é assumir a posi posisao do futuro, porque o futuro & a invengdo da nova geragao. Nio pode ser a invensao da gétaglo precedénte, Pare que @ nova geragdo possa inventar 0 futuro é preciso que a antiga geragio — 16s, 0s professores — assuma a posigio ENTREVISTA JEAN HEBRARD 0 problema éducativo que temos na Franga, © imagino que seja semelhante no Brasil, em todas as classes sociais, 6 que os adultos sao incapazes de assumir a posigao de adultos aiante das eriangas. As criangas nao so capazes de aceitar a disciplina da escola. O-que 6a disciplina da escala? de passado. Na Franga, 6 evideate que agora — nio asseguro que seja seme: Ihante em todos os paises, eada um com posigdes um pouco diferentes — a nova ‘geraglo de professores tem a possibili- dade de assumir essa posigSo de adultos. Penso que agora nieu filho & mais adul- to do que quando eu era professor. Bem Porque ele & capaz de assumir uma posiglo de autorida PP: Porque é 2 posigdo daquele que ‘Hébrard: Exatatnente. Na evolugo da sociedade, @ familia nfo 6 mais capaz je assumir uma pasifao de adulto, E as criangas que estio na educagao familian’ O problems educati vo que temos na Franca, e imagino que seja semelhante no Brasil, em todas as is, & que os adultos sto incapazes de assumir a posiglo de adul- tos diante das criangas, As eriancas no sho capazes de accitar a disciplina da escola. O que € a disciplina da escola? preciso um trabalho muito, muito grande no presente. E isso s6 épossivel quando, educacao femiliai, os adultos n cHiangas. Bu penso que, hoje, é mais difi- cil usar a escola'do que foi no século passado, Poderiamos pensar que a esco: Ia do século XI n8i seja mais uma 1:67.33 maiofn, 2000 + PRESENGA PEDAGOGICA escola, que seja preciso inventar um outro dispositive para transmitir 0 patriménio cultural, Para construir ~ equipamentos intelectuais dos alunos. a escola ndo é a tinica possibilida nuitas as possibilidades PP: E voc acha que tem surgido algum sistema paralelo que se esté instaurando, pela midia, por exeroplo? Hébrard: Sim. Uma revista semanal fran esa, muito lida pelos professor que se chama Nouvel Observateur, me pediu para eseres + tma utopia, De cade rea da sociedade, escolheram uma per sonalidade para escrevér uma utopia Escrevi uma utopia da escola. Penso que alt do Finan po tema muito diferente, muito com poucos anos. Uma formacio ime: ita: ler, escrever, contar, fala trabalho. Para todos. preciso inv uma sociedade que seja capaz de faze os adolescentes trabalharem — 0 caso francés é bem diferente do brasileiro introduzindo-os na vida da cid Depois, a escola seria um sistema pi manente de educagao, até 0 fim da vide, e nés, prof amos capazes de © nés, professores, seri ensinar a essas pessoas na condigio de adultos € no mais de alunos. E com adultos até o fim da vida. Por qué? uN ENTREVISTA JEAN HEBRARD A socledade nao tem lugares proprios para as criangas, 0 problema central hoje 6: como fazer com que as criangas tenham uma vida que no soja perlgosa, mesmo tempo, que nao seja essa vida escolar absurda, em que se confunde a seguranga da instrugao. Thamos com a educagao, que magio do professor € a aula. Todos os iscursos so discursos totalmente vazios. Na formagio, mais importante & organizér esse enconiro, realizar essa ‘mediagio com a pratica. Hoje, a escola continua essencialn tema de guarda. E a funglo de guarda se confunde com a fungfo de formagao, Alids a fungdo de guarda € bem mais importante do que @ fungdo identegy da por causa de uma sores, 0 importante nfo guns dias de aula a menos, o importante €o que fazer com os alunos, 0 que fazer das criangas. A sociedade nfo tem Iugares préprios para as criangas. O problema central hoje é: como fazer com que as criangas tenhatn wma vide que no seja perigosa, ociosae, a0 mesmo tempo, que: nio seja essa vida escolar. absurda, em que se confunde @ seg ranga da erianga é a instrugdo. Eu penso que o grande problema da escola hoje & desses dois papéis, ou Iho, tés: educagio, porque a familia 12+ PRESEHGA PEDAGOGICA * 6 7,33 + mato jun. 2000 no é mais capaz de educar; instrugdo, que é a fungio noimal da e: ola; € guar- a, porque @ cidade nfo é mais um local adequado para uma infancia livre. O que & mais importante na escola no & instrugao, & vig lincia, Bum proble: muito grande para.nés essa confusdo das fungdes da esco A formasao de professor & uma formagdo académica muito longa, para er 0 qué? Guardar? P do em diferentes Ya sua trajetéria, voc® tem atua- reas: na pesquiss, no ensino, na politica. Hébrard: E verdade, Quando ss escolas normnais desapareceram, trat ies = dara give =anos;scomo= pes quisador numa equipe no INRP. Mas foi um trabalho muito chato ficar como pesquisador sem dar aulas. Eu penso que no & bom 0 pesquisador fazer 0 seu trabalho e no poder falar com alunos sobre ele, Os alunos so um bom controle da p esquiss. Depois, por um acaso da vida, eu passei a atuar na politica. Comecei uma carreira ligads & politica da educagao, Foi muito interes- sante € penso qué foi uma formagao muito maior do que a da pesquisa e da formagao académica. Aprendi, tudo sobre # educago em cinco anos de tra balho politico, Hoje sou Inspetor Getal ENTREVISTA JEAN HEBRARD A pesquisa é a possibilidade de no ficar idiota, imbectl; 6 um exerciclo da Inteligéncia, Sua primelra tungao para pessoas que tém a responsabilidade politica:-6 @de~ inventar possibilidades, mesmo que depois nao possam usé- las na realidade. € gosto muito, Ful para muitos paises estrangeiros conhecer dif temas educativos. Agora sou um dos responsiveis pela organizasio da esco. la priméia, PP:S Ao logicas muito diferentes: uma & a logica da ago politica, que nos leva a ter muito uma posisio norma tiva com relagio & reslidade. Ja na pesquisa precisamos eviter esse tipo de projeto de intervensi0, néo é? Hébrard: Exetamente. & preciso evitar essa postura tanto pare fazer uma boa pesquisa quanto para fazer uma bos politica. Para se fazer uma boa politica & preciso também um trabalho de pes- seopes académicos, como o da economia, da guise: Pense =que-em=2l saiide, da educasio, é impossi espe: rar, porque a ago é cada dia, & qui, com uma forga terrivel. Como tabalha na urgéncia da ado politica ¢ no tempo da esquisa? O problema aceitar que 2 pesquisa no é um sistema de aplicagio imediata. A.p quisa € a possibilidade _de ni ficar idiot ig da inteligéncia. Sua primeira fungao para pessoas como. nés, que tém a responsabilidade politica, €a de inventar 6n33+ moloun 2000 * PRESENCA PEDAGOGICA politica, se vocé & capaz de saber que cexistem modelos muito mé hores do que © seu, voe# tem uma posigao de humil dade: Vocé sabe que o que faz no é muito bom. Que*existem coisas muito melhores para fazer, mas nfo sio po: siveis porque a conjuntura da ago politica naé permite, E aceitamos fazer tal ago politica, sabendo que nio é a melhor, mas que € a que @ sociedade & capaz de accitar. Para nés & muito importante ter um necessério distancia mento da agZo politica. E a pesquisa tein capacidade'de constituir uma dis- tancia, De que gosto mais? Nao sei se é de fazer politica ou de fazer pesquisa 0s dois, eu acho, PP: E essa sua agiona pesquisa e na* politica acabou gerando alguns produ- tos, como livros para professores.. Hébrard: Escrever demanda muito tempo. O problema é que, quando se faz pesquisa e ago politica, é dificil reser- var tempo para escrever. A escrita é a capacidade de verificar a auséncia de contradigBes. Sem a escrita ninguém capaz de vera auséricia de contradigées. ‘A formasio € um trabalho politico. Quando eserevo um Tivro para a for- magi dos professores fago um trabalho politico, nao um trabatho cientifico, NTREVISTA JEAN HEBRARD Os grandes progressos da clvilizagao se fazem sobre essa manelra de partithar nlo somente os grandes valores - moral, ética ~ mas também os sentiments. 0 que sustenta um valor moral.6.a ‘emogao. Nao.6 a racionalidade, 6 a emocao. Por exemplo, no ‘somos mals capazes de suportar a morte do uma erlanga, por fome ou atos de agressividade. PP: Voed vé relagbes entre o que esta ocorrendo na cultura em diferentes patses? Heébrard: As grandes evolusdes da nossa sociedade estio muito rela- cionadas, muito ligadas. A globalizacio nao somente econ a, & também social € cultural. Somes muito seme- Ihantes, todos, no mundo. Sou pouco nacionalista. Eu penso que o nacionalis- mo &a maior mancira de provocar catis trofes. A nossa sensibilidade mudou muito: 2 televisto, 0 temas maravilhosos de constituigio de emogies mundiais. Isso faz com que és, do mundo inteiro, sejamos inca- pazes de suportar certos fents nen0s que um grande progresso da civilizagio. E os grandes progressos da civilizaglo se fazem sobre essa maneira de’partithar ndo somente os grandes valores — moral, ética — mas também os seniimentos. O que sustenta uum valor moral & a emg. Nio é a racionalidade, é 2 emogéo. Por exemplo, no somos mais capazes de suportar a je uma crianga, por fome_ou atos de agcessividade: PP: Mas, 20 mesmo tempo — temos tantas vezes visto isso na televisio— ‘a guerra do Golfo ao vivo, Te 14 + PRESENGA PEDAGOGICA * ¥6'n33+ maia,un. 2000 nia, Bésnia, todas essas coisas nio banalizam um pouco a prépria emogio? Hébrard: Nao. A violéncia so mesmo tempo & uma fascinaglo ¢ uma revolt, Bimpossivel haver revote sem fascinagdo € fascinagao sem revolta, O que voc disse & uma posico dos inte lectuais. # muito ficil -viver es 2 po siglo critica sem ser eapaz de propor ‘uma ago real. A nossa especialidade, a educagdo, é um problema diretamente ligado & agdo. Que bom ser eritico tod: uma vida, naj a impor... Que infelic dade estar no poder... E uma incapaci dad de assumir uma posigio de pod gue-€.uuma posigao. d: ‘erro dx 2520. Por sorte, “nae 580, somos obrigados a educar as criangas, Somos obrigados a ensinar todas 2s manhas. Isso é uma sorte extraordinéria, porque nos prende 20 chéo, a realidade conereta, Gosto muito da poesia de Manoel de Barros, A gramdée , porque ele tem uma visio estética do mundo sem jamais perder essa terra, A maneira de ter os dois pés, ago humana no pode esperar o mode. to. preciso haver ume ago antes dese estar seguro de que um bom existe. Por isso, gosto da Histéria, nfo sb da Historia da Educagao, m: | ENTREVISTA JEAN HEBRARD © Brasil gerou um imenso trabalho, a cada dia, de entender uma cultura tao diferente da minha. A fantasia do historiador 6 encontrar 0 passado diante dele, E aqul nio era o passa, era a diferenga. Penso que para entendet a diferenga é preciso haver semelhanga. Histéria de modo geral. Penso ser Mare Bloch quem disse que Historia € uina maneira de cercar no passado aurgéncia do présente. PP: Qual é 0 lugar do Brasil nesse tra balho que voc® realiza de estar sempre ligando com processos de aculturagio € de contato com outras culturas? Hébrard: O Brasil tem uma im- portincia muito grande na minha vids. Eu acho que © Brasil, para os europeus, ntrar na vide o que foi esse horror do primeiro encontro entre Cabral € 0 {ndio antropéfago. Deseobrir um mundo novo. Para mim, uma coisa muito importante & como pensar a diferenga lal No"ieu! eas6, 6 primeira momen: to dessa descoberta do Brasil foi no avido. Eno avio foi o tempo: um pais grande que, para viajar, jé no Brasil, € preciso esperar quatro horas... O indo momento-foi a cidade, e foi Belo Horizonte, Uma cidade que nfo conhecia. Uma cidade do primeiro mundo. E © terceiro momento, 0 mais importante para mim, foi Ouro Preto Lembiro muito bem; estava perio de uma te, fonte, na praga, e ums amiga brasileira comegou me falar de Guimardes Rosa Eu nfio conhecia nem mesmo © nome. E .gou a me contar Grande sertdo. Para mim, foi a alteridade total. O que é isso que ela esté me contando? Foi um momento totalmente iereal. E a part dessé momento, me senti como Cabral, como todos... No foram os indios antrop6fagos, mas foram os canga ceiros... E tudo isso em Ouro Preto, Sse Brasil bariéto, um barroco complete mente diferente das outros. E 0 que mais me impressionou foi o teatro, mais do que as igrejas, foi o teatro. Eu estava no camarate do governador e imagine vivi imediatamente um espetéculo do século XVIII no camarote do gover nador, um montiento em que havia our por toda @ parte...Eu pensava: 0 que é tudo isso? Impossivel deserever através ‘de sepresentagées. “Tudo era “maravi- Ihoso, como diziam os primeiros ceuropeus que aqui chegeram, e me fazia pensar a alteridade; Isso gerou um jimenso trabalho, a cada dia, de entender inte da minha. A ‘uma cultura tio di fantasia do historiador € encontrar 0 passado diante dele, E aqui nfo era 0 passado, eraa di nga, Gosto muito de viajar no Maroni, no Oiapoque, para ver as aldeias, os indios, mas é uma distancia muito mais radical. Ha tfo pouca seme- thanga que essa diferenga para 6.33 + malo/jun, 2000 * PRESENGA PEDAGOGICA * ENTREVISTA, JEAN HEBRARD Como fol possivel tanta incompreensao? Quando nao se compreende, a Gnlea solugao possivel é a violencia. Para nds & multo importante pensar sobre esse momento da humanidade. A cultura de um mundo que se julgava homogéneo e que se descobre heterogéneo. Como pensar a diferenga? € importante. Aqui no Brasil o mais marcante @ que velhangas grandes ¢ as diferengas também. conjungo das diferengas e das seme- Thangas. Conheso'o Chile, a Argentina, o México, mas, para nés, evropeus, aqui se sente muito mais a aventura da descoberta. Aqui, imediatamente, se sente uma presenga real do encontra de dois mundos. Como foi possivel tanta incompreensio... E penso que a reali dade da colonizagao é a incompreensio, 6. violéncia da incompreensio. Como el tanta foi possi incompreensio? Quando no se compreende, a tinica solugiio possivel é a viol&neia, Para nés € muito importante pensar sobre esse ‘momento da histéria da humanidade. A cultura de um mundo que se julgava homogéneo ¢ que se descobre heterogé- neo. Como nsar a diferenga?, PP: senta para nds. Desde o final do sécu- mesma questio que se apre- Jo passado, a grande pergunta nossa é afinal, quem somos nés? E como nos pensar? Esse que é 0 grande problema. Que eategorias usar para pensar. quem somos? Hébrard: Trata-se de uma catego. ria dificil de construir, mas que é muito importante: € a categoria do que nio pode ser pensado. Organizar nosso sis- tema de conhecimento com uma peque- na gaveta para depositar o que nesse momento no somos capazes de pensar. 16 + FRESENGA PEDAGBGICA + x6n.33+ maior 2000 e_néo entender. B o inverso da ago, Se alguém é capaz dessa pacién- cla de nfo entender e de conservar na pequena gaveta os problemas que no ide, isso € muito bom. Sema gave- ta no pode mais agir. £ 0 hav preci gavetas bem claras, precisas, bem cons: cientes da nossa incapacidade de pensar ©, particularmen nossa incapaci dade de pensar 8 diferenga, | PP: A escrite no Brasil é uma gaveta também? Hébrard: A escrita é um grande problema. As peculiaridades do Brasil fem relagZo a outros paises da América Latina, nessa questo, no se encon- tram nas diferengas entre as cotoniz Bes de Por ugal ¢ Espanha, mas no 8. Qui para Idade Neslit do vo% existia a q ‘om: do tupi-guarani com a civilizagio inca, é muito dife rente, Para entender a questio da escri- ta no Brasil & preciso entender 0 império jesuita, porque na verdade nfo € 0 Império de Portugal, mas-a Com- panhia de Jesus que chega aqui. Penso patticularmente em Anchieta, mais do que em Nobrege, que teve essa idéia de , com-0 homem neolitico, uma civilizagdo de escritd. Como transferir para o homem neolitico uma parte’ da civilizago, uma das civilizagbes mais fortes da cultura ocidental, que é a civi lizagio dos jesuitas? Na verdade, os exatemente iso: a pacigggy ENTREVISTA, JEAN HEBRARD A escrita é um sistema parcial de memorkzagao, nio total. E Importante pensar que no Brasil, a escrita nao fol suficiente para destruir a capacidade do trabalho oral. Ele permaneceu bem mals que em. outros pats Essa correlagao entre meméria oral e meméria escrita 6 uma especificidade da cultura brasiletra. tas #8005 indiores intelectuais do murido ocidental’ ‘no"século XVI Anchiete nao tinha muita educagio for- ral, mas 08 jesuitas eram a maior insti- twigdo de cultura naquele’ momento, Dian , 05 indios tupinambés. E fasciriante. Como resolver essa con. tradigdo? £ 0 Brasil Como uma colénia vai desenvolver uma cultura da escrita sem a imprensa? ‘Sem a imprensa, mas com duas coisas b mais fortes que a imprensa: a lingua © & propria eserita. Por isso a cultura manuserite & ume coisa muito inpor- tante no Brasil, Eu penso que grande parte do pattiménio cultural brasileiro ainda nfo & conhecido, & todo um patriménio manuscrito. E presiso ren contrar esse patriménio manuscrito do Biasil. A relagéo do Brasil com a escita € uma relagéo paradigmitica, Ate o ‘momeito da vinda da Corte, s6 existia no Brasil ~ e hoje ainda existe ~ essa rancire de penser dentro da escrta,ndo a escrita in presse, mas a escrita manus- crita, Por isso s80 muito importantes os trabalhos que investiguem como se faz no Brasil essa intervengao entre 0 oral ¢ © escrito, entre a memoria oral ea escri ta, A escrita é um dispositive, uma arte dameméria, que nfo elimina a meméria, A cscrita € um sistema parcial de memé- izagio, nfo total. B importarte pensar que no Brasil, a escrita nfo foi suficiente para destruir a capacidade do trabalho oral. Ele permaneceu bem mais que em outrés paises, Essa, correlagio entre ‘meméria oral € meméria eseri especificidade, da cultura. brasileira Uma conseqiigncia é a presenga da poe- sia, na literature. Nao conheso pais onde 4 poesia seja tao forte na literatura, As pessoas da rua conhecem poesi » Pes Soas comi pouca educacao escrita gostam de poesia. Penso que isso é muito impor- tante para entender bem qual a relagao do Brasil com a escrita. PP: Entio o Brasil nao é um pats da falta da escrita, nem um pais de uma Présenga positiva, dominante da Hébrard: Ha inter-relagio entre as duas, 2 falta e a presenga, ratério de invengio do ps luina maneira diferente de entender 0 mundo. No Brasil, ap retdtica, que é éxatamente o lugar des confluéncia entre 0 oral © o escrito, & muito forte. A ret6rica como sermfo, logar da conversio, da erenga. O Brasil € uma sociedade que funciona muito ‘na base da crenga, Nés, particularmente na Franga, funcionamos negando a erenga, sas, na verdade, a negacio da erenga é uma crenga. A posiglo cientifica & muito presente na Franca, desde o século XVI. Isso € niuite forte, Mas a capacidade de ‘explicitar a crenga e 196 escondé-ta tem ‘uma forga que no existe em todos os paises, cm todas as civilizagies. Brasil, existe ° 6 x33 maiosjun, 2000 + PRESENGA PEDAGOGICA #17_

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