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MONIQUE BORIE « MARTINE DE ROUGEMONT + JACQUES SCHERER ESTETICA TEATRAL TEXTOS DE PLATAO A BRECHT “ b en Cer Voor (1654 | Tradugio de HELENA BARBAS SERVICO DE EDUCAGAO FUNDAGAO CALOUSTE GULBENKIAN LISBOA 16 - HEDELIN D'AUBIGNAC: A PRATICA DO TEATRO (1657) Francois Hédelia, Abade d' Aubignac (1604-1676), prepara a sua Pritica do Teatro por instigagdo do Cardeal de Richelieu ¢ da Academia, muito antes de a publicar. Bom letrado, era sobretudo bom conhecedor do teatro do seu tempo, ¢ queria escrever para os seus comempordncos |. E por isso, ¢€ mais ainda @ partir da observagao T gis como o Absde d'Aubignac define a sua propria imengio: «J4 foi muito tratada, ao longo dos wmpos a exceléncia do poema ddramftico, a sua origem, 0 Se Progresso, @ SUA definigdo, as suas espécies, a unidade de acgho, a medida do tempo, a beleza dos aconteci- mentos, os sentimentos, OS costumes, a linguagem, € ‘mil outras matérias semelhantes, ¢ ape- mas no geral o que cu chamo de Teoria do Teatro; Mas para as observagdes que era preciso fazer sobre estas primeiras méximas, como & habilidade em preparar os incidentes, € de rev- rit os tempos ¢ os lugares, a continuidade da ‘acco, a TigagHo das cenas, os intervals Jos nctos, e cern outras particularidades, no nos teste nenhuma Meméria da Antiguidade. © os Modemos fataram to pouco disso, que se pode dizer que nfo escreveram praticamente nada. is o que chamo de Pritica do Teatro. 94 da autoridade, que ele formulard um sistema de conjunto quaseé completo (apesar de algumas recuperagoes classicas) da dramatur- gia cldssica francesa. 1. A adaptagao aa piiblico Oigo falar dos espectadores por causa do poeta e apenas em re- Jago a ele, para lhe dar a conhecer como 0S deve ter no pensa- mento. quando trabalha para 0 teatro. Tomo aqui por comparagdo um quadro, que resolvi usar com frequéncia neste tratado, e que digo poder ser considerado de duas maneiras. A primeira € como uma pintura, quer dizer, enquanto obra da mito do pintor onde nao existem senio cores, € niio coisi sombras © no corpos; dias artifi iais, falsas clevagbes, afastamen- tos em perspectiva, encurtamentos ilus6rios. @ simples aparéncias de tudo o que nao é. A segunda, enquanto contém uma coisa pin- tada, seja verdadcira ou supostamente tal, da qual os locais estio certos. as qualidades natur s, as acgdes sao indubitdveis, e todas as -circunstancias esto de acordo com a ordem e a razao. Passa-se 0 mesmo com o poema dramatico. Pode-se ao pri- meiro olhar ter ai em consideragio @ espectaculd; a simples repre- Spe SE onde a arte nfo dé sendo as imagens das coisas que néo 2,0 var S$ coisas que Tae Ou entio observa- C nestes(foema) a historia verdadeira, ou que,se supse verdadeira, ¢ da qual todas as aventuras aconteceram verdadeiramente com ordem, tempo e lugar, € $ segundo as intrigas. que nos aparecem. (.) O poeta, considerando na sus(Tiagéaijo espectdculo ou a re- presentagao (...), faz tudo o que a sua arte € 0 seu espirito Ihe podem fornecer para tormd-la admirdve! aos espectadores: porque ele nao trabalha senio para hes agradar. Conservasé todos os incidentes rr a ra ’ - @ ” mais nobres de uma hist6ria. Esforgar-se-4 por colocar todas as per- sonagens 10 estado mais agradavel que possam experimental utl- lizard as mais ilustres figuras da ret6rica, € as mais fortes paixdes da moral; nada escondera de tudo o que se deve saber, ¢ que ‘pode agradar, e nada mostrara de tudo 0 que Se deve ignorar, ¢ que pode chocar. Enfim, ele procuraré usar todos os meios para conquistar a €s- tima do espectador, 0 que nesse momento ocupa todo 0 seu espirito. Mas quando considera na sua tragédia a hist6ria verdadeira, ou que supde ser verdadeira, tem apenas cuidado em respeitar & ve Cmilhanga las coisas, ¢ de compor todas as acgdes. S08 os Gs-acontecimentos como se_tivessem verdadeiramente £ onteciIme ns ere ocorrido. Estabelece 0. écordo)enitre os pensamentos € aS perso- ens, os e 0s lugares, OS seguimentos com OS principios. nagens, 0s tel Enfim, liga-se de tal modo 4 natureza das coisas, que néio quer Con: nem as conve- tradizer, nem 0 estado, nem a ordem, nem OS efeitos, niéncias, numa palavra, no tem. outro guia sendo a verosimilhanga, tudo o que ndo possua as suas caracteristicas. Faz_tudor tudo o- Pazwe e rejeita como se 08 espectadores no existissem, quer dizer, todas as perso- ir e falar como se fossem verdadeiramente Rei, ¢ | wagens devem agit ¢ falar Come St OT epio se estives nao apenas como sendo Bellerose ou Mondory', como se estives- a a = \ sem no palacio de Horacio em Roma, e ndo no Hotel de Bourgogne | em Paris; € como se ninguém os visse nem ouvisse sendo_aqueles “ee. s visse nem ouvisse seed St. que § esto no teatro agindo e como que no local representado. E por esta regra eles dizem muitas vezes que esto a s6s, que ninguém Os vé, nem os ouve, e que nao devem temer ser interrompidos nos seus ¢n” contros, perturbados nas suas soliddes, descobertos nas suas accoes, “ impedidos nos seus object ainda que tudo isso se faca e diga na presenga de duas mil pessoas, porque aqui segue-se a natureza da acgao como verdadeira, em que OS espectadores da representagao T Bellerose, Mondory e Florider, que figuram no texto 3, silo os grandes actores trigi- cos da companhia do Hote! de Bourgogne. (N-F.) %6 nao estio 14. O que parece permitir que se faca a observago de que tudo o que parece afectado at favor do espectador, é vicioso. Sei bem que o poeta s6 trabalha sobre a_ac 40 como verda- deira, apenas na medida em que ela pode ser r representada; donde se poderia concluir que existe uma qualquer mistura destas duas consi- deragdes, mas cis como deveri desembaraga-las. Ele examina tudo ectadores pelos ouvidos @ fazer-lhos ver; porque © que quer e deve fazer conhecer pelos olhos, ¢ se resolve tem que. o os ter em conta, ao CO como? E preciso que ele procure na acgao considerada como 5 verda- deira, um motivo e uma raziio aparente, que se chama cor, para fa- zer com gue estas narrativas € estes espectdculos sejam verosimil- mente conseguidos dessa maneira. E arrisco-me a dizer que a maior arte do teatro consiste em encontrar todas essas cores. E preciso que, uma personagem venha falar do teatro porque € preciso que 0 es-_ pectador conhega AS SUUS intencoes, eas suas paixdes, | E preciso fa-, cxpectcola porque ele to os é “assistentes com dor ou « admiragio. E trabalhar a accéio enquanto representada, e isto € dever do poeta; é mesmo a sua primeira intengio. Mas cle deve escondé-la sob qualquer cor que dependa da acgdo como verdadeira. De tal ma- neira que a personagem que deve falar viré ao palco, porque pro- cura alguém, ou para desempenhar uma qualquer tarefa. A narracdo s passadi feita, porque serve para ara tomar conselho te- lativamente as presentes, ou para obter uma ajuda necessdria, Faz-se “Ver um espectéculo. porque ¢ deve excitar ar alguém & vinganga, e tal é trabathar a acgiio enquanto verdadeira sem ter em mente os especta- das coi seri dores, porque verosimilmente tudo isto poderia acontecer assim se {ossem tomadas por si mesmas. (...) . pre: a BES ve * Numa palavra, os espectadores no sio de modo nenhum tidos em consideracao pelo poeta quando olha a tragédia a partir da ver- dade da accdo, mas apenas na representagdo, ¢ se de acordo com esta mdxima observdssemos a maioria dos poemas do nosso tempo, tomarfamos conhecimento que pecam contra a verosimilhanga nas coisas que estimamos como mais excelentes; porque os autores, tendo querido expé-las aos espectadores, néo procuraram dar-Ihes cor para dar a ideia de que tinham sido feitas, Assim, na verdade da histéria um homem faz uma narrativa necessaria, isso € bom, por- que o espectador nao o pode ignorar, mas este homem nio podia sa- ber o que conta. Nao é entao verosimil que tenha feito essa narra- tiva, Um amante aparece no teatro sob uma violenta paixio, éa favor dos espectadores; mas ele nao pode fazer esse lamento nesse lugar representado pelo teatro, A razio quer que ele esteja num ou- tro lugar completamente diferente e bem afastado. B preciso entao procurar uma cor que o obrigue a lamentar-se no lugar da cena, de outro modo € ir contra a verosimilhanga; igualmente se pode dizer de mil outras aventuras que aparece nos nossos teatros, em que to- dos os dias se metem imagens do que nunca foi, do que niio pode ser, do que, verosimilmente, ndo deve ser. , re a 2. A verosimilhanga Eis aqui o fundamento de todas as pecas de teatro, todos falam dela, e poucos a compreendem; eis o caracter geral ao qual é pre- ciso reconhecer tudo o que ai se passa; numa palavra, a‘verosimi) : thang, se é preciso dizé-lo ; assim, a esséncia do poema dramitico, Sen_aqual nao se pode fazer nada, nem dizer nada de razodyvel em _gena, E uma maxima geral que_9_verdadeiro no €.o assunto do. 1ca- tro, porque ha mui aus coisas veridicas que ni » devem af ser vistas, ¢ ~ “yon dad 21 aK Marg 7 © 1 Vee, ‘ ~ OR ' ty Nee ie na imitagiio, 1: eNO vulgares dos home E verdads que he ann nang nie bcc ventre para ver em que sitio t tinha sido transportado nove meses an- mesmo i inacreditavel, _ porque era algo que | nunca deveria ter aconte- cido; e entre todas as histérias das quais 0 poeta queira retirar o seu assunto, nado hd uma, ou pelo menos nio creio que haja, em que todas as circunstancias sejam adequadas para 0 teatro, embora ver- dadeiras, e que possam af entrar, sem ser alterada a ordem dos acon- tecimentos, 0 tempo, os lugares, as pessoas, e muitas outras parti- eijtambém nao ser4 assim o seu assunto, porque hé muitas coisas que se podem fazer, ou por encontro de causas natu- rais, ou pelas aventuras da moral, que, porém, seriam ridiculas e pouco criveis se fossem representadas. E possivel que um homem morra subitamente, e isso acontece muitas vezes; mas seria trogado por toda a gente aquele que, para termincr uma peca de teatro, fi- zesse morrer um rival de apoplexia, como de uma doenga natural e , comum, ou entéo ser -lhe-i jam necessdrias muitas preparagoes | enge- um raio, mas seri | ssivel que um homem morra com um raio, mas seria oer pela desfazer-se assim de um amante que ‘tivesse usado para fazer a intriga de uma comédia. Oa a we { Entio niio ha senio o verosimil que possa razoavelmente fun- —— dar, sustentar © terminar um poema dramdtigo: isto nic quer dizer que as coisas verdadciras ¢ possiveis sejam banidas do teatro; mas rote “Yoorive di inigia de sécula, (NA) (ata Ta yk . - nh 09 ae PD) s6 af so recebidas enquanto tiverem verosimilhanga; de modo que, Pa a nee para as fazer ai entrar, € preciso retirar ou mudar todas as circuns- lincias que ndo possuam esta caracterfstica, e imprimi-la a tudo o que se queira af representar. . Nao me estenderei aqui sobre a verosimilhanga ordindria ¢ ex- traordindria, que todos os mestres trataram amplamente, e ninguém ignora que as coisas naturalmente imposs{veis se tornam possiveis €_ ‘verosimeis através da poténcia divina ou da magia; e que a verosi- milhanca do teatro nao obriga a representar somente as coisas que _ acontecem segundo o curso da vida comum dos homens; mas que la envolva em si o maravilhoso, que tora os acontecimentos tanto. mais nobres quanto so imprevistos, embora ainda verosimeis. O que notei porém nesta matéria, é que poucas pessoas compreenderam até onde vai esta verosimilhanga: porque toda a gente acreditou que ela deveria ser respeitada na acgao principal de um poema, e nos incidentes que se encontram sensiveis aos mais grosseiros; mas nao foram mais adiante. Ora, é preciso saber que as minimas accdes representadas no teatro tém que ser_verosimeis, ou entéo séo total- mente defeituosas, € no devem estar_ai de todo. Nao ha nenhuma ‘acgaio humana to simples que nao seja acompanhada das vérias cir: ‘Cunstéincias que a compdem, como sao o tempo, 0 lugar, a pessoa, a “Gignidade, as intengdes, os meios e a razdo de agir. E dado que o teatro deve ser a sua imagem perfeita, é preciso que a represente toda inteira, e que a verosimilhanga ai seja observada em todas as suas partes. 3. A representagdo do lugar Mas dado que a corrupgdo e a ignorancia do ultimo século trouxeram a desordem ao teatro, a ponto de af fazerem aparecer per- sonagens cm diversas partes do mundo, ¢ que para passar de Franga préprias ¢ apo (ey A Dinamarea néo é preciso correr de uma cor ser desta pratica dos Antigos, § e tal ‘para f fazer, honra g a 1 al uns. 1s moder- nos que sabiamente OS. imitaram, Para 6 compreender, & preciso recorrer ao NOsso prinefpio ordi- nario. Que 0 teatro nfio é mais do que uma representagao, | que nao é preciso imaginar-se que_af exista tudo o que af vemos, mas sim_as, if : imagens af_vemos, Floridor ¢ entio menos cuj Floridor que aquele Horacio cuja personagem ele representa, as suas roupas representam as desse romano, ele fala como ele, faz as suas acgdes, experimenta todos os sentimentos; mas como este he- réi, agindo e falando assim da maneira como Floridor 0 representa, estava nalgum lugar, € preciso, sem diivida, que o lugar em que apa- rece Floridor represente aquele em que entao estava Horacio, de ou- tro modo a representagiio ficaria imperfeita quanto a essa circuns- tincia. Nao acontece assim com o poema épico, pois consistindo apenas em narrativas, das quais retirou o seu nome, € nao de acgdes, © poeta nao fica obrigado a marcar os seus lugares, e nao o faz, a nio ser que tal seja necessdrio para a inteligéncia do que ele recita; indo apenas em n acgbes e de modo ner 9 neahuim em narrativas, € ralmente_junt que aparece um actor seja a imagen aim personagem que ele representa. Esta verdade bem entendida faz-nos saber que(Q local)no pode mudar na continuagdo do poema, dado que.nio muda_na continua: is uma s6 imagem fi ficando_no_ mesmo es gio da representagio, poi “lado niin pode representar duas coisas diferentes; um mesmo hi trido ou actor nao pode representar, ao mesmo tempo, dois homens diferentes, nem sem qualquer mudanga fazer Augusto ¢ Marco An- ténio um a seguir ao outro; ¢ quando a necessidade obriga a servir-se 101 de um mesmo actor para fazer duas personagens, cle é mascarado de tal mancira que & tornado completamente irreconhecivel; muda de roupa, de cabeleira e de cara, € caso se pudesse ainda mudar a sua voz, tal far-se-ia; esperando que se encontre nfo sei o qué contra at ve- rosimilhanga, que um mesmo homer seja tanto a imagem de ume logo de seguida a imagem de outro; e aqueles que nao tém o espirito assim to penetrante confundem habitualmente a inteligéncia do as- sunto, porque a voz faz reconhecer o actor, algumas vezes chegamos a imaginar que é a primeira personagem mascarada por ordem e ne- cessidade de qualquer aventura, e nao pela falta de actores; de ma- neira que atribufram essa mudanga ao homem representado e nio Aquele que o representa. Ora, nao ¢ menos contrdrio 4 verosimilhanca_ que um mesmo espago & um mesmo dia, que nado recebem qualquer mudanga, re Tepresentem ao mesmo tempo dois lugares difere -exemplo a Franca ¢ a Dinamarca, a Galeria do Palais ¢ as Tuilerie E seguramente para 0. fazer com alguma espécie de aparéncia seria preciso pelor menos ter um desses teatros que se, movem todos por in teiro, visto que por esta forma o local mudaria totalmente da mesma maneira que as pessoas agindo, e ainda seria necessdrig que o | assunto, mecesse uma, razio verosimil para_esta_mudanca, ¢, como tal n nao pode ac acontecer sendo pela poténcia dos deuses que mudam como hes apetece 0 estado ¢ a face da natureza, duvido que se possa fazer urna pega razodvel com recurso a dez ou doze milagres. “ “Que se mantenha, entdo, como constante, que o local onde o primeiro actor que faz a abertura do teatro & suposto estar, deve ser o mesmo até ao fim da pega, € que este lugar, nao podendo sofrer nenhuma mudanga na sua natureza, nfo pode admitir nenhuma na sua representagiio; ¢, por consequéncia, que todos os outros actores niio possam razoavelmente parecer estar noutro lado. Mas é preciso nfo esquecer que este lugar que deve ser sempre um, e nunca mudar, entende-se ser a drea, solo ou palco do teatro, parco 102 ‘ of Que_os antigos chamavam de(proscénig)ou frente da cena, quer di- zer, aquele espago em que os actores vém aparecer, andam ¢ discor- _Tem; porque como isso representa o terreno ou local fechado sobre ° “O qual as personagens representadas estavam ¢ andavam, e que a terra nfo se gira como um tomiquete; desde que se escolheu um ter- reno para comegar qualquer acgdo pela representagao, € preciso sup6-lo imével para todo o resto do poema, como de facto assim €. O mesmo nao acontece com o fundo e as partes laterais do teatro; porque como eles nao figuram senao as coisas que na verdade cer- cam as personagens agentes, € que podem ieceber alguma mudanga, “podem também mudar durante a representagao; e é nisso que con- ‘sistem as mudangas de cena, e dessas decoragées cuja variedade sempre alegra o povo, ¢ mesmo os hiibeis, is, quando silo bem feitas. ja_de um templo_or- nada com uma bela arquitectura, € depois quando se abriu, desco- Assim nos, VEMos bria-se. seguindo a ordem de perspectiva das colunas, um altar ¢ todo resto dos ornamentos maravilhosamente representados; de tal que o local nunca _mudava, € no entanto apresentava_uma_ bela decoragaio. Mas nio se deve imaginar que 0 capricho do poeta eja mestre ubsoluto destas belezas, se ele nado encontra as cores no seu assunto: como por exemplo, podia fi ner ie Acio 1 beira-) 5 “essa costa por naufragio, que ° o fizesse | omamentar €0 com ricas tape- garias, lustres, bragos dourados, quadros e outros méveis preciosos; depois seria incendiado por qualquer aventura, fazendo-o cair no abrasamento, o mar apareceria por detrds, sobre o qual se poderia__ ainda representar um combate de navios. De tal maneira que, com cinco mudangas de tcatro, a unidade do lugar seria ainda engenho- samente mantida. 103 ¢ 3 4. O tempo teatral , Entdo, para discorrer com inteligéncia, é preciso considerar que o poema dramatico tem duas espécies de duragao, tendo cada uma 0 seu tempo préprio ¢ adequado, @) A primeira é a(verdadeira duracao da representagao;) porque embora 0 poema, como ja dissemos varias vezes, n&o seja em si, a Dep tomd-lo precisamente, mais do que uma imagem, é partindo de que ele no esteja a considerar normalmente mais do que um ser repre- sentativo, devemos, no entanto, recordarmo-nos que hd realidade mesmo nas coisas representadas. Realmente os actores sao vistos ¢ ouvidos, os versos sao realmente pronunciados, € sente-se real- Lydon Wa 438 mente o prazer e a dor assistindo a essas representagdes, east no _decurso de alguns momentos, quer dizer, “desde que 0 © teatro se abre, a até que se fecha. Ora este tempo € €0 que cu chamo a Duragiio Verdadeira da Representagio. Desta duragdo a medida no pode ser outra sendo o tempo _ne- cess4rio para consumir a paciéncia razodvel dos espectadores; por- '~ que sendo este poema feito para dar prazer, é preciso que nao dure tanto que por fim aborrega e canse 0 espirito: também é preciso que 77 nao seja tao curto que os espectadores saiam com a sensagiio de nio terem sido suficientemente divertidos. Nao é que seja preciso tomar esta medida a partir de alguns espiritos inquictos que se fartam con- linuamente de todas as coisas, e que sé buscam a mudanga; nem daqueles ainda que, nao sei por que estupidez natural nunca se bor Tecem, estéo sempre satisfeitos com o estado presente em que se encontram, mas é preciso julgar estas coisas pelo sentimento comum dos homens, e como. disse, por uma paciéncia razodvel. No que a experiéncia de deve ser a mais fiel mestra, porque é ela que nos ensina Pa A outra dusagio do Poema dramatico € a da acgao representa) deira) e que contém ém todo esse n todo esse. ara fazer as coisas expos a0 conheci- enquanto considerada como ve tempo que seria necessa pal, na nao > apenas | porque « esta cataralments ligada ao fundo 2 cesséncia. do poema, mas também porque ¢ depende toda do espirito do poeta; é ‘da sua invengiio e explica-se pela boca dos seus actores, segundo a sua industria encontra ou dé as aberturas: e foi ela que na nossa época tem sido 0 objecto de tantas e diferentes opinides. Nio podemos dizer se estes trés excelentes trégicos, Esquilo, Euripides e Séfocles que Arist6teles refere tao assiduamente, € que dio tio poucas horas 4 duracdo da acg&o teatral nos seus poemas, teriam encontrado a regra em qualquer autor de arte poética ante- rior; ou se, peto conhecimento que tinham da natureza deste pocma, tinham por si préprios reconhecido que razoavelmente nao se pode- ria suportar muito mais: mas € certo que o seu exemplo foi negli- genciado pela maioria dos poetas que os seguiram de perto, como o sabemos por esse filésofo, que critica varios do seu tempo porque do aos seus poemas uma duragdo demasiado longa, 0 que parece té-lo obrigado a escrever a regra, ou antes a renova-la, sobre 0 mo- delo daqueles antigos, dizendo, que «a tragédia deve ser encerrada num periodo de sol». 5. Acgdo e discurso a tragédia na sua natureza ¢ com rigor, segundo o constitufda, pode dizcr-sc A consid género de poesia conforme o qual cla é que esta de tal modo ligada 4 acgiio que no parece que os discursos scjam uma das suas pertengas. Este poema chama-se drama, quer dizer, accdy © nio aurrativa; os que o representam chamam-se actores, e nao oradores, estes, mesmo que se encontrem presentes, % Wess) 4 105 chamam-se espectadores ou observadores e n&o auditores, enfim o local que serve para as suas representagdes, chama-se teatro, ¢ nado auditdrio, quer dizer, um local onde se olha o que se faz, ¢ ndo onde se escuta o que se diz. Também € verdade que os discursos que af se fazem ser como as acgdes daqueles que ai aparecem; porque aiCfalar, é agiro que se diz no momento nio sendo narrativas in- ventadas pelo poeta para dar mostras da sua eloquéncia. E de facto, a narragdo da morte de Hipdlito em Séneca é a acgao de um homem assustado por um monstro que ele viu sair do mar, e da funesta aventura desse principe. Nas lamentagées de Emilia do Senhor Cor- neille, a acco é a de uma rapariga cujo espirito, agitado pelo desejo de vinganga e por um grande amor, se excita em irresolugdes e mo- vimentos tHo diversos: e quando Ximena fala ao seu rei, é a accio de uma rapariga aflita que pede justiga; numa palavra, os discursos para 0 teatro ndo sao mais que os acessérios da acgao, embora toda a tragédia na representagao nao consista em mais do que discursos; est4 af todo o trabalho do poeta, aquilo em que principalmente usa as forgas do seu espfrito; ¢ se ele faz aparecer algumas acgdes no seu teatro, € para ter a oportunidade de fazer um qualquer discurso agradavel; tudo o que ele inventa, é com a finalidade de o fazer di- . zer; ele supde muitas coisas a fim de que elas sirvam de matéria para agraddveis narragdes; procura todos os meios para fazer falar 0 amor, o 6dio, a dor, a alegria e o resto das paixdes humanas; e até mesmo, é seguro, que faz aparecer muito poucas acgGes sobre o seu teatro; elas so quase todas supostas, pelo menos as.mais import tes, fora do lugar da cena; ¢ se reserva qualquer coisa dela para Mostrar, nao € sendo para aproveitar a oportunidade de fazer falar os seus actores, Enfim, caso se queira cxaminar bem esta espécie de poema, descobre-sé que as acgdes nao estio_sendo na imaginagio.' do espectador, a quem o poeta, por habilidade, as faz conceber, como visiveis, eno entanto nao hé mais nada de sens{vel sendo 0 ° tal justifica-se bastante : a ‘pela leitura de uma . 106 Unica tragédia; porque af ndo se vé fazer nenhuma ac¢ao, dando-nos 0 discurso apenas todo 0 conhecimento e divertimento da pega, da mesma mancira nao irfamos ao teatro em to grandes ajuntamentos, se af encontrassemos apenas actores mudos. (Abade d'Aubignac, La Pratique du Thédtre, 1657. 1: livro T, cap. vi, «Des spectateurs et comment le podte doit les considérerm; 2: Livro Hl, capi, «De la Vraysemblancen: 3: Livro IL cap. vi, «De PUnité de Liew»: 4: Livro Tl cap.vii, «De T'Estendu de I" Action Theatrale, ou du temps et de la durée convenables au Pobme Dramatiquen, S; Livre 1V, cap.ii, «Des Discours en général», Veja-se também Abade d’Aubignae, La Pratique du Thédtre, Pierre Martino (ed.), Paris, Champion, 1927.) 17 — CORNEILLE: DISCURSOS (1660) Dramaturgo, Pierre Corneille (1606-1684) foi também tedrica, © falvez o maior tedrico do teatro do século xvi. A tensdo dos seus textos especulativos nasce da sua dupla relagdo com uma pratica continua de escrita para a cena, e um convivio, por vezes irritado, com os criticos eruditos. Os trés Discursos sobre o teatro trdgico, de 1660, aconipanha- dos pelos Exames das pegas que Corneille publicava ao mesmo tempo, constituent una sintese excepcionalmente rica. 1, Verosimilhanca e necessidade O mesmo A’ istétele}) autoriza-nos a usd-las da seguinte ma- neira, quando nos diz que ¢ poeta ndo é obrigado a tratar a. cois como elas se passaram, mas Como poderiam ou deveria passado, de acordo com 0 verosimil ou o necessario. Ele repete muitas vezes estas tiltimas palavras, e nunca as explica. Tentarei lacuna 0 menos mal que me seja possivel, € espero colmatar ¢: que me perdoem se for abusivo. 107 Digo entao, em primeiro lugar, que essa liberdade que ele nos deixe a embelezar as acgoes histéricas com invengdes verosimeis pao implica nenhuma proibic¢ao de nos afastarmes do verosimil quando necessario. E um privilégio que nos dé, e nado uma servidio que nos impée: tal fica claro pelas suas préprias palavras. Se pode- mos tratar as coisas de acordo com o verosimil ou segundo-o.neces- sério, podemos abandonar o verosimil para seguir o necessdrio, e ~ esta alternativa deixa & nossa escolha a possibilidade de nos seryir “mos daquele dos dois que nos parega mais a propésito. Esta liberdade do poeta encontra-se ainda em termos mais for- mais no capitulo vinte ¢ cinco, que contém as desculpas, ou melhor, as justificagdes que se podem usar contra a censura: é preciso, diz cle, que ele siga um destes trés modos de tratar as coisas, € que as repre- sente ou tal como foram, ou como dizem que elas foram, ou como de- veriam ter sido: pelo qual ele dé-the a escolha, ou da verdade histérica. ou da opinidio comum sobre a qual a fabula se funda, ou da verosimi- Ihanga. Acrescenta a seguir: Se 0 repreendem por ndo ter escrito as coisas dentro da verdade, que responda que as escreveu como deve- riam ter sido; se 0 acusam de néo ter feito nem uma coisa nem outra, que se defenda dizendo que torna piiblica a opinido comum, como naquilo que contam dos deuses, em que a maior parte nao tem nada de verdadeiro. E um pouco mais adiante: Por vezes ndo é 0 melhor que elas se tenham passado da maneira que ele descreve; no entanto, passaran-se efectivamente dessa maneira, e por conseguinte ele nao est a cometer erros. Esta tiltima passagem mostra que em nada so- mos obrigados a afastar-nos da verdade para darmos uma melhor forma As acgdes da tragédia pelos ormamentos da verosimilhanga, € mostra-o tio mais fortemente que se mantém constante, pela segunda destas trés passagens, que a opinido comum € suficiente para nos jus- tificar quando ndo temos a verdade do nosso lado, e que poderiamos fazer qualquer coisa melhor do que fazemos, se procurdssemos as be- lezas dessa verosimilhanga. Por aqui corregyps algum risco de ter um

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