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| Ad pit. Jo&o Ricardo W. Dornelles O QUE SAO DIREITOS HUMANOS editora brasiliense elle, 888 it yoo Rado W. Dale 98 cla pate lea peaio pode 48h Sruenade om stones lances xo scydunta pros esis so QUOD = ‘scm autorizagao prévia da editora, Primeica cig, 1989 Peaigdo. 1993+ 3 eimpressde, 2009 Coordenayio itil: Alice Kusash ‘Coordcnagia de produgio: Reset Sei Diageamagdo: Digtero Sersicns Grifcon Capa edusticdes: Simone ase Revislo: Pago Sliachticas ¢ Erik Sue Kurnur shen Pbliaav CIP des Invaacina de alpen Pale Pate (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) ‘Dometle, Jodo Ricardo W. (© que sto Diretos (Humans /Jo%o Ricardo Wo omelis, Sto Paulo Brasense, 2006, (Coleg primeizes pasos) asim, da ede 5993. ISBN AS-15-01229-X 1. Dire Humanos Tilo I, Série, chp 9.0609 indices para caialogo stematico T.Direitoe Humanos 323 celtora e lvariabrasiiense Raw Mourato Coetho, 121» Peis ‘CEP US417-D10 ~ S30 Paulo~ SP ‘wu cditorabrailiense com be « 0 eae Ricardo W Dornelfes uma abordagem que nao se restrinja a uma abstrata conceituagao generalizada, mas que busque dar con- teudos precisos a essa “embalagem” utilizada por todos com “recheios” diferentes. E, portanto, fundamental entender que os direi- tos humanos, antes de qualquer coisa, apresentam um ido politico. ere Quando S ex-presidente americano (1980-1988) Ronald Reagan se declarava um defensor dos direitos humanos, ficou bem claro para todos nds a substancial diferenga de contetido politico e ideoldgico de sua con- cepgao em relagao a defendida pelos familiares dos ce saparecidos durante as ditaduras da Argentina, Brasil, Uruguai, Chile, El Salvador, Guatemala, etc. Desde pequenos nos acostumamos a ouvir que “todos nascem iguais e livres", ou ento que todos so iguais perante a lei”, O que significa isso? Essa é a verdade que vemos nas ruas? Ou so apenas meras de- claragées formais expressas em belos documentos que ganharam importancia histdrica? Na verdade, as ideias que nos passaram de que todos somos iguais, livres € temos os: mesmos direitos foram enunciadas solenemente em algumas declara- ges que passaram para a histéria dos povos. O que se deve perguntar € se os direitos enunciados em tais declaracées 980 os verdadeiros ou 0s tnicos direitos do homem. E se esses direitos so ou nao verdades eter- nas, naturais. E no caso de nao 0 serem, como e por que se escolheu apenas esses direitos como os funda- mentais para o ser humano. . o> - O que sa0 Dirertos Humonas ur Alguns autores importantes dizem que todos os direitos so humanos, pois somente os seres humanos Sdo capazes de serem sujeitos e terem suas faculdades Prerrogativas, interesses © necessidades protegidas, Tesguardadas e regulamentadas pelo Estado, Trata-se, claramente, de uma concepeao que entende que nio existe direito sem o consentimento de um poder polity Co que se pretende acima da sociedade. © que outros autores argumentam é que, sem duvida, todos os direitos se referem aos seres huma- Nos, pois so enunciados por leis da natureza humana, No entanto, nem todos os seres humanos, durante a historia da humanidade, foram corisiderados como tal, nem seus direitos foram reconhecidos. Na Grécia an- tiga, por exemplo, tinham direitos apenas os cidaciaos Esses eram humarios. Os escravos, como “ coisa”, ndo cram sujeitos de direito, Eram apenas objetos dos direi. tos alheios, O problema é que apenas alguns dos direitos que Se enunciam passam a ser considerados fundamentais ou essenciais. E isso nos obriga a definir esses direitos que sero fundamentais para o ser hurnano Cada um de nds, individualmente 9U como parte de um segmento social, poderia indicar aqueles direitos Que consideramos os mais importantes, os fundamen. {ais para a realizacao das nossas necessidades, desejos, vontades individuais ou coletivas. Uns podem afirmay que se trata da liberdade de escoiha, outros elegem o direito & propriedade, ou o direito ac enriquecimento, a0 lucro, o direito de ir e vir, ou o de usufruir os bens baz Joao Ricardo W. Dorneiles da natureza. Algumas outras pessoas escolheriam o di- reito ao trabalho, ao saldrio, ou até mesmo a direito a preguiga. Além, é l6gico, do direito vida, & integridade fisica, & seguranga pessoal, a saiide, ao lazer, ete, Como determinar, entéo, o que é fundamental em meio a todas essas expectativas humanas? Como essa escolha nao se da no plano individual, podemos imaginar a dificuldade existente no seio das sociedades, com as suas contradigdes, os seus confli- tos, as suas lutas internas, as suas divisées irreconci- lidveis, para a indicac3o dos direitos que merecerao o rétulo de fundamentais. Outro problema € saber quem escolhe esses direi- tos. Quem é que vai dizer que é esse ou aquele o elenco de direitos fundamentais para os seres humanos? Assim, os direitos humanos podem ser entendi- dos de diferentes maneiras: provenientes da vontade divina; direitos que j4 nascem com os individuos; di- reitos emanados do poder do Estado; direitos que sao produto da futa de classes Cada uma dessas concepgdes representa diferen- tes momentos da historia do pensamento e das socieda- des humanas, construindo um conjunto de argumentos de carter filosdfico que passa a justificar a escolha de um elenco de direitos, em detrimento de outros, como os “verdadeiros” e absolutes direitos humanos. FUNDAMENTAGAO HISTORICA E FILOSOFICA DOS DIREITOS HUMANOS As origens mais remotas da fundamentagao fi- loséfica dos direitos fundamentais da pessoa humana se encontram nos primérdios da civilizagio. No mundo antigo, diversos principios embasavam sistemas de pro- tego aos valores humanos marcados pelo humanismo ocidental judaico-cristo e greco-romano e pelo huma- nismo oriental, através das tradigdes hindu, chinesa e islamica. Assim € que diferentes ordenamentos juri cos ‘da Antiguidade. como as leis hebraicas, previam principios de protecao de valores humanos através de uma leitura religiosa. Durante 0 feudalismo europeu, se constituiu jusnaturalismo cristo, principalmente @ partir do pen- samento de filésofos come Santo Tomas de Aquino. A lei humana e os poderes politicos estavam subordina- dos ao direito divino, segundo o qual a protegao do indi- viduo seria exercida pela vontade de Deus expressa nas © que sa0 Orreitos Mumanos 5 acdes do soberano em seu exercicio absoluto do poder Os valores constderados fundamentais para os seres humanos tinham come fonte de legitimidade a vontade divina em sociedades fechadas, onde se confundiam o espago particular de interesse do soberano, do clero é da aristocracia feudal e 0 espago de interesse publico de toda a sociedade. Tratava-se, portanto. de sociedades Nas quais inexistia a nogao da igualdade formal entre os individuos. Cada grupo social tinha direitos diferentes Os senhores feudais, membros da nobreza e do cle- ro tinham privilégios. Em diferentes partes da Europa chegaram a ter o direito a dormir a primeira noite com a noiva dos seus camponeses. E isso era considerado normal em um sistema baseado em relagSes de depen- déncia e subserviéncia. O conceito de direitos humanos é varidivel de acordo com a concepgae politico-ideoldgica que se te- nha. A falta de uniformidade conceitual é clara, embo- ra algumas pessoas teimem em apresentar uma Unica maneira de definir os direitos humanos. Ja pudemos perceber como as pessoas tém a mania de dar diferentes denomunagées para os direitos humanos. E isso nos mostra que 6 tema foi tratado a partir de diversas concepgées, dependendo da corren- te doutrindria e do modelo saciopolitico ideoldgico dos quais se parta O que importa é que os direitos ou valores (de- pendendo da Gtica) considerados fundamentais sofrem 16 Jodo Ricarda W Dorneites uma variagao de acordo com 0 modo de organizagao da vida social. E, portanto, impossivel a existéncia de uma Unica fundamentagao dos direitos humanos. Na verda- de, partimos de trés grandes concepgdes para funda- mentar filosoficamente os direitos da pessoa humana: a) concepgées idealistas; b) concepgées positivistas; c) concepgées critico-materialistas. A primeira das concepgées fundamenta os direi- tos humanos a partir de uma visio metafisicae abstrata, identificando os direitos a valores superiores informados por uma ordem transcendental, supraestatal, que pode se manifestar na vontade divina (como no feudalismo) ou na razdo natural humana (a partir do século XVII, coma moderna Escola do Direito Natural). E dessa con- cepgiio que vem a ideia de que os direitos humanos so inerentes ao homem, ou nascem pela forga da natureza humana. Assim, os homens ja nasceriam livres, iguais, dignos, etc., ou pela obra e graca do “espirito santo”, ou como expressio de uma razio natural. Os direitos dos seres, humanos a vida, 4 seguranga e & liberdade existi- riam independentemente do seu reconhecimento pelo Estado. Os direitos séo um ideal A segunda concepcao apresenta os. ireitos como sendo fundamentais e essenciais desde que reconheci- dos pelo Estado através de sua ordem juridica positiva, Ou seja, os direitos humanos seriam um produto que emana da forga do Estado através do seu processo de legitimagao e reconhecimento legislativo, ¢ nao o pro- O que sd0 Dirsitas Humes 7 duto ideal de uma forga superior ao poder estatal, como Deus ou a razdo humana. Aqui os direitos no sao en- tendidos como inerentes aos seres humans, pois a sua existéncia e efetividade dependem do reconhecimento do poder publico. Cada direita somente existe quando esta escrito na lei. Nao € possivel uma ordem ideal de direitos. A terceira concepgaio se desenvolveu durante 9 século XIX, partindo de uma explicacao de cardter histérico-estrutural para fundamentar os direitos hu- rhanos. Surgiu como critica ao pensamento liberal, € entende que os direitos humanos, como estavam enun- ciados nas declaracées de direitos e nas constituigées dos séculos XVIIl ¢ XIX, ndo passavam de expressao formal de um proceso politico-social e ideolégico reali- zado por lutas sociais no momento da ascensao da bur- guesia ao poder politico. A inspiragao dessa concepcao surge principalmente das obras filoséficas do pensador alemao Kar] Marx. Com base nessas trés concepedes é que se de- senvolveram as diferentes explicagées sobre os direitos humanos, marcando profundamente o processa de for- mulagao € evolug&o conceitual do tema. Os DIREITOS INDIVIDUAIS A PRIMEIRA GERAGAO DOS DIREITOS HUMANOS A partir do século XVI —e mais precisamente do século XVII — se formulou a moderna doutrina sobre: os direitos naturais, preparando 0 terreno para a formagao do Estado moderno e a transigao do feudalism para a sociedade burguesa. Tratava-se, entao, de explicar os direitos naturais nao mais com base no direito divine, mas sim como a expressao racional do ser humano. Foi principalmente a partir do século XVII, como inglés Thomas Hobbes, que se desenvolveu o chamado modelo jusnaturalista moderno, onde o Estado politico seria explicado come o produto de uma construco ra- cional através da vontade expressa dos individluos. Ini- cia-se um tipo de formulagao que passou a influenciar pensadores com diferentes posicionamentos politicos € ideoldgicos, levando & construgdo do modelo liberal da sociedade e do Estado. 0 que sao Direstas Humunos 19 Com outro pensador inglés, John Locke, jd no final do século XVII, desenvolveu-se a tearia da liber- dade natural do ser humane. O individuo, segundo ele, deveria limitar a sua absoluta liberdade para proteger a propriedade como valor fundamental. Assim, para Locke, a verdadeira liberdade de- correria do exercicio do direito & propriedade. Dessa concepcao individualista burguesa, que marca o pensa- mente lockeano, nasceu a moderna ideia do cidadao € de uma relacao contratual entre os individuos, na qual @ propriedade, a livre iniciativa econdémica é uma certa margem de liberdades politicas ¢ de seguranca pessoal seriam garantidas pelo poder publico. Locke, portanto, entendia que a propriedade seria o direito natural inaliendvel do ser humano, o di- reito fundamental do qual decorrem os demais direitos dos individuos. O direito 4 propriedade seria, entio. o motivo pelo qual cada individu cede parte de suas fi- berdades ¢ direitos para a formagao da instancia que garantird ¢ protegerd a existéncia desse direito, ou seja, 0 Estado-governo. O século XVIII se caracterizou pelo confronto direto e definitive com o antigo regime absolutista. Foi © Momento em que se travou com maior vigor a luta politica e ideologica, preparando terreno para as gran- des transformagées seciais. Os momentos marcantes desse periodo foram as declaragées de direitos que pas- saram a servir de paradigma universal na luta contra os antigos regimes e nas lutas de independéncia das cold- nias americanas. As duas referéncias mais importantes » 20 Jodo Ricardo W. Dorneites foram a Declaragao da Virginia de 12 de junho de 1776 ea Declaracao dos Direitos do Homem e do Cidadao da Assembleia Nacional francesa, de 1789. Nesse contexto, influenciado pela filosofia ilu- minista, o pensador Jean-Jacques Rousseau afirmava que existia uma condig&o natural humana de felicidade, virtude e liberdade. Ao contrério de Locke, entendia que € a civilizagao que limita as condigées naturais de felicidade humana. Assim, Rousseau afiemou que “os homens séo naturalmente livres iguais, mas encon- tram-se acorrentados em todas as partes do mundo’ Nao bastava, assim, a garantia da propriedade para fealizar a felicidade humana, Ao contrario, para Rousseau a propriedade era a fonte da desigualdade hu- mana, e, como tal, da perda da liberdade. Os individuos nao deveriam abrir mao de sua liberdade, nem de sua soberania, nem de sua igualdade. Portanto, para Rous- seau; 0 principio da. igualdade € a condi¢ao essencial para o exercicio da liberdade, ; E interessante notar que Rousseau vai além dos outros pensadores do Iluminismo. Vai além dos prin pios liberais classicos, introduzindo a concepgio demo- cratico-burguesa. © contetido radical-dernoeratico da concepgio rousseauniana se enquadra nas especiais circunstncias historicas da Franga do século XVII nas quais a burguesia aparecia no cenério politico-social como uma classe revoluciondria em luta contra 0 ab- solutismo feudal, capaz de aglutinar em torno dos seus prdprios projetos um enorme contingente de setores po- O que sao Direitos Humanos 2 pulares, possibilitando condigées para uma ruptura com © antigo regime e instituindo a nova ordem burguesa. Foi a partir dessas lutas travadas pela burguesia europeia contra o Estado absolutista que se criaram condi¢Ses para a instituigao formal de um elenco de di- reitos que passariam a ser considerados fundamentais para os seres humanos. Esse elenco de direitos coincidia comas: aspiragdes de amplas massas populares em sua luta contra os privi- légios da aristocracia. No entanto, em ultima instancia eram direitos que primeiramente satisfaziam as necessi- dades da burguesia, dentro do processo de constituicso do mercado livre (direitos da liberdade: livre iniciativa econémica; livre manifestagao da vontade: livre-cam_- bismo; liberdade de pensamento e expresso; liberdade de ir e vir; liberdade politica; mio-de-obra livre), e con- sequentemente criavam as condig6es da consolidagdo do modo de produgao capitalista. Para isso eram funda. Mentais a consolidacao do Estado liberal ¢ a regulamen- tagao constitucional dos direitos dos individuos. Os direitos humanos, em seu primeiro momento moderno, ou, como alguns denominam, em primeira ge- rag&o, sAo a expresso das lutas da burguesia revolucio- aria, com base na filosofia iluminista e na tradic&o dou- trindvia liberal, contra o despotisme dos antigos Estados absolutistas. Materializam-se, portanto, como direitos civis € politicos, ou direitos individuais atribuidos a uma pretensa condig&o natural do individuo. Sdo a expressio format de necessidades individuais que requerem a abs_ tengao do Estado para o seu pleno exercicio, Os IRE}TOS COLETIVOS A SEGUNDA GERAGAO DOS DIREITOS HUMANOS Os primeiros setenta anos do século XIX foram marcados pela consolidagio do Estado liberal € pelo fenomenal desenvolvimento da economia industrial. “Também foi um periodo de grandes confrontos sociais icdes politicas. . ont ego jd instalada no poder do Estado ha muito deixara de ser revolucionéria e sentia-se assediada por duas ameagas: por um lado, a ago restauradora & nostalgica dos antigos membros da aristocracia europeia, que ainda sonhavam em reconstruir os poderes do anti- go regime, destruindo ou neutralizando as conquistas re- volucionarias da burguesia; por outro lado, essa mesma bourguesia era ameagada cada vex mais por yma massa popular empobrecida, expropriada e insatisfeita per na usufruir as conguistas alcangadas na luta por “liberdade, igualdade e fraternidade” contra o absolutismo. O que s40 Direitos Hlumanas 2 Enquanto a burguesia constituia 0 seu Estado lis beral, a economia avangava para modelos produtivos industriais, concentrando mao-de-obra, ampliando os mercados, reproduzindo os lucros e incorporando o Maquindrio moderno ao processo produtives O desenvolvimento do modeio industrial, e a consequente concentragao de trabalhadores em uma mesma unidade de produgao, submetidos a uma unica disciplina interna. da fabrica, fez com que se formasse uma nova classe social: © proletariado, ou a moderna classe operdria urbano-industrial. Esse novo perfil das sociedades europeias do sécu- lo XIX, aliado as crescentes lutas sociais urbanas, cujos principais protagonistas eram a classe operdria, a bur. guesia industrial e o Estado liberal ndo-intervencionista, possibilitou o desenvolvimento da critica social, das ideias socialistas, além da prépria organizacao sindical e politica da classe opersiria e dos demais setores populares, Através, principalmente, da refexdo de Karl Marx sobre os direitos fundamentais proclamados pe- las declaragdes americana e francesa, desenvolveu-se 9 pensamento critico sobre o alcance dos direitos hu- manos como produto de enunciados formais de cardter individualista. Dirigindo-se a todos os seres humanos e a todos os povos, e pretendendo ter um carter univer. sal, na realidade, esses direitos expressavam anseios ¢ interesses de uma classe que conseguira, em sua luta contra © absolutismo feudal, traduzir em um tinico pro- jeto os sentimentos da ampla maioria do povo. wee 24 Joao Ricardo W Dornelles A igualdade proclamada na Declaracao de 1789 aparece como uma expressao formal. E 0 resultado da conquista de direitos iguais, inexistentes na sociedade feudal, onde a estrutura social se baseava em privilé- gios. Para a burguesia ascendente, era fundamental garantir uma nova ordem juridica, na qual todos, sem excegao —ricos, pobres, mulheres, criangas, jovens, ve~ Ihos, trabalhadores manuais, comerciantes, financistas, enfim, todos os individuos —, pudessem ser considera~ dos sujeitos de direitos. Qu melhor, uma nova ordem na qual todas as diferentes classes e categorias de pessoas tivessem igualmente seus direitos reconhecidos por lei. Assim, alei nao mais poderia garantir os privilégios, ras seria considerada a medida da igualdade entre todos os seres humanos, por ser a Unica expressao capaz de pro~ teger e reconhecer os direitos considerados fundamen- tais para todas as classes e categorias de pessoas, inde~ pendentemente do seu status socioeconémico, da sua posicio politica, da sua idade, sexo, cor, religido, etc. A kei é igual para todos, mesmo que um more em um eriorme:castelo e outro debaixo da ponte. A igualdade, portanto, nao é real, mas apenas uma formalidade. Quanto ao direito a liberdade, também aparece como uma expresséo formal. Se para o povo era uma conquista a liberdade dos grilhées feudais que 0 prendia A terra ou aos estatutos de fidelidade aos seus superio- res, para a burguesia era fundamental a liberdade desse _ pove de vender a sua forga de trabalho no mercado. *Para essa burguesia também era fundamental levantar ° O que sao Direizes Humanos 25 a bandeira da liberdade de ir e vir, da liberdade mercan- til destituida de tributos feudais e das ameacas da no- breza e do clero. A liberdade fundamental significava, na pratica, a liberdade do homem burgués individualista do periodo liberal classico de exercer sem limites a sua iniciativa, a sua criatividade, a sua capacidade produtiva € 08 seus interesses individuais. O direito de liberdade, assim, aparece como a manifestacao livre da vontade em uma sociedade ca- racterizada pelo contratualismo individual. E a repre- sentagio do livre exercicio das atividades econdmicas sem as limitagSes impostas & produgao e & circulagao. das mercadorias. Nesse sentido é que a liberdade esta- ria ligada ao direito de propriedade. Foi a partir do texto "A questao judaica”, de 1844, que Marx analisou criticamente a concepeSo in- dividualista-burguesa subjacente aos direitos humanos expressa nas declaragées americana e francesa. Assim, a pretensao de ter um cardter universal no afasta da concepgaa liberal dos direitos humanos a sua natureza de classe. Ao contrario, a universalidade desses direitos aparece exatamente quando a burguesia consegue en- carnar como conquista sua alguns anseios que podem ser generalizados na luta contra o absolutismo. O que o pensamento socialista e a pratica politi- ca ¢ sindical do movimento europeu e norte-americano do século XIX questionavam era a existéncia de uma enorme contradigao entre os principios formalmente divulgados nas declaragées de direitos e a realidade vi- 26 Jobo Ricardo W Dornelles vida cotidianamente por uma ampla maioria de pov = povo esse que se encontrava submetido as mais duras condigSes de existéncia, sem direito a uma remunera- cao digna, com uma jornada de trabalho de catorze a quinze horas didrias, sem seguranga no trabalho, sem moradia, sem condigdes de assegurar a educagao ¢ a satide aos filhos, sem seguranca para a velhice, entre inimeras outras coisas. E tudo isso em nome do sagra- do direito individual de contratar livremente as condi- des de sua vida com o seu semelhante O fosso existente entre as declaracées de igualda- de de direitos, de liberdades para todos os seres huma- nos, € a realidade da vida dos trabalhadores questionava frontalmente os principios liberais dos direitos humanos. Basta lembrarmos que a organizagao sindical (in- clusive no Brasil no inicio de século XX) sofria uma sé- fie de restrigdes, acusada até de violar o direito de cada individuo de manifestar livremente (e individualmente) a sua vontade. Assim, cada trabalhador deveria bater na porta do seu patrao e negociar individualmente, e livremente, a venda da sua forga de trabalho, pois so- mente dessa maneira se garantiriam as condigoes con- tratuais entre partes consideradas iguais perante a lei e livres para fazer tudo o que fosse licito e nao ferisse os direitos alheios: A luta operdria e popular, desde 0 século XIX, se posicionava contra a simples declarag3e formal de direitos. Reivindicava a real efetivagao desses direitos enunciados. De nada adianta a Constituigao dizer que . 28 Jodo Ricarde W. Dorneites todos tém direito a vida se nao se garantem as condi- des materiais para se viver. Ora, se somos todos iguais perante a lei, que essa igualdade seja garantida materialmente, pois do contra Tio nao existe igualdade, e sim exploragio de uma classe mais poderosa sobre um enarme contingente humano que nada possui, a no ser a propria pele para vender ao prego de mercado, submetendo-se as necessidades da producio. E no caso de estar desempregado, restaria viver de biscates e outras inumeras estratégias de so- brevivéncia, que chegam inclusive ao crime. As opressivas condigdes de vida impostas aos trabalhadores europeus durante o século XIX levaram ‘os sindicatos e partidos operdrios a reivindicarem a in- tervengao do Estado na vida econémica e social, visan- do regulamentagao do mercado de trabalho. Por outro lado, o prdprio capitalismo encontrava- se em transformacio. Era a nova realidade em que o Estado passava a intervir nas atividades econdmicas e sociais, deixando de ser o mero arbitro da sociedade. Iniciava-se uma nova era do desenvolvimento do capital (0 iniperialismo), com os seus espacos de influén- cia e a sua presenga no mercado mundial. O capitalismo nao era mais o simples sistema de livre concorréncia en- tre empresas individuais e familiares. Surgiam os grandes conglomerados econémicos com base ne capital mono- polista. Redefine-se a ideologia liberal classica. O século XIX viu, portanto, nascer um confron- to que se estende ao século XX, sobre o contetido dos ° ek O que sao Direinos Humonos direttos humanos. Os direitos fundamentais do ser hu- mano seriam os direitos individuais enunciados pelas de- claragées das revolugdes burguesas do século XVIII? Ou seriam novos direitos de natureza social que garantiriam coletivamente as condigdes da existéncia humana? A duvida ea polémica perduram até os dias de hoje Accritica do pensamento socialista, marcado pelo marxismo, e as lutas operdrias e populares colocavam a questao dos direitos sociais, econdmicos e culturais. A realidade de crise, de desigualdade social e de concen- tracao do capital tornou insuficientes as interpretacdes liberais acerca dos direitos humanos, entendidos como inerentes & natureza do homem, independentemente da sua condigio social e da sua classe de origem. Se na concepeo liberal caberia ao Estado a abs- tengo, deixando aos individuos a melhor maneira de exercer seus direitos individuais, as lutas sociais reivindi- cavam a presenga efetiva do Estado. O movimento ope- rdrio demonstrou que o reconhecimento puro e simples de um direito inerente ao homem nao garantia o seu efetivo exercicio por aqueles que ocupavam uma posi- cdo subalterna na estrutura produtiva da sociedade. Assim, a amphacg&o do conteudo dos direitos humanos se desenvolveu progresstvamente. Para isso contribuiram as lutas sociais, como também a enciclica papal Rerum novarum de 1891, que propunha a inter- vengao estatal nas questées sociais, formulando a mo- derna doutrina social da Igreja. 30 Jodo Ricardo W. Darnettes Nas primeiras duas décadas de século XX, a Re- volugao Mexicana, a Revolugao Russa de 1917, a Cons- tituigdo da Republica de Weimar na Alemanha, em 1919, e a criagao da Organizagao Internacional do Trabalho (OIT) pelo Tratado de-Versalhes, também em 1919, am- pliaram na realidade sociopolitica a abrangéncia dos di- reitos humanos, que deixaram de ser entendidos apenas como direitos individuais e passaram a incorporar a ideia dos direitos coletivos de natureza social. Para dar conta da expansao do contetido concei- tual dos direitos humanos passou-se a utilizar a expres- so “direitos sociais, econémicos e culturais”. Nao se trata mais de admitir a existéncia de direitos naturais, anteriores a sociedade e inerentes a pessoa humana. Os direitos’ sociais ndo so proclamados com 0 intuito de'limitar a intervengao e 0 poder do Estado (nao se luta mais contra 0 absolutismo feudal). Sao direitos que exigem a aco positiva do poder estatal, criando as con- digées institucionais para o seu efetivo exercicio. “Entre os direitos fundamentais de natureza social, econdmica e-cultural podemos apontar alguns exem- plos: direito ao trabalho; direito a organizagao sindical; direito a previdéncia social em caso de velhice, invalidez, incapacidade para o trabalho, aposentadoria, doenga, etc.; direito a greve; direito & satde; direito & educagao gratuita; direito a uma remuneragdo que garanta con- digées dignas para o trabalhador e sua familia; direito a férias rermuneradas; direito & estabilidade no emprego; Pe © que sn Dirostos Humanos 3 direito a condigdes de seguranga no trabalho: direito aos servigos publicos (transporte seguro e confortavel, se- guranga publica, saneamento basico, ruas caigadas, ilu- minago, 4gua encanada e tratada, comunicagao. etc.) direito & moradia digna; direito de acesso & cultura; di- reito de protec&o a infancia; direito ao lazer, ete ‘Trata-se, portanto. nao apenas de enunciar direi- tos nos textos constitucionals, mas também de prever ‘0s mecanismos adequados para a viabilizagao das suas condigées de satisfacdo. Nesse campo o Estado passa a ser um agente promotor das garantias ¢ direitos sociais Os pIREITOS DOs POvOs OU os DIREITOS f 1A SOLIDADARIEDADE A TERCEIRA GERAGAO DOS DIREITOS HUMANOS. A ampliag’o do conteddo dos direitos funda- mentais da pessoa humana seguiu o caminho indicado pelas diferentes lutas sociais € pelas transformagdes sdcioeconémicas e politicas que marcaram as socie- dades nos ultimos trezentos anos, e que possibilitaram importantes conquistas para a humanidade. Esse processo de ampliagao de direitos passou a encarnar reivindicagées e lutas democraticas e popula- res especificas que historicamente passaram a expres- sar os anseios de toda a humanidade. Assim foi com as lutas contra o absolutismo feudal durante os séculos XVII e XVIII, quando avangar significava ver reconhe- cidos os direitos individuais da igualdade juridica, da liberdade individual, da livre manifestagao da consci- éncia, da seguranga pessoal, entre outros, As lutas do século XIX demonstraram que a humanidade deveria avancar mars na conquista de novos espacos de liberda- de coletiva e igualmente material que possibilitassem as condigées de viabilizagao da felicidade humana. Durante o século XX, ands grandes conflitos so- ciais, novas reivindicagSes humanas, sociais ¢ estatais passaram a fazer parte do cendrio internacional e do imagindrio social das sociedades contemporaneas, As condicées para a ampliagao do conteddo des direitos humanos se apresentavam através de novas contradi ¢6es e confrontos que exigiam respostas no sentide da garantia e protegio das liberdades e da vida ~ A partir do pds-guerra desenvolvem-se os direi- tos dos povos, também chamados de “direitos da soli- dariedade”, a partir de uma classificagao que distingue entre os “direitos da liberdade” (os direitos individuais da primeira geragio), os “direitos da igualdade” (os di- reitos sociais, econdmicos e culturais da segunda ge- ragao) e os “direitos da solidariedade” (novos direitos, ou direitos da terceira geracdo). Assim, os direitos dos POVvOs SAO ao Mesmo tempo “direitos individuais” e “di- reitos coletivos”, ¢ interessam a toda a humanidade. © contexto histérico inaugurado com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) trouxe para a humanidade uma nova era. A luta nos campos de ba- talha da Europa e do Oriente se desenvoiveu contra os modelos totalitdrios dos Estados de terror de inspiragao fascista, como as ditaduras de Hitler, Mussolini e Hiroi- to, revelando as grandes violagdes de direitos humanos ocorridas nos campos de concentragao nazistas, como 4 Jodo Ricardo W. Dorneltes ‘o massacre de 6 milhées de judeus e outros grupos ét- nicos ¢ religiosos. A realidade do fim do conflito mundial foi, no en- tanto, mais complicada do que o desejo romantico da- queles que acreditavam em uma luta democratica neu- tra e sem contradicées, que colocava lado a lado aliados come os Estados Unidos, a Unido Soviética do periodo stalinista, a Inglaterra, a China de Chiang Kai-chek e mesmo 0 Brasil do Estado Novo. ‘Acontece que o firm da guerra, no ano de 1945, abriu uma nova realidade mundial. Junto com a valori- zagao de um ideal democratico, o mundo do pds-guerra nasceu dividido em blocos de poder (Ocidente-Esta- dos Unidos x Comunismo-URSS), sob o fantasma da guerra fria dramaticamente vivida apés a explosio das bombas atémicas em Hiroxima e Nagasdqui, macabro ensaio geral da “Era Nuclear”, que, pela primeira vez na historia humana, mostrou como 0 conhecimento e a ciéncia podem ser utilizados para 0 exercicio ilimitado do poder, possibilitando a completa destruigao do mun- do. Pela primeira vez o ser humano passou a viver nao mais apenas sob a ameaga de guerras convencionais, de genacidios destruidores de classes, de grupos étnicos, de ragas, de grupos culturais, de nagdes, mas sob o sig- no da destruigao completa, no deixando vivalma para contar a verso histdrica dos vencedores. E a solugao. final, sem vencedores. Todos vencidos. ‘As novas relacées internacionais do pés-guerra apresentam novos atores, com o proceso de descolo- 0 que sa0 Direitos Humanos 35 nizagao da Asia e da Africa, propiciando o surgimento do movimento dos ndo-alinhados a partir da Conferén- cia de Bandung em 1955. Por fim a nova divisdo internacional do trabalho possibilitava o inicio de uma nova era de acumulagao econémica do capital: a “Era das Multinacionais”. © periodo que vai de 1945 até fins da década dos 1960 foi marcado por um grande impulso econénueo com base no capital das grandes multinacionais, e com a amplia~ 40 do uso intensive das fontes de energia e dos recur- sos‘naturais de todas as regides do mundo. Tal modelo de desenvolvimento ampliou a niveis inimaginaveis o quadro de destruicao. ambiental, afetando principal- mente os paises do Terceiro Mundo Toda essa nova e complexa realidade nascida no bojo do pés-guerra colocou na ordem do dia uma série de novos anseios e interesses reivindicados por novos movimentos sociais. Sao direitos a serem garantidos com 0 esforgo conjunto do Estado, dos individuos, dos diferentes setores da sociedade e das diferentes nagées. Entre essas novas necessidades humanas, apare- cidas apés a Segunda Guerra Mundial, destacam-se: + O direito & paz: uma clara referéncia a0 clima tenso da guerra fria que, além da constante ameaca da guerra nuclear, tem patrocinado guerras localizadas, comoa guerra da Coreia, do Vietna, E claro que somen- te em um contexto de paz se torna possivel o exercicio das liberdades e direitos considerados fundamentais. 36 Jose Ricardo W. Dorneties + Odireito ao desenvolvimento € 0 direito & auto- determinagéo dos poves: $40 anseios que estado interli- gados e que redefinem os padrdes de desenvolvimento impostos pelos paises mais desenvolvidos, buscando ga~ rantir, através do direito a autodeterminagao politica de cada nagao, sem interferéncia de Estados estrangeiros, a implementagao de um modelo de desenvolvimento alternativo com base em uma nova ordem econdmica internacional, + O direito a um meio ambiente saudével e ecologi- camente equilibrado: diz respeito ao quadro de destrui- 30/ambiental que tem afetado a propria vida humana, colocando em risco uma existéncia digna para toda a humanidade. E um direito que questiona os modelos de desenvolvimento adotados. Por exemplo: 0 caso do modelo dé desenvolvimento adotado no Brasil levou & ocupagio desordenada da Amazénia, com a conse- quente destruigao ambiental e o agravamento dos pro- blemas sociais. . + O direito a utilizagdio do patriménio, comum da humanidade: esta ligado ao direito ao meio ambiente, e a constituigéo de uma nova base de convivéncia inter- nacional soliddria entre os povos do mundo. Todos os povos devem ter direito a utilizagao comum e solidaria do alto-mar, do fundo dos mares, do espago extra-at~ mosférico e da Antértida. A PROTEGAO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS As liberdades e garantias para os seres humanos Nao so assuntos que interessarn unicamente a cada Estado, mas, ao contrario, interessam e obrigam a toda a comunidade internacional. © que passou a caracterizar a evolucdo dos di- reitos humanos durante o século XX - principalmente apés a Segunda Guerra Mundial ~ foi a sua progres- siva incorporacao no plano internacional, enquanto 9 século XIX se caracterizou por ser o momento do reconhecimento constitucional, em cada Estado, dos direitos fundamentais. A rea do conhecimento que comegou a tratar do tema passou a ser chamada de “direita internacional dos direitos humanos”, encontrando-se ainda em pro- cesso de formagao conceitual. A internacionalizagao das relagées politicas e eco- némicas, a consolidago do mercado mundial e o desen- 38 Jodo Ricarde W. Dorneiles volvimento dos principios de cireito internacional publico a partir do final do século XIX levaram a valorizacao do tema dos direitos e garantias da pessoa humana também nas relagdes entre os Estados, entre as nagées e entre individuos e grupos na ordem internacional Durante o decorrer do século XX, a comunidade organizada das nagées, seja no marco das organizagSes mundiais como as Nagdes Unidas (ONU), seja no mar co dos organismos especializados como a Organizagio Internacional do Trabalho (OIT) ou a Organizacao das Nagées Unidas para a Educacao, Ciéncia e Cultura (UNESCO), seja nos foros regionais de associagdes internacionais, como a Organizacao dos Estados Ame- ricanos (QEA), a OrganizagSo da Unidade Africana (QUA) eo Conselho da Europa, tem aprovado inime- ros dispositivos, textos, declaragdes, instrumentos de validade juridica na defesa e protegao internacional dos direitos humanos buscando assegurar 0 respeito e 0 re- conhecimento por parte de governos e de particulares, Os conflitos internacionais, principalmente as duas grandes guerras mundiais do século XX, os mas- sacres de populacées civis, os genocidios de grupos ét- nicos, religiosos, culturais, etc., e a permanente ameacga paz internacional demonstraram que nao bastava que cada Estado aprovasse internamente uma declaracao de direitos, ou mesmo subscrevesse diferentes docu- mentos internacionais para que automaticamente pas- © gue san Direiros Hunaunos » sasse a respeitar 0s direitos enunciados em relagao aos, seus habitantes, Foi necessaria a criagao de mecanismos ¢ instru- mentos controladores da aco dos Estados no sentide do respeito aqueles que habitam ou se encontram em seu territério e do respeito aos principios do direito in- ternacional. Para tanto, foram organizados sisternas re~ glonais de protecao e promogao dos direitos e yarantias fundamentais, buscando a adesdo, por parte dos Esta~ dos, a uma politica internacional de resolucao pacifica dos conflitos ¢ contradigdes e de efetivo respeito a0 elenco de direitos conhecidos internacionaimente, in- dependentemente de nacionalidade, raga, sexo, idade, religiao, opiniao politica, condigao social, etc. O problema colocado para o direito internacional 6 que lhe falta o poder coercitivo, por no existir na or dem internacional um érgo controlador direto e fisca- lizador com capacidade de exigibilidade sobre as agdes violadoras de um Estado. As acées dos drgios existen- tes tém apenas um caraiter moral, chamando a atengao do Estado infrator e da comunidade internacional para que cesse a violagdo, mesmo quando se trata dos casos mais dramaticos e flagrantes, como os de torturas, de desaparecimentos forcados, de restrigéo as liberdades de opiniio e de credo, de massacres e genocidios noto- riamente reconhecidos. O estabelecimento de mecanismos de controle das acées violadoras se chocou, assim, com um con- 40 Joao Ricarde W. Dornelles ceito ilimitado de soberania nacional que tem como co- rolério 0 principio da nao-intervengao em assuntos de responsabilidade interna de cada Estado. O conceito irrestrito de soberania nacional impede a agao efetiva dos organismos criados pela comunidade internacional para a defesa dos direitos humanos, defesa essa funda- mental quando se trata de assegurar a paz e a seguran- ga internacionais. A universalizago da tematica dos direitos huma- nos é um fenémeno da nossa época, que acompanha o desenvolvimento da politica e da economia internacio- nais e a evolugao juridica da materia através do direito internacional. Dessa maneira o ser humano passou a ocupar um papel de destaque na vida internacional, ten- do uma série de direitos universalmente reconhecidos por todos os Estados. Portanto, o prévio reconhecimen- to do-ser humano como sujeito de direito das normas internacionais é a condigio indispensdvel para falarmos em protecao internacional dos direitos humanos. » Aampliagao dos mecanismos de protegao dos di- reitos humanos no plano internacional se expressa em diferentes documentos, dos quais podemos destacar os seguintes: + Declaracdo Americana de Direitos e Deveres do Homem ~ Aprovada pela IX Conferéncia Intera- mericana, reunida na cidade de Bogota entre margo maio de 1948, Foi o primeiro texto elaborado por inicia~ O gue sao Direstos Pumanos 41 tiva dos Estados das trés Américas sobre 0 tema dos direitos humanos, € consagrou os principios basicos de tutela dos direitos essenciais no ambito continental. Foi a primeira expresso do Sistema Interamericano de Protego aos Direitos Humanos. + Declaragao Universal dos Direitos do Homem. = Elaborada a partir da Carta das Nagées Unidas que criou a Comissao de Direitos Humanos. No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral da ONU, reuni- da em Paris, aprovou por 48 votos a favor e 8 abstengées a Declaracao Universal. As abstengées foram da Polé- nia, Ucrania, lugostavia, Unio Soviética, Bielo-Russia, Tehecoslovaquia, Africa do Sul e Arabia Saudita. Os paises socialistas se abstiveram por entenderem que a declaracdo nao tratou adequadamente os direitos so- ciais, econémicos ¢ culturais. A Arabia Saudita se abste- ve porque a declaracao ndo se pautou pelos principios da religiio mugulmana. E a Africa do Sul deixou de aprovar ‘© texto porque o conteddo do documento confrontava diretamente a politica racista do epartheid, E importan- te frisar que, mesmo no tendo forga de obrigatorieda- de para a aco dos Estados, a Declaragéo da ONU tem uma importancia histérica por marcar a derrota dos re~ gimes totalitarios nazi-fascistas, além de constituir um monumento de natureza moral, servindo de referencial para a promocdo e 0 respeito efetivo dos direitos huma- nos em todas as partes do mundo, 2 Joao Ricardo W. Dornetles + Convengao Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José) — Aprovada na Conferéncia Espe- cializada Interamericana sobre Direitos Humanos, rea- lizada em San José, Costa Rica, em novembro de 1969 Como a Declaragao Americana de 1948 tern apenas 0 papel de enunciar os principios promotores dos direitos humanos nas Américas, foi necessaria a elaboragao de um texto normativo cujo papel era dar execucao a pro- tecao dos direitos e garantias a partir da definigdo das regras protetoras e prever a criagio da Comissao e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. + Declaragao Universal dos Direitos dos Povos - Aprovada em Argel, no ano de 1977, por dirigentes de movimentos de libertagao nacional, chefes de Estado, juristas, economistas € politicos de diferentes paises Esse documento enuncia principios referentes aos di- reitos de todos os povos contra a dominacao e explo- raco dos imperialismos exercidas pelas grandes potén- cias. A partir disso, expressa a necessidade de garantia dos direitos & existéncia dos povos, & autodeterminacdo politica, ao desenvolvimento econémico, a cultura, ao meio ambiente, e dos direitos das minorias. E um do- cumento que elabora principios com a preccupagaio de construir uma nova ordem internacional mais soliddria € cooperativa. Além desses textos, documentos, pactos, decla- racées, poderiamos indicar a Declarac&o dos Direitos da Crianga, de 1959; a declaracao sobre a eliminagao de qualquer forma de discriminagao racial, de 1963; a O que sao Dirertos Mamanos 43 declaragio sobre a eliminagao da discriminagao da mu- lher, de 1967, etc, Com base nesses documentes, foram criados Srgios com poder jurisdicional, ou melhor, tribunais internacionais de direitos humanos com o objetivo de viabilizar os direitos previstos nos diferentes textos internacionais. No campo de competéncia da ONU existem o Comité dos Direitos Humanos ¢ a Comiss’a dos Direi- tos Huranos, com atuag’o de Ambito mundial. Tam- bém com atuagdo em todo o mundo temos outros Gr- aos promotores dos direitos e garantias fundamentais, entre eles a UNESCO e a OIT. No ambito do Sistema Interamericano de Direi- tos Humanos, a Carta da Organizagio dos Estados Americanos (OEA) estabeleceu a criagdo de dois or- gos de protecao: a Comissao Interamericana de Di- reitos Humanos, com sede em Washington, e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede em San José, na Costa Rica. Na Europa Ocidental, a Convengio Europeia de Direitos Humanos estabeleceu a criagao de dois dr- gaos: a Comissiio Europeia de Direitos do Homem e a Corte Europeia de Direitos do Homem, ‘Além dos inumeros dispositivos de protegdo e dos diferentes tribunais, a ordem internacional conta com a existéncia de orgdos de pesquisa cientifica, di- 44 Joao Ricardo W. Dornettes vulgac&o, dentincia e acompanhamento dos assuntos dos direitos humanos. No campo da divulgagao e da pesquisa cientifica foi criado, no ano de 1980, o Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IIDH), com o objetivo de promover ‘oensino e a pesquisa sobre os direitos humanos. O IIDH tem sede na cidade de San José, na Costa Rica. O processo de universalizagdo dos mecanismos de protegao dos direitos humanos tem sido marcado nao apenas pelo reconhecimento formal desses direi- tos, mas principalmente pelas lutas dos pavos contra a opressao, contra a exploragao econémica e contra a miséria, 0 que passou a exigir a efetivagao dos direitos enunciados pelos diferentes documentos internacio- nais. Para a efetivagdo dos direitos humanos é funda- mental a instauragdo de uma nova ordem econémica internacional que venha a romper com os atuais lacos de dependéncia e expropriacao dos povos do Terceiro Mundo em relagao aos paises centrais, ¢ que ponhana order do dia novas relagdes de desenvolvimento e be- neficio mUituo que retire da eterna posicéio subalterna os paises subdesenvolvidos. DirEITOS HUMANOS COMO PRATICA SOCIOPOLITICA E A QUESTAO DEMOCRATICA No Brasil, como no resto da América Latina, nao existe uma arraigada tradi¢o cultural de valorizagao dos principios de direitos humanos As lutas oposicionistas de resisténcia democré- tica contra os regimes de exceco acabaram por des- pertar, para o conjunto da sociedade, a atengao para o problema das liberdades, garantias e direitos. Os direi- tos da pessoa humana entendidos nfo apenas em seu aspecto nominal, mas sim como efetiva realizacdo das garantias de respeito as prerrogativas reconhecidas in- ternacionalmente. As altimas décadas do século XX marcaram o Cone Sul da América Latina com experiéncias politi- cas autoritdrias onde as liberdades democraticas es- tiveram limitadas. Essas experiéncias se basearam na doutrina de seguranga nacional, que, no caso brasileiro, se expressou através do binémio seguranga e desen- 46 Jodo Ricarde W. Darneiles volvimento. As consignas levantadas pelas liderangas conservadoras séo o produto de uma determinada concepgao de seguranga que identifica o Estado com a nagao, e tem por base a manutengao da ordem social estabelecida com um tipo de desenvolvimento exclu- dente, concentrador da renda e elitista. A Doutrina de Seguranga Nacional foi o suporte tedrico dos regimes politicos de ditadura militar impian- tados na América Latina e segue sendo, no quadro da democratizagao, a base das ages das forgas conserva- doras. Tendo como objetivo principal a manutencao do status quo, seus principios criaram a figura do inimigo invisivel, 0 “inimigo interno” rotulado de “comunista ateu”, que ameaga a civilizagao crista-ocidental da qual naturalmente fazem parte os paises da América Latina, entre eles o Brasil. O desenvolvimento da Doutrina de Seguranga Na- cional se deu no quadro da guerra fria, nas décadas de 1950 e 1960, a partir das necessidades do confronto inter- nacional-entre o bloco ocidental e os paises socialistas. . Com essa base doutrindria é que as experién- cias ditatoriais se desenvolveram em nosso continente, principatmente a partir de 1964, com o movimento mi- litar brasileiro. A colocagio na ordem do dia da questao dos direi- tos humanos pelos movimentos de oposigao aos regimes «militares demonstrou a capacidade de confrontagao com O que sao Direstos Humanas ar um tipo de poder politico que violentava sistematica- mente os direitos mais elementares da pessoa humana A luta direta contra os regimes militares colocou, em um primeiro momento, a questao do direito a vida do direito a integridade fisica, do direito a liberdade in- dividual, do direito a livre manifestagao de opiniao € €: presso, como valores que nao podem ser alienados por razdes de Estado ou de seguranga nacional. Ou seja. de certa forma os movimentos de defesa dos direitos humanos recuperaram, em seu embate com os regimes militares, uma ideia jusnaturalista de Rousseau de direi- tos inaliendveis e inerentes 4 pessoa humana. No entanto, nos contextos latino-americanos, a luta pelo respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana converteu-se em ago politica real contra o autoritarismo do Estado, transcendendo a questao da ilegalidade das praticas governamentais e passando ao questionamento da prépria legitimidade do poder. Assim, os direitos humanos aparecem nesse con- texto politico como um meio de fazer politica, de in- tervir positivamente no jogo politico, de confrontar as experiéncias existentes de exercicio do poder e de criar alternativas ao poder estabelecido, a partir de um pon- to de vista popular, através de acées que traduzem o carater essencialmente politico dos direitos humanos. Tais agdes de grupos e associagées de defesa dos direitos humanos passam a questionar as formas auto- ritérias do poder contemporaneo, buscando através de 48 Jodo Ricarde W. Dornelles sua pratica social constituir novas experiéncias que am- pliem os espacos de liberdade e de exercicio efetivo da cidadania coletiva. E dessa forma que a questo dos direitos huma- nos irrompe no cenario politico através de novas prati- cas politicas e novas formas de organizagio social como centras de defesa dos direitos humanos, os comités de anistia, as diferentes entidades de familiares de desapa- recidos e atingidos pela repressao militar, as Comissdes de Justiga e Paz, os grupos de maes como as Madres de la Plaza de Mayo, e mesmo através de instituicdes tradicionais da sociedade civil como a Ordem dos Ad- vogados do Brasil, que desempenhou um papel exem- plar na kuta contra 0 regime militar ¢ pelo respeito aos direitos humanos. A pratica das entidades de defesa dos direitos hu- manos, em um quadro de transigéo democratica, apon- ta para um entendimento mais amplo desses direitos Nao apenas direitos individuais, os direitos de cardter social. Mas uma pratica que percebe que todos esses direitos so integrados. Supera-se na pratica sociopo- litica desses grupos a falsa dicotomia proveniente das ortodoxias liberal e marxista, Cada uma dessas con- cepgdes exclui da sua rbita de valorizagao positiva, e de preocupacio, uma série de direitos conquistados. Ou seja, a concepgio liberal ortodoxa baseia-se ape- nas nos direitos civis politicos (direitos individuais), e a concepgao marxista ortodoxa entende serem direitos 0 que sdo Direvtos Humanos 49 fundamentais apenas aqueles que se vinculam a ordem econémica, social e cultural, e que, portanto, exigem a presenga do Estado como agente promotor ¢ regula mentador desses direitos. A contribuigio que cada uma dessas concepgées deu A concep¢ao ampliada atual dos direitos humanos ~ direitos civis e politicos por influéncia liberal, ¢ direitos sociais, econémicos e culturais por influéncia do pen- samento socialista — acabou por se transformar em um fator de perpetuacao de uma falsa oposicao, “ideologi- zaido” a questao. De um lado estariam as liberdades formais burguesas, contrapondo-se com os direitos € liberdades materiais socialistas, onde os primeiros re- querem a abstengao da acdo do Estado, enquanto os segundos necessitam, para a sua existéncia efetivida- de, da intervengao direta do poder estatal A definigao ampliada dos direitos humanos pas- saa perceber a complementaridade que existe entre os chamados direitos da primeira geragio (direitos civis ¢ politicos) e os da segunda geracdo (direitos sociais, eco- némicos e culturais), dentro de um contexto cultural plural como os das sociedades contemporaneas. A dinamica da luta que se travou contra os re~ es autoritarios, € posteriormente nos periodos de recuperagao democratica, fez surgir uma série de rei- vindicagées trazidas do seio da sociedade civil, que ori- ginou expectativas de reconhecimento ¢ viabilizagao do exercicio desses direitos. Aqui aparecem as ques- 50 ode Ricardo W. Dornelles tdes comportamentais referentes a sexualidade, 20 prazer, ao lazer, a juventude, aos direitos das chamadas “minorias”, como também as questées referentes ao meio ambiente, a paz, a justia, etc., demonstrando a incapacidade interpretativa, em unt ambiente plural, das tradicionais concepgées parcializadas acerca dos direitos humanos, centradas na falsa contradigao entre 0s direitos individuais e 0s direitos coletivos, e na preva~ léncia de uns sobre os outros. No contexto da luta democratica que se desen- volveu nos paises do Cone Sul surgiu, no interior dos movimentos reivindicativos de direitos, a figura do mili- tante dos direitos humanos contra 0 arbitrio do Estado, colocando a necessidade do exercicio integra! dos direi- tos e a sua contradig&o com as formas autoritarias de organizacao do poder. Quando falamos dos direitos humanos, coloca- mos énfase na discussdo sobre a questao democratica, como condigao essencial para a realizagao e satisfacdo efetiva das necessidades basicas da existéncia humana em todos 0 aspectos da vida, referentes a personalida- de, & cidadania, e também relativos 4 participacao do individuo como membro de uma coletividade. No caso brasileiro, apds a promulgag3o da nova Constituigao Federal de 1988, um elenco de direitos passou a ser reconhecido no texto da lei, como o de no se poder ser preso sendo em flagrante delito ou por or- dem do juiz, o direito de se avisar a familia e 0 advogado | | | O que 00 Direitos Humonos a imediatamente apés a prisao, o direito ao seguro-desem- prego, o direito a greve, etc. A continuidade das violagdes de direitos revela a incapacidade das democracias representativas, prin- cipalmente na realidade latino-americana, de dar res- postas adequadas ao quadro de profunda desigualdade social que possibilita o permanente e histérico desres- peito aos direitos humanos. O problema é que em nossa realidade, mesmo quando se vive uma situag3o politica onde os espagos democraticos sao mais amplos ¢ visiveis, seguem exis- tindo grandes desniveis nos quais o exercicio da cida~ dania é diferenciado, enquanto uma grande maioria de brasileiros, curiosamente chamados de “minorias”, sao mantidos fora do ambito de protegio legal A realidade brasileira, como produto de uma bru- tal heranga histrica, tem sido marcada nestes ditimos séculos pelo autoritarismo, pela exclusao e pelo elitis- mo, como base de manutengo de privilégios de elites que buscam se perpetuar em suas posigdes de mando é riqueza através da expropriagdo e da exploragdo de uma ampla maioria de seres humanos: © Brasil é 0 pais que, no XXI, ainda tem um pé na era medieval. Uma sociedade onde a convivéncia en- tre a era pré-moderna, a modernidade ¢ os caminhos da transic&o para a pés-modernidade se encontram no nosso cotidiano, que consegue combinar a sofistica~ cdo do parque industrial da oitava economia do mun- 92 Joao Ricardo W. Dornetles do capitalista com a miséria da 70? posi¢3o mundial em condigdes sociais de existéncia para a populagdo. Pela telinha da quarta maior rede de telecomunicacées do mundo (Rede Globo, plim, plirn) assistimos & “ficgo do pais real”, & miserabilidade de milhdes de brasileiros, ao tratamento da “Santa Inquisigao” nas delegacias e presi- dios, A impunidade, & corrupgao, etc. A “modernidade” tecnolégica literalmente cai sobre o atraso, quando mo- dernissimos Boeings passam a poucos metros das cabe- gas de favelados para pousar suavemente no aeroporto de Sao Paulo, quando nao caem no meio da favela, como ocorreu em 1989. E 0 perverso quadro da convivéncia cotidiana de pessoas que sobrevivem de biscates, ou de empregos que lhes rendem um salario considerado dos mais baixos do mundo, com as mais avangadas conquis- tas de mundo contemporaneo. A cidadania, dentro de uma sociedade como a brasileira, néo é uma conquista de igualdade, a nao ser na letra da lei. A realidade é outra, marcada pelo exer- cicio dos direitos por apenas uma camada da populac3o (basicamente 0 rico Brasil de classe média e alta), que dificilmente’seré espancada pela policia por uma suspei- ta qualquer, que no vai virar “presunto” nas Baixadas Fluminenses da vida, que, bem ou mal, consegue fazer parte do mercado de consumo moderno, cujos filhos estudam direitinho (ou mais ou menos), ou tém um acompanhamento de satide razoavel. E o resto (que é muita gente!)? O gue se Direitos Humanos 53 Dados da FAO (érgio da ONU para alimenta- 40) indicavam que no final da década de 1980 cerca de 86 milhdes de brasileiros, quase trés quartos da popu- Jago, ingeriam diariamente menos de 2 240 calorias, consideradas como a dieta adequada pela Organizagao Mundial de Saude. Ainda naquela época, segundo a UNICEF cerca de 1.000 criancas entre Oe | anode idade morriam por dia no Brasil. No Nordeste o indice de mortalidade infantil era de aproximadamente 250 por | 000; 5 entre cada 10 criangas ndoalcangavam os 5 anos de idade, Em Cubatao, o indice de mortalidade era de 632 criangas por | 000. * 54 Joaa Ricardo W Dornetles Além disso, a infancia no Brasil sofre com a des- nutrigéo. Também a UNICEF aponta que no fim da dé- cada de 1980 12 milhdes de criangas de 0 a 7 anos de ida- de estavam subnutridas. Somente o Haiti, a Nigéria ¢ a Etiépia conseguiam uma cifra mais negativa que essa E mais do que sabido que os negros, os nordesti- nos pobres, as mulheres de classe popular, os favelados, os boias-frias, os mendigos, os meninos e meninas de rua, as prostitutas, etc., sao o alvo privilegiado da agao pouco democratica do Estado. E diariamente vemos no noticidrio, e nas ruas, como é dificil, ou impossivel, para essa turma exercer os seus direitos de cidadao. Ea lei diz que todo mundo ¢ igual, € tem direitos garantidos, Para que realmente se exergam essas liber- dades da'lei, é fundamental a conquista de espagos de- mocraticos nos quais os principios de direitos humanos passem a povoar a existéncia das pessoas. Por outro lado, o Brasil vive o drama da destrui- cho ambiental. Desde Cubatao, passando pela baia de Guanabara, pela Mata Atlantica, pelo pantanal Mato- Grossense, pela reserva de Taim, no Rio Grande do Sul, e chegando & Amazénia. Em todos esses e'em outros casos, 0 que se vé 6 a completa impunidade em rela- cdo as praticas irregulares, poluidoras e devastadoras de grandes empresas, de grandes latifundidrios, de pes- soas que apenas pensam no ganho imediato para o seu bolso. Também é a expresso clara de um modelo de desenvolvimento excludente, concentrador de rendas, O que sao Direwos Huscanos 95 voltado para as necessidades do capital internacional Esse modelo de desenvolvimento, além de responsdvel pela devastagao ambiental que ameaca 0 equilibrio eco- Iégico mundial, também traz resultados nefastos para a vida dos individuos — no campo e nas nossas cidades —, dos quais decorre toda a sorte de maleficios sociais. O rol de violagdes dos direitos humanos no Brasil nao termina por aqui. E infinitamente maior. E mesmo do ponto de vista do entendimento restrito que identifi- ca. os direitos fundamentais com os direitos individuais, vemos no dia-a-dia milhares de criangas espancadas, milhares de presos maltratados, a pratica corriqueira da tortura e da violéncia fisica contra suspeitos € presos comuns; 0 direito & vida é violado de tal forma que pas- sou ser banal a convivéncia com cadaveres em nossas cidades (no Rio, durante o més de abril de 1989, foram mortas violentamente mais de seiscentas pessoas, um saldo de fazer inveja & guerra do Libano, ou do Viet- na); também ¢ comuma falta de acesso a justica para a grande massa de expropriados, etc. E tudo isso nao & produto do acaso. E 0 resultado de opgées politicas. Isso € Brasil, minha gente! PENSANDO OS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL VIOLENCIA E REALIDADE Quando falamos em direitos humanos, e princi- palmente quando se pretende fugir do mundo da abs- tragdo, € fundamental enfrentarmos um assunto que atualmente causa grande polémica na realidade brasi- leira. Referimo-nos a relagao existente entre os direitos humanos, a criminalidade, a violéncia urbana e a rela- Ao da policia com a sociedade * Antes de qualquer coisa, é necessdrio entendermos © tema relacionando-o com o da seguranca publica. Essas relagdes se estabelecem em uma realida- de politica onde se trava uma intensa luta ideolégica. E essa luta é travada cotidianamente na universidade, no Congresse Nacional, no ambito das prefeituras, no Ju- icidrio, nos jornais, na televisdo, nos bares, nas praias, as ruas, enfim, em cada espaco da nossa sociedade © que so Direitos Humonos se E expressa toda a desinformagao existente acerca dos principios de direitos humanos, das raizes da violéncia criminal, do papel da forga policial en) uma sociedade democratica e do conceito de seguranga publica. Tam- bém expressa a manipulacao dessa desinformagao, re- alizada pelos setores mais conservadores, que identi- ficam a democracia e a verdadeira defesa dos direitos humanos com a violéncia criminal, 0 caos social, a im- punidade e © “império do crime” Cria-se, pértanto, uma falsa imagem (alimentada pela imprensa) entre dois mundos: por um lado, a or dem, a moralidade, os bons costumes, a honestidade, a vida regrada e religiosa, o bem, e por outro lado, 0 cas, a degenerac4o moral, a promiscuidade, a desonestida— de, a maldade, a violéncia, a margindlia ea bandidagem “que infesta e suja as ruas de nossas cidades”, Em ultima andlise, é a mesma nogao que iden- tifica 0 exercicio do direito de greve com a desordem © 0 Caos, e tenta colocd-lo em contradig&o com a vida democratica. Essa visio maniqueista da realidade social cau- sa terror a populacdo, acabando por estimular atitudes violentas em todas as pessoas, e contribuindo para le- gitimar praticas autoritdrias por parte da policia, ou, o que € pior, para justificar as ages de pistoleiros e es- quadrées da morte que atuam “ao arrepio da lei” Quem sao, portanto, as vitimas desta violéncia? Para os defensores da ordem, sio apenas aquelas pessoas (normatmente das classes mais privilegiadas) 58 ode Ricarda W. Dorneiles que sofremn atentados em sua vida privada (e principal- mente em seu patriménio). E interessante notar que entre as vitimas da vioiéncia nao aparecem, na versao oficial, as vitimas dos acidentes de trabalho, as vitimas dos escAndalos financeiros, as vitimas do salario mini- mo, as vitimas assalariadas do “ledo do imposto de ren- da”, as vitimas dos crimes ecoldgicos e nucleares, as vitimas da violéncia policial, as vitimas do Esquadrao da. Morte, as vitimas do sistema penitenciario, as vitimas do sistema de sade, as vitimas do latifiindio, enfim, as vitimas de todas as misérias genuinamente brasileiras. Divulga-se a ideia de que a protegao dos direitos indiyiduais e coletivos para toda a populagao € o pleno exercicio da cidadania constituem um meio de estimu- lo ao crime, de privilégio aos bandidos ¢ de “boa vida” aos presos. Como se esta fosse a realidade vivida pela imensa maioria marginalizada de nossa sociedade. Cria-se, assim, um quadro ideologizado que per- versamente identifica as entidades de defesa dos direi- tos humanos como defensoras de bandidos, como en- tidades ligadas ao mundo do crime ¢ que preferem dar atengdo aos maus ao invés de se preocuparem com as vitifnas. Normalmente aparece a pergunta:'E os direi- tos humanos da vitima? Ora, 0 ponto nao é este! De que vitima estamos falando? A vitima de uma violéncia criminal merece toda a atenco, toda a assisténcia, toda a preocupagao e toda a solidariedade das entidades de defesa dos direitos hu- 2 que sto Diveitos Humanes 59 manos, mas principalmente do Estado. O que ocorre, no entanto, € que somente se fala de uma vitima, ¢ Nao se vé 0 quadro global da violéncia em uma sociedade com histérica tradigéo de violagdes dos direitos mais primérios. Além disso, apesar de os defensores da or dem se lembrarem da vitima da violéncia somente no momento em que buscam legitimar a agao criminosa dos drgsos repressivos, apenas apresentam como solu- cao, como medida de protegéio, uma espécie de vingan- Ga contra 0 criminoso, que se estende a todos os seg- mentos da sociedade identificados como indesejaveis e perigosos (tenham ou nao cometido crimes). Assim, os defensores da ordem criam um clima de medo e de violéncia continua, que em nada ajudard na conteng’o do conjunto de violéncias praticadas contra toda a po- pulacao brasileira. Quando se fala em direitos humanos, nao se pensa em realidades estanques, compartimentadas. Nao se pensa que apenas os “ bons”, os “mocinhos da historia”, tém direitos a serem preservados. Quando se luta pelos direitos humanos, pensa-se e atua-se in- tegralmente, tendo uma visao global da realidade em que vivernos. Assim, a atuacdo de defesa intransigente dos direitos humanos se relaciona com todas as violagdes ocorridas. ViolagSes em todos os niveis, e que afetem a vida de todos os seres humanos, independentemente de sua posic&o social, cor, religiao, e mesmo do que te- nham cometido. 60 Joao Ricardo W Dornelies E inacreditvel que enquanto os governantes gastam mais de dez por cento do orgamento nacional com as forcas armadas e com armamentos policiais, enquanto a politica de seguranga publica é baseada na aquisigao de “viaturas policiais”, de armas pesadas, etc., as quantias destinadas & educacéio publica, & satide publi- ca, A moradia, ao transporte de massa so escassas. A relagao existente entre a criminalidade, a vio- léncia, uma politica de seguranga ptiblica, e o respeito aos direitos humanos se inscreve no contexto da desi- gualdade vivida por milhdes de brasileiros. Em um pais com tantas desigualdades, é impos- sivel conter a criminalidade sem uma politica social de médio e longo prazo, que resolva alguns problemas crd- nicos da nossa organizagao social. Ou melhor, uma po- litica de seguranca publica realmente democratica deve ser entendida nao como uma espécie de "politica de se~ guranga nacional” que garante os privilégios de alguns, mas sim como uma politica de promocic e respeito ao ser humano, onde o Estado se compromete com a se- guranga individual e coletiva da cidadania. . Assim, aineficacia da repressio policial no com- bate ao crime deriva do fato de a criminalidade ter raizes socioeconémicas, tendendo a crescer com o aumento das desigualdades sociais, da concentracao da renda, com 0 quadro de profunda crise. Hoje, agora, neste exato momento em que estou escrevendo, estao nascendo o assaltante, 0 assassino, 0 éstuprador, o pivete, o criminoso do futuro. Da mesma 0 que séu Direitos Humanos 61 maneira estéo nascendo (em locais mais nobres) o es- peculador, o corrupto, 0 poluidor, 0 torturador, o devas- tador das florestas, © criminoso de “colarinho branco” do futuro. Hoje est nascendo a sociedade brasileira do amanha, Estao nascendo as duas partes da mesma equa- cdo onde os dois lados sao perdedores, os dois lados sao Violados em seus direitos de ser humano, mas onde, sern duvide, uma parte sempre perde mais do que a outra E esta sociedade do fisturo que nasce hoje jd ga- rante para alguns um caminho aberto para o sucesso. para a prosperidade, para a riqueza, para 0 poder, en- quanto outros jé nascem com o caminho voltado para a marginalizacao social, para @ miséria, para as frustra- ges, para a violéncia e para a morte. Se ndo se tem vontade politica de realizar reformas sociais sérias, contando com a participagao popular nas decisées, estaremos apenas reproduzindo o atual qua- dro de crise social e formando hoje os crimes do futuro. As medidas paliativas repressivas somente satisfazem As consciéncias conservadoras, reproduzindo uma socie- dade desigual ¢ injusta, sem alcangar eficacia alguma no combate ao crime, E a reproducao desta realidade vio- lenta € estimulada pelas classes privilegiadas, pelo crime inculado ao poder econémico e ao poder , dentro de vinte anos o drama da crimina- lidade estard, na melhor das hipsteses, igual ao de hoje. Em pesquisa realizada pelo jurista argentino Ratil Zaffaroni sobre sistemas penais e direitos humanos na América Latina, conclui-se que existe um desprezo pela 62 Jodo Ricardo W. Dorneiles vida humana em sociedades como a nossa. Os sistemas penais latino-americanos nao tutelam prioritariamente a vida humana. Ao se analisarem as legislagdes penais dos paises de nosso continente, vemos que os homici- dios culposos (ocorridos em acidentes de transito, por exemplo) recebem um tratamento mais benevolente do que os mais simples delitos praticados contra © pa- triménio (furto de uma carteira, por exemplo). Assim, a acao policial se orienta para combater principalmente os delitos contra a propriedade. No entanto, transmite- se para a populagdo a imagem de que a grande maioria dos-crimes tem como resultado a violéncia fisica ou a morte da vitima. ‘A pena de morte, por exemplo, jé € uma realida- de, embora no esteja legalizada. E é executada pelos grupos de exterminio e pelos linchamentos, na periferia das grandes cidades. Também € inadmissivel que hoje criangas de 4, 5, 10, 14 anos de idade estejam acordadas as trés horas da madrugada vendendo flores nos bares para casais de classe média, Ou que estejam se prostituindo desde a mais tenra idade. Neste horario deveriam estar em casa, dormindo com as suas familias, para no dia seguinte irem ao colégio estudar, praticar esportes, brincar, viver ainfancia que € roubada criminosamente de 40 milhées de criangas brasileiras. Boa parte destas criangas sem infancia terao como destino o caminho de crime, como: unica saida para sobreviver. Serao os clientes perma- nentes das casas de corregao ¢ do sistema penitenciario. oA Jodo Ricardo W. Dornetles Serao aqueles que morrerao cedo, sem terem a chance de viver uma vida humana e segura. Seréo aqueles que servirao como “bode expiatério” da hipocrisia neuréti- ca de uma sociedade competitiva e individualista, que apresenta como padrao de sucesso o individuo vence- dor, que cumpre bem o seu papel conformista e é forte quando necessita pisar 0 seu semelhante. E 0 caso de perguntarmos: quem é 9 criminoso nessa historia? Quem sao as vitimas? Quem desrespei- taos direitos humanos? Quem tem seus direitos violen- tados no cotidiano desde o momenta em que nasce? Muitas vezes temos a nitida impressio de que o violador dos direitos humanos, 0 criminoso, é o Estado, © poder existente, as classes poderosas, que ndo garan- tem as condigdes minimas de existéncia para a popula- co. Temes também a impressao de que as vitimas so- mos todos nés, que temos que viver em uma sociedade com tantos casos de desrespeito ao ser humano. Mas nao resta a menor duvida de que o lado que sempre perde é aquele constituido pelos pobres, pelos traba- Ihadores, favelados, homens sem terra, assalariados, donas de casa, assaltados, humilhados, expropriados ameagados por todos os lados. © crime é uma realidade presente, e mais pre- sente sera quanto mais desigual e injusta seja uma so- ciedade. Dessa maneira, 0 continuo desrespeito aos direitos humanos e © tratamento da questdo social sob uma Stica de guerra interna somente levard a um nivel intoleravel o quadro de crise em que vivemos. bee Buscanbo UMA CONCLUSAO Como se termina um trabalho como este? E meio dificil, principalmente quando levanta tantos as- pectos do problema A verdade € que eu poderia continuar eterna- mente levantando mais problemas, mais casos de vio~ lagdo, mais situagdes dramaticas vividas principalmen- te pelos brasileiros e demais povos latino-americanos Mas temos que parar em algum lugar. © que seria interessante colocar como mais um ponto para a nossa réflexdo é a necessidade de enten- dermos que a questao dos direitos humanos esta inse- rida no nosso cotidiano. Faz parte da vida de todos os individuos. E, dessa maneira, no podemos tratar des- se assunto de forma parcelada, come muita gente boa continua fazendo. Assim, para muitos senhores conservadores, falar em direitos humanos é apenas descrever os belos ¢ ino- 6 ode Ricardo W. Dornetles fensivos enuneiados de direitos individuais expressos nas constituigdes, como se bastasse a letra fria da lei para a real protegao dos direitos ¢ liberdades fundamentais Nao basta escrevermos na lei que todos tém direito a vida, e que nascem iguais,. que sdo livres. E necessdrio que se garantam verdadeiramente as condigdes para 0 exercicio desses direitos enuncia- dos, pois, do contrario, fica ridiculo anunciarmos para © mundo 0 direito & vida, enquanto milhdes morrem de fome diariamente, morrem de doengas ja controla- das, enfim, morrem de miséria. Também poderiamos lembrar que durante o regime militar brasileiro nossa Constituigao previa uma série de dispositivos que des- creviam os direitos dos individuos, 0 que nao foi o su- ficiente para o efetivo respeito aos direitos individuais es liberdades democraticas. Por outro lado, uma série de “companheiros” da esquerda dizem que os direitos individuais 80 uma mera produgao burguesa, e ponto final. Nao so priori- trios enquanto milhées de pessoas viverem uma vida miserdvel. Os “verdadeiros” direitos humanos seriam apenas os direitos sociais. Esquecem, no entanto, que as classes populares so aquelas que mais tém softido violagées de seus direitos individuais no cotidiano. E s6 vermos © que ocorre com os assassinatos de milhares de pessoas das classes mais pobres, oua falta de respei- to ao direito & integridade fisica dessas pessoas ~ cida- dios de segunda categori 0 que so Dircitos Humanos or Esse debate. por muitas décadas, ocupou a luta politica e ideolégica tanto no plano interne das socieda- des como nas tribunas dos organismos internacionais, onde os representantes dos paises ocidentais acusavam 0s socialistas de desrespeitarem os direitos humanos, enquanto os representantes dos paises do socialismo real acusavam o mundo ocidental de reproduzir con: tantemente as condigdes de miséria social para garan- tirem seus lucros E uma falsa polémica que se desenvolve com uma fetérica ideologizada, no admitindo que a realidade dos direitos fundamentais é mais ampla e inelui todo o processo de ampliacao do contetido desses direitos, o que se deu como produto das lutas sociais. Cada geragao de direitos humanos nasceu e se desenvolveu representando momentos histéricos em que 0s individuos, os oprimidos, os explorados, os in- justigados, os expropriados levantaram a bandeira da libertacéo e da emancipagdo humana, conquistando duramente espagos democraticos e liberdades possi- veis no contexte histdrico vivido. Nao se pode tratar hierarquicamente os direitos humanos. Nao existe contradigao entre cada geragao do desenvolvimento do conteuide dos direitos funda- mentais. Todos so anseios e reivindicagées legitimos e justos, colocados pelos poves ainda hoje, como provam as lutas contra os regimes militares na América Latina Assim, a integragéio de cada ordem de direitos é imposta pelas lutas existentes contra as violagées re- 68 Jogo Ricardo W. Dorneltes ais aos direitos da cidadania, 4s condigdes de vida, aos direitos politicos, aos direitos sociais. Como também se encontram na luta contra 0 atraso o subdesenvol- vimento, a destruigao humana e ambiental, que fazem parte do cenario vivide neste inicio de século. Como conclusao, posso apenas apontar a neces- sidade de darmos continuidade & luta por liberdades, por respeito aos seres humanos, por mais democracia, em cada espaco onde nos encontramos, como também termos claro que sqmente poderemos avangar consoli- dando um amplo leque participativo no qual a constru- do de uma sociedade mais justa e livre seja produto de um esforgo coletivo e consciente. MODELO DE FORMULARIO PARA DENUNCIAS DE VIOLAGOES PERANTE A COMISSAO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS © modelo de formutirio para dentincias perante a Comissao Interamericana de Direitos Humanos tem por objetivo facilitar a tarefa das organizaces de diret- tos humanos e ajucar as vitimas ou os membros de sua familia na apresentagao de queixas. Mepis PRELIMINARES FUNDAMENTAIS a) Esgotar todos os canais judiciais existentes na ordern juridica interna, antes de recorrer & Comissao In- teramericana de Direitos Humanos. Somente nos casos em que é notoria a falta de canais judiciais em um pais para a protegao do direito violado é que se considera a dentncia sem o prévie recurso & justiga local. Exemplo: No periode da ditadura militar de Pinochet, no Chile. b) E fundamental que se relatem todos os deta- thes reais possiveis. Mas em casos de emergéncia em 10 Jodo Ricardo W. Dornelles que a vida, a integridade fisica ou a satide de uma possi- vel vitima se encontrem ameacadas, deve ser apresen- tada a denuincia mesmo que ndo se tenham todos os detalhes do caso. c) As queixas podem ser comunicadas por cartas. telefonema, telegrama, e-mail, ou por qualquer outro meio disponivel pela vitima, familiares, ameagados ou entidades de defesa. As dentincias incompletas podem ser complementadas posteriormente 4d) No caso em que alguma informagao dada nao possa ser confirmada, deve-se escrever “nao se aplica” ou “nenhuma informacao” e) As denuncias somente podem ser apresenta- das contra Estados membros da Organizacao dos Esta~ dos Americanos (OEA) e devem ser redigidas de forma clara, direta e sem retérica de carater politico. - As queixas devem ser enviadas Ao Secietario Executivo da Comissio Interamericana de Direitos Humanos’ 1889 F Street, N. W. Washington, D.C. 20006 - Estados Unidos E-mail: cidhoea@oas.org Telefone: | - 202 - 458-6002 Fax: | - 202 - 458-3992 © que sao Direrros Humane vi REQUISITOS PARA OS PEDIDOS a) O nome, nacionalidade, profissdo ou ccupago. en- derego e a assinatura de quem efetua a dentincia, Em relagao as entidades no-governamentais de defesa dos'direitos humanos, é necessdrio seu domicilio ou enderego, o nome ¢ a assinatura de seu representan- te ou representantes legais. b) Relagio dos fatos ou da situagao que se esta denun- ciando, especificando lugar ¢ data das violagdes ale- gadas, € se possivel o nome das vitimas e o nome de qualquer autoridade publica que tenha tomado co- nhecimento des fatos relatados. <) A indicagao do Estado que o denunciante considera responsavel. por acéio ou omissao, da violagao de di- reitos consagrados d) Uma informagao sobre a utilizagao ou nao dos recur- sos da jurisdigao interna ou sobre a impossibilidade de sua utilizagao. MODELO Vitimar cee . Nome:..... Idade: Nacionalidade:. . Ocupagao: Estado Civil Doe. de identidade 72 Joao Ricardo W. Dorneties Enderego: . . Telefone: veces Numero de filhos: ..... Governo acusado da violagao: . . Violacao de direitos alegada. Explique ocorride com todos os detalhes possiveis, informando o lugar e a data da violacao: . : : Nomes e cargos das pessoas (autoridades) que come- teram a violagao: . . Testemunhas da violagao: ..... Enderego e telefone das testemunhas:.... Documentos/provas (por exemplo: cartas, documen- tos juridicos, fotos, autdpsias, gravagGes, etc.): Recursos internos que foram utilizados e nao surtirarn efeito (por exemplo: cépias de habeas corpus, ou qual- quer docuhento que comprove a tentativa de utiliza- cdo das vias legais nacionais):.... . Indicar se a identidade do denunciante deve ser manti- da em sigilo pela Comissao: Denunciante: Nome:.... Enderego Telefone: . Documento de identidade: Outras informagées (por exemplo: nome, ende- rego, telefone de advogados que acompanham o caso, de entidades de defesa dos direitos humanos que acom- panham 6 caso, etc) INDICAGOES PARA LEITURA Nos Uitimos anos, com 0 avango dos espagos de mocrdticos conquistados em nosso pais, tem aumenta- do consideravelmente o ntimero de ediges publicadas sobre 0 tema dos direitos humanos. Para tragarmos um possivel roteiro de leitura, propomos que se inicie com outro livro da presente co- legao, de autoria do professor Dalmo Dallari, O que sio direitos da pessoa. Além desse livro, a Editora Brasiliense tem se dedicado a publicar aiguns titulos que podem ser importantes para © avango no entendimento da ques- tao dos direitos humanos em nosso pais ¢ na América Latina. Em coedigéo com o Instituto Interamericano de Derechos Humanos, dentro do Projeto Educagao e Direitos Humanos, foram publicados dois volumes do livro: Direitos humanos: um debate necessiiro, ™ Jodo Ricardo W Durnelles Além desses livros, seria interessante uma leitura simples, publicada pela Brasiliense: Direitas humanos. perguntas e respostas, de Leah Levin. Um livro importante para a compreensac histéri- ca dos dirertos humanos e que faz parte de uma pesqui sa realizada na Baixada Fluminense junto aos segmen- tos de comunidades carentes é do autor Ivo Lesbaupin, As classes populares ¢ os direitos humunos, publicade pela Editora Vozes A Seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Ad- vogados do Brasil langou no ano de 1982 um numero es- pecialmente dedicado aos direitos humans de sua revis- ta. Nessa publicagaa se encontram os diferentes textos de documentos internacionais de protegdo dos direitos humanos. Revista n° 19 ~ OAB/RJ ~ Direitos Humanos. Leitura fundamental para o entendimento dos acontecimentos ocorridos no Brasil durante o regime au- toritario de 1964 é 0 jd classico Brasil nunca mars, da Edito- ra Vozes, com preficio de Dom Paulo Evaristo Arns. Foi lancado pela Companhia das Letras o livro de Celso Lafer, A reconstrucdo dos direitos humanos: Um didlogo com © pensamento de Hannah Arendt. ‘Também no campo da relagao dos direitos hu- manos com a questéo democratica e a luta contra os modelos autoritarios, temos o livro de Claude Lefort. A invengdo democratica, da Brasiliense __ Além dessas publicagdes, poderfamos indicar al- ‘gumas leituras em espanhoi. Para uma visio critica dos exterior. Para evitarmos indicagSes em excesso nos sstringimos aos acima indicados. Colocamo-nos a dis- osicdio dos leitores para possiveis contatos através do sguinte enderego PUC-RJ (Departamento de Ciéncias Juridicas) Projeto Educac’o e Direitos Humanos Rua Marqués de Sao Vicente, 225/ 6Q F Gavea, 22 453, Rio de Janeiro, RJ SOBRE O AUTOR - le Nascido no Rio de Janeiro, em 1955. Formado em direi- to pela PUC-RJ, concluiu 0 mestrade em Ciéncias Juridicas na PUC-RJ com a dissertagdio de mestrado defendica em 1984 sob ‘o tema "Ensaio sobre confiito social e dominaglo politica no ca- pitahismo brasileica”. Profissionalmente, & professor e pesquisador, Membro da Congregacio do Instituto de Relagées Internacionais (IRI) da PUC-RJ; professor de criminologiae direitos humanos na PUC- RJ e de tearia politica ¢ direitos humanos no Nucleo de Pés- Gradvacio das Faculdades Integradas Bennett, Rio de Janeiro. Ex-coordenadar nacional do Projeto Educagao ¢ Direi- tos Humanos patrocinado pelo Instituto Interamericano de De- rechos Humanos (Costa Rica). Autor do livro O que é crime, desta mesma colegao. Coautor do livre Direitos humanas: um debate necessério, vol. 2, desta editora.

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