Você está na página 1de 15
PORTELL, Re "WO waarsaene dhe SUM Vel di Chiama (Toscana, 24q de de L944) aito 2 pelibe, S Senso common". Ei, FERREIE MoM < KMaD, 9.05 cup an Piiia Oneal. RY FEY, AA4b, p. bos 430 Capitulo & © massecre de C i Chione [Toscona, 29 de junho de 1944) mito e politica, luto e senso comum 0 ae 1905. Ontem, pela segunda vez em um més, a mdo de um desconhecrdo tou uma sudstiea preta na pedra que mar moro, no qual 0s alemies, em junho de 1944, ao datere 19 prsioneiros, militares e cvis fentre eles, Bruno Buossy liana). Poucas semanas mas 0 local, « poucos passos de onde em renrada de Roma, mecara’ um dos fundadores do movimento sindicat tarde, os alemées moncaram jensiva perto de Aresso, na Tos. Em 29 de junho, as tropas de ocupasio alemis executaram fem Civitella Val di Chiana, ume eidadezinna odes homes nas proximidades de Arezz0, na Toseans. Nes incluindo mulheres € criancas, foram mortas no po- fo de San Pancrazio. Tudo dia, 58 pess vyoado vizinho de La Cornia, € 39 90 vi ato de erés sol 18 de ju indica que esses atos foram uma ret dados alemaes por membros aa Res sho. ou fortes estampidos, batidas nas portas com mosquetes € OF dens bruscas. De repente nossa porta fo: sacudida por violentes bandas. Fu abrela e doss siemdes entraram na casa com rifles ababxados ecionaram cada cOmodo © ordenaram que saissemes. Em meio a ex tampidos de tos © gnios comecet a andar, deixando © povoads acompanhada de meus filhos. Deparei-me com um espetéeulo chocante! Mattos homens jé eram apenas corpos, banhados no proprio sangue; as casas ardiam em chamas, mulheres e criangas seminuas saiam das casas fempurradas pelos elemées. Refugiamosnos na mata, com outras mulheres cwjas maridos, armios ou pais haviam sido mortos" (Anna Cetoloni, vitiva Caldetti.! ‘Quando chegamos 4 praca da igreja, o que vimos nos pe- trificou, Quanto desgosto! Pelas portas abertas das casas saiam filas de homens massactados! Havia pedagos de cérebro por toda parte € 0 sengue cobria tudo, uma verdadeira carnificina, As casas queimadas co- ‘mecaram a fair @ poeira © a fumaga eram insuportiveis. Um dos it- maos de meu marido e um tio tampem na B:256-7). INo dia seguinte], com outras mulheres, voltamos 20 poveado 8 procura de nossos maridos. Ao chegarmos & praca, onde estavam todos 05 chapéus € 0 san im sido mortos" (Rina ue, entre choros e gritos, encontramos nossos amados dentro das casas, num estado terrivel, todos atingides na cabeca, © um com a cabeca estourada. Nés, mulheres, ndo sei de onde nos veio a co- agem para fazer tudo isso, caregamos os mortos para a igreja, todas jun- 80, no sabiemos onde fear, porque © povoado estava num estado deplordvel, Voltamos & mata. NNo dia seguinte, criamos coragem novamente e retomamos a0 povoado, fonde juntas, ainda nos audando umas as outras, conscrulimos caixdes, co. locamos es mortos centro © os levamos em catrocas ate o cemiterio, abmmos as covas, baixarmos os caix6es e os cobnimos de terra" (Lucia Tip Pi, viva Falsets, RB:286). 15, aqudando umas as outras. Depois de fazer | Bm leach, Romano, Craneehe dell ann mere Roma, Alun, 198A, p, 284.0 Gepomen ‘mo dat vidas sobrenvents de Cinta f0 colhid por Romano Bene em 1946, sex ie onginaramente pubiado em Soaet, 27.6), 946, Pasaremos * nor sfens a eon eo, Iseines no testo pels micas RB e os numero das paginas. at mulheres deh ado extuhosamente © antgo costume de spor a pala "viiva" 30 sabrenome de seus mason mores Além de mancer vva sus meména, uso a ideniica de meta com sobremventes do musstcre. & prises fr mands nese amigo. os muito ber descreveu como uma “meména di la" Contint identifica, por um lado, me mena “ufcal” que comemora 9 arse como um epsitio da essténe © compara 20 imos @ mares da Hberdade; «por ou a+ at tes, vitivas € filhos, tims menna ene © preserada pas Soevenes ds, ee se uo, nae pends Pe © eo ioe. amon 2 neg que Higa om + Reet, two tno culpa. ssismembroe de chtsem, co UM st cdo alm". toda a eulpn see sobre oral focada quase que excluswamer irresponsavel, a rel ° "a Mas nés culpamos as membros da Resisténcia, porque, se nie esse feo o que fzenm, sgulno tera aconecdo, Els metaram em retaliaglo” (M.C.)9 (© atual péroco de Civitella, © sobrevivente do massacre, padre Denicle Tiezai, esta provavelmente correto em seu julgamento de que @ cio de partsans foi conduzida com “extrema srresponsabilidade” * Os intella no eram muito orga membros da Resisténcia das cuscanias de Cintels nzados, nem poliuzados; 2 utilidade de sua acéo é, na melhor das hi juvidosa. No est claro se pretendiam matar os alemes ov poteses, duuidosa. NF # 3 somente desarmé-los, se os mataram a sangue frio ou Eles pioraram as cotsas agindo dentro dos muros do povoado © nfo re Giowann. 2 memons dina. Ouservennt alle du momen d so Tost cea a China, batho apresetsda no coerce erase! Ie dem crimes after the End af the Cold i 2B como aca som ater Pete rate de 1994 Taoge ds conten he Ine com af de partopt atten fl a ts evra operas & em ht oil tm 0 aba de Necoadrs sscnep%, pt 10 ae car yea, Leonardo Pager, pare por fags » propons do organizador da cones at de meus comentinas de ampromio e convertles em um document fo rs, onde aparecey # prmnea versio d Duos © documenior do lorma con fr seme m8 conlerene: mures Je ferenca ae mpstrada 6 nents snseridas cohido por Romano bt a ome, + gqewstado por Giovani Conan em 27 de agosto de 1993 108 movendo 05 compos ¢ outros westigios de sua ace, a que imevitavelmente ‘envolveu @ populagdo. Postenormente, jo conseguiram defender ou aju- dar 0 povoado. Mas os que puxaram o gavho no massacre foram 03 ale- ‘mies: A provavel irresponsabilidade dos membros da Resisténcia néo ode, de modo algum, diminuir ou justificar a responsabilidade dos ale. ries, Essas dues meménas — a das adas na Resisténea © a da comunidade — entraram em choque muitas vezes no passado, até mesmo em choque corporal, uma vez que & por pulagio local entendia as celebracées of cuigbes e celebracées anspi- IS em nome da Resistencia co- ‘mo uma violagéo de suas memonas ¢ perdas. A conferéncia internacional In Memonan: por uma Memona Européia dos Crimes Nazistas opés 0 Fim a Guerra Fria (Arezzo, 22 @ 24 de junho de 1994) foi também uma ten tata dos académicos de tendéne nosprezada e molada de Ci esquerdista de reparar a meméria me. Essa reparaelo, pordm, teve lugar num contexto histérico ambi ‘gu, no qual a esquerda, incerta quanto a seus motivos ¢ precavide quan- fo @ qualquer upo de ideologia, muito freqientemente sdota, sem questionas, os monvos ¢ as wdeologias de terceitos, in fe de seus an- ‘Ugos adversérios, Isso for muito provavelmente © que ocorrett no caso de Civitella, quanto mais no fosse pela natureza draménce dos aconteci- mentos, a gravidade dos erros do passado, o imenso ressentimento dos so. breviventes. As narranvas de Civitella nos dewam estarrecidos. No entanto, @ tarefa do especiaista, apés recebido o impacto, é se afascar, respirar fun- do, @ voltar a pensar Com o devido respeico as pessoas envolvidas, & au- tenncidade de sua misteza @ & gravidade de seus mouvos, nossa tarefa é ‘mterpretar critcamente todos os documentos narrativas, inclusive as de- las, Como tentarei demonstray, na verdade, quando falamos numa memé- nna dividide, no se deve pensar apenas num confi comunitéria pura e espontinea e aquela “oficial” e “ideolégica”, de forma gue, uma vez desmontada esta viluma, se possa implicitamente assumir a autenticidade nfo-mediada da primeira. Na verdade, estamos lidando com uma muluplicidade de memorias fragmentadae 2 mtemamente divididas, todas, de uma forma ou de outre, ideol6gica e culturalmente mediadas. Em murtos dos crabalhos apresentadot na conferéncia, contudo, 8 apreciaglo reverente — sem divida justificada pele dramaterdade dos ‘contecimentos € pela emocéo ¢ dor das testemunhas — prevaleceu sobre centre a meméria 107 fa analise € a interpretaqdo. Por isso, embora Giovanni Con 2 lisado as contradicSes des depoumentos dos membros da Resisténcia,* in jguém fez 0 mesmo com os dos sobreviventes — se no para quest sua eredibilidade, pelo menos para invesugar a estrutura © o signifieado de sua construgio narranva dos eventos. Assim, Valena Di Piazza se iden- fincia ¢ a necessidade de se expressar dos s0- ive! e wnexprim fa. "O que to rifica plenamente com 2 re breviventes, ¢ dedica seu trabalho 20 Sha prone por umo erperinca deste ipo janes ee —— Ge Clvucta caezam cena eH" Come eesreve Peo Chemente como ae peiqudores ue entra em algo com uma precaasem comeyar fae sua propa eaboragbo dsseperéa” Gemente concorda com a wvaligfo istérea segundo a cual © eno dos mesos dh Resse nfo ene de ce of alent: pono de vita antroplgio est ms eressado jenta, porém, que 0 ‘nas representacSes de uma comi "© tuo comunal ato de resisténcia contra o individvalismo Fechado em si, de Civutella, (na tendéncia dos vatores’ connnua Clemente, € ill oabaeetee! inzado do pensamento modero ¢, come ta, um “escnasl cone a in capecidade do pensamento leigo e da Ressténcia de entender experién Nao tenho certeza se essa incapacidade de entender outras ex- satya do pensamento 0 moral @ naracwo ‘Bole, CRS): um cons 9 membro Tam codes 0: relator do asoue de Aessténan aos alles, © sana ror sobre 2 eegunte questo: “quem anrov pameio? truce defenswe enconvade tanto na lersura eno cnems oc net, © comandante perasen Edoardo Such amis es ve partaparam do 4 — ma cena 99 qual i soldado als ‘em lela delesa, Todas a¢ earances dot verses da fdas 90 trabalho de Contin. spresetodo oa de Are20. feo. Riorns detnpocalse, trabalho apresenado na coniertnas de AYE 108 ciente do problema).® Taive ot do poten Tero penne igo, seo 0 cx, néo esteja totalmente imune também. Lidar és Ho as Lidar com experiéneias que ao propnase compreendéss deve, mbm, constr a esténea mesma, da experiincinantopoligia. Porano,¢ vetade de fto que a more, o lta a perda so experiéncias indescritivei mags 2 i" descr, por s1 mesmas epelastinitages wees dni: morovie ue qin experi pos sr vernderanete mpaie; ¢ mgienenivel que nguem pile copa a a experinein ale, doloresa ou nfo. Mas ndo se pode nega o ft de que, em Civitella como em = é ; ave, em ci utes lugares, 0 Indizivel € dio. © esfreo pare contar 0 inconivel resulta em narrauvas inerpedves, consticos carats de pase i, Pri, Francesa Cappleto Pol Ce lamar; ccontan em Cis una “nena seal) meldage mo 5c de inumeras ocasides maracas", formalizada em narravae do. tadas de “uma forma bastante coerente,esururada centada 7 sum tema "Bustem narrado 'S gobantados, e até alguns especialistas ‘te- ‘iticos, versades em partes ou episédios especificos da historia, Pode.se também pereeber claremente, nas i98es narratvas, um elemento de controle social sobre a forma de relatar os acontecimentos."? sonamert medio ene esse naranvas esruturedst ¢ contoladse almente © o “inexprimivel" descrito por Valeria Di Piazza & gritante, mas superficial. B exaramente porque as experiéncias so incontévers, mas deve ser contadas, que os narradores so apoiacios pelas estruturas me. Giadoras ca linguagem, da narrativa, do ambiente social, da religiéo e da politica. AS narrauvas res tantes — no e dor que elas descrevem, mas as palavras @ ideologias pelas quais sio representadas — no sd podem, como devem ser entendidas cnticamente. 3 er eens oma v pos sonmnna Ton Homi GOSH POSES adore von, oe Aine as medur, sena admit ® caminbo do emanepasSe plies" (Bergman: wn os 9 olore senza sons, st ° Cslamandra, Pala & Cappel, Francs, la memona ‘ovens di pac diver 7 naifasst net eaconn, wabslho apresntado na. confers vat 04 ewes oe Como esereve Pietro Clemente, “o escéndalo inicial (..) fot des- cobnir que a meména coletva dos sobreviventes ndo so se recusava a con- Ssiderar-se parte do movimenso da Resisténcia, como também opunha-se aberamente 2 ele, acusando os membros locais da Resssténcia de causn fdores circunstanciais dos massacres". Parece-me, no entanto, que, nesse caso, 0 “esedndalo” se traduz num constructo politico © narranvo que par tieipa plenamente do senso comum da “érea cinzenta"® da ideologia wo fiana. Por exemplo, apenas dois dias apés o massacre das Fossas ‘Ardeaunas em Roma, no qual 335 c1vis foram exterminados em retaliagio iat do os ale. morte de 32 soldados alemdes, 0 Osservatore Re Ypueano, descreveu os membros da Reststéncia como “euipados rides como "vitimas” © as vitimas como "pessoas sacrificadas” ™? Tatver, 0 “escindalo” comece ai 0 fato de se traduzir num cliché conservador nfo dimmut a di nidade © 2 dor dos sobreviventes de Civitalla. Na verdade, é uma fal da histonografia da Resisténcia nunca ter considerado tal senso comi com a devida senedade; enconsré-Jo em forma tio “pura” © to justificada “deveria constituir uma oporcundade para entender as limitacbes exces da nstructos ideoldgicas que contibuem para Rosisténcia € © poder dos sua execragio na srena politica atual (& época da conferéncia de Arezzo, pela primeira vez. na Europa um partido diretamente descendente do fis cusmo, a Alleanza Nazionale, integrava © governo italiano). Na verdade, 0 luto, come @ meméria, no é um niicieo compa fe wnpenetravel para © pensamento ¢ 2 linguagem, mas um processo mi Gado ("elaborado") no tempo histénico. Por exemplo: assim como 0 de- ormento dos membros da Resisténcia, 0 dos sobrevivences também se Tnodifica com 0 tempo. No depoimento dado no inquérito britanico em 1045 € naqueles colhidos pelo esentor Romano Bilenchi em 1946, 0 tema da cuipa dos membros da Resisténcia surge ocasional © indiretamente, mas nfo é 0 elemento esmutural dominante que passou @ ser nas nar- rativas eolhidas meio século mais tarde. Como escreve Contin, “o confito {oy capri “rea einzen” for enada por Pre Len para destever ob prone compos oe concentragio qe celabotaam ou seraram de madiadores com 16 autridaes a Gh fla zona grgia. 19! # commer ¢ + salva, Torn, Einav, 19%, p. 25-52). Mat Jano tow Della Torre araoliou 3 dein para dastgnar 3 tomos pane” one 8 fascemo e 2 Ressténcr. ia verngana, Ban, Later, 1970. p. 288 site, © histonador {0 pore xallano que * 1 ces, Ging. Stone 1 ior eAnutor os Maton One) com os membros da Resisténcia & menos um ponto de partida do que um onto de chegada" © que prevalece claramente é o ressentimento contra 198 alemaes: “e ali choramos juntos, pensando ne tristeza que se nos abs- tera ¢ amaidigoando os alemfes” (Ada Sestini, viiva Caldelli, RB:1.055) Muttos narradores insistem na desumanidade e na erueldade dos alemies: “Bram 20 horas, as metralhadoras estavam praticamente caladas, mas es- ccutavamos as vores daquelas feras sedentas do sangue dos wocentes, can tando, nndo € tocando seus instrumentos", “termmado 9 massacte, os alemiies, suas mos e roupas ainda manchadas com o sangue de nossos ‘mortos, enquanto © povoado rula, comiam pao e queijo com étimo ape- tute" (Rina Caldeli, Zaira Tezzi, RB:256 © 280). Essas imagens pratica- mente desaparecem em cepoimentos postenores, dominados pelo Fessentimento contra a Resistencia; o prépno tom das narrativas passa dos Getalhes matenais de 1946 para as coloracies patéticas e clichés ocasio. ais de 1993/94, Varios so 0s fatores responsavels por essas mudangas, AS tes- Femuntas talvez relutassem em crinear os membros da Ressténcia no pe- iodo imediato ao pés-guerra, quando estes gozavam de prestigio © de certo poder politico; os abusos cometidos pelos membros da Resisténcia pos a guerra, para “pumit” pessoas respeitadas pela comunidade ¢ que nnio haviam sido mais fasestas do que as demais, acentuaram a hosti dade do povo de Civitella; a onda de julgamentos ce membros da Re- éncia, as controvérsias acerca da responsabilidade por Fossas ‘Ardeannas @ a consolidagio do senso comum ja citado podem ter con: ferido ao ressenimento dos sobrevivences um apataro nacrativo e ideold- sco que & época do depoimento anterior ainda no tomara forma. Resta © fato de que essa memoria e essa perda supostamente impenetriveis es io, de feto, foremente relacionadas @ historia e a0 tempo. © que se apiica ao tempo também sea Nallucciole, a poueas milhas de Civ ica a0 espace. Em fem 15 de abril de 1944, os ale mies assassinaram 108 homens, mulheres e cnancas, mais ume vez em patente retaliaeo. No entanto, nas entrevistas colhidas em Vallucciole, “o tema da culpa [Gos membros da Resist@ncia} (...) parece estar atenuado, ou completamente ausente (..). O tema e referéncia centrais para os en tevistados ¢ a responsal idade dos nazistas ¢ fascistas" {Cappelletio- Calamandrei). Afora as explicagées aos dois historiadores (estruturas 30. lais e demogréficas diferentes, a estrucura difersnte do evento), essa dis- erepancia confirma que 0 “escindalo" de ci © eterno & universal, © sim instérico € especifica, Iso nfo diminur seu impacto, mas o concentra © especifea, subeaindo-o do unwversalismo generico para do- tio do poder confitante de uma narratwva em contraposicéo @ oUNTas ‘sung de Clemente entre of “ator” 60 histonador © as “eT presentagdes" do ancopélogo esta cotalmente corer. Forém, so conse rando-as juntas é que se pode disungui-las.!? Representacdes © “fatos” no fexstem em esferas soladas, As representacSes se usilizam dos fatos © ale am ue so fates; os fatos so reconnecider © organizacos de acordo com as representagdes; tanto fatos quanto representacses convergem na bubjewvidade dos seres humancs e s20 envoltos em sta linguagem. Talvez ssa mteragio seja 0 campo especfco da hist oral, cue & concabilzada wuidos, mas também aprende, em sue pré- como historia com fatos recon: tnea de trabalho de campo dialégico e na confrontagio critica com = teridade dos narradores, a entender representacées. Inocéncie 22 de egos, Junto ow monumene,apoas mn 0% auto sino, menos ates ens armas sm se © espana, cer Toms otnay, Renan ean Ge ea cura anes "pense" aber ces lemivem ‘LC. — At Fo. onde comegoa a tate nin Enrenstador —~ Que aconece? : MMC Os membres ot Resséncia mataram o° alee (Quase todas as narratwas do massacre de Civte 1a morte dos alemées: "Em 18 de yonno (..) pelas mos dos membros da Resisténcia, dois soldados alemdes foram mortos. Assim comecou minha agonia e 2 de todos de meu poveado”, "Ao anoitecer do dia 18 de junho, fio me recordo da hora exata, @ calma celativa que reinava no povoade, 1 Quando esde as narratives dor wabalhadores de Tern (Umbna), que éataver 8 mone apesar da proumidade aa fret mte de combate, for repentinamente inter. rompida pelo som de tiros."19 Em temnos naratvos, © ietpit,o principio da histéia, enala fie cn tan tilfone, do estineo e da ordem para a desordem ean to © 9 dindmuco, Antes de a hina ter inicio, por defined eae acon- padroneage genes Ada que valha a pena contar Ese abenen seeeata das narratives de Gimtellasugere que, antes da agic en Re. sistncia de 1 de juno de 1944, nada ocomna all "nda, a Civtetta, ge ules (-) Poraue até 18 de junho £0 haviamos senvida mung pouco da guerra” (M.C); “em Civtela viviamos calmer faincs (BE). Cine puch an Peveade “emoidurado pelo verde da mata perfumada”, "pequeno mundo antigo, “0 sectarismo pe chelo de um encanto sereno @ mistenoso" onde eo eremo, que divide at aimas e alimenta 0 ddio, gue de wall”, Nem os fascias nem os alemdes umcomodavam “aqucke fue, de boa f, acredicavam tido nenhuma agio hedionda” ma" (M.C):!5 Ss vezes, bedida ou algo assum, pelletto deserever es cera de “inoeéneia” ‘no davam proble- ‘hegavam a entrar nas casas para pedir uma mas munca nos incomodavam’. Calamandrei @ Cap. “as representacses como um “paraiso perdido” e uma “Tinha clto anos @ acho que era uma enianea fel Durante @ gue, wviamos todos juntos na casa da familia no ine eee EUs Pats, avds, munhas dss irmis, meue umndos ¢ mate ‘rem chegedas..” (Maria Teresa Pagsi Mass, “aralso” © “inocEncia” so imagens estrannas para um povoade ve Emmnaito natista, um poveado que pasta pelo fescmo e pele guer. Be Embora devamos aceita-es como representagbes, & previa nb entanto, 0s "fatos" Lat Lent Ctl. em Secs (1940), eras em Clement homo dara Rea ie © to de“ imide sr sen abcd epee rage Ho : fa de um lua sna vee de ito 56 me recone! (ope de no Ba! . ‘menor indicio disso nas entrevistas) se 0 restennimenco contra a Res 1a de Ci Centum so ses we esis de snap por ta cer eo cones sae - i8es. O unico sndicio sie as passagens, nas qumis os sobrerwentes alegam que "de: feneuies 0 povato” 2 o¢ meee do Renata tearm yoiso OC, MCD. hie ton eAnvHos 04 maton Oral de perseguir e punir a balela branca, sew imediato, Starbuck, contra gumenta dizendo que seria um sacrlégio punir uma “besta estipida” que “o ataca por insunte ego” Sendo um ser natural, a baleia no ¢ mo- ralmente responsivel. Se parte o masteo da embarcaco de Ahab, se 2 funds © afoga a tripulacio, a culpa ¢ excuswamente de Aha, por 18a M.C. — Todos sabem que os alemies sfo uma raga rum (..) que so crutis (...) Por que se meter com eles? Veja bem — ha um lel, © ele € selvagem, mes jé comeu; por que se meter com ele? Ele come mesmo quando nio esti faminto! E selvagem! XC. tambem bate na mesma tecla: os membros da Resisténca sabiam que 03 alemies eram selvagens ¢ cruéis (feroci), e nfo deviam té- los provocado. Quanto mais os narradores de Civitella classificam os ale- mies de “bestas selvagens” (bestie, belve),?® mais me parece que esses ter ‘mos, ongimariamente empregados para denunciar a crueldade dos ‘lemies, acabaram por absolvé-los, removendo-os da esfera do julgamento moral: a ferocidade dessa *raca rum” ¢ tio inentivel quanto um fato na- tural. Nos depoimentos contemporineos escritos e orais, em nenhum mo. ‘mento € questionada a “lel” que cobrou, na época, vidas 1 roca de cada alemgo morro, “Haviam afixado na prefertura: Para cada alemao moro, 15 cms serio mortos. Tinham avisade ¢ populagio. Portanta, se chegaram a fazer 38a retaliagdo — quero dizer, alguém os ievou a issol"2? Os membros da Resisténc ‘sabiam que a segra dos 10 por um estava em vigor" (WC), “Sabiam que, para cada alemfo, 10 civis seriam ‘mortos" (2C.), A forma passiva umpessoal (“civis seriam mortos") tira os alemies da posigio de swjewor gramaticais ou morais. A let existe, € Pronto, Ninguém questiona quem a criou, com que autoridade € com a anuéncis de quem; ninguem pers bay : : se sua execugio @ sempre men tivel ou se envolve, a cada vez, uma escolha moral por parte de seres humanos. fo 3 Gnicas leis aplicavets sem a anuéncie dos que a elas esti sujenos € que so mevitavelmente pridas, sem qualquer mediacdo, {8 Melvie, Herman, soby Dick Harmondsworth, Mids, Penguin’ ps 261-2 2% ver A286, 256, 266, 279.83 Mules 68 anos, 7 ¢ 8 de julho de 1993. 4 narradora tambem alge que of slemdes “obeceoam ordene” (de quem?) e a vas Bt cman 7 so as leis da natureza, Se alguém pie o brago dentro da jaula, 0 ledo morde; se alguém caga Moby Dick, a baleis abre um rombo na embar- cacdo; se alguém ataca alemies, os alemaes retaliam. 0 leio, a baleia & 0s alemées no slo respansavels, A responsabilidade so recai sobre aque- Jes que, sendo humanos, tentam interferir com a natureza € suas leis. ‘Talvez seja por isso que ninguém indague por que, se a “lei” estipulava 10 stalianos para cada alemao, 0 coeficiente de Civitella for de 50 para Mito © politica 23 de agosto, O monumento esta limpo, os nomes restaurados, Em agradecimento aos que fizeram 0 trabalho e ndo em homenagem aos martes, algo envergonhado e asperando que ninguém me veja, compro flores e as co aco ao pé do monumento (© momento mais comovente da conferéncia de Arezzo ocorreu tna praca de Civitella, onde o magsacre comecou. Ida Bald, reconhecida porta-voz da comunidade e de sua meménia, recontou a histona, costu- rando numa dramiética colcha de retalhos as narrativas de seus vizinhos f¢ amigos, e apontando os locals onde cada cena ororreu. Mais tarde, nu- ‘ma apresentaclo comovente na igreja (Vozes da Meméria, de Paola Bald) conferiu as mesmas histénas a forma de uma pega sacra, A narrauva na praca e a peca na igreja destacaram us epi- sédios que eu ainda néo conhecia e que tinham toda forca e a dis tinge de um mito: © paroce Aleide Lazzert implora aos alemdes que ‘0 matem € salvem seu rebanho, e € morto com os demais; um soldado alemfo se recusa a atirar contra as vitimas e & morte por seus com- panheiros; anos mais rarde, dois alemées, um deles veterano de Civi tella, visitam 0 povoado e pedem perdio a0 piroco, 0 que thes & concedide. ‘A historia da oferenda sacrificial do padre Lazzen figura em uma narranva de 1946 e ¢ contradica por outras. Segundo Maria Assunta Men- chet, ele disse aos alemies, “Ievem-me © poupem meu povo"; Corinna Stoppont ¢ Gino Bartolucci, que estavam mais perto do local (ele era um dos detidos e wu © padre ser morto) dizem apenas que ele “morreu como hersi, depois de abengoar seu povo” (RB:268, 261 © 27). A narrativa anual, no entanto, somente dé crédito @ primeira versio, que coloce 0 pa- dre no papel sancionado pela marurologia ensti (CR:95, 285 ¢ 211). B 120 Uro8 4 ANvHO# 94 misrdne Ova quase cero, porém, gue o padre se negou a salvar-se © voluntenamente morreu com seu rebanho> Os outros dois episédios sfo confirmados cada um por uma unk ca testemunha: “De repente vi um sargento gesticular como se estivesse dando uma ordem, Cinco homens foram entio empurrados part a escola max femal, encie eles 0 padre, acompanhado por um jovem seminarista (...) Parece que 0 sargento ordenou a um soldade armado que atirasse. Mas aconteceu 0 inesperado: 0 soldado que recebera a ordem fixou o olhar ‘nos prisioneiros © mio se mexeu. O oficial o sepreendew, podiamos per- Cceber por seus gestos e tom de voz, © novamente ordenou que atiasse. Mas 0 soldado continuou indeciso, © sargento, entio, empurrou-o para o lado, € com uma arma que parecia uma metralhadora, atirou contra os [Entdo o sargento) empurrou o “traidor" e, gritando com raiva palavras que no pude entender, virou-o e atrou em sua cabeca Bigiarin, CR:259-60). “Numa bela manhi de julho de 1983, dois homens de idace bem avangada me wsitaram na paroquia de Civitella della Chiana. Pedi- ram para falar com 0 paroco, Disseram que eram alemies, e, um deles, que fizera parte do destacamento armado que, naquela manha de 29 de Junho de 1944, semeou a morte e a desgraca em Civitella. [le me diss u um dos alemes que aqui estiveram para a retaliagdo naquele dia. Diga ao povo deste povoado, padre, que softi mut to em minha vida, que éramos muito jovens e que Hitler envenenou nossa juventude. Pego perdio para todos” (Padre Enrico Biagini, CR:453). Nao ha por que questionar a credibilidade desses episédios para ‘dencficar sua dimensio mitica: um mito nfo ¢ necessanamente uma bis. 2% Ids Bald at 0 eriéiio do padre se ofrecer em scrfico por seu rebanho wom fata ‘A histéna ¢ tambem confimads por Lusano Giprannem Wseo¥, qe estava 0 lado como orci, pes soma do padre, Lina Rots, Sut naratias, pot, deserve 2eqiéncns Temporar diferentes A histdma ao @ meneonada ao depowento de Banoluce durante © 0 mglés de 1944, nem no depoumento recente de sua filha {CR109, 123). Poe outse lado, ofececerst em toca dos demas fax pouco sande, uma vex que a aniengSo doa al ‘its rm viseimemte matartanco ele quanto es sures, Lina Ros © padre Daniele Tet ‘estemunham que 9 pedte podena er eseapado, mas voto® por vntade pecpna para moe. 485 Susy verses, no entant, diferem. Tiers di que fei um sldado alemdo que apontou 9 camino pare uma possvel fg, e que Ross azo confima, 1m, uma histéria que se coma signifi ado de um acontecimento) ona falsa ou snventada: 4, isso ava na medida em que amplia o si ; ndual (factual ou no), eransformando-o na formalizagéo simbélica © narranva das auto-representacdes partithadas por uma cultura. Nesse caso, através das narrativas de sacrificio, compaixlo e perdfo, a comunidade de’ la formaliza sua relagéo com 0 evento mais dramiuco de sua his téna e sua propna identidade de comunidade enstd. Foi por 1ss0 que © padre teve 2 autondade para perdoar em nome de todos, sem con ringuem. rante aleméo tent ns © que ainda surpreende € que o vi fem minumzar sua prépria responsabilidade, lancando a culpa de tudo na juventude e em Hitler, € que 0 padre nio tenha pensado em p identificada na época). A fungao mais espec ‘no entanto, consiste na fun¢do cléssica dom reste caso, @ imagem de Civitella como uma comunidade cristae indul- gente com a implacabilidade em relagio 20s membros da Resistéacia VL. — Mannwemos, mesmo passados 50 anos, essa aurude hos. il, néo ¢, para com os membros da Re jo & mesmo? (...) apesar de nosso credo religioso, 1. — Porque uma vez ou outra eles deveriam cer vindo, deveriam ter dito: estavames errados!”? VL. — Ainda ndo esté em nos perdoar.. 1. = ..freqlentamos a sgreja VL. — Mae deviamos. Temas que muda M.C. — Aereditando em Deus como acreditamos, temos que per- VL. — Perdoar porque eles, também, cometeram um erro, eram apenas meninos, viram as armas, fizeram © que foi mais fécl 1. — Sem penser nas conseqiiéneias... eram joven: UL — Temas que ver as coisas de modo diferente depois de 50 1. — Deviemos pedir ao Senhor, nds ndo temos orcas... M.c. — No é algo que passamos controlar. Esti dentro de nés! 2 vulbers nfo form fornecidor dador peas entenstadoces. 12 108 eAnvsos 94 arn Oust © fator crucial esta na frase de 1: pelo menos um alemdo pediu Perdo por todos, mas jamais um membro da Resisténeia o fez (WL. vt mais adiante a esse ponto: “em todos esses anos, nem uma iinica vez, al- gum membro da Resisténcia disse algo como: nossa ago foi um erro") Ao perdoar os alemdes, Civitella atenua suas divides quanto a néo per. doar os partisans: os alemies se arrependeram, os membro: da Rests: téneia no. Dessa forma, Civitella pode manter tanto sua imagem de lade cristf, quanto seu ressentimento contra os membros da Re. siseéncia.2? A hist6ria_do soldado relutante, por outro lado, fax parte de uma arrativa mitica encontrada em toda a Europa, inclusive no massacre das Fosses Ardeatinas, conhecida como a histona do “bom alemao”. Esse mito, Freqdentemente associado a episédios da H Guerra Mundial (inelusive o das Fossas Arceatinas)® é, por sua vez, uma variante de uma narratwa ‘mais ampla, encontrada também em outros contextos, Por exemplo, tanto ‘nas fontes orais quanto nos anals do Congreso ha uma versio da morte de Luigi Trastulli em Terni: “Luigi Trastulli estava escalando um muro e Juma rajada de metralhadora matou-o instantaneamente. Vimos Luigi soltar do muro enquanto outro policial, talvez mais humano, baixava sua Na verdade, Luigi Trastulli for morto no meio da rua. ‘Transfert © ocorrido para o muro relaciona © evento a iconografia da Resisténcia (as imagens de partsans executados) , 0 que ¢ mais importante, a cru sificacio. De fato, as origens do mito podem ser provavelmente encon- %® Pre Danele Tiezi diz que perdoou oF membros da Ressiénca "wm grande Gicuk feral em comando de destacamento alemio atacde pelos membros da Resitinia foi neido por motvos reliposcs de execuar a rtallgio. Un soidedo desmsieu durante» ‘recucéa em masse das 395 vitnas, Esreve Gerge Doce: “Fei dio a seu rezpeto que ele com segurang, no final do gusta (La Repubblica, 9 © 25 de jane de 1976, enrevstade por tense Pe oh of Lang Tres scala Tio Oro Nobil afitnou aue um pala! estave @ ponto de stay de ume sence, sobre a mulddSo, © que um de seus companhenor 0 imoctiee an, Francesc, Te Oro Mab. Peri, Quaderi Regione delfunibna, 1977. p23 savas BY ann 123 sncos imspirados nos evangelhos apécrifos, nos mano impede um companheiro de fer Jesus com tradas nos conto: quais um centurige sua langa, Como em todas as imagens micicas, esta nao cem apenas um alfieados, uma wama de oposigies: depende, uma alternativa para 9 fodo. O “bom alemio” e © centuride indulgente podem tanto confirmar a f€ no resquicio de humanidade que sobrevive até mesmo nos mais cruéis torruradores, quanto destacar, através da huma- nidade de um, a desumanidade de todos; isso pode querer dizer que 0: soldados se viram obrigados a atirar sob pena de perder as proprias vi- das. ou que era possivel resistir e se mais de um tvesse resistido talvex 2 tragédia fosse evitada. Como afirma Primo Levi, referindo-se a um in- cidente em Auschwitz: “se os alemées andmalos, capazes dese pequeno sgesto de coragem, fossem mais numerosos, a historia do passado © a geo- srafia do presente seriam diferentes" 4 Q_ponte_centzal-da-mito, em _todos_ps casos, é que_quando a ), Sempre existe entce_os_assassinos_algo_ou alguém que-res ja verdade, ou talver apenas tenhamos necessidade de acreditar disperso di Marburg (© soldado perdido de ler da Resisténcia Nuto Re ivel "bom alemio” que costumava cavalgar pelos campos de risso, Em seu intrigante Marburg), 0 istonador ae um ps Cuneo € seus colaboradores conseguem dar um nome © uma biogafia imagem, mas no confirmar a inocéncia do homen e seu ndo-en. 24 ie « Asusor 91 israna O44 volvimento nos massacres nazistas ocorrides na regitio. Um dos joven cor- respondentes alemies de Revelli escreve: "A imagem do ‘cavaleiro solltario’ que afaga criangas e toca Bach nas horas vagas esti se desfazendo. A meu ver, o mais provavel é que es- tuvesse patrulhando o terntono. £ melhor encarar a realidade, ao inves ddas imagens cnadas por nossas mentes. Mas © que seria de nés sem essas amagens?*35 A imagem do nazista amante da miisica, familiar & iconografia dos campos de concentracio, e a imagem clissica do soldado invasor que listribui balas as criancas (repetida em tantos filmes americanos) so pro- utos da mente do correspondente de Revelli. Por outro iado, ambas tém ‘uma base factual em Civitella: 0 padre Tiezzi se recorda dos quatro sol ‘dados austriacos catélicos que, antes do massacre, vinnam ajudar a cantar | mussa_na igreja; eos que distribuiam balas eram os mesmos soldados que percorreram as ruas de Civitella cercados de eriangas a caminho de serem mortos pelos membros da Resisténcia (Alberto Rossi, CR:231). Sé0 fs primeiros “bons alemées" na historia, Nas narrativas de 1945, por ou- tro lado, eles s0 sio lembrados como “bébados" e “embriagados", enquan- fo 05 tinicos nazistas musicais citados so 0s que cantavam © tocavam seus mmstrumentos enquanto Civitella ardia em chamas (R8:272, 278 256) © fato de essas imagens se embasarem em fates no invalida ‘sua condico mitica: na verdade, © principal processo de eriaglo de mitos em curso na memona de Civitella parece cer mais a ver com a ampl caclo do significado de eventos isolados do que com pura e simples in- Vencionices. O que realmente importa no € se os bons alemaes realmente eusuram e distribuiram balas, mas a necessidade ingente, mesmo em suas vicimas ou inimigos, de acreditar em sua existéncia. “O que seria de sem aquelas imagens?” Fique tio impressionado com a narraiva publica de Ida Bald ‘que no dia seguinte eproveltei 3 oportunidade do intervalo de almoro na conferéncia para pedir a ela que me contasse de novo as histnas de per- dao © do bom alemio e me respondesse algumas perguntas. O fato mais surpreendente que ela me contou foi que, por muito tempo, a populacdo de Civitela no acreditara na historia do bom alemao porque a tinica tes i, Nuto. disperse di Marburg. Torna, Einaud, 1994 p 168. he © astacne or Cotte as BF Conan 125 temunna néo era um native de Civitell: evidentemente, a narrativa do povoado no podia assumur sua histéna.® As pestoae ou no acreditavam nela ou no Ihe davam importincia. $6 “ha cerea de 10 anos", explicou Ida Bald, € que a historia passara a fazer parte da meménia coletia do povoade, € de sua propna natrativa comunal 2” Bald toria do alemao que pediu para ser perdoado de forma muito semelhante & do depoimenta escrito do paroco, Wem repenu a com apenas duas variances: para ela a visita ocorrera @ noite © 0 fato se dera “ha cerca de 10 anos” ®* Nossa conversa se dau ei 1994, & época do cingilentendrio do massacre; evidentemente, “hi cerca de 10 anos” Ci- wuela se preparava para celebrar outro decénio de aniversirio, € essas ‘duas narrauvas miticas passaram a fazer parte desse processo, Cintella sempre se opds as celebragdes oficias realizadas em no- me da Resisténcia, Por muito tempo, manteve-se a oposigdo entre as ce- lebragdes civis na praca e as cenménias religiosas na igreja e no cemiténo: "Nesses SO anos, nunca passamos 0 29 de unho sem celebré- lo (..) Estou falando da celebragio religiosa, entende? Porque nunca par Ucipamos de nenbume oura ceriménia” (VL). Aos pouces, no entanto, 2 oposigdo acabou se convertendo em celebracées piblicas alternacivas, ar 10S proprios mitos icbes. E ‘uculadas com bese na narrawva oficial, fundamentada valores dos sobreviventes, © confiadas as suas pro significative que VL. descreva a celebragio de 1984 como “a primeira’, nao porque tenha sido de fato, mas porque pela primeira ver se sentia pai amente representado, ter mengdo ao "bom slemio™ no denoweno prestade por Gino Baroluca hla junto com outros homens, 2 comssie de wnguento tntiniea em 1944, Bs mas fcov apenas ferido e sabremveu, Ragindo-se de matte. Tee, porzamo, condies dete vemunhartods 3 execurdo em massa. O depowmento de sua Alka tombem nto mencion & Istana (hm Baroiues A. Sten, 18323) 2 Fox uma conver informal, por seo no penset em ravi. Estow usando ss ances fue fir logo abts 0 témnino da conversa. A dieusso aoresentadn neste trabalho baceace 60, depo, the res comenranos que Riz na eowerénas; 4 sonhora Bal esta moh pergunta se haves dizorcido 0 que me cantar; ela sfrmow que me % ia verdade, 0 padre Blogun data episode 1982, ou se. 21 a conversa com Ida Bal, No enranto, fata de am narradorsuronzado somo 2 sentra at a mesma Fomula pera os dvs eventos indie que ela cs vé camo ms" ou menos he 508 4 keuz08 94 Merona Oe BC — A primeira comemoragio f ragdo for quando mnauguraram a ca pela do cemitério © Fanfan: veio, VL = Em 84.29 ‘Amintore Fanfant, um politico catélico conservador que acupou todos 0s cargos do goveme italiana por quase meio século {J ‘a8 vezes, 0 de primeiro-ministo), tinha sua base ele de Arezzo. Seu nome @ fregiientemente citado nas narrativas de. Civntel como 0 benfeitor “providencial” que ajudou a “ressurteigto” do povoada no pés-guerra? Isso, obviamente, ndo diminu a autenticidade e a forge as histonas @ senumentos dos narradores: é bem possivel que, desta ven, estivesse realmente mais perto do que outros das necessidades ‘materiais © emocionais da populacio. Sua presenca, porém, sobretude re lacionada com a decisiva celebragio de 1984, confirma > “tividias” 2 meména é + ndo 56 entre uma meména “oficial” e outa “comuniéria”, mas fambém entre duss meménas oficiais e duas séries de cerimbnias alter. nativas, geridas por campos politicos e insutucionais opostos. A historia da meména de Civitela ficara meompleta sem a incluso da historia de suas ‘manifestagées piiblicas, Essa meméria publica, matertalizada em sues pripras nerrativas © em seus narradores gabaritados, nos livres de d sacras, no 56 ¢ totalmente legitima, ia, companao, perddo, de nha experiéncia vivida © em emooées profundamente sentidas, Mas ndo deixa de ser uma cons. e 7 de jah de 1993, ‘ms aja providenclfoinos dada pelo ento joven congressce Amncore Fea 5 imtoresioe profundarence Lave 80 da cidade © se emmpenhou stvamante, ene eu soueduto © de moradis populares, ttm como na conestio de 167). Nio cenko corsa se, no cso de uns ivr “providence?” deva sr tomada como mero, © 8 agus de Faafim So se sn, mas aims diva ta bv ewan w Contin da meména “do povoado"; Cappelletto e Calamandres, da “me- ménia grupal” Todos termos legitimos do discurso historico, pelo menos de Maunce Halbwachs. Mas no se di ‘a elaboragio da memdna ¢ 0 ato de lembrar so sempre seas, € nfo grupos, se lembram. Mesmo quando Maurice ‘ma que a memona individual nao existe, sempre escreve ro lado, Halbwachs descreve como um processo individual, até s0- uma atividade essencial da meméria: 0 esquecunento.*? Se toda memeéria fosse coletiva, bastaria uma te uma cultura inteira; sabemos que niio € assim. Cada individuo, parnew larmente nos tempos € sociedades modernos, extra memorias de uma va- niedade de grupos © as organiza de forma idiossinerética. Como todas as anvidades humanas, a meméria & social © pode ser compartilhada (ra2l0 pela qual cada individuo tem algo a contibuir para a histéna “soci ‘mas do mesmo modo que langue se opée a parole, ela s6 se material nas reminiscncias ¢ nos discursos individuals. Bla sé se toma meméria

Você também pode gostar