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a segunda metade do século xm, chegavaa Porty francés Lucas Rigaud, vindo das cortes da Europa, ong ecm ances LUCe .ONde cine Londres, passando por Madrid, Turim e Napole q alo ches Parise 5, assim ma importante experiéncia profissional e cultural nyys «2 ume Ma po de mudanca, que coincidia, afinal, com.a.denominada éncia europeian. Desde logo, mostrando-se insatisf a obra de Domingos Rodrigues divulgada em 1¢ Cozinha, de reinados anteriores mas desactualizada, Lucas Rigaug publicar a sua verso do tema, em 1780: 0 Cozinhei » Arte de Cozinha. Alids, 0 mestre tinha conhecimento (0s Antigos e 0s Modernos acerca da matéria da sua e: \ fronto protagonizado por Vincent La Chapelle, auto de 1736, e por M. G, Ostermann, que em 1755 dera a e: ‘Mutata. O facto era um indicador da crescente abertu tempos de sociabilidade no mundo domi ado pelo p Luzes, numa época favordvel a critica e & mudanca de atit ¥ ® portamentos, a partir de encontros cada v visoes do mundo, outras maneiras de per verdade, dominava a ideia de civilizacdo er fariado na ligacao entre a teoria e a pratica, entre agservico do progresso, numa.nova filosofia ¢ imperava.a preocupacio fundamental com uma Aedicao da nova versao da arte « Rigaud tinha recebido, de facto, os ensinamentos por um lado, confirmava a existéncia de uma feceitas na Europa, resultante da intensa mot da permuta de hipoteses e praticas; em contra| atenco a receitas locais,.o que, de algum mod traliza¢so coincidente com.a decadéncia do absolutismo. A dis Sobre estes assuntos era elucidativa quanto 2_efe! verificava também no ambito da gastronomia, e a! Masoes do gosto e dos cerimoniais em redor da mes: 7) - ° no] © "“ C7) = © ne] fo} Lis} Oa =} ret Pe] w“ c jo} Lo) i a conta dad €xemplo, ainda que a chamada cozinha frances primazia, anotavam-se versdes identificadas co: da Europa, com designacdes Procedéncia, como era o caso de rece Nal portuquesa e citadas nos referidos livros de cozinh 50 deixasse d? s especificas que apo s inspiradas ni Nao obstante as disputas entre geracées de ideias que a pr6pria gastronomia e se al ‘ ratura e d, largavam a outros do! 8 fllosofia, da ciéncia e da cultura, estes © Consigonao sé alegitimidade Bane de Franga, que, nest inci Pal, mas também contribuiam coma sua uecer a textura consubst anciada na palayra «civilizasa° liz Os reisa mesa 1e54. Ceriménias Petiquetas A construcs STTUCSO da mes 5a do re experiencia de saberes poderes que re h : a ee £.por uma mesa sumptuo- COZINHEIRG ng UU ODRANG, Fs das quais se excediam, para além de NOVA COZINHA cen tn seni ase en Berns gina inet raridade, ifec¢ao.das ementas, mas, “GS, tetas nos rituais de gentileza que envolviam a Pex ie ens, vei, a oon spratos.afeicoados com estimulos para £ Gilorpn data em especial os da visdo e do olfacto, a ecozinha nobre>, espaco aberto e claro, olberen sdo,de grandes dimens6es,cuja presenga se asst. ‘on ieccede 05 seus limites habituais, como por Dado oe ‘genplo acontecia no Palacio Nacional de Sintra, com f eee acons on LUG At " grandes e monumentais chaminés cénicas, que ro Eee Ri Gaup 5 ‘Megede Faigms Segunda Eaigu6 corre ¢ emendada Rosto de Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de Cozinha, de Lucas Rigaud, 1785, Foto: Biblioteca Nacional, Lisboa. istingao, tendo em vista o desejado refinamento. de entos, a afirmacao de uma disciplina de vida, atra- lores, de. modelos corporais & ico. Esta breve evocacdo de uma caracter em.con © social total em desenvolvimento chama a aten¢ao ide se conhecerem o5 rituals associados a cada um dos cess0, a fim de se compreenderem as ligacbes culturais, 5, politicas e simbolicas presentes na aparente simpli- alimentagao ou do acto culinario. acia muito ligada a. uma heranga, no horizonte-um ‘amesa dos ris de Portugal iaistoria nia permitialegtimarfacilmente, ton, um estilo caracterizado por uma outra economia, en te temmaisrelevodo que as quantidades do passado 4. on “seno,efinamento dos alimentos edos vinhos, em nose bebidas exéticas rar0s, 20 mesmo tempo due se desenhavan, nora corporals ¢ qualidades fisicas, diferentes atitudes e my tempo, em que, de algum modo, a sensibilidade encon, quea evoliasugia ante uma sociedade artical enjegye adiosidade, e em que se manifestava, sem ambiguidades reps uma minoria viciosa e igualmente acusada de um baixo Divel de me lidade sexual. A questao surgia mais evidente porque em Portugal om na Europa, se tomava conhecimento mais complery., uae fisilégica da populacdo em gerade injustices perantecanshya® e afome.a pobreza, 0 softimento e a doenca, a mortalidade infil deficient bene publica aaimentacéo precéria,marcadaporpeane Eorruptos e pelos recelos que deles decorriam. Os economitares moralistas,o§ médlcos eas autoridades polcais podiam,cominioma, Gisponivel, baseada nos primeiros diagnésticos ofciais, compres , _dliversos aspectos da situacao e, assim, reconhecer o escintse a, AppendeDomartoussonte — desigualdedes socials ¢ do desprezo pelos euves, sy contaprs Aepas deNincent la Chapelle, 1785. _ recomendava-se um conhecimento mais profundo da verdadetra eat Sma2P erica dade, aandlise das insttuicées sociais © politicas. Os governs ex Criticados, em nome de uma ciéncia fundamentada na utensiiagen mental adequada 4 percepcao da vida humana, e também numa et bilidadle que era, de alguma maneira, 0 prologo do Romantisna fx special, confiava-se na ordem e na clareza de atitudes e.comportamst 105 € buscava-se 0 método mais eficaz para eliminar os males ede SSmelos ajustados a desejada felicidade humana. Arteferida obra de Lucas Rigaud e a sua «cozinha mode Sonstituiam uma ruptura com © passado que a obra de Domina Rodrigues representava, Porque, embora concedesse maior re? alimentacao dos Mais abastados, assumia, ao ritmo do tempo iasocontraste entre a comida dos pobres e a comida dostcs GEE Mila. a contribuir para uma alteracao no processo de Cae mes doe. Esta mudanca néo se desligava des cites mil 405 esbal 105 Verificados e aos desperdicios anteriores ioe ede bite: ndo se pode esquecer as crticas, sobretud? es So atalistas, por razdes diversas mas complementares ae cometidos & mesa e Com nefastas repercussdes para 259! xs olncidia,aliés, com 0 louvor 08 corpos magros € lige!" | puascondizente viMentos « FaVa ara; 7 es e dimensdes do corpo. Na sua obra “eaude dos | principes e das pessoas da prime; ‘e Azevedo condenava os excessos ncipes, sempre repletas de iguarias, es a_para satisfacao de seus Patronos. O companhavam a refeicao. Alias, os at ie ezat_os.alimentos mais adequados nor, egoda satide e melhores do ponto de vista da nutricio, A alo lo,podemos referir 0 p40, que era o «primeiro servido a ae dipes; porem hé a ultima cousa que Olhao, ainda que no e da farinha mais fina e, em resultado destes desvies, vam-seas doencas mais frequentes dos «Grandes», a gota, a pedra de 1753, Arte de ra qualidade, Luis le alimentacio nas que uma multidao rade Domingos Rodrigues, a Arte de Cozinha, publicada ini- n 1680, estava, na sua origem, comprometida com atradicao ntacao. No entanto, é significativo que tenham surgido pes até ao século xix, 0 que constitui um indicador da sua nos meios mais distintos da sociedade portuguesa. ‘oliyro era uma sintese das iguarias oriundas do estran- licional portuguesa, além de irincluindo ao longo ss novidades, nomeadamente de docaria. 0 tempo era sformac6es, como se revelava a mesa, nao sé no que scolha dos alimentos para a refeicéo, mas também no tipo de fado. A confusa apresentacao de pratos e travessas de ensOes, caracteristica das ¢pocas medieval, renascentista e incluia cabritos e vitelos inteiros, caca e frangos, carnes yas» de varias qualidades, realcadas por especiarias que rte impressao, foi substituida os em quantidades reduzidas, quenas porcdes, Assim se distribuiam a mesa, seguindo trica, em varias «cobertas» aparatosas, compostas de s, de menor dimensao, com o cuidado de evidenciar recidas com os desenhos de jardins da época’. As “se com molhos e sumos suculentos, de miltiplas m 0 jogo de sabores, ao estilo de verdadeiras Jertavam, além do olfacto, 0 sentido da viséo, na > © dos alimentos em fenomenos totais. \ facilitava.a ap! acao da recomendada 4 grande diversidade de pratos.em ncas. De facto, uma ordem mais evidente es eque, enfim, contribuia para alidade. Nesta perspecti”?, Rosto de Arte de Cozinha, Dividida em Duas Partes, da autoria de Domingos Rodrigues, 1683, Foto: Biblioteca Nacional, Lisboa. ie i disposicao a mesa eram j © © os talheres e 2 Sua cl igualme, oe Fehcho, nao 56 aarfos, colheres e facas, mas também oaks ow aten danar sitivasvisando 0 uso do pio, do sal da pimens i, igares proprios, a imagem. do que se Praticava tea mn yl outros di ww Wa com seus lu pe ye Ye Exes aparatos.coincidiam.com 0 progressivo desaparee ts JP 2 eteigoes plblicas © com a emergéncia de espacos erg 2 a yf pl centracao e reserva, nada andlogos a0s especticulos 4, ay pe ‘Amudanca eraacompanhads do desaparecimentoda mess /) lareestreita,ocupada apenas num dos seus lados, eda mung. Fat de mesas mais largas, com o mesmo formato ou redon; pia mest oi . Mond ye Eur a uma comunicagao estreita e intensa. No universo dag ae P'q/ quotidiana, a mesa era_a grande mediadora entre os indviduos = we y rg cultura, permitindo que o alimento da sobrevivencia de algum moiy a je yy yp se dissimulasse e se convertesse em acto estético, invulgar que " mentagao se transformasse em relacdes sociais e em oportunidaede ~2° conversagao, um acto fundamental na historia da linquagem, ah ~“Entretanto, 05 cozinheiros exercitavama suaimaginacioeassinin | V papel relevante quando, por exemplo, diluiam as proteinas em caldos sopas | e gelatinas, levando a mesa, deste modo, 0 espirito da carne, maisdoae | propria carne, cada vez mais sacudida por criticos, moralistas e més solucdo encontrada para dar resposta 4 requerida levera, elegincate corpo desejado, no respeito pela teoria das proporcoes, uma ideansee generalizava. A dimensao olfactiva e visual e de todas as outras modsid> | des sensoriais, na época em que o sentimento desafiava a razéo, apis textura dos alimentos, eram_objecto de preocupacao de quem tit responsabilidade da estética da mesa. A progressiva substituigao dees iarias de sabor agressivo, em muitos casos dissonante, por ervas 0" ticas mais delicadas, suscitando subtileza de utilizacdo, mudanca ossivel com a vinda de produtos descobertos nas indias OrentiseO%* tals, a utilizagao de ch3, chocolate e café, novos aromas com tat ussdo, 0 acticar, que viria a modificar os habitos e que esteve ropes dda docaria e da confeitaria, eram a base do refinamento oper" dos alimentos. Estes alimentos constituem 0 funda Feceitas mais complexas e dao abertura a uma verdadel ar, | em que os mothos tém um desempenho importante, & PIM { dimensao qualitativa das carnes. Mais tarde, em 1825, 0IV°1 Fs du godt, de Brillat-Savarin, vem legitimar, no que tC ey pool! Femsformacao da necessidade em desejo, como bem ‘set thes na sua anglise da obra’, Neste dominio, deve a8!2°° si? __ Balotizacdo dos legumes, que, por razes diversas. 29 nai ‘multo contribuiu para ligar a cozinha tradicional 2 Co!" as, Suge a presenca de convidados a toda a volta, assim se desfazenin hiierarquias, uma situacdo mais, propicia, como aconteca em i ao recordar que a reputacdo destes | a produ fe do século xvu, esta rela: Pate edu St lacomaxeducacso, Mtaca0 frugal aconselhada ieee jime que participaria na concentracio Ree eleho ealanguidezdehomensqueiarsckee vi peed na de mulheres abandonadas ociosidade cae 3 melancoiados dias erenunciando ag Sema aregeneracao das fibras. No século yy oe y igualmente, pelo seu valor nutitvo e pelo seu pean a oil” _ Y lo seu poderoso/ 0% 4 ode certas doencas da época, contrapondo-se a um | || sumo de carne ie dominio, a batata adquiriu um valor sem tempos de fome, compensando a escassez de o eal tras esa perspectiva, 2. nattirda cozinha - onde finaimente tudo no que toca aos diversos momentos da «cadeia operatérian — e pt esta as preocupacdes de ostentacao e magnificéncia de uma eo, Vo tae ye Yee 3s da natureza, na i v Wa de se repercutir no elevar de tom \ oan" ano © 20 esbanjamento que transpareciam em parteda yw 70 om processo de mudanca inscrevi-serno contextomalsalargado ent oh 0 do p i stitucionalizacio do Estado, da WS) (yr fs peconémica nos finais do Antigo Regime, da p97. pp.77. 107 | Dinastia de Bragansa, ae uela Hasse, «A alimentag30 no a ‘Revista de Historia Econd- 7 (Janeiro-sunho 1981), Ofabico do pao numa ‘Miura do: ‘tratado Tacuinum {eis Alemania, Renan, eu) 22. Biblloteca Nacional U2, Pas Foros sort it Images/Scala,Florenca, 676 inure de Josefa CObidos Bota Musel Anselmo Breamcamp Fre, Santor. ot Rosto de Cozinhein U Nova Arte de Lucas Rigaud, 1785, Foto. Biblioteca Nacional, Lisboa MODERNE "t 1 Albuii martrie | g bibiant martiris, Mi Cathan.mar tris} 5 bDarbare, ULuEgHITS.} € Salk: ath, la menue AbeFgOI eet pafebal Afionie felcdo para a caca de altanaria. lluminura do Brevidrio esa de Bertandos (1530), aibudo aAntnio_ guibados mats oa as E1530 seins Academia das Cancis de Lisboa Ms Azul de isbos (Ws Atl 161 hea aes es ISI3 7 Foto: Projecto Imago/ts Conia de Sousa. Las conetc ath EY ATOCOMIMO GO Hg curee ouedene: leoat (ae. TM d FF Vins manibussseems Jquomam onsiclis + erbti caro panem at \ 4 1 Pormenor de uma iluminura do Brevidrio da Condessa de Bertiandos, ‘atribuido a Anténio de Holanda. Academia das Ciéncias de Lisboa (Ms, Azul 1813, fl. 111). Foto: Luis Correia de Sousa, Pina ante : Ranvrura goon 3292 8 altanaria e a matanca do porco. Ate iyo 2 4¢ Horas dO, Manuel. Museu Nacional de Arte 180914724 um, Foto: ose Pessoa/ODF7IMC ey | pre DS Nee PTY Lcd i cseceaaeetie encod Se ar Peer rn teh PROT cesta Re ee edad Pere ete) reef crea epee er erry Em cima: salva com epislios do Antigo Testamento. Portugal i i 1495-1525. Prata dourada, Palacio Nacional da Ajuda ¢ ae “ NA. In. 5164), Foto: Manuel Silveira Ramos-PH3/DDF/IMC a {com ilustracso de temas mitol6gicos, Portugal soe Prata dourada, Palacio Nacional da Ajuda (PNA, Aesquerda:saly Nacional fa. de meados do século wv, Prata br male Arte Antiga, Lisboa (Inv. 1015 Our). Foto: ‘ HO Pertencentes a Baixela Germain. Francois Thoma! Palacio Nacional da Ajuda (PNA 5350 ¢ 5351). Cena de refeicao 20 ar liv Oficina de Lisboa. P cador. China, Companhia das Indias. Dinastia Kador. China, dinastia Qin Refresé 3 dinastia Qing, periodo Qianlong jor. China, 1795) Porceiana, vidrado e esmaltes de ing peado de tanga 720 ori Coleromada edourado sobre esate bronco. TS. Casa oo ‘Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa (Inv. 913 /DDFINC. Cer, 914 Cer), Foto: Luis Pavao/ Ss ue ae ‘AMesa de Fernando i, imperador do Sacro Império Romano-Germanico. 1558, ‘Staatsarchiv, Nuremberga (Nr. 182, £ 233). Banquet oferecido pela cidade Bruxelas aD. Maria de. ocsere Farmese, a4 de Dezembro de 1565. Album de 8; si liBitan® 12. cabincr ee | Millet Universidade devaneee Apresentacao da Cabeca de Sdo Jodo Baptista, de Gregorio Lopes. See ue Cee ete rr tee So ae eee eee do Instituto Politécnico de Tomar. Homie oferecido por 0: so

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