Venerar é humano. Ser condescendente também. A ciência e a religião são
diferentes em tudo, excepto na veneração e na condescendência. Lemos e vemos cientistas a dizer, na voz baixa de quem está na missa, que tudo na natureza é complexo e maravilhoso. Tanto um gafanhoto como um rochedo como o cérebro humano. Complexo significa aquilo que o cérebro humano, até agora, ainda não conseguiu compreender completamente. Mais valeria dizer inexplicável por nós. Têm também os cientistas a pretensão que algum dia se há-de perceber tudo e, nessa convicção, nota-se o dogma da fé. O mais provável não é só que jamais conheceremos tudo o que somos e que nos rodeia mas que nunca chegaremos a saber a vastidão e a variedade do que desconhecemos. Ter a ambição de vir a saber distingue-nos dos animais, que, nisso, não são tão estúpidos. É verdade que cada vez vamos sabendo mais. Mas alguma vez saberemos os limites do que podemos saber? Alguma vez seremos capazes de desistir, por não sermos suficientemente inteligentes? Não, porque achamos que é tudo uma questão de tempo. A condescendência dos chefes religiosos e científicos é parecida. Falam de todos e para todos: conseguir falar é maravilhoso. Os nossos rins são maravilhosos. Também os sermões dos padres nos tratam todos por pecadores e todos igualmente capazes de nos redimirmos. O zelo é mau quando é pio e quer converter os outros, tornando a coexistência da religião e da ciência num Benfica contra a geologia de Alvalade.